1. INTRODUÇÃO.
Neste artigo serão tecidos alguns comentários acerca da origem dos tributos como uma simples e evidente relação de poder que, com o passar do tempo, transformou-se em uma relação jurídica.
Também será analisado o Poder de Tributar do Estado, de maneira superficial.
2. BREVE HISTÓRICO DOS TRIBUTOS
É sabido que, para termos um conhecimento mais próximo do que as coisas realmente são, em sua essência, não podemos abrir mão de buscar todo o caminho que foi percorrido por elas durante a sua existência. Assim é que, antes de adentrar a análise do tema proposto neste trabalho, faz-se necessário, num primeiro momento, tecer alguns comentários a cerca das origens dos tributos.
A relação entre os indivíduos e o Estado, desde os tempos mais remotos da História, no que concerne ao pagamento de tributos, sempre foi preenchida por dois aspectos principais:
a) essa relação sempre foi tida como uma relação de Poder; e
b) a coercitividade da obrigação.
Muitos povos das civilizações do mundo antigo (egípcios, assírios e os persas) já usavam, mediante a imposição de suas vontades aos povos submissos, o tributo como instrumento de servidão simplesmente pela dominação em si, impondo às pessoas diversos encargos.
Na Grécia também predominava a cobrança de tributos pela relação entre os povos – dominante e dominado – sendo que o cidadão grego, no entanto, era completamente isento desse encargo. Também se cobravam tributos dos povos de áreas vizinhas às Cidades-Estado ou polis, simplesmente para não terem seus territórios invadidos, bem como aos imigrantes, estrangeiros e forasteiros, simplesmente por estarem em território grego.
Em Roma, o sistema não era muito distinto: o tributo também era cobrado de todos aqueles que não detinham a cidadania romana, mas nunca de seus pares. Conforme nos informa Diogo Leite de Campos,
O caráter do imposto como produto e instrumento de um sistema de denominação (dominação) foi evidente desde a grave crise que o Império Romano atravessou a partir do século III. No decurso do principado de Diocleciano a economia e a sociedade são organizadas em termos de acampamento militar. O imperador estabelece a coação como único instrumento de estabilização. Impõe uma escala de preços máximos para uma imensa lista de bens e serviços, estabelecendo como única sanção, para os infratores, a morte. Simultaneamente, os impostos, destinados a manter uma máquina administrativa e militar crescente, aumentaram rapidamente.[1]
Aqui, teve profunda relevância o fato de o tributo ter sido utilizado incansavelmente como instrumento da opressão, do domínio, que crescia gradativamente conforme se expandia a máquina político-administrativa do Império. Nota-se que o tributo cobrado era o alimento de que a expansão imperialista romana precisava para se crescer cada vez mais. A esmagadora maioria de toda a arrecadação era destinada ao investimento e manutenção de todo o poderio militar, através da formação de soldados e da confecção de armamentos.
O período denominado de Idade Média, caracterizado pelo sistema feudal de produção, tinha suas bases de sustentação nos inúmeros tributos que eram cobrados pelos senhores aos servos tais como a corvéia (trabalho gratuito nos mansos senhoriais alguns dias da semana), o censo, a talha (obrigação de oferecer uma porcentagem da produção) e as banalidades (pelo uso de moinho, do forno e de outras instalações do feudo).
Na época da Idade Moderna, a relação de poder manteve-se altamente impositiva, atingindo, principalmente, os setores mercantil e agrícola, sendo que o fundamento dessa imposição residia nas normas das Constituições dos Estados Absolutistas.
Mais adiante, no séc. XVIII, a Revolução Francesa demonstrou ainda mais que, além ter sido um marco decisivo na formação do mundo contemporâneo com suas idéias, bandeiras e propostas, a cobrança de tributos era mesmo caracterizada por uma relação de poder e coerção. Isso porque um dos pilares da revolução foi a indignação do Terceiro Estado, mais precisamente da burguesia, com a alta imposição de tributos sobre suas atividades mercantis, ao passo que a nobreza e o clero desfrutavam de inúmeros privilégios.
