Resumo: O presente artigo trata, de forma sucinta, a respeito do instituto jurídico do dano moral, analisando seu conceito, origem e evolução histórica, bem como sua aceitação pela doutrina pátria. Dano moral pode ser visto como uma lesão a um bem ou interesse jurídico, sendo prescindível a comprovação de dor ou qualquer outra modificação no seu estado anímico. Abordar-se-á, também, a dificuldade da quantificação da indenização a ser arbitrada pelos magistrados.
Palavras-chave: Dano moral. Conceito. Origem e evolução. Quantificação.
1. INTRODUÇÃO
O direito não pode ser interpretado como estático, imutável, devendo acompanhar a evolução da sociedade. O Direito Civil não foge a essa regra e, dentre variados institutos jurídicos pertencentes a esse ramo, tem-se a responsabilidade civil, que se caracteriza por conceitos mutáveis e maleáveis.
Todas as transformações ocorridas ao longo dos tempos no tocante à responsabilidade civil foram indispensáveis, todavia não podem ser consideradas esgotadas. Verificou-se que os instrumentos tradicionais até então utilizados já não se mostravam suficientes para solucionar os problemas que assolam a sociedade contemporânea. O Poder Judiciário, na figura dos magistrados que o presentam, deve resolver a lide considerando o atual momento histórico no qual se vive, sob pena de prestar a atividade jurisdicional de forma ineficiente, pois os ideais sociais mudam.
A aceitação da reparação do dano moral por jurisprudência, legislação e doutrina é, hoje, amplamente majoritária, mas nem sempre foi assim. A reparabilidade do referido dano, inicialmente, não era considerada em juízo para fins de indenização, porquanto existia a ideia de que aquilo que não fosse materialmente aferível não poderia ser reparado.
A limitação da reparação de um dano causado à vítima apenas ao aspecto patrimonial não se mostrava suficiente para suprir demandas levadas para solução em juízo. Em diversos casos, pode-se dizer até a grande maioria, não é somente a esfera econômica que é atingida pela agressão, mas o impacto que esta causa no âmago dos indivíduos.Tal espécie de dano, por ser demasiadamente subjetivo, não permite estabelecer critérios e parâmetros fixos e objetivos para o seu regramento, o que dificulta o arbitramento de sua quantificação.
Inúmeras teorias foram levantadas para tentar solucionar a questão, inclusive a tese de haver tabelamento dos diversos danos morais possíveis de atingir o indivíduo, apesar de aplicada por certo período de tempo, não logrou aceitação no meio jurídico. O presente artigo, portanto, abordará ao complexo instituto jurídico do dano moral.
2. O QUE É DANO MORAL
Garantia da Constituição Federal (artigo 5º, V e X), a estipulação da quantia de dano moral é assunto tormentoso no meio jurídico, devido à falta de parâmetros objetivos para fixação da compensação pecuniária.
A reparabilidade do dano moral é amplamente aceita entre doutrinadores, juristas e operadores do direito, mas como será visto ao longo desse capítulo, esse nem sempre foi o pensamento dominante.
3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DANO MORAL
Hoje é praticamente inquestionável a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário para pleitear reparação de danos com fundamento exclusivo em ocorrência de dano moral. A Constituição Federal de 1988 proporcionou significativa mudança no Ordenamento Jurídico brasileiro, sendo conhecida como Constituição Cidadã, mas, dentre as diversas inovações apresentadas, pode-se destacar exatamente a possibilidade de compensação pecuniária por dano exclusivamente moral.
O artigo 5º da Constituição Federal traz rol exemplificativo dos direitos e garantias fundamentais e, no inciso V, enuncia: "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".
Apesar de ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial atualmente, houve tempos diferentes. Perfazendo um caminho histórico sobre posições doutrinárias, percebe-se evolução e amadurecimento jurídico.
