Resumo: Nessa obra, serão apresentadas considerações sobre o fenômeno migratório e os conceitos de imigrantes e refugiados. O papel do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e da Organização Internacional para Migração (OIM) será destacado como essencial para lidar com a crise de imigração vivenciada no mundo atual, de forma a se colocar em prática a proteção aos migrantes em diferentes instrumentos normativos internacionais, como o Estatuto dos Refugiados e a Declaração de Genebra. Por fim, serão apontados aspectos que podem auxiliar e motivar diferentes Estados e receberem migrantes e introduzi-los nos ambientes social, econômico e cultural interno.
Palavras-chave: Migração. Direito Internacional dos Refugiados. ACNUR. OIM. Estatuto dos Refugiados. Convenção dos Refugiados.
Introdução
O fenômeno migratório, altamente noticiado nos dias atuais, não é algo novo na história do mundo. Há notícias de que as primeiras migrações ocorreram há mais de trinta mil anos, quando os indivíduos deixavam seus habitats na África em direção à Ásia, em busca melhores condições climáticas e mais abundância de alimentos. Com o passar dos anos, as causas das imigrações foram sendo alteradas, inclusive em razão do processo de globalização.
Com a globalização e a crescente implantação do modelo capitalista mundo afora, as sociedades tornaram-se mais complexas e o fenômeno da globalização mostrou-se incapaz de aumentar ofertas de trabalho e oportunidades, como se esperava. O que se viu foi um aumento da desigualdade entre os países, do desemprego e o fechamento de barreiras. O desenvolvimento tecnológico diminuiu postos de trabalho e exigiu maior qualificação da mão de obra, gerando enorme excedente de força de trabalho e o agravamento de problemas sociais.
Com as modificações ocorridas no mundo do trabalho, o mercado vem se tornando cada vez mais precário, parcial, terceirizado, informal por um lado e cada vez mais superexplorado, por outro. A dificuldade de colocação no mercado de trabalho, em razão de poucos postos disponíveis, da exigência de conhecimentos cada vez mais especializados e aprimorados, vem criando um contingente de trabalhadores insatisfeitos, que precisam se submeter, muitas vezes, a condições de trabalho precárias, em que se ignoram direitos sociais básicos e há má remuneração, até mesmo trabalhos com jornadas reduzidas.
Não só a globalização, mas as crises econômicas e políticas, as guerras e os regimes ditatoriais ocorridos nos últimos séculos contribuíram para o sentimento de insegurança e instabilidade das populações de diversos países, acarretando o fenômeno migratório. Insta salientar que ocorre o fenômeno migratório também por estímulo de alguns países, a exemplo do Canadá, que necessitam de força de trabalho e por isso, oferecem boas condições sociais e econômicas para a entrada de estrangeiros em seu território. Dessa forma, é possível concluir que são vários os motivos que ensejam a saída de milhões de pessoas de seu país de origem, muitas vezes deixando para trás suas famílias, trabalho e bens, em busca de paz e/ou melhores condições econômicas.
Desenvolvimento:
Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), é importante diferenciar os conceitos de imigrantes e refugiados, que vêm sendo utilizados erroneamente pela mídia e pelo público em geral. Para a ACNUR, “os dois termos têm significados diferentes e confundir os mesmos acarreta problemas para ambas as populações”. São refugiados os indivíduos que cruzam as fronteiras de seus Estados de origem fugindo de perseguições (políticas, religiosas, étnicas) ou conflitos armados, em busca de proteção e segurança. Já os imigrantes são os indivíduos que saem de seus países em busca de uma melhor condição de vida. “À diferença dos refugiados, que não podem voltar ao seu país, os migrantes continuam recebendo a proteção do seu governo.”
Aos refugiados é necessária proteção e sua situação é regulada em diferentes instrumentos como o Estatuto dos Refugiados e seu protocolo de 1967 da ONU, Declaração de Cartagena sobre os Refugiados (1984), Declaração de São José sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas (1994) e a Convenção da OUA (Organização da Unidade Africana). O Estatuto dos Refugiados, da ONU, classifica quem será considerado refugiado e quais os direitos e garantias devem ser concedidos a esses indivíduos. Ademais, um dos princípios mais importantes é o de que não se pode expulsar ou devolver os refugiados ao seu país de origem quando houver grave risco de vida ou liberdade.
