Resumo: O ordenamento jurídico tem como pretensão maior a proteção da esfera jurídica dos indivíduos que pautam suas condutas na lei. Para que seja possível atingir tal objetivo, é preciso, dentre outras coisas, lançar mão de mecanismos de repressão de comportamentos ilícitos. Nesse contexto, evidencia-se a importância da responsabilidade civil e do conhecimento de sua correta utilização, uma vez que é instituto que manifesta seus efeitos reiteradamente no cotidiano da sociedade.
Palavras-chave: Direito Civil; Responsabilidade Civil; Elementos da Responsabilidade Civil.
1. Introdução
Consoante o disposto no art. 927, do Código Civil, o ordenamento jurídico pátrio estabelece a responsabilização daquele que causar dano a outra pessoa, seja moral ou material, devendo o bem da vida lesionado ser restabelecido ao estado em que se encontrava antes do evento danoso e, caso o restabelecimento não seja possível, deverá haver a compensação àquele que sofreu o dano.
Em outras palavras, responsabilidade civil é o fenômeno que deriva da agressão a um interesse jurídico, como consequência do descumprimento de uma norma jurídica, quer ela seja estabelecida em sede contratual ou não. Nesse ponto, importa consignar o raciocínio de Dias[1] para quem “toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade”.
Nesse diapasão, aliada à ideia de que aquele que lesiona o patrimônio alheio deverá arcar com as consequências de seus atos, está a necessidade de verificar o dano e sua relação com a conduta praticada.
Diniz[2] assim define a responsabilidade civil:
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado; de pessoa por quem ele responde; ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.
É importante não perder de vista que a ilicitude da conduta do agente pode se dar no âmbito civil, penal ou administrativo, de forma que o dever de reparação pode restar configurado em mais de uma sede.
No entanto, levando-se em conta somente a esfera penal e a civil, como bem se pode interpretar a partir do art. 935, do CC, ainda que ambas as espécies de responsabilidade sejam independentes entre si, é possível traçar certa relação entre as duas. É o que se pode constatar, por exemplo, na hipótese de uma sentença penal condenatória, onde o dever de indenizar seja devido a partir da responsabilidade penal, mas que, por sua vez, faça coisa julgada na esfera cível, quanto a esse mesmo dever de reparação, relativo ao dano originado da conduta criminal. Na lição de Venosa[3]:
A idéia de transgressão de um dever jurídico está presente em ambas as responsabilidades. Cabe ao legislador definir quando é oportuno e conveniente tornar a conduta criminalmente punível. Os ilícitos de maior gravidade social são reconhecidos pelo Direito Penal. O ilícito civil é considerado em menor gravidade e o interesse de reparação do dano é privado.
Enquanto que, na responsabilidade penal, há uma lesão à norma de direito público, capaz de perturbar a ordem social e de punição voltada diretamente à pessoa do agente a quem será aplicada uma pena; na responsabilidade civil, o interesse é privado, a depender de iniciativa da vítima para que se investigue a quem caberá o dever de reparação e o seu quantum.
Em relação especificamente aos ilícitos civis, em capítulo especial intitulado “Dos atos ilícitos”, o Código Civil, nos artigos 186, 187 e 188, descreve o que considera como atos praticados em desacordo com a ordem jurídica brasileira. Sobre o assunto, mais uma vez, as palavras de Venosa[4]:
Para o crime ou delito, o ordenamento estrutura as modalidades de punição exclusivamente pessoais do deliquente; a mais grave delas é a pena restritiva de liberdade. Para o ilícito civil, embora se possam equacionar modalidades de reparação em espécie, o denominador comum será sempre, a final, uma indenização em dinheiro.
Na realidade, o que se avalia em matéria de responsabilidade civil, é a conduta do agente, seja ela reflexo de uma sucessão de atos ou fatos, ou reflexo de um único ato capaz de gerar, por si, o dever de indenizar. Dessa análise, observam-se dois pontos cruciais para verificação da responsabilidade civil: o ato lesivo e o dano.
