RESUMO: O presente artigo trata do tema ativismo judicial no Brasil, mais precisamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, demonstrando que esse ativismo judicial se faz presente, atualmente, em razão da evolução do constitucionalismo ao longo da história, dos novos ideais trazidos pela Constituição de 1988, em razão do sistema constitucional adotado, além da função de guardiã da Constituição, assegurada constitucionalmente ao Poder Judiciário, o que culmina em uma expansão do mesmo e, consequente, manifestação quando provocado. O referido tema é questão de amplo debate, vez que há um questionamento acerca da legitimidade do Poder Judiciário ao proferir decisões em casos que, em tese, caberiam a outros Poderes. Diante disso, este artigo, por meio de pesquisas bibliográficas, descritivas e investigativas, objetiva verificar o que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a adotar essa postura ativista, bem como verificar o alcance do princípio da separação dos poderes, observando se o Judiciário viola o referido princípio ao praticar o ativismo. Como resultados, tem-se que a prática do ativismo judicial pelo STF é legítima, desde que dentro das funções asseguradas constitucionalmente, e, portanto não viola o princípio da separação dos poderes se for aplicada de forma não arbitrária.
Palavras-chave: Ativismo Judicial. Princípio da Separação dos Poderes. Supremo Tribunal Federal. Legitimidade.
JUDICIAL ACTIVISM: AN ANALYSIS UNDER THE PERSPECTIVE OF THE SEPARATION OF POWERS PRINCIPLE.
ABSTRACT: The present study deals with activism judicial in Brazil, in particular of the Supreme Court (STF), demonstrating that judicial activism is present currently, and about the reason in the evolution of constitutionalism throughout history, new ideas brought by the Constitution 1988, because of the constitutional system adopted, besides the function of guardian of the Constitution, the constitutionally guaranteed power Judiciary, which culminates in an expansion of the same and the consequent manifestation when provoked. The above mentioned subject is a matter of extensive debate, and about the legitimacy of the judiciary to render decisions on cases which, in theory, would fit the other Powers. Therefore, this article, through bibliographic research, descriptive and investigative aims to verify which led the Supreme Court (STF) to adopt this activist approach and to verify the scope of the separation of powers principle, noting that the judiciary violates that principle to practice activism. About the result, it has been the practice of judicial activism by the Supreme Court is legitimate, since the Constitution, and therefore does not violate the separationa of powers principle if applied arbitrarily.
Keywords: Activism Judicial. Separation of Powers Principle. Supreme Court. Legitimacy.
1. INTRODUÇÃO
Questão de grande relevância atualmente no âmbito do Judiciário brasileiro é o fenômeno denominado ativismo judicial, que indica uma postura ativa, principalmente, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao procurar dar efetividade aos preceitos constitucionais assegurados em nossa Carta Magna aos cidadãos, quando estes provocam o Judiciário.
Ocorre que há uma grande discussão, inclusive dentro da área jurídica, se essa função ativista exercida pelo Judiciário é legítima e se não estaria adentrando nas funções asseguradas aos demais Poderes.
Diante disso, o presente trabalho visa investigar o que é o ativismo judicial e os fundamentos dessa atuação mais ampla do Judiciário- destacando o Supremo Tribunal Federal- à luz do princípio da separação dos poderes.
Visando esclarecer a problemática do tema, que gira em torno da legitimidade e violação ao princípio da separação dos poderes diante do fenômeno do ativismo judicial praticado pelo STF, o primeiro ponto a ser abordado no presente trabalho passa a ser a evolução histórica a fim de compreender qual a função exercida pelo Poder Judiciário em nosso país. E, é por meio dessa análise histórica que se percebe a evolução de um Estado Liberal, em que predominava o Poder Legislativo e a mera aplicabilidade da literalidade da lei a um Estado Democrático de Direito onde prevalece a Constituição, a qual passa a ser impregnada de normas cogente e princípios, tendo como um dos fundamentos principais assegurar direitos e garantias fundamentais. A partir disso, verifica-se uma expansão da jurisdição constitucional, o que colabora com a ascensão do Poder Judiciário
Posteriormente, antes de entrar exatamente no tema abordado, é necessário fazer uma distinção entre judicialização e ativismo judicial, pois um decorre do outro, entretanto são fenômenos distintos. Após ser feito esse esclarecimento, há uma exposição da origem do ativismo judicial, passando à sua conceituação e chegando, finalmente, ao ativismo judicial no Brasil, sendo mencionados alguns casos jurisprudenciais de decisões ativistas praticadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Depois, chega-se ao ponto problemático do presente artigo, em que há uma análise histórica do princípio da separação dos poderes. Por fim, é demonstrado que, por seu um tema polêmico e atual, está impregnado de críticas, alguns defensores e outros opositores, assim, são expostos as opiniões de alguns doutrinadores.
Portanto, se fez necessária a abordagem de todos esses pontos, para que haja uma investigação sobre o atual panorama vivenciado pelo Judiciário brasileiro, levando à reflexão acerca da necessidade de haver uma reforma entre os Poderes, ou se há violação ao princípio de separação, bem como se essa atuação traz benefícios ou prejuízos aos cidadãos.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL
2.1. Neoconstitucionalismo
O movimento constitucionalista se desenvolveu ao longo da história, passando, ao decorrer do século XX, pelo Constitucionalismo Liberal, Constitucionalismo Social, culminando com o Constitucionalismo Neoliberal/Contemporâneo, chamado, também, por alguns doutrinadores, de neoconstitucionalismo.
A transformação ocorrida no Direito Constitucional, em razão da influência do movimento constitucionalista, tem início no constitucionalismo antigo, na Antiguidade Clássica, quando o Estado era regido por costumes, onde não existiam constituições escritas. Até meados da Idade Média predominava o regime absolutista, por meio do qual os governantes não tinham limitações, mas a partir desse período o constitucionalismo ressurge como movimento de conquista das liberdades individuais, impondo limites à atuação soberana.
No final do Século XVIII começaram a surgir as primeiras constituições escritas, principalmente com influência do constitucionalismo americano e francês, que inseriram as idéias de supremacia da constituição, garantia jurisdicional e separação dos poderes.
Com o final da Segunda Guerra Mundial, período em que o neoconstitucionalismo ganha força, a Europa passou por uma redemocratização, reconstitucionalização, visto que anteriormente vigorava na Europa um modelo identificado como Estado Liberal, que pregava por defesa das liberdades individuais e diante disso, como forma de limitar essa liberdade, ao invés do comando da pessoa, o monarca, como era no período absolutista, a lei busca limitá-la, sendo, portanto, um Estado de Direito, onde o Estado era regulado e controlado pela lei.
