Resumo: O presente artigo trata, de forma sintética, acerca do instituto jurídico do sigilo bancário, abordando a possibilidade de sua "quebra" pela administração tributária sem necessidade de prévia autorização judicial. Esse assunto sempre foi causa de acirrada discussão e polêmica no meio doutrinário e jurisprudencial, todavia o STF, por meio de julgamento de ações diretas, emitiu pronunciamento no sentido da constitucionalidade da quebra, prevista no art.6º, LC 105/2001.
Palavras-chave: Sigilo bancário. Quebra. Administração tributária. LC 105/2001. STF. Possibilidade.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará o polêmico e controvertido tema da possibilidade de quebra do sigilo bancário pela administração tributária sem a necessidade de autorização judicial para tanto. A discussão doutrinária é ferrenha, oscilando entre aqueles que chancelam a possibilidade e aqueles que não são favoráveis.
Havia muitos posicionamentos diversos a repeito do tema, contudo o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das ADI 2390/DF, ADI 2386/DF, ADI 2397/DF e ADI 2859/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 24/2/2016 (Info 815) e do RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016 (repercussão geral) (Info 815), considerou legítima e constitucional a quebra do sigilo bancário pela administração tributária sem que se exigisse prévia autorização judicial.
Tentaremos demonstrar, inicialmente, que é possível haver harmonia entre o direito constitucional à privacidade e da inviolabilidade de comunicação de dados e a obtenção de informações, por meio da quebra de sigilo bancário, diretamente pelo Fisco. Posteriormente, far-se-á uma análise acerca da decisão do Pretório Excelso sobre o tema.
2. O DIREITO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL À INVIOALIBIDADE DA VIDA PRIVADA E DA COMUNICAÇÃO DE DADOS
A Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 nasceu com o sentimento e preocupação de desfazer os efeitos da ditadura que findara, que desrespeitava direitos individuais e coletivos daqueles que eram contrários ao regime político imposto. Tendo em vista isto, a nossa Carta Maior previu em seu art. 5º, caput, incisos X e XII, como direito fundamental a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da comunicação de dados, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
A doutrina majoritária coloca a privacidade como gênero, do qual são espécies a intimidade e a vida privada. Aquela diz respeito às informações que versem exclusivamente sobre o indivíduo, aquilo que não se compartilha com ninguém, os seus pensamentos, desejos e sentimentos, o que forma a personalidade de cada um; já esta se refere aos fatos e dados que envolvem a relação de convivência, dizendo respeito apenas àqueles que travam essa relação privada.
A Constituição Brasileira não permite a violação de dados referentes à intimidade e à vida privada, proibindo a interceptação da comunicação, mas no momento em que esteja ocorrendo e não dos dados em si considerados, sendo vedado, portanto, a interceptação no instante em que ocorre.
Analisando a perspectiva de a mera obtenção de dados em si ser o fator determinante que aponte para a violação do direito à vida privada, tem-se uma interpretação equivocada do inciso XII do art. 5° da Carta Magna, uma vez que induz o contribuinte a um possível descumprimento da obrigação acessória, qual seja, a título de exemplo, a entrega de sua declaração de renda e patrimônio para fins de imposto de renda. O contribuinte alegaria que se trata de um formato eletrônico de dados e que, portanto, estaria amparado pelo sigilo. Tal raciocínio, contudo, opõe-se à real interpretação que o dispositivo merece.
Insta reforçar, portanto, que a Constituição proíbe a interceptação indevida de dados por aqueles que não possuem justo motivo para ter acesso. Caso esta extensão atingisse indiscriminadamente o próprio Fisco, de modo que não tivesse acesso a tais dados em hipótese alguma, a administração ficaria quase que impossibilitada de exercer o seu poder de vigilância, dificultando bastante qualquer investigação administrativa.
Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os dispostos no artigo 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados para servir de escudo protetivo para o exercício e prática de atividades ilícitas, tampouco para afastar ou abrandar a responsabilidade civil ou penal do agente. Os direitos e garantias fundamentais não são ilimitados ou absolutos, podendo ser relativizados a partir da análise de um caso concreto.