Classificar erroneamente um indivíduo como imigrante ou refugiado pode acarretar consequências prejudiciais, em virtude da aplicação de dispositivos normativos nacionais ou internacionais incompatíveis com a realidade de cada situação. Segundo a ACNUR,
os países tratam os migrantes de acordo com sua própria legislação e procedimentos em matéria de imigração, enquanto tratam os refugiados aplicando normas sobre refúgio e a proteção dos refugiados - definidas tanto em leis nacionais como no direito internacional. Os países têm responsabilidades específicas frente a qualquer pessoa que solicite refúgio em seu território ou em suas fronteiras.
Quanto às proteções aos imigrantes, necessário diferenciar os institutos do refúgio e do asilo. O refúgio está previsto na Convenção de Genebra (1951), a qual prevê que os Estados signatários não podem repelir quem o solicite. Segundo o Ministério da Justiça, o refúgio é concedido ao imigrante que sofre perseguições de cunho político, nacionalidade, religião, raça ou por pertencer a um grupo social.
Enquanto tramita um processo de refúgio, pedidos de expulsão ou extradição ficam em suspensos. O refúgio tem regras mundiais bem definidas e possui regulação pelo organismo internacional ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. No Brasil, a matéria é regulada pela Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, que criou o Comitê Nacional para os Refugiados – Conare, e pela Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA).
Já o asilo é uma instituição jurídica que depende da soberania estatal. O direito de pleitear asilo é garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e se destina a quem sofre perseguição em seu território de origem pela prática de delitos políticos ou convicções religiosas e raciais.
O asilo político é o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhures-geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país patrial- por causa de dissidência política, de delitos de opinião, ou por crimes que, relacionados com a segurança do Estado, não configuram quebra do direito penal comum. (REZEK)
Vanessa Oliveira Batista diz que
entende Lopez Garrido que não cabe mais esta distinção, porque tal dicotomia poderia sugerir que os poucos direitos de que se beneficiaria o solicitante de refúgio poderiam ser negados ao que solicitasse o asilo, estabelecendo-se assim um desequilíbrio de tratamento entre um e outro. Seria mais conveniente então que se entendesse ambas figuras como graduações diferentes do mesmo conceito, qual seja, direito de asilo. Este direito, fundamental da pessoa humana, pode ser invocado por aquele que é perseguido, e se perfaz na acolhida e proteção por parte de outro Estado que não seja aquele de que se está fugindo. Desta forma o refúgio é uma outra forma do asilo, embora tenham distintas denominações. (BATISTA)
A Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu princípios relativos ao refúgio: o problema dos refugiados tem alcance e caráter internacional; não se deve obrigar o regresso ao país de origem aos refugiados que expressarem objeções válidas ao retorno; um órgão internacional deve ocupar-se do futuro dos refugiados e pessoas deslocadas; a tarefa principal consiste em estimular o pronto retorno dos refugiados a seus países e ajudá-los por todos os meios possíveis.
Existem instituições incumbidas de proteger os indivíduos que saem de seus Estados rumo a melhores condições de vida, quando acometidos por perseguições ou injustiças. Dentre essas instituições, destacam-se o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e a Organização Internacional para Migração (OIM).
O ACNUR foi criado pela Assembleia Geral da ONU para proteger pessoas vítimas de perseguição, violência e intolerância. É considerado uma das principais agências humanitárias do mundo, já tendo sido agraciado com dois prêmios Nobel da Paz. O Alto Comissariado atua em 126 países, inclusive que estão em conflito, e possui centenas de profissionais espalhados ao redor do mundo, com o intuito de auxiliar e subsidiar proteção e informação àqueles que encontram-se fora de seus países de origem sem interesse ou possibilidade de regresso. No Brasil, atua em parceria com o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE). Sua missão é assegurar os direitos e o bem estar dos refugiados, conduzindo suas ações com base no seu Estatuto e na Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados e seu Protocolo de 1967.
A Organização Internacional para Migração (OIM), criada em 1951, é uma organização intergovernamental que atua no campo da migração em parceria com governos e organizações governamentais e não governamentais. Dedica-se à promoção da migração humana e ordenada para benefício de todos. A OIM
trabalha para ajudar a garantir a gestão ordenada e humana da migração, promover a cooperação internacional em matéria de migração, para ajudar na busca de soluções práticas para os problemas de migração e para prestar assistência humanitária aos migrantes em necessidade, incluindo refugiados e pessoas deslocadas internamente.