Todavia, com as mudanças ocorridas na Europa, no período pós-guerra, o Estado Liberal não conseguiu vencer as devastadoras crises e os problemas sociais surgidos com esse período, além disso, o fato dos valores éticos e morais começarem a retornar ao direito diante de um novo posicionamento popular vinculado à questão social advém, com isso, o Estado Social, intervencionista, que visa garantir os direitos individuais e coletivos, intervindo normativamente e operacionalmente para tutelar essas garantias. Dessa forma, surge um novo modelo de organização política, qual seja o Estado Democrático de Direito, que conjuga o Estado de Direito- respeito à lei- com o Estado Democrático- soberania, justiça social, dignidade da pessoa humana-, o que leva a uma ampliação da visão de mundo, bem como do constitucionalismo.
Destarte, o neoconstitucionalismo acabou por legitimar o aparecimento da Constituição moderna, entendida por uma ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político. Assim, com a influência dos ideais trazidos pelo período pós Segunda Guerra Mundial, a Constituição passa a ser o centro do ordenamento jurídico, contendo um conjunto de direitos fundamentais, com normas impregnadas de valor axiológico e, desfrutando, a partir de então, da supremacia formal e material, a ser protegida pelo Poder Judiciário.
Noutro pórtico, o pós-positivismo é tido como o marco filosófico do neoconstitucionalismo. Nas palavras de Luís Roberto Barroso (2009, p.351), o pós-positivismo pode ser assim conceituado:
O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.
Então, com o final da Segunda Guerra Mundial, a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos, baseados apenas no direito posto, não era mais adequado com a realidade social. Por esta razão, as ideias do jusnaturalismo e do positivismo não mais se adaptavam, surgindo o pós-positivismo, que promove a reaproximação entre o direito e a moral; a centralidade dos direitos fundamentais e a normatividade dos princípios.
Portanto, conforme entende Barroso (2009, p. 340), o pós-positivismo supera o legalismo, através da reintrodução dos ideais de justiça e legitimidade, ocorrendo o reconhecimento de valores, os quais passam a integrar o ordenamento jurídico, condicionando a atividade do intérprete. Assim, com a reintrodução desses ideais há uma reaproximação do direito com a ética e a moral.
Tais valores são materializados por meio dos princípios, os quais, de agora em diante, estão presente nas Constituições, seja de maneira explícita ou implícita, tais quais os princípios da dignidade da pessoa humana, da separação dos poderes, da liberdade, da igualdade, dentre outros. Esses princípios visam condensar os valores da sociedade, dar unidade ao sistema e funcionar como orientação ao intérprete. Com isso, os princípios deixam de ser fonte supletiva e passam a ter força normativa, tão quanto as regras, com caráter vinculativo e obrigatório, ou seja, passam a ser aplicados no caso concreto. Dessa forma, as normas constitucionais se apresentam como gênero, contendo duas espécies: regras e princípios, cada qual com funções e eficácias diferentes.
Deste modo, o neoconstitucionalismo reverte a antiga aplicação do Direito Constitucional, vez que rompe com o modelo tradicional Europeu em que a Constituição era um documento político, cujas normas não eram dotadas de aplicabilidade direta, dependendo da atuação dos legisladores, pois ao Judiciário não cabia qualquer papel na realização do conteúdo da Constituição, vigorando, a partir de então, a supremacia da Constituição, a qual é reconhecido como força normativa, com normas impugnadas de valor axiológico, de imperatividade e de aplicabilidade direta e imediata, as quais devem ser cumpridas sob pena de cumprimento forçado, cabendo a proteção da Constituição ao Judiciário. (BARROSO, 2007, p.5)
Assim sendo, como decorrência natural da supremacia da Constituição, se desenvolveu um novo método de interpretação constitucional, onde os modelos tradicionais de interpretação- gramatical, histórico, teleológico- e resolução de conflitos entre normas- caráter hierárquico, cronológico, especialidade- não são derrogados, mas são complementados, visando garantir a concretização dos direitos e garantias fundamentais, com a interpretação por meio de uma interpretação principiológica ou valorativa, como a interpretação conforme a Constituição, princípios da razoabilidade, da efetividade, ponderação, etc.. Portanto, o juiz que antes era restrito a norma, verifica que, com a nova interpretação constitucional, a solução de uma controvérsia jurídica nem sempre está no texto normativo, assim pode fazer uso de ponderações entre os princípios (em caso de analisar quais dos princípios devem ser aplicados ao caso concreto), investigar o sentido e alcance da norma e utilizar da teoria da argumentação para solucionar o caso da melhor forma possível, formando-se juízos de valor e não de fato, como anteriormente.
Ressalte-se que um dos traços mais marcantes do neoconstitucionalismo é a ascensão do Poder Judiciário, vez que por meio das Constituições normativas, do reconhecimento da normatividade dos princípios e do controle de constitucionalidade há uma necessidade de novas posturas interpretativas à luz do papel assumido pela Constituição (centralidade e força normativa), para a concretização dos preceitos nela contidos, contribuindo com o fortalecimento do Judiciário.
Logo, percebe-se que os ideais do neoconstitucionalismo e o período histórico em que se desenvolveu geraram uma força normativa da Constituição; força normativa dos princípios; força do Poder Judiciário, este se deu a partir da expansão da jurisdição constitucional por todo o ordenamento jurídico, da nova interpretação constitucional e do controle de constitucionalidade, o que, nas palavras de Barroso (2007, p. 11-12) “desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização”.
2.2. Pós Constituição de 1988
O processo de desenvolvimento por qual passou o Direito Constitucional, na Europa no período pós Segunda Guerra Mundial, influenciou e se desenvolveu no Brasil com a Constituição de 1988, por ocasião da discussão, elaboração e promulgação da nossa atual Carta Magna, o que favoreceu a redemocratização e a reconstitucionalização do nosso país.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF) gerou a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário (período militar) para um regime democrático, organizado sob um Estado Democrático de Direito.
Nessa perspectiva, Gilmar Mendes (2009, p. 203) diz que:
A Constituição de 1988, em razão mesmo do seu processo de elaboração, é a mais democrática das nossas cartas políticas, seja em razão do ambiente em que ela foi gerada- participação era, então, a palavra de ordem- seja, em função da experiência negativamente acumulada nos momentos constitucionais precedentes, quando, via de regra, nossas constituições foram simplesmente outorgadas ou resultaram de textos originariamente redigidos por grupos de notáveis- com ou sem mandado político-, para só depois serem levados a debate nas assembléias constituintes.
No Brasil, até 1988 a lei preponderava sobre a Constituição e esta não tinha como objetivo principal consagrar os direitos que ali dispunha, visto que esses direitos para se efetivarem dependiam da atuação dos governantes. Ademais, os poderes não eram tão independentes e o Poder Judiciário não desempenhava um papel político importante.