Em primeiro momento, havia entre juristas e doutrinadores negação ao cabimento de dano moral. Influenciados pelo pensamento patrimonialista do Código Napoleão, no qual o ser humano era visto apenas como produtor de riquezas, em que se priorizava o "ter" ao "ser", vingava o pensamento de que não se poderia reparar prejuízo não auferível economicamente. Gustavo Tepedino (2001, p. 2) bem esclarece tal pensamento à época:
O Código Civil, bem se sabe, é fruto das doutrinas individualista e voluntarista que, consagradas pelo Código de Napoleão e incorporadas pelas codificações do século XIX, inspiraram o legislador brasileiro quando, na virada do século, redigiu o nosso Código Civil de 1916. Àquela altura, o valor fundamental era o indivíduo. O direito privado tratava de regular, do ponto de vista formal, a atuação dos sujeitos de direito, notadamente o contratante e o proprietário, os quais, por sua vez, a nada aspiravam senão ao aniquilamento de todos os privilégios feudais: poder contratar, fazer circular as riquezas, adquirir bens como expansão da própria inteligência e personalidade, sem restrições ou entraves legais. Eis aí a filosofia do século XIX, que marcou a elaboração do tecido normativo consubstanciado no Código Civil.
Sustentava-se que um dano extrapatrimonial não poderia ser reparado em pecúnia, não se poderia quantificar uma ofensa ou lesão que não apresentasse características nitidamente econômicas. Aceitava-se a existência de violação ao âmago humano, ao equilíbrio psicológico de um indivíduo, o que não se admitia era reparação pecuniária desta agressão.
O forte ideal materialista da época impossibilitava uma proteção do homem fundada em seu próprio valor, em seu existir como ser humano, e não ligado ao fator econômico tão predominante, ficando em posição de submissão, visto em segundo plano.
Alguns ainda sustentavam que um dos requisitos imprescindíveis para a reparação de um dano seria o retorno ao estado quo ante, o que impossibilitava a reparação de um dano exclusivamente moral, tendo em vista que não teria como restituir ao ofendido algo imaterial, retornando ao estado anterior à ofensa, isto é, devolver um estado psicológico.
Assim também pensavam os juristas, coadunando com o entendimento exposto. Cristiano Chaves de Farias, Felipe Peixoto Braga Netto e Nelson Rosenvald (2014, p. 329), citando o Recurso Extraordinário nº 11.786, de Relatoria do Ministro Hahnemann Guimarães do Supremo Tribunal Federal, assim se manifestam:
Em relação ao dano moral, o STF, até meados dos anos sessenta, dizia, de modo peremptório, que “não é admissível que os sofrimentos morais deem lugar à reparação pecuniária, se deles não decorre nenhum dano material”. Ou seja, não se compensavam, no Brasil, os danos morais, apenas os danos patrimoniais seriam indenizáveis.
O segundo momento é marcado como fase de transição, em que se começou a aceitar a reparação do dano moral, ainda que como tendência de forma tímida. As influências para a mudança se deram principalmente no pós II Guerra Mundial, diante de atrocidades e crueldades cometidas pelo nazi-fascismo, quando o mundo pode perceber o que homens poderiam fazer com semelhantes. Essa comoção global acabou repercutindo no mundo jurídico.
Percebeu-se que mais importante do que os aspectos e bens mensuráveis economicamente, é o ser humano, devendo haver sobre si uma ampla proteção. Começou-se a tratar o homem como centro da sociedade e do ordenamento jurídico, prevalecendo sobre aspectos econômicos.
O Código Civil de 1916 não enfrentou o tema da reparação de danos morais de forma ampla, apresentando previsões esparsas ao longo de seu texto. Foram utilizados conceitos jurídicos fechados quando se abordava a questão, o que tornava tarefa difícil para o intérprete visualizar situações de indenização além das previstas expressamente no Código, como no caso de perda definitiva da coisa esbulhada ou no caso de crime contra a honra. Não havia cláusula geral que permitisse a indenização por dano moral.
Chega-se ao momento atual, em que a Constituição Federal de 1988 previu expressamente a possibilidade de dano moral (artigo 5º, V), como exposto acima. O homem passou a ser encarado como centro da sociedade, como elemento principal do ordenamento jurídico, sempre protegido pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, conforme ensina Maria Celina Bodin de Moraes (2003, p.147):
O que antes era tido como inconcebível passou a ser aceitável, e, de aceitável, passou a evidente. Se era difícil dimensionar o dano, em questão de poucos anos tornou-se impossível ignorá-lo. Se era imoral receber alguma remuneração pela dor sofrida, não era a dor que estava sendo paga, mas sim a vítima, lesada em sua esfera extrapatrimonial, quem merecia ser (re)compensada pecuniariamente, para assim desfrutar de alegrias e outros estados de bem-estar psicofísico, contrabalançando (rectius, abrandando) os efeitos que o dano causara em seu espírito.