A única exceção repousa na parte in fine do inciso XII do art. 5° da Carta Política, quando menciona a comunicação telefônica como passível de quebra de sigilo, desde que se tenha prévia autorização por ordem judicial. O fundamento reside no fato de que o objeto da quebra se perde, caso não haja a captação no exato instante. Reserva-se a não desenvolver tal exceção, tendo em vista seus desdobramentos serem para fins penais e processuais penais.
É cediço que o contribuinte tem o dever de informar ao Fisco as variações e acréscimos que ocorrem em seu patrimônio, não podendo omitir ou modificar informações de tamanha importância para fins de tributação. O sujeito passivo da relação jurídico tributária tem obrigação legal de fornecer tais dados, não havendo faculdade para tanto, sob pena de, não havendo a observância de tal conduta, caracterizar crime contra a ordem tributária, encontrando respaldo legal na Lei 8.137/90:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
Assim também se manifesta o tributarista Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho (2013,p.16), em seu artigo sobre o mesmo tema:
Ademais, esse dever do sujeito passivo do tributo de nada omitir ou esconder à Administração tributária, e o consequente direito de o Fisco ter acesso a todos os dados que espelhem os rendimentos, o patrimônio e as atividades econômicas dos contribuintes, inclusive os dados informatizados bancários, têm respaldo constitucional, ainda, nos poderes implícitos: se a Constituição atribui competência aos entes da Federação para tributar – que é o mais, o fim, para que todos os direitos sejam proporcionados aos cidadãos, obviamente, confere a eles o menos, o meio – o direito/dever de fiscalizar esses tributos eficientemente (CF, artigo 37, caput).
Em meio a esta retórica argumentativa, insta reforçar a ideia de que o sigilo bancário não pode servir de justificativa para o cometimento de ilícitos administrativos, fiscais e penais.
3. O SIGILO BANCÁRIO SOB A ÓTICA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
|
A Constituição outorgou aos entes federativos – União, Estados, Municípios e Distrito Federal – o poder de tributar, conferindo-lhes a prerrogativa instituir tributos, uma vez que é a partir da arrecadação, sobretudo de impostos, que o Estado consegue captar receitas para sustentar a máquina administrativa e propiciar a toda a sociedade uma vida justa e solidária - como prescreve o art. 3º, I, CF – através, precipuamente, de prestação de serviços públicos, dando aos cidadãos a efetiva satisfação do que está sendo feito com o valor contribuído. Tratando-se, portanto, de dinheiro público, o Estado tem o dever de empregá-lo da maneira mais eficiente em benefício do contribuinte.
Tendo em vista que a mais comum e importante forma de lançamento dos tributos é por homologação – aquele em que o contribuinte auxilia o fisco no exercício dessa atividade, recolhendo o tributo antes de qualquer atuação da administração, com escopo no montante que ele mesmo mensura, é o que alguns autores chamam de “pagamento antecipado” - é imprescindível que o Estado possua um mecanismo de fiscalização por demais eficaz, a fim de evitar a sonegação fiscal.
Pode-se enxergar a tríade fiscalização – arrecadação– satisfação (ao contribuinte) como sendo institutos/grandezas diretamente proporcionais entre si, a medida que quanto maior e mais rígido for o ato fiscalizatório, cresce, por conseguinte, o recolhimento de tributos, dando ensejo ao maior retorno pelo Estado à sociedade.
A crescente globalização da economia e a realização constante de negócios e comércio por meio virtual dificulta o Fisco, por vezes, a constatar a ocorrência dos mais diversos fatos geradores, deixando de tributar e, consequentemente, de recolher o que lhe é legalmente devido. Face a isso, reforça-se ainda mais a necessidade de eficiência dos meios de fiscalização.
A Carta de Outubro reserva um capítulo (Capítulo VI - Da tributação e do orçamento) específico para tratar sobre a atividade tributária do Estado, mas o dispositivo que possui maior relação com o sigilo bancário é o art. 145, § 1º (princípio da capacidade contributiva) merecendo destaque dois pontos, a partir de sua leitura.