Todavia, a Assembléia Constituinte de 1987/1988, influenciada pelos ideais do neoconstitucionalismo, promulgou uma Constituição contendo uma imensa quantidade de obrigações para o Estado, passíveis de serem exigidas pela população em geral.
Como forma de compreender alguns preceitos trazidos por nossa Constituição, vê-se o seu preâmbulo (BRASIL, 1988):
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Diante disso, verifica-se que, influenciado pelas teorias pós-positivistas, o Brasil passa a enfatizar na Constituição o exercício dos direitos fundamentais e sociais, assim como o caráter normativo dos princípios, além da supremacia da Constituição a ser assegurada pelo controle de constitucionalidade.
Ingo Sarlet (2004, p. 73), no que se refere aos direito fundamentais afirma,
Traçando-se um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais. De certo modo, é possível afirma-se que, pela primeira vez, na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida relevância.
O art. 5º, §1º, da Constituição Federal (BRASIL,1988) prevê que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, excluindo, em princípio, o cunho programático desses preceitos. Ademais, os direitos fundamentais são incluídos no rol das cláusulas pétreas do art. 60, §4º, da CF (BRASIL, 1988), o que impede a supressão ou modificação dos direitos fundamentais pela ação do poder Constituinte derivado.
Além de a Carta Magna tratar dos direitos fundamentais, regula uma diversidade de outros assuntos que poderiam ser tratados por normas infraconstitucionais, o que a caracteriza como uma Constituição analítica, o que, segundo Ingo Sarlet (2004, p. 75) “o procedimento analítico do Constituinte revela certa desconfiança em relação ao legislador infraconstitucional”, isto é, essa característica subtrai um vasto número de questões do alcance do legislador.
Nas palavras de José Afonso da Silva (2005, p. 89) a Constituição de 88 compreende nove títulos que cuidam:
(1) dos princípios fundamentais; (2) dos direitos e garantias fundamentais, segundo uma perspectiva moderna e abrangente dos direitos individuais e coletivos, direitos sociais dos trabalhadores, da nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos; (3) da organização do estado; (4) da organização dos poderes; (5) da defesa do Estado e das instituições democráticas; (6) da tributação e do orçamento; (7) da ordem econômica e financeira;(8) da ordem social; (9) das disposições gerais.
Desse modo, a Constituição de 1988 traz positivados em seu texto a forma e o sistema de governo, a organização e estrutura do Estado, suas instituições, a organização dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), a estruturação de vários setores essenciais a justiça, e diversos outros temas importantes na formação de um Estado Democrático de Direito.
Outrossim, a nossa Carta, influenciada pelos ideais do neoconstitucionalismo, passa a ter força normativa, sendo o centro do ordenamento jurídico. Dessa forma, todo o ordenamento jurídico deve ser se basear no que preceitua a Constituição, visando realizar e respeitar os valores nela consagrados. Por esse motivo, segundo Barroso (2009, p. 341) “a Constituição passa a ser, assim, não apenas um sistema em si- com sua ordem, unidade e harmonia- mas também um de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito”.
Nesse sentido, Konrad Hesse (1991, p. 15) afirma que
A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas, também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social [...].
E diz, ainda, que “a Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia”. (HESSE, 1991, p. 16).
Como forma de efetivar as normas contidas na Constituição Federal de 1988, e diante da redemocratização e reconstitucionalização há o desenvolvimento de uma dogmática de interpretação constitucional, com novos métodos hermenêuticos e princípios específicos de interpretação. Como também a irradiação de seus princípios e valores por todo ordenamento é garantido pelo controle de constitucionalidade. Na verdade, desde a Constituição de 1891 o controle de constitucionalidade é previsto nas Constituições brasileiras, todavia com a Constituição de 88 há o aprimoramento desse controle e a inserção de novos remédios constitucionais, como forma de garantir a efetividade dos direitos fundamentais.
Nas palavras de Uadi (2010, p. 181) “o controle de constitucionalidade é o instrumento de garantia da supremacia das constituições. Serve para verificar se os atos executivos, legislativos e jurisdicionais são compatíveis com a carta magna”.
No que se refere ao controle de constitucionalidade a Constituição de 1988 inovou, trazendo uma previsão de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, arguição de descumprimento de preceito fundamental, bem como a ação declaratória de constitucionalidade (TAVARES, 2010, p. 300).
Nossa Constituição adotou, ainda, um vasto elenco de legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, como se vê no rol trazido no art. 103, da CF/88. Adotou, ainda, o mandado de injunção e outros remédios constitucionais, visando garantir a efetividade dos direitos fundamentais.
Pela nova hermenêutica constitucional, no Brasil, abre-se, também, espaço para utilizar princípios através da ponderação dos valores, utilizar a teoria da argumentação jurídica, diante dos casos em que não haja regras que solucionem o conflito.
Em razão disso, corrobora as palavras de Barroso (2009, p. 352) quando diz que:
O discurso acerca dos princípios, da supremacia dos direitos fundamentais e do reencontro com a Ética- ao qual, no Brasil, se deve agregar o da transformação social e o da emancipação- deve ter repercussão sobre o ofício dos juízes, advogados e promotores, sobre a atuação do Poder Público em geral e sobre a vida das pessoas. Trata-se de transpor a fronteira da reflexão filosófica, ingressar na dogmática jurídica e na pratica jurisprudencial e, indo mais além, produzir efeitos positivos sobre a realidade.
Corroborando tem-se o art. 5º, XXXV, da CF/88 (BRASIL,1988) o qual preceitua que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Diante disso, a Constituição de 88 reforça o papel do Judiciário como garantidor dos valores previstos na Constituição, expandindo a atuação judicial.
Outras inovações, posteriores a promulgação da Constituição de 1988, também, acentuaram o papel político do Judiciário, como a Emenda Constitucional 45/64, a qual dentre outros trouxe a Súmula Vinculante, que nas palavras de Gilmar Mendes (2009, p. 211) “veio a se converter no emblema mais vistoso da chamada legislação judicial, uma normatividade que, mesmo congênita à atividade de dizer o direito, deve sujeitar-se a alguma forma de controle externo [...]”.
Segundo Manoel Gonçalves (2009, p. 134),
essa Constituição trouxe ainda algumas consequências que só foram sentidas com o tempo, dentre elas a concentração do poder em mãos do Presidente da República; a proliferação dos partidos; a politização do judiciário; a centralização na federação; a proliferação dos municípios. [...]
A politização do judiciário foi um efeito inesperado que deriva da valorização da atividade jurisdicional que resulta da constituição vigente. A valorização apresenta três dimensões mais evidentes: ampliação do controle judicial sobre a administração pública, alargamento do controle de constitucionalidade e, o seu papel normativo a nível constitucional e infraconstitucional.
Assim, diante dessas inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 no Brasil passa a ocorrer a constitucionalização do direito e a judicialização das relações social.