Sob outra perspectiva, insta destacar que uma pessoa será considerada responsável quando suscetível de ser sancionada, independentemente de ter cometido pessoalmente um ato antijurídico. Assim sendo, a responsabilidade pode ser direta, se disser respeito ao próprio causador do dano; ou indireta, quando se referir a terceiro ligado ao ofensor por alguma razão vislumbrada no ordenamento.
A conduta do agente é o que dará causa ao dano e, para que se configure o dever de indenizar advindo da responsabilidade civil, deverá estar aliada ao nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima. A esse respeito, esclarecedora se torna a leitura dos seguintes artigos extraídos do CC de 2002:
Art. 927: Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Art. 944: A indenização mede-se pela extensão do dano.
A partir do conceito de responsabilidade extraído da própria legislação, nos é permitido afirmar que não havendo prejuízo a ser reparado, não há o que se falar em responsabilidade civil. No entanto, a existência de ato lesivo capaz de gerar o dever de indenizar restará configurada a partir da análise de seus elementos e pressupostos. Nesse diapasão, é importante que tenhamos em mente cada um deles.
2. Elementos da Responsabilidade Civil
Para que se configure o ato ilícito, é primordial que se verifique a existência dos elementos que lhe são característicos, muito embora hajam divergências quanto aos pressupostos considerados em sede de responsabilidade civil.
Para Venosa[5], existem quatro pressupostos para capazes de configurar o dever de indenizar, possuindo como requisitos “a ação ou omissão voluntária, a relação de causalidade ou nexo causal, o dano e, por fim, a culpa”. Diniz[6], por seu turno, compreende a existência de três deles: “uma ação ou omissão, um dano patrimonial ou moral e um liame entre os dois primeiros, também entendido como o nexo causal entre eles”.
A indenização será medida conforme a extensão do dano podendo, inclusive, haver a possibilidade de reparação cumulativa por danos morais e patrimoniais a partir do mesmo fato. Assim sendo, mesmo diante das divergências comentadas, serão abordados a conduta comissiva ou omissiva, o dano, o nexo de causalidade e a culpa, conforme seguem abaixo.
2.1. Da conduta comissiva ou omissiva
A conduta humana, seja ela comissiva ou omissiva, pode ser tida como o ato de pessoa que incorre em prejuízo ou dano a outrem. É ato próprio do agente, ou de outro sob sua guarda, capaz de provocar resultado lesivo por dolo ou culpa, em suas modalidades.
Quanto à conduta praticada, pode-se caracterizar a responsabilidade como direta ou indireta, a partir de casos em que uma pessoa pode ser responsabilizada pelos danos praticados por terceiro. Tal modalidade de responsabilização trabalha para que o conceito de responsabilidade se torne cada vez mais abrangente e capaz de tutelar boa parte dos prejuízos ou da violação de direitos previstos no ordenamento, motivações essas legítimas para a busca de suas devidas reparações.
A lesão, por conseguinte, gerará a obrigação de repará-la, tenha ela acontecido pela ausência de conduta (em sua forma omissiva) ou pela existência dela (em sua forma comissiva). Rodrigues[7] afirma que:
A responsabilidade do agente deve defluir de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a responsabilidade do agente, e ainda de danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste. A responsabilidade por ato próprio se justifica no próprio princípio informador da teoria da reparação, pois se alguém, por sua ação, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, é curial que deva reparar esse prejuízo.
O autor nos sugere uma ampla abrangência do que pode vir a ser abarcado pela responsabilidade civil, uma vez que, se somente ao causador do dano viesse a ser imputada a conduta humana, outras tantas situações restariam não reparadas ou previstas e, portanto, teríamos uma sociedade carente de efetivas garantias ao desrespeito de seus direitos individuais e coletivos. Assim sendo, o que se tem hoje em sede de responsabilidade civil, é a devida previsão de que, ainda que não tenha concorrido diretamente para o resultado do evento danoso, poderá um indivíduo responder por ele.
Diniz[8], por seu turno, define a conduta como sendo o “ato humano, comissivo ou omissivo, lícito ou ilícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro que cause dano a outrem gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.