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O primeiro ponto se refere ao fato de que são os próprios contribuintes e terceiros que têm a obrigação de prestar essas informações elencadas (patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte), sendo de sua inteira responsabilidade o teor e conteúdo nelas dispostas.
Portanto, como os contribuintes estão obrigados, por força de lei, a declarar, não se pode sustentar que tais dados bancários se mantenham sigilosos à Administração tributária, sob a justificativa de violação ao direito da privacidade a da inviolabilidade da comunicação de dados, visto que a revelação desses dados ao Fisco não é uma faculdade, mas uma obrigação do contribuinte; também porque não se trata de informes que digam respeito apenas ao indivíduo, mas de matérias do interesse da fiscalização e da arrecadação tributária.
É de suma importância o acesso a essas informações bancárias, a fim de que o Estado possa alcançar a justiça fiscal e a concretização dos princípios da igualdade e da legalidade, os quais devem reger uma relação jurídico-tributária, preceitos estes que a própria Constituição impõe que devam ser atingidos.
O segundo ponto reside no seguinte trecho do art. 145, § 1º "[...]facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, IDENTIFICAR, respeitados os direitos individuais e nos termo da lei[...]" em que há uma autorização constitucional para a relativização do direito à inviolabilidade da vida privada e comunicação de dados, sem necessidade de prévia autorização judicial, posto que se trata apenas de dados gerais e cadastrais incapazes de revelar algo sobre a vida privada de um indivíduo.
Apesar de haver essa possibilidade de transferência direta de informações entre as instituições financeiras e o Fisco, este, todavia, tem a obrigação legal de manter o sigilo dos dados recebidos perante terceiros, sob pena de, nesse caso, ter-se uma ofensa aos direitos previstos nos incisos X e XII do art. 5º, CF. Sobre essa questão bem se pronuncia o ilustre doutrinador Eduardo Sabbag (2012,p.925):
O § 1º do art. 145 da CF estabelece que os impostos deverão ser graduados individualmente, buscando-se a justiça fiscal por meio do postulado da capacidade contributiva. Na atividade fiscalizatória, tal postulado deve ser prestigiado ao mesmo tempo em que se preserva a posse das informações patrimoniais de que dispõe a autoridade lançadora, para levar a cabo a exigência do tributo. A título exemplificativo, o agente fiscal, ao verificar os dados da declaração de imposto de renda do contribuinte, que indicam as rendas, os saldos bancários, as transações imobiliárias e as variações patrimoniais, deverá pautar-se com a discrição que o sigilo lhe impõe, sendo-lhe defeso propalar de modo irresponsável quaisquer desses dados, os quais lhe incumbe preservar.
|
Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é constituir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF). É essencial para a concretização dessa solidariedade e justiça que cada um arque com seus tributos devidos de acordo com sua capacidade contributiva (ou seja, quem pode mais, paga mais, quem pode menos, paga menos).
O Estado não pode sobrecarregar os honestos contribuintes com tributos com valores cada vez mais elevados, para suprir a falta de arrecadação por parte daqueles que fogem da tributação, uma vez que esta é a fonte de captação e recursos do Estado.
Uma fiscalização tributária dotada de meios mais eficazes propicia uma redução dessa evasão e sonegação fiscal. Quando se alcança uma sociedade justa e solidária, ter-se-á uma sociedade livre. A forma que o Estado possui para construir esta almejada sociedade, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades é por meio da cobrança de tributos, sobretudo de impostos, pois é a partir daí que se capta recursos para investir na sociedade, melhorando a vida dos cidadãos que a compõe, dando-lhes uma possibilidade de viver com mais dignidade.
É sabido que a nossa Carta Política visa proteger a ordem econômica brasileira, observados alguns princípios. Dentre estes, podemos destacar o da livre concorrência, previsto no inciso I do artigo 170.
Ora, a incidência tributária é um dos maiores, senão o maior encargo financeiro que um comerciante ou um empresário possuem, logo, como se terá uma concorrência livre e leal no mercado se existem alguns que não recolhem e não declaram seus rendimentos, atividades econômicas e variações patrimoniais de maneira correta? Esses sonegadores terão mais vantagens no mercado, pois os valores que deveriam ter sido recolhidos a título de tributação serão direcionados para investimentos na sua própria atividade, criando uma concorrência desleal e injusta no mercado nacional para aqueles que cumprem suas obrigações corretamente.