A constitucionalização gera a integração do ordenamento jurídico com a Constituição, na medida em que na Constituição existem normas e princípios que regulam os demais institutos do ordenamento jurídico, assim como o ordenamento jurídico deve respeitar a Constituição.
Outrossim, no que se refere a judicialização, é mister esclarecer que a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, trouxe novas direitos e novas ações constitucionais, acarretando um aumento na demanda por justiça na sociedade brasileira, em virtude da conscientização das pessoas em relação aos próprios direitos.
Ressalte-se que, o art. 102, da CF/88 (BRASIL,1988) dispõe que “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”, tal sistemática de jurisdição constitucional favoreceu o poder de provocar o Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, essa mudança de paradigma, se reflete na jurisprudência do STF, vez que ele tem se defrontado com novos temas impregnados de conteúdo moral, como as discussões sobre a possibilidade de aborto de feto anencéfalo; possibilidade de reconhecimento de união entre pessoas homoafetivas; a validade de pesquisa em células-tronco embrionárias; a possibilidade de greve pelos servidores públicos; progressão de regime no caso de crime hediondo; reforma previdenciária, dentre outras, o que torna o STF a adotar decisões que refletem sobre a atuação dos demais poderes.
Para Luís Roberto Barroso (2009, p.2) judicialização significa que “algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais”.
3. ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO
Dentre os ideais do neoconstitucionalismo, presente na Constituição Federal de 88, consoante demonstrado acima, destaca-se a supremacia da Constituição e expansão do Poder Judiciário, o qual é responsável por concretizar a nossa Carta Magna, cabendo em especial ao Supremo Tribunal Federal.
Diante desse contexto e da importância alcançada pelo Poder Judiciário (inafastabilidade da tutela jurisdicional), bem como da existência de normas que asseguram direitos fundamentais de diversas dimensões aos cidadãos, passou a ser frequente que questões polêmicas e relevantes para a sociedade sejam decididas por juízes e cortes constitucionais, tal provocação do Judiciário mediante a propositura de demandas visando a efetividade dos direitos previstos, caracterizando a judicialização.
Paralelo à judicialização há o ativismo judicial, que Barroso em seu artigo “Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática”, bem define como:
uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.
A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.
3.1. Ativismo Judicial
Apesar da pouca diferenciação entre judicialização e ativismo judicial, este decorre daquele, todavia o presente artigo visa se deter ao ativismo judicial, apresentando inicialmente as noções básicas, com o estudo dos aspectos históricos relativos à postura do judiciário, mais precisamente do STF, partindo, por conseguinte, para a análise do princípio da separação dos poderes. Em seguida, demonstra a existência de críticas relativas a esse ativismo e apresenta alguns casos analisados pelo Supremo Tribunal Federal.
A respeito do termo ativismo judicial, Luís Roberto Barroso em seu artigo “Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo”, traz uma brilhante explicação acerca da origem dessa expressão, senão vejamos:
Ativismo Judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzidas por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais. Todas essas transformações foram efetivadas sem qualquer ato do Congresso ou decreto presidencial. A partir daí, por força de uma intensa reação conservadora, a expressão ativismo judicial assumiu, nos Estados Unidos, uma conotação negativa, depreciativa, equiparada ao exercício impróprio do poder judicial. Todavia, depurada dessa crítica ideológica- até porque pode ser progressista ou conservadora- a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações, sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios.
Apesar de ser difícil precisar o surgimento sabe-se que os Estados Unidos exerceram grande influência sobre a origem do ativismo judicial, principalmente diante do caso conhecido Marbury vs. Madison, momento em que foi reconhecido uma postura ativa dos juízes da Suprema Corte americana ao exercer a legitimidade conferida mediante o controle de constitucionalidade de atos normativos advindos de outros órgãos políticos (PAULA, p. 282). Outros casos de ativismo praticado pela Suprema Corte são citados no artigo de Arcênio Brauner (p. 617-618) quando diz que:
a partir da década de 50, a Suprema Corte produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. Board of Education, 1954), acusado em processo criminal (Miranda v. Arizona, 1966) e mulheres (Richardson v. Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito a privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade,1973).
Ademais, em 1947 o jornalista Arthur Schlesinger Jr., em um artigo publicado na Revista Fortune, utilizou pela primeira vez o termo ativismo judicial ao comentar sobre as linhas de atuação da Suprema Corte, entendendo que esta possuía juízes em linha ativistas e outros que seguiam uma postura de autocontenção.
Noutro pórtico, um estudo realizado pelo professor Cristopher Wolfe (PAULA, p. 282) relata que inicialmente nos Estados Unidos era realizada uma leitura fiel do texto constitucional, no entanto, ao longo dos períodos foi havendo uma modificação na interpretação e revisão judicial que culminou com o desenvolvimento mais ativista de interpretação constitucional e revisão judicial.
Nesse sentido, pode-se dizer que no Brasil não foi diferente, pois conforme exposto nos capítulos introdutórios deste artigo, até 1988 a lei valia muito mais do que a Constituição e o Poder Judiciário não gozava de tanta importância, foi com a promulgação da Carta Magna de 1988 que a Constituição, influenciada pelo neoconstitucionalismo, passou a conter um generoso rol de direitos fundamentais e a ser centralizada, o que reforçou o papel do Poder Judiciário para que este mediante remédios constitucionais, controle de constitucionalidade, novas técnicas de interpretação, princípios, entre outros, desse aplicabilidade aos dispositivos constantes na Constituição de 88. Dessa forma, assim como nos Estados Unidos, no Brasil houve um avanço ativista, no sentindo de que o Judiciário deixa de simplesmente reproduzir a lei, passando a exercer um papel mais ativista nas interpretações e aplicações do direito posto, quando provocado.
Destarte, o ativismo judicial se faz presente no Brasil, principalmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal e, pode-se dizer que além das influências decorrentes de mudanças no texto constitucional, do processo de redemocratização, da passagem para um Estado Democrático de Direito, atualmente nosso país vive sob a égide de uma crise de representação parlamentar, aumento na demanda e ampliação do direito mediante uma Constituição altamente compromissória.
Além disso, outro fator importante no exercício do ativismo judicial em nosso país foi a mudança dos intérpretes constitucionais, como, por exemplo, a mudança na composição dos Ministros no STF. Moreira Alves foi ministro da Suprema Corte por quase 20 anos, durante o período em que proferiu decisões entendia que o STF não devia interferir nas razões políticas das instituições de representação popular, entendia que as interpretações deveriam ser estritas e moderadas e, no que tange a época da promulgação da Constituição de 88 este ficou temeroso com relação a ampliação do rol de legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, preocupando-se com o fato de que a ampliação do acesso à jurisdição geraria um acúmulo de processos (CAMPOS, p. 568- 569).