Nos Estados Unidos, à época da proclamação da independência e da promulgação da Constituição, além da cobrança maior de impostos, também se observa uma limitação da atuação dos poderes do Estado. O escritor Rogério Lindenmeyer Vidal Gandra da Silva Martins faz um relato sobre estes importantíssimos fatos históricos:
O “fator fiscal” também esteve presente como prova de que a relação tributária é uma relação jurídica de poder e coercitiva, tanto na Revolução Francesa de 1789, a qual, entre muitos outros motivos, apresentava também a insatisfação do 3º estado (comerciantes e agricultores) contra os privilégios fiscais do 1º e 2º estados (clero e nobreza), assim como na Independência e Promulgação da Constituição norte-americana (1776 e 1787, respectivamente), esta última visando fundamentalmente: (a) garantir os direitos individuais, enfatizando a liberdade e a propriedade privada como meios de desenvolvimento e prosperidade e (b) limitar a atuação do Estado, definindo suas funções e o modo pelo qual o mesmo poderia ser controlado, a fim de que se evitasse arbitrariedades de sua parte (idéia advinda de Montesquieu em sua tripartição de poderes). Prova de que a Constituição americana pretendia impor limites ao Estado e garantir direitos para que o cidadão se desenvolvesse está na proibição de imposição de tributos para a exportação (No Tax or Duty shall be laid on Articles exported from any State).[2]
Ainda no séc. XVIII, a Declaração de Direitos do Homem de 1789 também contribuiu ainda mais na afirmação o constitucionalismo, delimitando, ainda mais, a esfera de direitos que não poderiam sofrer intervenções arbitrárias e ilimitadas do Estado, consagrando o Estado Democrático de Direito, o qual deveria promover a garantia e o resguardo dos chamados Direitos de Primeira Geração, dentre eles à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade. Dessa forma, a intervenção do Estado no patrimônio dos indivíduos, como forma de legitimar a cobrança e arrecadação de tributos passaria a ser moldada pelas Constituições. Ainda nos ensinamentos precisos de Rogério Lindenmeyer Vidal Gandra da Silva Martins:
Com o constitucionalismo advindo do séc. XVIII, trazendo em seu bojo a delimitação e as funções do Estado, assim como a garantia através de um documento jurídico supremo no qual os indivíduos seriam assegurados em seus direitos fundamentais (idéia esta que cresceu em grande magnitude após a declaração dos Direitos do Homem, em 1789, na França), os Estados ingressaram na idade contemporânea de certa forma “limitados” em seu poder pela lei, e foram, conforme o tipo e molde das Constituições a que se adequaram, mais ou menos intervencionistas.[3]
A aceleração do movimento industrial e suas implicações sócio-econômicas e culturais acabaram por abrir caminho para um novo estágio de consciência sobre as necessidades básicas do ser humano. Foi o momento em que se percebeu a força que as camadas burguesas possuíam, uma vez que a liberdade, ainda que desorganizada, passou a ser utilizada pelo homem burguês como capacidade ilimitada de exercer a sua iniciativa, a sua criatividade e os seus direitos individuais.
Assim foi que se iniciaram movimentos de maiores reclamações por direitos que ficariam a cargo de oferecimento pelo próprio Estado. Trata-se dos chamados Direitos de Segunda Geração. Não se buscava uma maior limitação da atuação Estatal na esfera de direitos dos cidadãos, mas sim que o Estado passasse a aumentar a efetividade de direitos inerentes ao ser humano, ou seja, eram os direitos a um “fazer” do Estado em prol da coletividade, sendo conhecidos, portanto, também pela denominação de direitos coletivos.
Nos dias atuais, com exceção países comunistas, o modelo de legitimação constitucional da atividade do Estado quando da tributação, foi mantido e aperfeiçoado. Assim é que, no Brasil, a Constituição Federal de 1988, ao legitimar a atuação do Estado da instituição e arrecadação de tributos, pelos diversos entes da federação, instituiu todo um Sistema Tributário, baseado em princípios básicos que devem ser submetidos todo e qualquer tributo que for criado em nosso país, bem como também definiu que somente aqueles tributos que tiverem previsão constitucional poderão incidir sobre os contribuintes.
Como se nota, a História nos conta que, desde os primórdios, das Grandes Civilizações até os dias de hoje, os diferentes Estados que se formaram durante os tempos utilizaram-se predominantemente de tributos para se sustentarem e se desenvolverem, seja como forma de garantir a dominação sobre outros povos, seja para oferecer a prestação de direitos aos indivíduos.
3. O PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO
Quando o homem tomou conhecimento de que era mais viável que uma força maior, dotada de supremacia, tomasse as rédeas das principais decisões, no sentido de ter controle organizacional efetivo sobre a sociedade, apareceu o Estado. A legitimação desse poder é conferida pela própria sociedade, através da indicação de seus representantes, cujas atribuições deverão ser desempenhadas sempre visando ao desenvolvimento de todos. Assim sendo, aqueles que governam possuem, em suas mãos, o destino de toda uma nação.
No entanto, para o seu pleno funcionamento, é necessário que o Estado seja dotado de verbas para alcançar os fins a que se propõe. Nesse sentido é que todo Estado acaba por desenvolver uma atividade financeira que objetiva adquirir os recursos e aplicá-los num determinado contexto (político, social ou econômico).