Na tentativa de combater isso, a própria Constituição estabelece que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da livre concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros" (art. 173, § 4º). O não reconhecimento de meios céleres e eficientes de fiscalização tributária contribui bastante para a geração de uma concorrência desleal e injusta no mercado nacional.
As autoridades administrativas fiscais competentes não possuem qualquer interesse em invadir, muito menos revelar dados e fatos que pertencem à vida privada dos contribuintes, estando até proibidos de fazer isso, do contrário sofrerão sanções administrativas e civis, como também configura crime funcional. Não se deseja a arrecadação a qualquer custo, mas apenas o que for legalmente devido.
Alguns daqueles que temem a quebra do sigilo bancário pela administração, sem prévia autorização judicial, são os que realizam a sonegação fiscal, uma vez que não querem ser compelidos a pagar o que realmente é devido, desejando continuar a burlar o Fisco. Nesse sentido também se posiciona o nobre magistrado Ricardo César Mandarino Barreto (2002, p.249):
Diante disso, revela-se exagerada essa sensibilidade nacional, quando se fala em quebra de sigilo bancário. A sociedade é tomada por uma espécie de estresse coletivo. É um verdadeiro "Deus nos acuda", parece que o holocausto está próximo, que a cidadania foi extirpada e a democracia está nos estertores. Em parte, toda essa comoção resulta na luta obstinada dos grandes contribuintes, aqueles que vivem da sonegação, em especial, para pretenderem manter privilégios, sob a justificativa de que o Estado não fornece serviços adequados e que é lícito resistir ao pagamento dos tributos. Com isso, cria-se a cultura da sonegação, "moralmente" justificada, fruto de uma relação aética entre o fisco e contribuinte. Essa relação resulta da falta de respeito de certos administradores públicos para com os cidadãos, revelado-se, na atualidade, pela abusiva edição diária de medidas provisórias, usurpando a competência legislativa, criando situações mais vexatórias do que aquelas experimentadas na época da ditadura com os decretos-lei. O aumento da contribuição previdência dos servidores, pretendido em passado recente, e a resistência em atualizar as tabelas do imposto de renda pessoa física são exemplo disso. Há medidas provisórias que, em esbulho a princípios fundamentais, só perdem mesmo para os famigerados atos institucionais, de triste memória. O que é lamentável é o fato de algumas mentes lúcidas do nosso país deixarem-se envolver por um “discurso humanitário”, de falsos princípios, para, ingenuamente, trabalharem em favor dos sonegadores.
O conteúdo da ''vida econômica'' dos contribuintes armazenado nas instituições financeiras deve, ou pelo menos deveria, ter sido declarado, posto que se trata do cumprimento de obrigação estipulada por determinação legal. A verificação realizada pelo Fisco tem a finalidade de constatar a veracidade da declaração realizada, eventuais dados que divirjam dos já comunicados só demonstrarão que houve violação ao dever de declarar. Não há o que temer, a menos que o contribuinte queira propositadamente esconder algo.
Todos esses preceitos constitucionais e o real cumprimento de todos demonstram a constitucionalidade da transferência direta do sigilo bancário para a Administração tributária e dos dispositivos presentes na Lei Complementar nº 105/2001.
4. ANÁLISE DO ENTENDIMENTO DO STF ACERCA DA QUEBRA DE SIGILO PELO FISCO SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
É cediço que, em regra, segundo entendimento consolidado do STF, é imprescindível prévia autorização judicial para se ter acesso aos dados bancários de uma pessoa (quebra de sigilo bancário), tendo em vista se tratar de verdadeira cláusula de reserva de jurisdição.