Ocorre que, com a entrada do Ministro Gilmar Mendes, em 2002, houve uma expansão no campo de atuação do Supremo, pois o referido Ministro é favorável a uma atuação mais expansiva, favorável ao maior acesso as ações de competência originária do STF, o que demonstra um papel ativista, “pois, a estratégia de ampliar a legitimação para promover litígios de interesse público ajuda a assegurar que a corte permanecerá como importante local de deliberação de muitas questões importantes de política social” (CAMPOS, p. 570).
Apesar de amplamente utilizado e de se afirmar a ocorrência do ativismo judicial atualmente em nosso país, o seu conceito não é tarefa pacífica entre os estudiosos do direito. Todavia, diante das leituras realizadas, em suma, pode-se ter como ideia de ativismo judicial o exercício expansivo pelo Poder Judiciário impondo obrigações em caso de retratação do Poder Legislativo; interpretando a Constituição de maneira expansiva ou restritiva; declarando a inconstitucionalidade de atos; estabelecendo eficácia e aplicabilidade aos direitos e normas presentes em nossa Carta.
O Poder Judiciário é um poder autônomo, independente e imparcial, ao qual incumbe consolidar os princípios supremos e direitos fundamentais indispensáveis às relações jurídicas, cabendo a este Poder solucionar conflitos, administrar a justiça, mediante aplicação das leis.
O Supremo Tribunal Federal é um órgão do Poder Judiciário e é tido como o guardião da Constituição – conforme expressamente menciona o art. 102 da CF-, cabendo-lhe fiscalizar a constitucionalidade das leis e dos atos normativos; emitir a última palavra nas questões submetidas ao seu veredicto; primar pela regularidade do Estado Democrático de Direito, garantindo a separação dos Poderes; defender a supremacia das liberdades públicas, dos direitos fundamentais, em face dos Poderes do Estado (UADI, 2010, p. 1276).
Sendo assim, nos últimos anos o STF vem desempenhando um papel ativo na sociedade brasileira, proferindo decisões sociais e políticas, que repercutem na vida dos brasileiros, o que caracteriza o ativismo judicial. Ressalte-se que tal pronunciamento ativista ocorre mediante provocação pelos legitimados, o que cabe ao STF apreciar as questões, pois o art. 5º, XXXV, da CF/88 dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Deste modo, diante da constitucionalização, do controle de legitimidade e das funções constitucionalmente asseguradas, dentre elas a guarda da Constituição, o acesso ao Supremo é amplo e, portanto diversas questões de alta relevância foram discutidas ou estão em vias de discussão, tais quais: pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3510/DF); interrupção da gestação de fetos anencefálicos (ADPF 54/DF); restrição ao uso de algemas (HC 91952/SP e Súmula Vinculante n.º 11); demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3388/RR); vedação ao nepotismo (ADC 12/DF e Súmula n.º 13); fidelidade partidária (ADI 3999); verticalização (ADI 3685/DF); greve no serviço público (MI 670, 708 e 712); reconhecimento união estável entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4277 e ADPF 132); realização de audiência públicas para debater a questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos fora das listas do SUS (Sistema Único de Saúde).
Barroso (2009, p. 4) aduz que “em todas as decisões referidas acima, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o fez nos limites dos pedidos formulados. O Tribunal não tinha alternativa de conhecer ou não das ações, de se pronunciar ou não sobre o mérito, uma vez preenchidos os requisitos”.
Portanto, percebe-se que o papel desempenhado pela Corte é nada mais do que o desempenho do seu papel constitucional, da jurisdição constitucional, que ante a omissão do Poder Legislativo em atender as proposições elencadas na Constituição e, diante do fato de o Judiciário, em especial o STF, não poder se omitir à questões levadas a seu crivo, acaba por estabelecer determinada interpretação conforme a Constituição, ou até mesmo, “legislar” a fim de dar efetividade as normas sem regulamentação, mas que a sociedade anseia.
Essa assertiva é visualizada no voto proferido pelo Ministro Celso de Mello (ADPF 45 MC/DF), ao se pronunciar acerca da legitimidade da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, in verbis:
É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substiuir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Diante dessa atribuição ao Poder Judiciário em impor condutas ao Poder Público; em editar Súmulas Vinculantes quando deviam existir leis, como por exemplo no caso do Nepotismo; em aplicar a Constituição em casos não previstos em seu texto, como foi o caso da fidelidade partidária, criando uma nova hipótese de perda de mandato, entre outras, leva a reflexão sobre a legitimidade dessas decisões e seus limites e possibilidade ante o princípio da separação dos poderes.
3.2. Ativismo Judicial e o Princípio da Separação dos Poderes.
Inicialmente, vale ressaltar que as primeiras ideias acerca de separação dos poderes foram tratadas por Aristóteles, em sua obra “Política”, que vislumbrava a necessidade de fragmentar as funções administrativas da pólis, principalmente a separação entre administração do governo e solução de litígios da comunidade (GONÇALVES, 2011, p. 216). Posteriormente, nos tempos modernos, mais precisamente na Inglaterra, Locke formulou uma teoria de separação dos poderes na qual o Poder Legislativo deveria formular as leis, o Poder Executivo deveria fazer cumprir as leis e o Federativo responsável por promover a paz ou a guerra, assim percebe-se que inexistia o Judiciário.
Montesquieu, inspirado na obra de Locke, vislumbrou a necessidade da separação de poderes, pois entendia que quem era investido no poder, sem limitações, tendia a dele abusar, assim sustentava que só haveria limitação de um poder se houvesse um outro capaz de limitá-lo (NOVELINO, 2009, p. 342). Dessa forma, em sua obra “Do Espírito das Leis”, vendo a necessidade de haver ligação entre as funções estatais para manter autonomia e independência, deu origem à famosa teoria dos freios e contrapesos (“check and balances”), onde cada um dos poderes (executivo, legislativo e judiciário), incluindo a partir de então o Judiciário, passaram a ter funções típicas e atípicas, em que cada poder iria cumprir a sua função essencial e fiscalizar a função do outro, impedindo abusos, a fim de evitar a concentração do exercício do poder.
André Ramos Tavares (2010, p. 1183) relata que Montesquieu considerava quanto à função judicial que “os juízes de uma nação não são mais do que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor”. Ademais, acrescenta que o princípio da separação dos poderes serve para garantir o primado da lei, diante do Estado de Direito de legalidade, da época do iluminismo.