A Constituição inaugurou uma nova ordem jurídica, levando o legislativo a aprovar outros diplomas prevendo expressamente o dano moral, como exemplo, Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
A mais marcante previsão após a promulgação da Constituição foi a cláusula geral de responsabilidade por dano moral no Código Civil de 2002, artigos 186 e 927, este sobre responsabilidade objetiva e aquele responsabilidade subjetiva.
4. CONCEITO DE DANO MORAL
Apesar de sua existência não ser mais alvo de grande discussão, a doutrina ainda não é pacífica a respeito do conceito de dano moral, revelando-se este impreciso e indeterminado em certos aspectos.
O conceito de dano moral pode dar-se sob dois prismas, negativo e positivo. Aquele seria um conceito por exclusão, segundo o qual seria dano sem caráter patrimonial, que não afeta o patrimônio da pessoa, não resulta em perda pecuniária, mas tão somente causa dor, sofrimento ou humilhação à vítima. O conceito positivo é abordado por Cavalieri Filho (2012, p.90):
Como se vê, hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos - os complexos de ordem ética -, razão pela qual podemos defini-lo, de forma abrangente, como sendo uma agressão a um bem ou atributo da personalidade. Em razão de sua natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização.
Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 377) detalha ambos os conceitos, primeiro o negativo e depois o positivo, em textual:
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., como se infere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.
O dano moral não é propriamente a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano.
Maria Helena Diniz (2010, p. 90) elabora conceito mais sintético: “O dano moral vem a ser a lesão de interesse não patrimoniais de pessoa natural ou jurídica (CC, art.52; Súmula 227 do STJ), provocada pelo fato lesivo."Já Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2006, p.97) afirmam que:
O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. É o dano que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
Caio Mário (2002, p.54) considera o dano moral como “qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária e abrange todo atentado à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, às suas afeições, etc...”.
Os conceitos apresentados acima se completam, não se pode achar que um está certo ou o outro está errado, são apenas formas distintas de explanar o dano moral. No entanto, um aspecto deve ficar claro, não se pode confundir dano moral com dor, tristeza, sofrimento, aborrecimento, dentre outros sentimentos negativos do ânimo de uma pessoa. A dor sofrida não é o dano em si.
As sensações que a vítima sofre não são requisitos imprescindíveis para a caracterização do dano moral, são, na verdade, apenas consequências do dano sofrido, não resta configurado o dano de acordo com o os sentimento e amarguras do ofendido. Se se pensasse dessa forma, verbi gratia, uma criança de tenra idade, um absolutamente incapaz ou uma pessoa jurídica nunca sofreriam dano moral, o que se sabe que não é o caso.
Além disso, afirmar que a dor ou o sofrimento sejam requisitos necessários para a configuração do dano, seria admitir que caberia prova de um sentimento, de um estado psíquico de uma pessoa em juízo, o que além de ser impossível, é um absurdo. Não haveria forma de se provar ou deixar de provar a dor de uma pessoa.
O dano moral prescinde de prova em concreto em juízo, pois ocorre no interior da personalidade do indivíduo e existe in re ipsa. Há casos excepcionais nos quais a prova se faz possível, como no caso de inadimplemento contratual, mas isso somente ocorre em situações pontuais. Uma mãe, por exemplo, não precisaria provar em juízo que sentiu a morte de seu filho. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em um de seus julgados, bem assentou o entendimento sobre o que realmente seja dano moral, seguindo a trilha explicada:
DANO MORAL. PROVA DA OFENSA SOFRIDA. DESNECESSIDADE DA PROVA DA DOR SUBJETIVA. CONFIGURAÇÃO. Segundo Yussef Said Cahali, dano moral é “tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado” (“Dano Moral”, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 1998, p. 20). Ou seja, o dano moral, para ser configurado, deve ocasionar lesão na esfera personalíssima do titular, violando sua intimidade, vida privada, honra e imagem - bens jurídicos tutelados constitucionalmente e cuja violação implica indenização compensatória ao ofendido (art. 5º, incisos V e X, CF). Para sua caracterização não é necessário que o sofrimento ou o constrangimento do ofendido sejam exteriorizados, bastando apenas ficar demonstrada a potencialidade lesiva da conduta praticada pelo ofensor. Portanto, uma vez comprovada a ofensa sofrida, demonstrado está o dano moral através