Diante das definições evocadas pelos autores, pode-se concluir que o dano a ser reparado poderá tanto surgir de uma conduta humana quanto da falta desta. Também deverá resultar de ato de liberalidade do autor ou de quaisquer pessoas sob sua guarda, devendo ser tido como juridicamente capaz de responsabilizar-se e, ainda, quando se refere a ato “objetivamente imputável”, refere-se aos casos em que não se faz necessária a verificação de culpa para caracterizar a obrigação de indenizar.
No que tange à verificação ou não de culpa, necessário observar que nem sempre a observância desse elemento é capaz de abranger a totalidade de casos em que se busca identificar o dever de indenizar ao agente. A responsabilidade civil, no Brasil, é contemplada em ambas as facetas: tanto subjetiva quanto objetiva.
Casos em que a culpa é tida como requisito para que se dê a necessidade de reparar o dano serão exemplos da responsabilidade em sua modalidade subjetiva, ao passo em que os casos onde ela não seja levada em conta, serão aqueles de modalidade objetiva, fundados na noção de risco. Nesse diapasão, na responsabilidade objetiva, a prática do ato ilícito é analisada de forma mais direta, ou até mesmo incompleta, uma vez que se dispensa a necessidade de verificação de culpa. Daí, portanto, ser de concordância majoritária da doutrina, que a responsabilidade civil deva ser essencialmente tida por subjetiva e atrelada, sim, à presença de culpa como elemento caracterizador.
Ademais, corroborando com tal entendimento, os casos em que se terá a configuração de responsabilidade objetiva serão aqueles expressamente previstos no ordenamento, tendo-se como exemplo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que em seu art. 12 prevê a responsabilização por fato do produto ou do serviço independentemente da existência de culpa.
Assim sendo, a conduta comissiva ou omissiva do agente pode resultar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob sua responsabilidade ou de danos provocados por coisas, mais comumente por animais, sob sua guarda. A violação de conduta poderá, ainda, ocorrer em sede contratual, quando haverá descumprimento de cláusulas previstas anteriormente em contrato; em sede legal, quando contrária ao mandamento contido em lei; ou em sede social, quando o comportamento impróprio do agente terá ido de encontro à finalidade social a que se destinava, citando como exemplo os atos praticados com abuso de direito.
Nas palavras de Venosa[9], na culpa contratual, examinamos o inadimplemento como seu fundamento e os termos e limites da obrigação. Na culpa aquiliana, ou extracontratual, levamos em conta a conduta do agente e a culpa em sentido lato. Assim sendo, a responsabilidade extracontratual pode levar em conta a culpa em sentido estrito, praticada com emprego de negligência, imprudência ou imperícia ou, ainda, como sinônimo de dolo, se analisada em seu sentido amplo.
Ademais, surgindo a responsabilidade civil a partir de fato de terceiro, ato praticado por outrem do qual o agente seja responsável, a obrigação de indenizar recairá sobre pessoa diversa daquela que pratica a conduta danosa, estabelecendo-se uma relação jurídica entre o causador do dano e o seu responsável.
Em casos em que a obrigação é estabelecida em sede de contrato, é mais fácil identificar o terceiro como sendo aquele que não participou do negócio jurídico. Já em sede do que prevê o texto legal, o terceiro é comumente lembrado em casos como o do art. 154 do Código Civil, que estabelece a coação praticada por terceiro ou na fraude contra credores. Nas palavras de Venosa[10], na responsabilidade contratual, terceiro é, em síntese, alguém que ocasiona o dano com sua conduta, isentando a responsabilidade do agente indigitado pela vítima.
No entanto, vale ressaltar que em muitos casos a identificação desse terceiro é difícil, muitas vezes não havendo espaço para o ajuizamento de ação regressiva a que o agente teria direito, nos moldes do art. 934 do CC, tendo-se em mente que a jurisprudência tem dificuldades em aceitar o fato de terceiro como excludente de culpa. Em conformidade com essa tendência, tem-se a Súmula nº 187, do Supremo Tribunal Federal, que diz: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro, não é ilidida por culpa de terceiro, contra o qual tenha ação regressiva”.