Todavia, apesar de nessa época do constitucionalismo clássico o Poder Legislativo ter uma posição de destaque, com o passar dos anos, o pós-guerra, o surgimento do Estado Democrático de Direito e, mais precisamente em nosso país, da constituição cidadã de 1988, esse quadro vem se revertendo cada vez mais. Portanto, conforme cita Uadi (2010, p. 1041), a organização dos Poderes na Constituição de 1988 nem sempre segue à risca a tipologia clássica de Aristóteles, Locke e Montesquieu. Acrescenta ainda:
a doutrina clássica de separação de Poderes, que distingue a legislação, a administração e a jurisdição, atribuídas a órgãos distintos e independentes entre si, e que impregnou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (art. 16) e a nossa Carta de 1988 (art. 2º), deve ser vista, no Brasil, na ótica da relatividade.
Assim, o delicado equacionamento de forças entre Poderes, no Brasil, não poderá seguir, à risca a proposta de autores clássicos, notadamente Montesquieu.
Já passou a hora de reavaliar o critério tradicional que propõe separar, in extremis, as atividades legislativa, executiva e jurisdicional.
Hoje em dia, cada uma dessas funções não é, em absoluto, estanque uma da outra.
É nesse contexto que deve levar em consideração se o princípio da separação dos poderes, conforme proposto inicialmente por Montesquieu, está sendo lesionado pelo STF ao praticar o ativismo judicial, ou seja, ao concretizar valores e fins constitucionais, por meio da aplicação direta da Constituição em situações não contempladas expressamente em seu texto e independente de manifestação do legislador ordinário; ao declarar a inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de violação à Constituição e ao impor condutas ou abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria pública (BARROSO, 2009, p. 5).
A nossa Carta Magna prevê, expressamente, o princípio da separação dos poderes em seu art. 2º (BRASIL,1988): “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, protegendo-o, inclusive, como cláusula pétrea (art. 60, §4º, CF). Esses poderes independentes e harmônicos entre si são bem esclarecido por José Afonso da Silva (2005, p. 110) como:
A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos não dependem da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhe sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais [...]
A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.
Esse mesmo autor (2005, p. 108-109) esclarece ainda:
A função legislativa consiste na edição de regras gerais, abstratas, impessoais e inovadoras da ordem jurídica, denominadas leis. A função executiva resolve os problemas concretos e individualizados, de acordo com as leis; não se limita à simples execução das leis, como às vezes se diz; comporta prerrogativas, e nela entram todos os atos e fatos jurídicos que não tenham caráter geral e impessoal; por isso, é cabível dizer que a função executiva se distingue em função de governo, com atribuições políticas, co-legislativas e de decisão, e função administrativa, com suas três missões básicas: intervenção, fomento e serviço público. A função jurisdicional tem por objeto aplicar o direito aos casos concretos a fim de dirimir conflitos de interesse.
Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto, no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes.
Deve-se relembrar que com a Constituição de 88 faz renascer a democracia no Brasil, através de um Estado Democrático de Direito, trazendo como primordial o princípio da dignidade da pessoa humana, além de vir impregnada de direitos fundamentais e sociais a serem garantidos. É diante do Estado Democrático de Direito que há uma necessidade da releitura do princípio da separação dos poderes, pois enquanto no Estado Liberal, época em que surgiu a teoria de separação dos poderes, havia um formalismo na concretização dos direitos para que a liberdade dos cidadãos fosse assegurada por meio da limitação do poder, no atual Estado Democrático há um substancialismo na concretização e garantia dos direitos fundamentais. Assim, contextos distintos necessitam de soluções distintas.
O princípio da separação dos poderes ainda tem sua importância no Estado Democrático de Direito, todavia a lei e a posição de supremacia do Poder Legislativo, característicos do Estado Liberal, passam a ser substituídos pela supremacia da Constituição, e por meio dela todos os poderes, inclusive o Judiciário, extraem da Carta Cidadã a mesma importância em seu exercício, visando cada um dos Poderes, em suas funções, dar realização aos preceitos nela contidos.
Nesse ínterim, bem se adequam as palavras de José Afonso da Silva (2005, p. 101, senão vejamos:
Cumpre, em primeiro lugar, não confundir distinção de funções do poder com divisão ou separação de poderes, embora entre ambas haja uma conexão necessária. A distinção de funções constitui especialização de tarefas governamentais à vista de sua natureza, sem considerar os órgãos que as exercem; quer dizer que existe sempre distinção de funções, quer haja órgãos especializados para cumprir cada uma delas, quer estejam concentradas num órgão apenas. A divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes, que tomam os nomes das respectivas funções, menos o Judiciário (órgão ou poder Legislativo, órgão ou poder Executivo e órgão ou poder Judiciário). Se as funções forem exercidas por um órgão apenas, tem-se concentração de poderes.
Portanto, na atualidade, o Poder, em sentido político, é uno, distribuindo-se nos órgãos e competências para desempenharem determinadas funções, servindo cada um a um mesmo governo.
Em relação ao Poder Judiciário, mais precisamente o Supremo Tribunal Federal, com a supremacia da Constituição, este passa a ser, não o único, mas o principal garantidor das promessas constitucionais, assumindo o papel de guardião da Constituição (art. 102, CF). Devido a esse papel, passa a ter uma conduta mais ativa e interventiva em nome da manutenção do Estado Democrático, e isto é o que leva a discussão acerca da falta de legitimidade e invasão de competência no âmbito dos outros poderes.
Contudo, ao tratar da legitimidade ou não do Judiciário e se há intervenção nas esferas do Legislativo e Executivo, deve-se, primeiramente, aduzir que no Estado Democrático de Direito não há órgão mais ou menos legítimo para o exercício de sua função, pois todos são devidamente consagrados como funções indispensáveis à mantença desse status de Estado, que pressupõe, necessariamente, a existência da democracia e a concretização de direitos fundamentais, que deverão ser o norte para o exercício e respeito na divisão de poderes.
O Judiciário vem ganhando papel relevante na sociedade atual, pois nos Estados Democráticos do pós-guerra, as complexas relações sociais, o conhecimento por parte dos cidadãos dos direitos constitucionalmente positivados, e, perante a falta de recursos materiais e muitas vezes de vontade política à sua concretização, passa a desembocar no Poder Judiciário, o requerimento para assegurar a garantia desses direitos.
Tais fatos levam à necessidade de uma releitura da teoria da separação dos poderes, corroborando, mencionam-se as palavras de Bonavides (2004, p. 364):
Ontem, a separação de Poderes se movia no campo da organização e distribuição de competências, enquanto seu fim era precisamente o de limitar o poder do Estado; hoje, ela se move no âmbito dos direitos fundamentais e os abalos ao princípio partem de obstáculos levantados à concretização desses direitos, mas também da controvérsia de legitimidade acerca de quem dirime em derradeira instância as eventuais colisões de princípios da Constituição. (...) Na equação dos poderes que se repartem como órgãos da soberania do Estado nas condições impostas pelas variações conceituais derivadas da nova teoria axiológica dos direitos fundamentais, resta apontar esse fenômeno de transferência e transformação política: a tendência do Poder Judiciário para subir de autoridade e prestígio, enquanto o Poder Legislativo se apresenta em declínio de força e competência.