de uma presunção natural, decorrente das regras de experiência comum. Vale assinalar que, o poder de direção que o empregador possui deve ser exercido sempre respeitando a dignidade do trabalhador, bem como considerando o valor social do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil, insculpidos nos incisos III e IV, do art. 1º da Constituição Federal, o que não lhe permite destratar ou desrespeitar seus empregados ao dirigir a prestação de serviços. Não é razoável admitir o empregado ser tratado pelo superior hierárquico “aos gritos”, tampouco que este dispense tratamento vexatório ao trabalhador, como restou comprovado nos autos, em ofensa à dignidade da pessoa, além de causar-lhe enorme constrangimento, porque proferidos na presença dos demais colegas de trabalho. Dessa forma, estando devidamente provado que a reclamante sofreu constrangimento por parte de seu superior hierárquico, em ofensa à sua dignidade, esta faz jus à indenização por dano moral, conforme decidido na origem. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. (TRT-15 - RO: 68826 SP 068826/2010, Relator: LORIVAL FERREIRA DOS SANTOS, Data de Publicação: 19/11/2010) (grifou-se)
Conforme se depreende do julgado, não é necessária a exteriorização da dor para que reste configurado dano moral, basta que haja potencialidade lesiva, isso porque, em muitas ocasiões, o sofrimento sequer transparece, a pessoa ofendida não quer demonstrar a dor pela qual está passando, o que não retira o dever de indenizar por parte do ofensor.
Pelo o que foi exposto, há quem critique a denominação "dano moral", pois acaba havendo uma associação com dor e sofrimento por parte da vítima, o que se viu que não é verdade. Alguns preferem chamar de dano extrapatrimonial ou imaterial. Apesar da resignação, é usual o uso da expressão dano moral pela jurisprudência pátria e consolidada no ordenamento jurídico vigente.
Segundo Judith Martins-Costa (2005, p.15), o uso da expressão dano moral "pode prestar-se a enganos, confundindo-se o dano com eventual 'dor', além de plasmar, num mesmo molde, numerosíssima tipologia, dificultando a visualização da multiplicidade de aspectos que o dano à esfera existencial pode acarretar".
5. QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL
A quantificação do dano moral é tema ainda polêmico no mundo jurídico, em virtude do aumento de demandas buscando reparação de danos morais, sem que existam critérios de fixação seguros para tanto.
Diferentemente do que propõe a indenização por dano material, que, pode-se dizer, possui um equivalente em pecúnia, em que a extensão do dano é de mais fácil constatação, a indenização por dano moral não objetiva reparar o patrimônio do ofendido, mas realizar uma compensação financeira, a fim de minimizar os efeitos negativos da lesão sofrida pela vítima.
A falta de parâmetros uniformes e definidos para arbitrar um valor adequado causa insegurança para o magistrado no momento de julgar demanda que envolva danos morais. Não existem critérios e padrões que sanem as incertezas a respeito do montante indenizatório a ser fixado, exigindo-se a tarefa um elevado grau de sensibilidade por parte do julgador.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 397) "não tem aplicação, em nosso país, o critério da tarifação, pelo qual o quantum das indenizações é prefixado. Predomina entre nós o critério do arbitramento pelo juiz." Para solucionar o problema da quantificação do dano moral, algumas formas surgiram, dentre as quais se destacam tarifação e arbitramento.
Em termos simples tal sistema consiste em prefixação de valores a serem pagos às vítimas de acordo com cada tipo de dano sofrido. Seria espécie de tabelamento com valores mínimos, máximos ou fixos que o julgador deverá levar em consideração no momento de arbitrar o quantum indenizatório.
No Brasil, ante a ausência de regulamentação específica em uma primeira fase, adotou-se o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/1962) para a fixação do quantum indenizatório. Este foi o primeiro diploma legal a estabelecer parâmetros para quantificação do dano moral, fixando indenizações entre cinco e cem salários mínimos, de acordo com as circunstâncias do caso concreto e grau de culpa do ofensor.
Os referidos dispositivos foram revogados, mas a Lei de Imprensa (Lei nº 5.520/1967) utilizou similar sistema de quantificação, apenas elevando o teto para duzentos salários mínimos.
Durante algum tempo, esse critério foi usado para o arbitramento de indenizações em geral. No entanto, não mais subsiste, tendo em vista que a própria Constituição Federal de 1988 não prevê o uso de tabelamento a ser observado pelo juiz na hora do julgamento. O Superior Tribunal de Justiça editou um enunciado nesse sentido: Súmula 281 "A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa".