Ocorre que o Supremo, ao analisar a situação na qual o ente requisitante da quebra de sigilo bancário seja o Fisco, no julgamento das ADI 2390/DF, ADI 2386/DF, ADI 2397/DF e ADI 2859/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 24/2/2016 (Info 815) RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016 (repercussão geral) (Info 815), decidiu que nesta situação não se exige a prévia autorização judicial, haja vista a disposição prevista no art.6º, LC 105/2001, in verbis:
Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
O artigo acima citado foi considerado compatível com a CF/88, logo, CONSTITUCIONAL. Permite-se, portanto, que a Fazenda requisite diretamente às instituições bancárias a quebra de sigilo.
Segundo entendeu a Suprema Corte, esse repasse das informações dos bancos para o Fisco não pode ser chamado de "quebra de sigilo bancário". Isso se justifica porque as informações são passadas para o Fisco (ex: Receita Federal) em caráter sigiloso e assim permanecem na Administração Tributária. Logo, é uma tramitação sigilosa entre os bancos e o Fisco, não sendo acessível a terceiros, razão pela qual não pode ser considerado violação (quebra) do sigilo. Os dados, até então protegidos pelo sigilo bancário, prosseguem protegidos pelo sigilo fiscal.
Na visão do STF, o simples fato de o Fisco ter acesso aos dados bancários do contribuinte não viola a garantia do sigilo bancário. Somente se poderá falar em violação se ocorrer vazamento desses dados para pessoas estranhas ao órgão fazendário, configurando, nesse caso, quebra do sigilo bancário, uma vez ter sido exposta a intimidade do contribuinte para terceiros. Em casos de vazamento, a LC 105/2001 prevê punições ao responsável, que estará sujeito à pena de reclusão, de 1 a 4 anos, mais multa, além de responsabilização civil, culminando com a perda do cargo (art. 10).
O Supremo também considerou que o sigilo bancário não pode ser considerado um direito absoluto, devendo ceder espaço ao princípio da moralidade nas hipóteses em que transações bancárias indiquem ilicitudes. A prática prevista na LC 105/2001 é comum em vários países desenvolvidos e a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo questionado seria um retrocesso frente aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. O combate às práticas ilícitas, como a lavagem de dinheiro, evasão de divisas e coibição de organizações criminosas, restaria deveras enfraquecido.
Sustentou-se ainda no plenário do Pretório Excelso que a identificação de patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte pela administração tributária dá efetividade ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CF/88). O princípio consagrado sofreria riscos quando se restringissem as hipóteses que autorizam seu acesso às transações bancárias dos contribuintes.
A LC 105/2001 não viola a CF/88. O legislador não estabeleceu requisitos objetivos para requisição de informação pela administração tributária às instituições financeiras, exigindo que, quando essas informações chegassem ao Fisco, este mantivesse o dever de sigilo. Com efeito, o parágrafo único do art. 6º preconiza que o resultado dos exames, as informações e os documentos deverão ser conservados em sigilo, observada a legislação tributária. Assim, não há ofensa à intimidade ou a qualquer outro direito fundamental, pois a LC 105/2001, como já dito anteriormente, não permite a "quebra de sigilo bancário", mas sim a transferência desse sigilo dos bancos ao Fisco.
O art. 6º da LC 105/2001 é taxativo e razoável ao facultar o exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras somente se houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Ressalta-se que apesar de o STF se referir apenas à Receita Federal no julgamento, as Receitas estadual e municipal (Secretarias de Fazenda estadual e municipal) também poderão requisitar dos bancos, sem autorização judicial, informações sobre movimentações bancárias sem que isso configure quebra do sigilo bancário. O dispositivo autoriza as autoridades e agentes fiscais tributários sem fazer distinção, permitindo não apenas a Receita da União (Receita Federal), mas também dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Vale ressaltar, entretanto, que, para que os Estados, Distrito Federal e Municípios possam utilizar a prerrogativa prevista, precisarão, antes, editar ato normativo que regulamente a matéria, trazendo todas as regras operacionais para a aplicação do dispositivo. Neste regulamento deverão ser previstos sistemas adequados de segurança e registros de acesso para evitar a manipulação indevida dos dados, garantindo-se ao contribuinte a transparência do processo. A Receita Federal já pode requisitar diretamente as informações bancárias, uma vez que já elaborou o seu regulamento, Decreto 3.724/2001.