Quando se fala em releitura da teoria de separação de poderes, nos dias atuais, deve-se associar a ideia de uma cooperação entre os poderes, em que um complementa a função do outro. Deste modo, o Judiciário, mais precisamente o STF, atua em nome da supremacia da Constituição, visando garantir os direitos ali previstos, portanto em havendo atuação legislativa e executiva não será necessária a intervenção judicial.
Obviamente que tal atuação deve ocorrer com o intuito de que os direitos assegurados constitucionalmente não fiquem sem regulação, deixando os cidadãos à margem da vontade política, pois se for provocado não cabe ao STF permanecer inerte, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF).
Por restar devidamente demonstrado que o Judiciário, quando acionado, age estritamente na sua função de guardião da Constituição, pois a este órgão cabe concretizar os direitos assegurados constitucionalmente, não há, portanto, que falar em legitimidade ou não, mas em limitação no exercício da jurisdição constitucional. Assim, o papel ativista do Supremo Tribunal Federal é uma consequência natural da democratização do direito e da tentativa da máxima concretização dos direitos fundamentais.
Ressalte-se que a tarefa de concretizar os direitos constitucionais não cabe exclusivamente ao Poder Judiciário, até porque haveria concentração de poder, mas ele é o órgão ao qual o cidadão pode buscar a tutela de seus direitos, a realização das promessas constitucionais negligenciadas pelo Executivo, a discussão de questões controversas que aguardam pelo processo legislativo, o que gera a tendência de atuar como legislador positivo sem, no entanto, ferir a democracia, visto que atua dentro da função que lhe é assegurada quando provocado.
Destarte, reafirma-se a necessidade de cooperação entre poderes, relembrando o citado acima, por José Afonso da Silva, quanto à harmonia dos poderes previsto em nossa Constituição “nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados”.
No mesmo sentido, cita-se a ideia de Capeletti (1993, p. 55):
mostra-se interessante ressaltar que a própria França, onde nasceu e se exaltou a idéia de séparation, como também outros países continentais (que por muito tempo compartilharam dessa idéia), estão se movimentando nesta direção, partindo do sistema de rígida separação para o sistema de controles recíprocos. Sistema, este último, no qual o ‘crescimento’ do poder judiciário é obviamente o ingrediente necessário do equilíbrio dos poderes.
Por fim, transcreve-se alguns trechos do voto do Ministro Celso de Mello, quando da posse do Ministro Gilmar Mendes, que corroboram que o exposto acima:
Já o disse, certa vez, Senhor Presidente, que o Supremo Tribunal Federal – que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do poder constituinte – não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se esta Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas.
Nenhum dos Poderes da República, Senhor Presidente, pode submeter a Constituição a seus próprios desígnios ou a manipulações hermenêuticas ou, ainda, a avaliações discricionárias fundadas em razões de conveniência política ou de pragmatismo institucional, eis que a relação de qualquer dos Três Poderes com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de respeito incondicional, sob pena de juízes, legisladores e administradores converterem o alto significado do Estado Democrático de Direito em uma palavra vã e em um sonho frustrado pela prática autoritária do poder.
[...]
Isso significa reconhecer que a prática da jurisdição, quando provocada por aqueles atingidos pelo arbítrio, pela violência e pelo abuso, não pode ser considerada – ao contrário do que muitos erroneamente supõem e afirmam – um gesto de indevida interferência desta Suprema Corte na esfera orgânica dos demais Poderes da República.
Nem se censure eventual ativismo judicial exercido por esta Suprema Corte, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário, de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos.
[...]
Como sabemos, o sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República (ou daqueles que os integram) sobre os demais órgãos e agentes da soberania nacional.
O que se mostra importante reconhecer e reafirmar, Senhor Presidente, é que nenhum Poder da República tem legitimidade para desrespeitar a Constituição ou para ferir direitos públicos e privados de seus cidadãos.
Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado – situe-se ele no Poder Judiciário, no Poder Executivo ou no Poder Legislativo – é imune ao império das leis e à força hierárquiconormativa da Constituição.
Constitui função do Poder Judiciário preservar e fazer respeitar os valores consagrados em nosso sistema jurídico, especialmente aqueles proclamados em nossa Constituição, em ordem a viabilizar os direitos reconhecidos aos cidadãos, tais como o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, pois o direito ao governo honesto traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania.
4. PRINCIPAIS CRÍTICAS AO ATIVISMO JUDICIAL
Diante de todo o exposto no presente artigo, pode-se afirmar que o ativismo judicial consiste em uma participação mais ampla do Poder Judiciário na concretização dos preceitos constitucionais. Então, a partir da evolução ao constitucionalismo contemporâneo, com a ascensão do Judiciário, trazido pelo Estado Democrático de Direito, o Judiciário vem assumindo um papel de protagonismo na sociedade brasileira.
O Poder Judiciário deixou de ser um mero aplicador da lei e passou a desenvolver técnicas a fim de preencher as omissões legislativas, interpretar constituição para dar aplicabilidade aos seus dispositivos, a declarar inconstitucionalidade e, até mesmo, a determinar a realização de políticas públicas. Essa atuação se caracteriza na medida em que, principalmente, o Supremo Tribunal Federal passa a decidir questões relevantes que não possuem legislação, por exemplo, quando a Constituição determina que tivesse e, portanto, a população necessita de um esclarecimento sobre determinado assunto, motivo pelo qual provoca o Judiciário e este se manifesta a respeito, atuando nos limites estabelecidos por suas funções e observando os princípios assegurados constitucionalmente.
Ocorre que essa expansão do Poder Judiciário e sua consequente atitude ativista gera algumas críticas entre os estudiosos do direito.
Primeiramente, cumpre salientar que não há apenas críticas negativas, vez que alguns vêem o ativismo judicial realizado pelo STF como um aspecto positivo já que atende a demandas da sociedade que estão escassas de regulamentação pelo poder legislativo. Pode-se dizer que tal postura é garantida pelo próprio regime constitucional adotado pelo nosso país, pois o conteúdo extenso e analítico permitem que os mais variados temas sejam levados a apreciação pelo judiciário e sejam atendidos, visto que este Poder não pode se omitir perante as questões levadas a seu apreço.
Em se tratando dos pontos negativos, Barroso (2009, p.8-12) retrata a existência de alguns deles, qual sejam o risco para a legitimidade democrática, na politização indevida da Justiça e nos limites da capacidade institucional do Judiciário.