Sustenta-se sobre quatro pilares: migração e desenvolvimento, facilitação, regulação e migração forçada. Atua através da prestação de serviços e assessoria a migrantes e governos.
Em âmbito internacional, o Direito Internacional dos Refugiados, que abarca os diplomas internacionais e regionais que tratam de normas jurídicas para regular a situação desses indivíduos, está previsto principalmente na Convenção de Genebra (1951) e no Protocolo de Nova Iorque (1967). Outros instrumentos também possuem relevo na regulação, a exemplo da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (1950), Convenção sobre Asilo Político (1993), Pacto de São José da Costa Rica (1969), Declaração de Cartagena sobre Refugiados (1984). Várias Resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas também disciplinam o tema.
Um importante princípio que norteia o tema dos refugiados é o do non-refoulement, o qual protege o refugiado contra expulsão e extradição, exigindo decisão definitiva antes de ordenar sua saída do país, caso negada proteção. Esse princípio está previsto na Convenção de Genebra, em seu artigo 33:
Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas. (ACNUR).
Ressalte-se que a própria Convenção prevê no artigo seguinte que tal princípio não é absoluto, havendo a possibilidade de não aplicação caso o refugiado “seja considerado um perigo para a segurança do país” ou tenha sido “condenado por crime particularmente grave”.
O fenômeno migratório já teve face diferente da situação que atualmente se vê. No século XX, viu-se o fenômeno de saída de europeus de seus países de origem rumo às Américas.
De 1846 a 1932 contata-se que mais de 52 milhões de pessoas imigraram do Velho para o Novo Mundo (32 milhões para os Estados Unidos; 6 milhões para a Argentina; 6 milhões para o Canadá; 4,5 milhões para o Brasil; e aproximadamente 4 milhões para a Oceania. (BATISTA).
Os destinos escolhidos pelos imigrantes dessa época tinham populações pouco numerosas e estavam abertos às inovações, com possibilidades para o trabalho e a produção de riqueza, diferentemente dos países da Europa, cujos territórios eram pequenos e possuíam populações maiores.
A situação inverte-se a partir da década de 1960, quando o destino dos imigrantes passa a ser a Europa. O mundo na década de 1970 passou por uma grave crise econômica com redução da produção industrial, o aumento no preço dos produtos e a consequente elevação das taxas de desemprego. Dessa forma,
se na década de 60 a maior parte dos trabalhadores que se movimentavam pelo continente europeu eram provenientes dos países do sul da Europa (70% eram italianos), no início da década de 70, 4% apenas eram oriundos destes mesmos países. (BATISTA)
Nos séculos 18 e 19, os europeus povoaram o mundo e agora observa-se que populações colonizadas rumam em direção à Europa. “A migrac?a?o de africanos, a?rabes e asia?ticos para a Europa representa a reversa?o de uma tende?ncia histo?rica. Na Era Colonial, a Europa praticou uma espe?cie de imperialismo demogra?fico, quando europeus brancos emigraram para os quatro cantos do mundo. Na Ame?rica do Norte e na Austra?lia, as populac?o?es indi?genas foram subjugadas e muitas vezes mortas – e continentes inteiros foram transformados em ape?ndices da Europa. Os pai?ses europeus tambe?m estabeleceram colo?nias em todo o mundo e as povoaram com emigrantes, ao passo que, ao mesmo tempo, va?rios milho?es de pessoas foram forc?adas a migrar da A?frica para a? Ame?rica como escravos. (COSTA)
Percebe-se que a reação da Europa quanto ao recebimento dos imigrantes foi bem diferente após a Segunda Guerra Mundial da que se vê hodiernamente. Sedenta por mão de obra não qualificada para auxiliar na reconstrução do continente, num cenário caótico de destruição pós-guerra, a Europa mostrou-se aberta a recepcionar imigrantes, especialmente os de baixa qualificação. Eles provinham principalmente de países do Terceiro Mundo e a maioria ia em direção à Alemanha, França, Grã Bretanha, Bélgica, Holanda e Suíça.