Em casos como esse, deverá o agente responder pela conduta, mesmo que não identificado o terceiro, em conformidade com o previsto pelo art. 942 do CC:
Art. 942 – Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Ao titular da ação indenizatória, é dada a opção de acionar apenas um ou todos os autores ao mesmo tempo, já que ao lesado só interessa a reparação pelo dano sofrido. Além disso, “aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”. É da leitura do art. 934, do CC, que constatamos no ordenamento pátrio o direito de regresso para os casos em que, havendo mais de um autor ou havendo a presença de um terceiro, seja possível responder solidariamente de forma igualitária e justa.
O que se sabe, portanto, é que a responsabilidade pela conduta humana geradora do ato lesivo deverá ser atribuída ao agente, aos vários agentes, em caso de pluralidade de autoria, ou ao terceiro. O cerne da resolução do conflito será sempre identificar o responsável e fixar um quantum indenizatório a título de reparação ou compensação, para não que reste prejudicado o lesado.
Além da conduta humana, para que se configure a responsabilidade, em paralelo é preciso identificar-se a existência de dano. Para isso, interessante debruçar-se sobre a análise dele e de sua extensão.
2.2 Do dano
A conduta do agente, para que se configure a responsabilidade civil, deve flagrantemente causar dano ou prejuízo à vítima. Sem o dano, não há o que ser reparado e, logicamente, não haverá o que ser discutido em sede de responsabilidade civil. Sua presença, portanto, é vital tanto para os casos de responsabilidade objetiva quanto subjetiva, já que significa lesão a qualquer direito, podendo ser material ou moral. Na lição de Cavalieri Filho:
O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer se que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.[11]
A identificação do dano sofrido e sua extensão devem estar presentes de forma clara e inequívoca, já que a existência de dano é condição para a devida quantificação do que deverá ser indenizado e até mesmo para a própria existência de responsabilidade, sendo importante cercar-se de todas as provas de que o evento danoso existiu.
Considerando que o autor da demanda busca a reparação pelo dano sofrido e não a obtenção de uma vantagem, quando devidamente configurado o dano e sua respectiva reparação, estaremos diante da devida responsabilização do agente e do impedimento de que a ação indenizatória se transforme em causa de enriquecimento ilícito por parte do autor da demanda.
Interessante, também, considerar o dano e seus elementos, à medida que haverá o elemento de fato - o prejuízo; e o elemento de direito - a lesão jurídica. Para que reste completamente presente, será preciso que o prejuízo venha em decorrência da lesão a um direito, tendo um elemento que ocorrer em detrimento de outro. Assim, deverá ser observada não apenas a lesão material ou moral causada à vítima, como também a lesão jurídica deflagrada pela violação ao direito.
Além de salvaguardado em sede de legislação infraconstitucional, a Constituição Federal[12] também assegura em seu artigo 5º, inciso X, o direito à reparação do dano, seja ele moral ou material:
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
[...]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Diante da lesão provocada, haverá a obrigação de ressarcimento ao retorno da situação havida antes do dano ou a compensação, quando não for possível a reparação. O dano, além de real, deve ser certo para que ninguém seja responsabilizado por lesões supostas e só será efetivo quando não amparado por nenhuma excludente de responsabilidade.
Assim sendo, o dano poderá ser tido como patrimonial ou extrapatrimonial. O dano patrimonial ou material é aquele capaz de destruir ou diminuir um bem de valor econômico. Já o extrapatrimonial ou moral, lesiona bem que não pode retornar ao status quo ante por não ter caráter meramente pecuniário, a exemplo dos direitos de personalidade, vislumbrados pelo Código Civil (CC), dos arts. 11 a 21, tidos por intransmissíveis e irrenunciáveis. A esse respeito, a lição de Diniz [13]:
Dano patrimonial direto é dano que causa imediatamente um prejuízo no patrimônio da vítima, prejuízo que é conseqüência imediata da lesão. Já dano patrimonial indireto surge como conseqüência possível, porém não necessária, do evento prejudicial a um interesse extrapatrimonial, resultante da conexão do fato lesivo com um acontecimento distinto.