A legitimidade democrática é questionada mediante uma crítica político-ideológica, vez que alegam faltar aos julgadores o quesito da eleição. No entanto, contrapondo esta ideia Luiz Flávio Gomes (1993, p. 28) alega que:
a Constituição concebeu duas formas de legitimação democrática, sendo uma representativa (referente ao sufrágio pelo qual os candidatos devem passar para representarem o povo) e outra legal (referente aos requisitos impostos pela CF para a investidura no cargo de juiz). Dentre os Poderes do Estado, foi ao Judiciário, encabeçado pelo Supremo Tribunal Federal, que o constituinte originário confiou a guarda da Constituição.
Quanto ao risco de politização da justiça, Barroso expõe que:
a constituição faz a interface entre o universo político e o jurídico em um esforço para submeter o poder às categorias que mobilizam o direito, como a justiça, a segurança e o bem estar social. Sua interpretação, portanto, sempre terá uma dimensão política, ainda que balizada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento vigente.
No que tange a capacidade institucional, os três poderes tem o dever de interpretar a Constituição e atuar com base nela, no entanto, em caso de divergência a palavra final cabe ao Judiciário. É nesse sentido que é feita a crítica, pois deve-se ter cautela para que o Judiciário não se torne uma instância hegemônica, o que pode gerar, segundo Barroso, efeitos sistêmicos imprevisíveis “o juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça, sem condições, muitas vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico o sobre a prestação de um serviço público”.
Em um outro artigo, Barroso (2013, p. 237) ainda menciona a possibilidade de gerar uma
elitização do debate e a exclusão dos que não dominam a linguagem nem têm acesso aos locus de discussão jurídica. Institutos como audiências públicas, amicus curiae e direito de propositura de ações diretas por entidades da sociedade civil atenuam mas não eliminam esse problema.
Para Carlos Eduardo Dieder Reverbel (2010, p.73) “o ativismo judicial centra-se nesse ponto. O juiz transpassa o campo do direito e ingressa na seara política. Assim “resolve” problemas políticos por critérios jurídicos. Isto se dá, dentre outras, pelo desprestígio da lei, ineficiência da política...”
Ainda sobre os supostos efeitos negativos, Juliano Ralo Monteiro (2010, p. 170), enumera algumas questões causadas pela postura ativista do Judiciário:
a) O enfraquecimento dos poderes constituídos; b) ocorre falta de participação política e inversão democrática, uma vez que o povo não elegeu os magistrados que estão a decidir questões de tal importância; c) existe alienação popular; d) cria-se o “clientelismo”, uma vez que ainda poucos têm acesso ao Judiciário; d) oportuniza a ausência de critérios objetivos, uma vez que tudo pode ser feito desde que norteado pelos ideais de Justiça; e) há exposição demasiada do Poder Judiciário; f) existe a possibilidade de acomodação dos outros Poderes, entre outros.
Acontece que, esse mesmo autor, reconhece que deve haver um equilíbrio, não sendo viável a existência de um ativismo cético, em que tudo é permitido em função da Justiça.
Assim, é necessário que exista uma harmonia entre os Poderes, principalmente, quando da atuação do Judiciário ao interpretar a Constituição, ao suprimir omissões legislativas, pautado nas necessidades da sociedade e, principalmente, nos princípios constitucionais. Além do que, devem os demais Poderes cumprir as suas funções a fim de que não se submetam ao que vier a ser determinado pelo Poder Judiciário, visto que a este cabe a guarda da Constituição.
5. CONCLUSÃO
O presente artigo enfatizou a necessidade de discutir sobre a atual realidade do Poder Judiciário brasileiro, qual seja o ativismo judicial, desenvolvendo ao longo do texto os pontos propostos inicialmente.
Para compreender o ativismo judicial e como este se faz presente, atualmente, em nosso país, foi necessário um estudo sobre a evolução histórica do constitucionalismo a fim de verificar que, diante das influências históricas, a nossa Constituição Federal (CF) passa a ser o centro do ordenamento jurídico, impregnados de normas que asseguram direitos aos cidadãos, os quais necessitam ser concretizados, passando, portanto, a Constituição, a gozar de supremacia e força normativa, e a ser protegida, pelo Poder Judiciário.
Com isso, percebe-se que houve uma mudança quanto à interpretação das leis, passando a não mais se apegar a literalidade da lei; deslocamento do Poder Legislativo para o Judiciário; garantias de direitos a serem aplicados de modo eficaz aos cidadãos; ampliação de legitimados a ter acesso ao Judiciário; ao Supremo Tribunal Federal (STF) foi assegurado a função de guardião da Constituição (art. 102, CF/88); além de princípios constitucionais a servir de apoio nas interpretações, dentre os quais destaca-se o da inafastabilidade da jurisdição. Dessa forma, tudo isso corroborou com a expansão do Judiciário, e consequente, ativismo judicial do Supremo diante das causas de grande relevância político e social que são levadas ao seu crivo para pronunciar uma decisão, não pode este órgão se manter omisso, devendo exercer a função de se manifestar visando assegurar os direitos constitucionais previstos e dentro dos limites impostos constitucionalmente.
Diante dessas mudanças e do fortalecimento do judiciário, é questionada a atuação deste à luz da divisão dos poderes. No entanto, percebeu-se que diante de mudanças históricas, como mudanças na sociedade, o princípio da separação dos poderes, atualmente, não possui a mesma aplicação da proposta inicialmente por Montesquieu, pois em nosso país prevalece a divisão de funções, as quais não são absolutas, podendo haver uma interferência entre os Poderes visando buscar equilíbrio necessário a garantir os direitos constitucionais.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal ao agir, diante de provocação pelos legitimados, quando algum preceito constitucional encontra-se passivo de legislação e/ou políticas públicas, quando a sociedade clama por uma solução em determinado assunto, não encontra-se violando o princípio da separação dos poderes, tendo em vista que o Judiciário está agindo dentro de suas funções, ou até mesmo agindo em busca de um equilíbrio necessário à garantir os direitos.
Portanto, não restam dúvidas de que o princípio da separação dos poderes necessita de uma releitura, pois não mais se refere a distinção absoluta entre os Poderes, contribuindo com a ideia de que o ativismo judicial praticado pelo STF não viola o referido princípio, todavia, deve haver a observância de limites, pautado em uma atuação de acordo com as funções autorizadas pela Constituição Federal, para que haja uma atitude legítima.
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Advogada, formada em Direito, no ano 2013.2, pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN). Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Anhanguera Uniderp- Pólo Natal, RN. Exerci de 2014 a 2016 a função de conciliadora perante a Justiça Federal do Rio Grande do Norte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEDEIROS, Fernanda Correia Lima Rodrigues de. Ativismo judicial: uma análise sob a ótica do princípio da separação dos Poderes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46536/ativismo-judicial-uma-analise-sob-a-otica-do-principio-da-separacao-dos-poderes. Acesso em: 22 nov 2024.
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