Entretanto, atualmente há tendência a uma postura contra a entrada de imigrantes nos países europeus. Além da crise econômica que atinge também os países desenvolvidos, outros fatores são vistos como motivo para se estreitar as possibilidades de se ultrapassar as fronteiras. Mesmo com os ideais de igualdade e liberdade que permeiam o mundo atual, as guerras, o terrorismo, e a destruição do meio ambiente fazem com que os imigrantes, que outrora foram vistos como auxiliares no desenvolvimento e enriquecimento de países europeus, hoje sejam vistos como uma ameaça à segurança, ao emprego e até mesmo como fontes de terrorismo.
Além dos imigrantes que entram na Europa em busca de melhores condições de vida, há um fluxo intenso daqueles que fogem das guerras da Síria, Afeganistão, e outros países do oriente que estão em situação de extrema pobreza, saindo de seus países sem dinheiro, sem bens, somente com sua força de trabalho. O número de imigrantes mostra-se alarmante. Segundo publicação do ACNUR, de 18 de junho de 2015, através do Relatório Tendências Globais (Global Trends), o número de pessoas deslocadas por motivos de guerra alcançou a alarmante marca de 59,5 milhões de pessoas, número bem maior que nos anos anteriores.
Segundo revela o Alto Comissariado,
esta tendência de crescimento tem sido principalmente verificada desde 2011, quando se iniciou a guerra na Síria – e que se transformou no maior evento individual causador de deslocamento no mundo. Em 2014, uma média de 42,5 mil pessoas por dia se tornaram refugiadas, solicitantes de refúgio ou deslocadas internos – um crescimento quadruplicado em apenas quatro anos. Em todo o mundo, 01 em cada 122 indivíduos é atualmente refugiado, deslocado interno ou solicitante de refúgio. Se fossem a população de um país, representariam a 24º nação mais populosa do planeta. (ACNUR)
A rejeição de imigrantes por diversos integrantes da União Europeia, a exemplo do Reino Unido, o sobrecarregamento de alguns países no que diz respeito à entrada de refugiados em seu território e a rejeição da proposta de cotas de distribuição exigiu que a União Europeia assumisse uma postura firme para lidar com a situação. A crise dos refugiados não pode ser ignorada pelas grandes potências, que veem todos os dias pessoas em situações precárias chegando em seus territórios, altos índices de morte nas travessias e violações graves a direitos humanos.
Recentemente, a União Europeia apresentou um plano para que se coloque em prática um sistema de asilo comum, como forma de tentar superar a Regulação de Dublin. O plano propõe a criação de uma agência federal de asilo para que as demandas de asilo sejam centralizadas e divididas entre os países da União Europeia, com base em um sistema de cotas.
Sobre a Regulação de Dublin, tem-se que foi acordada em 1990 e entrou em vigor sete anos depois, tendo como objetivo estabelecer hierarquia para identificar qual Estado seria responsável pela análise dos pedidos de asilo na Europa. Dentre os requisitos para a concessão do asilo, segundo o Regulamento, o principal seria o de se atribuir responsabilidade ao Estado no qual o solicitante primeiro entrou.
Não há como fugir e fingir que a crise no oriente e o grande número de refugiados que tentam proteção na Europa não é um problema social e humanitário mundial, que deve ser enfrentado e combatido por todos os Estados. O aspecto humanitário não pode ser ignorado, muito menos por países signatários de diversos instrumentos de caráter protetor da dignidade humana. Nos momentos de crise extrema é que devem ser colocados em prática os preceitos normativos protetores previstos em Convenções e Recomendações Internacionais.
Naturalmente, na época de crise econômica, turbulência política e crescimento demográfico desigual em que vivemos, os interesses objetivos dos Estados afetados deverão ser atendidos sempre e quando os fluxos migratórios forem abundantes e atentarem contra a segurança nacional e estabilidade econômica dos países de acolhida. Alcançar este equilíbrio, que implica necessariamente no respeito dos direitos humanos dos migrantes, forçados ou não, dependerá de uma política regional e consertada entre os Estados-membros da Comunidade Internacional. Uma política global fundada no princípio da repartição da carga (burden sharing) e orientada basicamente a eliminas as causas do atraso econômico e político que afeta os Estados mais vulneráveis ou periféricos do planeta onde as pessoas e não mais os cidadãos deambulam entre a sobrevivência violenta e a emigração.(BATISTA)
A soberania nacional e a proteção de interesses internos de cada nação não podem ser absolutas e regionalizadas, devendo se questionar até que ponto é possível e legítima uma política nacional que venha a reprimir direitos humanos daqueles que não são nacionais.