Por dano patrimonial, é possível entender que será todo aquele capaz de ser pecuniariamente considerado e reduzido, caso em que sua reparação se dará a partir de uma prestação de quantia em dinheiro, também podendo ser considerado como aquele de maior facilidade de avaliação. Imaginemos um caso concreto em que se tem uma batida de veículos e logo será possível deduzir que a reparação a ser feita resume-se ao valor do conserto dos veículos envolvidos. Haverá, neste caso, a necessidade de avaliarem-se unicamente os prejuízos patrimoniais, não havendo o que ser considerado em sede de dano moral ou subjetivo.
O dano moral, por seu turno, será aquele capaz de atingir bens personalíssimos, não sendo possível observar uma efetiva diminuição do patrimônio da vítima, posto que de mensuração mais difícil quando comparado ao dano material. Aqui, a indenização não será capaz de promover o retorno ao estado anterior tido antes da lesão, tendo-se apenas a compensação da vítima pelo prejuízo sofrido. Segundo Diniz[14]:
Dano moral direto é considerado como a lesão a um interesse que visa à satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade ou nos atributos da pessoa. Já o dano moral indireto seria o prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, resultante da lesão a um bem patrimonial da vítima. Seria, assim, resultante de fato lesivo a interesse patrimonial.
O dano extrapatrimonial, portanto, restará configurado quando a lesão atingir diretamente bem de ordem moral como a vida, a integridade física ou psicológica. É, seguramente, de amplitude maior do que aquele considerado exclusivamente em sede patrimonial e exige, na análise dos casos concretos, uma ponderação cuidadosa por parte dos magistrados. Será moral o dano que provocar uma deturpação ou um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. Ao analisar o dano moral, o juiz se volta para os sintomas do sofrimento ocasionado, na tentativa de reduzir tal desconforto psíquico a uma quantia em dinheiro.
Em casos mais complexos, em que há a cumulação dos dois tipos de dano, o cuidado a ser tomado diz respeito a enxergar a ambos de forma clara. Nas palavras de Diniz[15]:
Como com a Constituição Federal de 1988 houve a possibilidade de reparação de dano puramente moral, alguns autores entenderam que, em caso de aleijão, haveria cumulação de três verbas indenizatórias: uma pela dano patrimonial (tratamento médico e hospitalar, redução da capacidade laborativa, etc), outra pela deformidade permanente e uma última pelo dano moral causado por ela.
Entende-se, portanto, que haveriam duas indenizações a serem pagas. Tanto aquela reparadora do dano moral e estético, assunto de entendimento exposto pelo STJ, em sua Súmula nº 387, quanto a relativa ao dano material, prevista no art. 950, do CC.
No entanto, mesmo a reparação tendo o condão de diminuir o sofrimento psicológico da vítima, a valoração dada por cada magistrado poderá flutuar. Na prática, a dor se manifesta de formas muito peculiares a cada indivíduo, fazendo sentido considerar o dano imaterial como algo de difícil avaliação pecuniária, uma vez que incomensurável. Nas palavras de Cavalieri Filho[16], “a condenação em dinheiro é mero lenitivo para a dor, sendo mais uma satisfação do que uma reparação”.
Dito isto, evidente é a possibilidade de cumulação do dano material e do dano moral, quando resultantes do mesmo ato ilícito, em clara demonstração da grande amplitude de reparação a que a responsabilidade civil está adstrita. É o que bem nos demonstra ao acórdão abaixo ementado, emitido pelo Des. Ribeiro:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - REPARAÇÃO DE DANOS - DANO MORAL, ESTÉTICO E MATERIAL - CULPA DO MÉDICO -RECURSO PROVIDO. Evidencia-se a Responsabilidade Civil do Médico ao efetuar cirurgia, não levando em conta enfermidade pré-existente na paciente, bem como adotando tratamento inadequado pós-operatório resultando daí perda de visão e respectivo globo ocular. (Apelação Cível no REsp nº 331.400/ES, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO. 4ª Câmara Cível do Estado do Espírito Santo, julgado em 25/10/2004, DJ 29/11/2004, p. 286)
A reparação a ser feita, correspondente tanto ao prejuízo financeiro sofrido pela autora da demanda, quanto pelo trauma psicológico e pela dor a que foi exposta, é reflexo de que a cumulação de danos muitas vezes é medida necessária para que a extensão do dano seja interinamente abrangida. Em muitos casos, a simples redução do caso concreto a um prejuízo meramente patrimonial não se coaduna com a verdadeira finalidade a que a responsabilidade civil se compromete a alcançar.