A estipulação de valores estanques retira do instituto uma de suas principais características, a saber, tratar cada pessoa e causa como únicas, analisando peculiaridades do caso concreto; em se tratando de ofensa à personalidade, a redução da complexidade humana a uma homogeneidade é inviável. A adoção de tal critério provocaria injustiças, ensejando atribuição de compensações pecuniárias baixas para ofensas graves, assim como valores altos para casos de ofensas simples.
A utilização do método da tarifação feriria o princípio da reparação integral do dano, consagrado expressamente no caput do art. 944 do Código Civil, segundo o qual a indenização a ser arbitrada deve ser medida pela extensão do dano. Cada caso de dano ocorrido é único, por mais semelhante que sejam, portanto, inevitavelmente, em algumas situações, a indenização não seria corresponderia ao dano sofrido, tendo em vista que o uso de uma tabela pré fixada.
A ausência de conteúdo patrimonial de um bem lesado não impede a aplicação do princípio da reparação integral do dano, o que ocorre justamente com o dano moral. Adverte-se, todavia, que tal reparação não pode sofrer tarifação, em desrespeito à extensão do dano sofrida pela vítima, deve-se adotar um tratamento jurídico semelhante para prejuízos extrapatrimoniais semelhantes, assim como aduz que a indenização deve guardar "correspondência com a extensão da ofensa ao interesse lesado, conforme aplicação concreta do juiz". (SANSEVERINO, 2010, p. 269-270).
Hodiernamente, no sistema jurisdicional brasileiro, o que se aproxima mais da tarifação é a consolidação de entendimentos sobre valores compensatórios para determinados tipos de indenizações no Superior Tribunal de Justiça. Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 397-398) formula outra crítica sobre a tarifação:
O inconveniente desse critério é que, conhecendo antecipadamente o valor a ser pago, as pessoas podem avaliar as consequências da prática do ato ilícito e confrontá-las com as vantagens que, em contrapartida, poderão obter, como no caso do dano à imagem, e concluir que vale a pena, no caso, infringir a lei.
A preocupação do autor consiste no receio de que pessoas planejem cometer determinados ilícitos, devido ao fato de que o retorno financeiro obtido compense frente à condenação arbitrada. Isso porque, tendo em vista o tabelamento, o infrator saberia quanto teria que despender a título de indenização, calculando, antecipadamente e conforme análise de custo/benefício, se valeria a pena provocar o dano.
5.2 Arbitramento
O principal modo atualmente utilizado para fixação de compensação pecuniária por dano moral é o arbitramento. Tal previsão se encontra Código Civil de 2002, em seu artigo 946: "Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.” De acordo com a lei processual, leva-se a termo a liquidação por arbitramento e por artigos (artigos 475-C e 475 do CPC).
Por meio da técnica do arbitramento, para fixar a indenização adequada, o juiz fará a ponderação de todas as circunstâncias fáticas que envolvem o caso, usará as regras de experiência convenientes, bem como parâmetros traçados pela jurisprudência em casos semelhantes, considerando situação patrimonial das partes, gravidade do dano, dentre outros fatores observados em cada caso. Nesse ponto, Maria Helena Diniz (2010, p. 104) enumera critérios que devem orientar os juízes:
a) evitar indenização simbólica e enriquecimento sem justa causa, ilícito ou injusto da vítima. A indenização não poderá ser ínfima, nem ter valor superior ao dano, nem deverá subordinar-se à situação de penúria do lesado; nem poderá conceder a uma vítima rica uma indenização inferior ao prejuízo sofrido, alegando que sua fortuna permitiria suportar o excedente do menoscabo;
b) não aceitar tarifação, porque este requer despersonalização e desumanização, e evitar porcentagem do dano patrimonial;
c) diferenciar o montante indenizatório segundo a gravidade, a extensão e a natureza da lesão;
d) verificar a repercussão pública provocada pelo fato lesivo e as circunstâncias fáticas;
e) atender às peculiaridades do caso e ao caráter antissocial da conduta lesiva;
f) averiguar não só os benefícios obtidos pelo lesante com o ilícito, mas também a sua atitude ulterior e situação econômica;
g) apurar o real valor do prejuízo sofrido pela vítima e do lucro cessante fazendo uso do juízo de probabilidade para averiguar se houve perda de chance ou de oportunidade, ou frustração de uma expectativa. Indeniza-se a chance e não o ganho perdido. A perda da chance deve ser avaliada pelo magistrado segundo o maior ou menor grau de probabilidade de sua existência...;