Um Estado que não realiza a dignidade humana não exercita a sua soberania. A soberania, então, é relativa não somente em decorrência da internacionalização dos direitos humanos, mas também porque nunca existiu uma soberania absoluta, simplesmente em razão de que o ser humano, sociável por natureza e vivendo em sociedade, submete-se a regras de conduta, instituídas para dirimir conflitos e promover a paz social, isto é, convencionou-se ceder parte de sua liberdade em benefício da convivência social. file:///C:/Users/m13964317/Downloads/Rogerio_Taiar_Tese.pdf
Entretanto, não apenas fundamentos de cunho humanitário devem ser levados em conta como fatores de aceitação de estrangeiros refugiados nos territórios europeus. Há diversos aspectos positivos que podem servir de estímulo ao acolhimento dos refugiados, com benefícios para ambas as partes, Estados e refugiados.
A população alemã e de outros países europeus vem envelhecendo ao longo das últimas décadas. Conforme informações do Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis),
hoje, um em cada cinco alemães tem mais de 65 anos. Em 2060, a proporção será de um em cada três. Ao mesmo tempo, a população economicamente ativa (entre 20 e 65 anos) cairá de cerca de 50 milhões para 34 milhões ou 38 milhões.
Pensando sobre o aspecto etário da população europeia, a entrada de imigrantes será de grande valia para equilibrar a necessidade de mão de obra no presente e nas próximas décadas. Mesmo o elevado número de imigrantes que adentram as fronteiras europeias não será suficiente para cobrir os déficits de força de trabalho nas mais variadas atividades econômicas da Europa. Soma-se à falta de mão de obra, o desequilíbrio dos sistemas de aposentadoria, em razão do alto número de cidadãos fora do mercado de trabalho, do elevado número de aposentadorias e da população economicamente ativa para sustentá-lo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) destacou esse panorama, em recente artigo:
À medida que as pessoas vivem mais tempo e as taxas de natalidade caem – particularmente nas economias desenvolvidas – existe uma crescente pressão sobre a sustentabilidade dos sistemas de aposentadoria.
O desafio é muito claro: mais aposentados significa que os regimes de aposentadoria necessitam mais dinheiro para continuar operando. No entanto, com um número inferior de pessoas que entram no mercado de trabalho, há menos dinheiro para financiar os regimes de aposentadoria.
Um exemplo recente é a Alemanha, que no ano passado registrou a taxa de natalidade mais baixa em 40 anos. Outro caso típico é o Japão, que tem a população mais velha do mundo, com mais de 22 por cento de pessoas acima de 65 anos. Também se espera que durante esta década a população em idade de trabalhar na China diminua. De acordo com a Associação Internacional de Seguridade Social (AISS), a proporção de pessoas com 65 anos ou mais (como porcentagem da população ativa) duplicará na Europa durante os próximos 40 anos e até triplicará na Ásia. (OIT)
Muitas empresas, atentas à escassez de mão de obra, especialmente a qualificada, se mostram interessadas em políticas para receber refugiados. Dados demonstram que grande parte dos refugiados que chegam à Europa possuem alta qualificação profissional, com graduação e até mesmo pós graduação. Assim, a crise dos refugiados na Europa é uma oportunidade para o continente reorganizar seu mercado de trabalho e compensar o envelhecimento da população.
Para auxiliar a integração dos refugiados ao mercado de trabalho, devem ser criadas políticas de integração.
Para que a integração seja bem-sucedida é necessário ter em conta não só as medidas para apoiar a inclusão no mercado de trabalho, mas também medidas como reagrupamento familiar, o acesso aos cuidados de saúde, apoio psicossocial e reabilitação, aconselhamento jurídico ou a formação linguística, explicou Denis Haveaux, diretor da Cruz Vermelha na UE.(EUROPARL)
Políticas que auxiliam os refugiados a aprenderem o idioma nacional são de grande valia para auxiliar a inclusão social e no mercado de trabalho.