A respeito da possibilidade de os Estados, Distrito Federal e os Municípios poderem utilizar a prerrogativa, o Supremo assim resumiu a situação (2016,on-line):
Os estados e municípios somente poderão obter as informações previstas no artigo 6º da LC 105/2001, uma vez regulamentada a matéria. De forma análoga ao Decreto Federal 3.724/2001, tal regulamentação deve conter as seguintes garantias: pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o tributo objeto de cobrança no procedimento administrativo instaurado; a prévia notificação do contribuinte quanto a instauração do processo e a todos os demais atos; sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico; existência de sistemas eletrônicos de segurança que sejam certificados e com registro de acesso; estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de desvios.
A título de curiosidade, mostra-se o placar da votação no plenário do julgamento: Votaram pela constitucionalidade do art. 6º: Ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Gilmar Mendes, e Ricardo Lewandowski. Votaram pela inconstitucionalidade do art. 6º: Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello.
4.1 MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DO STF
O julgado ao qual se reporta este artigo representa uma mudança de entendimento do Supremo, o qual preconizou, no RE 389808, que seria necessária prévia autorização judicial para que o Fisco pudesse requisitar os dados às instituições financeiras, considerando, portanto, inconstitucional o art.6º, LC 105/2001 (2016,on-line).
SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte. STF. RE 389808, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 15/12/2010.
Essa superação pode ser atribuída, principalmente, à mudança substancial da composição dos Ministros na Suprema Corte. Muitos dos que votaram à época pela inconstitucionalidade da referida norma saíram, assim como entraram outros com posicionamento diferente. Além disso, o Ministro Ricardo Lewandowski alterou seu entendimento, passando a considerar constitucional o dispositivo.
4.2 POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES BANCÁRIAS OBTIDAS PELO FISCO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL EM PROCESSOS CRIMINAIS
A utilização dos dados obtidos pelo Fisco em processos criminais ainda é um tema polêmico, não havendo um consenso entre os doutrinadores, tampouco entre os Tribunais Superiores.
O STJ, antes mesmo da decisão do Supremo, possuía entendimento de que os dados obtidos pela Receita Federal com fulcro no art. 6º da LC 105/2001, mediante requisição direta às instituições bancárias no âmbito de processo administrativo fiscal sem prévia autorização judicial, não poderiam ser utilizados no processo penal. Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. REsp 1.361.174-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/6/2014 (Info 543).
Para o STJ, portanto, o Fisco pode requisitar, sem autorização judicial, informações bancárias das instituições financeiras para fins de constituição de créditos tributários. Tais informações, entretanto, não poderiam ser enviadas ao Ministério Público para servirem de base para a propositura de uma ação penal, salvo quando houver autorização judicial, sob pena de configurar quebra de sigilo bancário.
O STF, todavia, ainda não possui entendimento firmado a respeito do tema, uma vez que os Ministros, no julgamento então comentado, não deixaram explícito se as informações obtidas pelo Fisco com base no art. 6, LC 105/2001 poderiam embasar processos criminais. Deve-se, logo, aguardar a consolidação do Supremo a respeito do tema.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, resta concluir que o permissivo contido no art. 6, LC 105/2001 não representa uma violação à intimidade ou à quebra de sigilo (art.5º, X e XII, CF) de dados bancários do contribuinte, tendo em vista que tais garantias previstas na Constituição Federal de 1988 não podem ser consideradas direitos absolutos, podendo ser relativizadas em determinadas situações, como o legislador infraconstitucional assim no fez na mencionada lei complementar.
A transferência de dados das instituições financeiras para o Fisco não representaria, como dito pelo Pretório Excelso, uma real quebra de sigilo bancário, havendo tão somente uma tramitação de dados e informações entre ambos. O caráter sigiloso permaneceria na administração tributária, pois terceiros também não teriam acesso.