h) levar em conta o contexto econômico do país. No Brasil não haverá lugar para fixação de indenizações de grande porte, como as vistas nos Estados Unidos;
i) verificar não só o nível cultural e a intensidade do dolo ou o grau da culpa do lesante em caso de responsabilidade civil subjetiva, e, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poder-se-á reduzir, de modo equitativo, a indenização (CC, art. 944), como também as posses econômicas do ofensor para que não haja descumprimento da reparação, nem se lhe imponha pena tão elevada que possa arruiná-lo...;
j) basear-se em prova firme e convincente do dano;
k) analisar a pessoa do lesado, considerando os efeitos psicológicos causados pelo dano, a intensidade do seu sofrimento, seus princípios religiosos sua posição social ou política, sua condição profissional e seu grau de educação e cultura;
l) procurar a harmonização das reparações em casos semelhantes;
m) aplicar o critério do justum ante as circunstancias particulares do caso sub judice (LICC, art. 5), buscando sempre, com cautela e prudência objetiva, a equidade e, ainda, procurando demonstrar à sociedade que a conduta lesiva é condenável, devendo, por isso, o lesante sofrer a pena.
Américo Luís Martins da Silva (2005, p.386) apresenta outros elementos que devem servir de fundamento para o juiz na tarefa de fixar a compensação pecuniária:
I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II – a intensidade do dolo ou o grau da culpa do ofensor-responsável e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em causas das quais decorreram danos morais (reincidência);
III – a reparação natural quando cabível e não cumulável com a reparação pecuniária, independentemente de intervenção judicial;
IV – a extensão da reparação natural obtida pelo ofendido, quando cumulável com a reparação pecuniária (reparação in natura como elemento que reduz os valores devidos na reparação pecuniária).
Apesar de existirem pontos em comum, observa-se inexistir consenso doutrinário ou jurisprudencial - uma lista exata - sobre critérios a serem levados em consideração no momento de fixação. Há movimento buscando fortalecer a aplicação de precedentes nos Tribunais, mas até o momento falta maior sincronicidade. Embora seja o critério adotado em tribunais pátrios, críticas são feitas ao arbitramento, conforme revela Carlos Roberto Gonçalves (2011, p.398):
A crítica que se faz a esse sistema é que não há defesa eficaz contra uma estimativa que a lei submeta apenas ao critério livremente escolhido pelo juiz, porque, exorbitante ou ínfima, qualquer que seja ela, estará sempre em consonância com a lei, não ensejando a criação de padrões que possibilitem o efetivo controle de sua justiça ou injustiça.
Diante do fato, o magistrado deve prezar pela racionalidade e transparência, exteriorizando as razões que levaram a arbitrar determinado valor, a fim de que a parte inconformada possa recorrer adequadamente da decisão proferida.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se arbitrar uma indenização em virtude da ocorrência de dano à pessoa, há, certamente, interesse jurídicos a serem tutelados que vão além do aspecto material. Quando a lesão atinge um bem jurídico intangível, aquele no qual se agride a pessoa do ofendido em sua individualidade, resta configurado o dano moral e por respeito jurídico à dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade, tal dano deve ser efetivamente reparado.
O ordenamento jurídico não poderia limitar-se a ficar engessado a reparar somente os danos materiais. Como ficou demonstrado ao longo do trabalho, a evolução e aceitação da reparabilidade do dano moral não se deu de forma pacífica. Muitas teorias surgiram e discussões afloraram-se até se chegar à aceitação que se tem hoje a respeito da proteção aspecto anímico do ser humano. O homem passou a ser visto como o elemento central de um ordenamento jurídico de um Estado.
O dano moral, portanto, como se pode observar após a leitura do presente trabalho, não necessita de comprovação de dor, sofrimento e humilhação, para sua caracterização e, posteriormente, sua reparabilidade. Tais dissabores são consequências e não causas do dano moral, os quais não precisam necessariamente ocorrer para que haja sua efetiva reparação.
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Advogado. Graduado em Direito na Universidade de Fortaleza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Derberth Paula de. Dano moral: conceito e evolução histórica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 maio 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46669/dano-moral-conceito-e-evolucao-historica. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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