2.3 Do nexo da causalidade
A obrigação de reparação civil só será devida quando o dano for decorrência clara e explícita da atitude danificadora do réu e, portanto, como bem define Amaral Neto[17], “é a relação de causa e efeito entre fato e dano. Constitui elemento essencial ao dever de indenizar, porque só existe responsabilidade civil quando há nexo causal entre o dano e o seu autor”.
A indenização só será devida, portanto, nos casos em que houver relação de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano sofrido pela vítima. Essa relação é o liame entre o ato lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. Venosa[18] define o nexo de causalidade nos seguintes moldes:
O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.
Desta forma, para que haja o dever de compensação, necessário se faz que a lesão ao direito de outrem exista a partir do ato do agressor. É vital haver uma relação entre o ato omissivo ou comissivo do agente e o dano, de tal forma que este seja considerado como causa daquele. O dano e o nexo de causalidade havido entre ele e o resultado lesivo, por sua vez, independente de considerar-se a responsabilidade como sendo objetiva ou subjetiva, são condições para a existência do dever de indenizar. Como prova desse entendimento, pertinente é a leitura da seguinte ementa, extraída do Recurso Especial em AC nº 40.483-4, impetrado perante o Tribunal de Justiça de São Paulo:
EMENTA - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS MORAIS E MATERIAIS - DESCABIMENTO - MULHER QUE AO SUBMETER-SE A OPERAÇÃO PARA RETIRADA DO OVÁRIO, TEVE EXTIRPADO TAMBÉM O SEU ÚTERO - ÓRGÃOS QUE, SEGUNDO A CONSTATAÇÃO DA PERÍCIA, ESTAVAM DOENTES - PROCEDIMENTO DA MÉDICA CONSIDERADO CORRETO EM VISTA DE TER A PACIENTE SE SUBMETIDO A TRÊS CESÁREAS ANTERIORES - DANO NÃO COMPROVADO - INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL - AFASTADA CULPA CONCORRENTE DO CONVÊNIO MÉDICO E DO HOSPITAL ONDE REALIZADA CIRURGIA - Recurso desprovido. (TJSP - AC 40.483-4 - São Paulo - 1ª C.D.Priv. - Rel. Juiz Des. Guimarães e Souza - J. 20.04.1999 - v.u.)[19]
Mais uma vez, não há que falar em dever de reparação quando da ausência de algum dos pressupostos necessários à caracterização da responsabilidade civil. Com exceção da culpa, que será analisada a seguir e é característica tão somente da responsabilidade civil em sua modalidade subjetiva, os demais requisitos devem estar presentes. Em outras palavras, ser capaz de enxergar a presença da conduta do agente, aliada ao nexo de causalidade entre ela e o dano, são premissas para que se possa discutir a responsabilidade civil em qualquer de suas duas espécies.
2.4 Da culpa
Nosso ordenamento atual reconhece a responsabilidade civil tendo a culpa como pressuposto, mas também abre espaço para casos em que a culpa não será relevante. O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil é claro ao afirmar que “haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa”, permitindo concluir que a culpa não é elemento essencial da responsabilidade civil.
A culpa, no entanto, ocupa importante espaço ao permitir que sejam responsabilizados os agentes cujas condutas tenham sido viciadas por negligência, imprudência ou imperícia. Quando, mesmo sem intenção de provocar a lesão, haverá o dever de repará-la.
Ao se levar em conta o elemento culpa, se estará falando em responsabilidade civil subjetiva onde, além do cometimento do ato contrário ao direito, será preciso que o ato tenha sido praticado dentro de alguma das três modalidades de culpa. De acordo com a amplitude de seu sentido, a culpa poderá ser levada em conta de forma estrita ou ampla, onde serão possíveis casos baseados da noção de dolo, em que o agente causador do dano age de forma deliberada e quer a produção do resultado danoso.