O art. 145, § 1º, CF também justifica o repasse direto de dados bancários da instituição financeira para a Administração tributária, haja vista que o fisco necessita de mecanismos e ferramentas eficazes para o patrimônio, atividades econômicas e rendimentos, a fim de prevenir e punir a prática de atividades ilícitas, sob pena de enfraquecimento da concretização do princípio da capacidade contributiva. Pouco adiantaria ter concedido tamanho poder de tributar, se na própria Constituição ou em lei complementar não se contemplar uma efetiva e eficaz faculdade de a Administração poder fiscalizar os contribuintes.
Mostra-se incompatível com a ideia de Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput e art. 3º, I, ambos da CF) a possibilidade de um mau contribuinte poder dificultar ou tornar ineficiente o exercício da atividade do Fisco de coletar dados para uma eventual investigação.
Além do que já foi explicitado, cabe também destacar que se o Fisco fosse esperar pela autorização do Poder Judiciário para ter acesso aos dados bancários dos contribuintes em investigação, em muitos dos casos se perderia o objeto - em virtude da atual morosidade em que se encontra, devido, principalmente, ao alto número de processos e recursos judiciais admitidos -, pois haveria a decadência dos créditos sonegados.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, Ricardo César Mandarino. Sigilo bancário: direito à intimidade ou privilégio. Revista da AJUFE, ano 21, n. 69, p.245-259, jan/mar. 2002.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5ª edição. São Paulo. Ed. Noeses. 2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 389808. G.V.A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A JOSÉ CARLOS CAL GARCIA FILHO E OUTRO(A/S). UNIÃO PFN - DEYSI CRISTINA DA´ROLT. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Brasília, DF, 15 de janeiro de 2010. Diário Oficial da União. São Paulo.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 28ª edição. São Paulo. Ed. Malheiros. 2012
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18ª edição. São Paulo. Ed. Saraiva. 2007.
CAVALCANTE MELO, Augusto Carlos. O sigilo fiscal e sua ''quebra'': análise das previsões legais excepcionantes à luz da Constituição. Revista Tributária e de Finanças Públicas. Ano 2008, v. 16, n. 82, mês set/out, p. 44-57.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo815.htm > Acessado em 17 de abril de 2016.
Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19735568/recurso-extraordinario-re-389808-pr> Acessado em 13 de maio de 2016.
FIGUEIREDO, Marcelo. O sigilo bancário e fiscal - algumas dimensões jurídico-políticas. Interesse Público: revista bimestral de direito público. Ano 2002, v. 4, n. 16, mês out/dez, p. 64-88.
LORENCINI, Bruno César. O sigilo bancário e fiscal à luz do direito à privacidade e hipóteses de relativização. Revista Tributária e de Finanças Públicas. Ano 2010, v. 18, n. 94, mês set/out, p. 67-95.
LUSTOZA, Helton Kramer. A quebra do sigilo bancário em investigação fiscal. Revista Tributária e de Finanças Públicas. Ano 2007, v. 15, n. 72, mês jan/fev, p. 190-213.
MACIEL, Everardo. Sigilo bancário e evasão fiscal. Revista Jurídica Consulex. Ano 2008, v. XII, n. 276, mês jul, p. 42-43.
OLIVEIRA DE CASTILHOS, Núbia Nette Alves. O sigilo fiscal e o fornecimentos de informações protegidas ao Tribunal de Contas da União: uma leitura à luz do texto constitucional e do art. 198 do Código Tributário Nacional. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT. Ano 2009, v. 7, n. 41, mês set/out, p. 135-145.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4ª edição. São Paulo. Ed. Saraiva. 2012.
SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Sigilo bancário e fiscal na República Federativa do Brasil. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT. Ano 2013, v. 11, n. 64, mês jul/ago, p. 9-77.
WASSERMAN, Rafhael / MINATEL, Gustavo Froner. Arrolamento de bens e direitos e o sigilo fiscal. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Ano 2010, n. 29, mês dez, p. 309-319.
WEISS, Fernando Lemme. O sentido e abrangência do sigilo fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário. Ano 2010, n. 78, mês jul, p. 69-84.
Advogado. Graduado em Direito na Universidade de Fortaleza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Derberth Paula de. A constitucionalidade da quebra do sigilo bancário pela administração tributária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46700/a-constitucionalidade-da-quebra-do-sigilo-bancario-pela-administracao-tributaria. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.