Do ponto de vista financeiro, o Estado arrecada suas receitas basicamente de três formas: 1) pelas receitas tributárias, oriundas dos impostos, taxas, contribuições de melhoria e contribuições sociais; 2) pelas receitas patrimoniais, aquelas obtidas pelo resultado da exploração do patrimônio público, tais como aluguéis, arrendamentos, foros e laudêmios; e 3) pelas receitas creditícias, advindas de operações de crédito realizado pelo Estado.
As receitas tributárias são, inegavelmente, as maiores fontes de receita do Estado. Assim, o tributo ganha extrema relevância como sendo o instrumento essencial para a sustentação da máquina estatal.
Conforme já explicitado, a relação de tributação entre o Estado e o contribuinte nunca foi uma relação voluntária por parte do contribuinte, mas sim uma relação de poder, impositiva do Estado sobre o indivíduo. E de outra forma não poderia ser, pois contaria com uma deficiência contributiva enorme. Uma vez que se o Estado beneficia a todos, não seria justo nem suficiente, para a garantia dos direitos de todos os cidadãos, que somente alguns contribuíssem.
Sendo perceptível que a voluntariedade no pagamento de tributos culminaria na conseqüente insuficiência de garantia de direitos é que a relação tributária pressupõe, necessariamente, uma relação de poder. O Estado, através de sua soberania, impõe a sua vontade coletiva, pautada no interesse público, sobre todas as outras vontades dos indivíduos.
No entanto, é necessário se ter em mente que a relação de tributação não se constitui, unicamente, em uma relação de poder, mas também uma relação jurídica. É dizer que o Estado, ao instituir os tributos, além de impor a sua vontade sobre as vontades individuais, o faz tão somente porque tal poder lhe foi conferido por um documento jurídico, esculpido pelo Poder Constituinte Originário, a saber, a própria Constituição.
Tecendo comentários a respeito do tema, assim se manifestou o tributarista Geraldo Ataliba,
Antigamente, quando não se podia falar em Estado de Direito, o político usava do poder para obrigar arbitrariamente os súditos a concorrerem com seus recursos para o estado (por isso Albert Hensel sublinha que só se pode falar em “direito” tributário onde haja Constituição e estado de direito. Fora disso, é o arbítrio, o despotismo, v. Dititto Tributário, Giuffrè, 1956, Milão, p. 5). Hoje, o estado exerce esse poder segundo o direito constitucional e obedece, em todas as suas manifestações, ao estabelecido na lei.[4]
4. CONCLUSÃO
A relação de poder, mais preponderante em outros tempos, ainda está presente, mas agora manifestada por meio de uma relação jurídica.
Em tempos modernos, as próprias Constituições trazem a maneira pela qual se dará a cobrança e a arrecadação de tributos, além de preverem mecanismos de defesa do contribuinte contra ilimitadas cobranças de tributos pelo Poder Tributante, afirmando o caráter jurídico da relação tributária, que tem como escopo proteger o contribuinte contra eventuais abusos cometidos pelas autoridades administrativas. Dessa forma é que a Constituição Federal de 1988 instituiu um capítulo destinado a conferir proteção ao contribuinte, presente nas Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar.
Essa proteção é legitimada pelo fato de o Estado possuir uma infinidade de atribuições conferidas pela Carta Magna e, para poder desenvolvê-las, de forma condizente, necessita de adentrar na esfera patrimonial dos indivíduos (receita tributária), intervir no mercado financeiro (receitas creditícias) e explorar seu patrimônio (receitas patrimoniais).
Portanto, deve-se concluir que, ao lado da relação de poder existente na relação tributária, existe também uma relação jurídica, fundamentada pelo aspecto da soberania do Estado, que se caracteriza como um meio de proteção dos indivíduos quando da instituição e arrecadação de tributos. Em verdade, é o próprio ordenamento que legitima o poder estatal quando da tributação.
[1] CAMPOS, Diogo Leite de. A jurisdização dos impostos: garantias de terceira geração. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord). Tributo: reflexão multidisciplinar sobre sua natureza. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.85.
[2] MARTINS, Rogério Lindenmeyer Vidal Gandra da Silva. A política tributária como instrumento de defesa do contribuinte. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord). Tributo: reflexão multidisciplinar sobre sua natureza. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 132.
[3] Ibid., p. 6.
[4] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 29.
Assessor jurídico do Juiz Titular do 8º Juizado Especial Civel e das Relações de Consumo de São Luís - MA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Thiago Thomaz de Oliveira. Tributos: Origem, Relação de Poder, Relação Jurídica e Poder de Tributar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46568/tributos-origem-relacao-de-poder-relacao-juridica-e-poder-de-tributar. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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