A culpa em sentido estrito, no entanto, abarca os conceitos de negligência, imprudência e imperícia, amoldando-se ao critério do homem médio, não atento ao cuidado que lhe era exigido, seja pela falta de vigilância ou pela escolha errada. A obrigação de indenizar advinda da culpa em sentido estrito visa criar mecanismos respeitosos de convivência em sociedade, não bastando que se aja com conduta lícita, mas também de forma cautelosa com vistas a não causar dano a outrem.
A negligência se dará quando da não observância dos devidos cuidados, não sendo o ato praticado com a devida atenção e diligência devidas. A imprudência ocorrerá por precipitação, quando por falta de atenção no cumprimento de determinado ato, o agente causa dano ou lesão. Aqui, estarão ausentes os conhecimentos ou práticas necessárias para a realização do ato. Já a imperícia ocorrerá quando aquele que se julga apto e possuidor de conhecimentos suficientes para a prática do ato, não estará preparado por falta de conhecimento, capacidade, competência ou aptidão.
O dolo restará caracterizado toda vez em que o agente prevê como possível o resultado e, estando consciente de que pode causá-lo, assume o risco de produzi-lo. Em outras palavras, ocorre quando o agente assumiu o risco de produzir um resultado danoso, anteriormente previsto por ele e, mesmo assim, não deixou de praticar o ato. Com relação à culpa, o resultado danoso não foi previsto, apesar de previsível. Ademais, mesmo que o agente o consiga prever, não acredita verdadeiramente que ocorrerá.
A diferenciação entre dolo e culpa, no âmbito civil, se faz necessária apesar de tênue. No dolo, existe a intenção de provocar o resultado e na culpa, em função de circunstâncias muitas vezes alheias à vontade do agente, poderá ocorrer um resultado diverso do pretendido, mas de riscos assumidos.
Adiante, nos capítulos que se seguem, a responsabilidade civil será abordada de acordo com sua manifestação dentro da prestação de serviços médicos, uma vez que a relação havida entre o profissional médico e seu paciente é cercada de peculiaridades e tida, também, como uma relação de consumo, onde será necessária a análise de preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor.
3. Conclusão
Diante da breve exposição realizada, percebe-se que a responsabilidade civil deve ser compreendida como a obrigação de reparar dano provocado pela inobservância voluntária, ou não, de dever imposto pelo ordenamento jurídico. Para caracterização da responsabilidade do agente, é indispensável que reste demonstrado, além da conduta ilícita, o efetivo dano – seja a esfera patrimonial ou extrapatrimonial – e o nexo de causalidade entre o comportamento do indivíduo agressor e o dano experimentado pela vítima.
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[1] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Revonar, 2011, p. 131-132
[2] DlNIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 28
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Responsabilidade Civil 3 ed São Paulo: Atlas, 2006, p. 20
[4] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Responsabilidade Civil 3 ed São Paulo: Atlas, 2006, p. 20
[5] VENOSA, Sílvio de Salvo Direito Civil. Responsabilidade Civil 3 ed São Paulo: Atlas, 2006, p. 22
[6] DlNIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 30
[7] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol. IV. Editora Saraiva, 19ª edição, São Paulo, 2002, p. 16
[8] DlNIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p.32
[9] VENOSA, Sílvio de Salvo Direito Civil – Responsabilidade Civil 3 ed São Paulo: Atlas, 2006, p. 21
[10] VENOSA, Sílvio de Salvo Direito Civil – Responsabilidade Civil 3 ed São Paulo: Atlas, 2006, p. 48
[11] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 40
[12] BRASIL. Constltuição da Republica Federativa do Brasil. Colaboração de Antonio L. de Toledo Pinto. Márcia V. dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 33. ed. atual, e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004; p. 386
[13] DlNIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 122
[14] DlNIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 138
[15] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Ed Saraiva, 2001, p. 219
[16] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 84
[17] AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Direito Civil brasileiro: introdução. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 257
[18] VENOSA, Sílvio de Salvo Direito Civil – Responsabilidade Civil. 3ª ed São Paulo: Atlas, 2006, p. 13
Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WALDIR DE FREITAS MATIAS JúNIOR, . Considerações Acerca da Responsabilidade Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46559/consideracoes-acerca-da-responsabilidade-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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