Um dos principais problemas mencionados pelos entrevistados é o idioma. Em diversos países, o interesse pelo aprendizado da língua alemã tem diminuído, uma tendência reforçada pelo fechamento de diversas unidades do Instituto Goethe em decorrência de cortes de verbas e pela redução das ofertas do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD, do alemão) e das escolas em língua alemã no exterior. (LOHMÜLLER e LOPES)
Cursos sobre formas de se empreender também são medidas interessantes para auxiliar refugiados a ingressarem no mercado de trabalho, criando seus próprios negócios. No Brasil, um workshop realizado em São Paulo deu ânimo a imigrantes e refugiados. Conceitos sobre administração, formas de se criar um novo negócio e de se arrecadar recursos por meio de financiamento coletivo (crowdfunding) foram algumas dicas repassadas a um grupo de estrangeiros no Brasil, para que possam tentar reestabelecerem-se economicamente no país através da independência financeira.
A inclusão social e cultural dos refugiados também deve ser objeto de análise. A criação de órgãos próprios para recebê-los e apresenta-los à cultura do país também é uma sugestão. A ideia de integrar os imigrantes em Conselhos, a fim de que possam participar da elaboração de políticas públicas também permitirá que seus interesses possam ser objeto de discussão e possivelmente sejam incluídos em políticas que atendam às suas necessidades.
O argumento de que os refugiados tomarão postos de trabalho dos nacionais de países que concedem asilo não inviabiliza a inclusão dos mesmos no mercado de trabalho, mesmo com a crise econômica que atingiu a Europa nos últimos anos, acarretando baixo crescimento e desvalorização do euro. Com a crise, alguns países foram acometidos por altas taxas de desemprego, a exemplo da Grécia, Espanha e Portugal. Entretanto, em outros, a taxa de desemprego encontra-se baixa, a exemplo da alemã, apurada em 2016. Lá, gira em torno de 6,2%, conforme apurado no mês de janeiro. Essa taxa é a menor do país desde 1990. Dessa forma, os países com a economia mais aquecida e carente de mão de obra a curto prazo, podem abrir suas portas para acolher refugiados.
Em alguns casos, os refugiados são alocados em atividades consideradas inferiores, que exigem baixa qualificação, como as do setor de construção, armazenagem e prestação de serviço. Assim, garante-se uma fonte de renda imediata e, a longo prazo, com a inclusão progressiva dos estrangeiros acolhidos na cultura e costumes locais, viabiliza-se o exercício de atividades de níveis mais altos, muitas vezes compatíveis com a qualificação dos profissionais.
Apesar das possibilidades de oferta de trabalho aos refugiados, importante garantir os direitos trabalhistas, previdenciários e sociais a esses trabalhadores. Em alguns países onde o desemprego caiu, ocorreu o aumento dos chamados subempregos. Nestes casos, os trabalhadores muitas vezes são mal remunerados e submetem-se a situações precárias de trabalho. As jornadas são reduzidas, o que obriga muitos trabalhadores a buscar outra atividade, com o objetivo de complementar sua renda.
O subemprego pode assumir diversas facetas, enquadrando-se nesse conceito: aquele que está bem abaixo das qualificações do trabalhador, aquele que oferece baixos salários ou não respeita garantias trabalhistas mínimas ou mesmo os que são exercidos em jornadas reduzidas.
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelou que os contratos temporários de trabalho, nuance da precarização, já representam cerca da metade do emprego entre os jovens em todo o mundo. O mesmo estudo da OIT apontou que uma outra modalidade do trabalho precário, o emprego em part time (meio período), cresceu 10% em cinco países da Europa (Itália, Luxemburgo, Polônia, Portugal e Eslovênia) e 11,8% na Espanha entre o segundo trimestre de 2008 e o ano de 2011. Na Irlanda, onde o gerenciamento local diz que a crise está controlada, esse tipo de trabalho entre os jovens disparou para inacreditáveis 20,7 % no mesmo período. (SOUZA)
Dessa forma, conforme se extrai de artigo publicado no site da Anistia Internacional, ao regulamentar as políticas migratórias, é preciso priorizar os direitos trabalhistas dos migrantes, garantindo-lhes acesso efetivo à justiça e criar canais acessíveis e seguros para que possam ser realizadas denúncias contra abusos cometidos por empregadores.
Outro aspecto relevante da acolhida de imigrantes em território europeu com o consequente suporte, como acesso a escolas, capacitações em idioma e acesso a saúde e educação podem, no longo prazo, tornar esses imigrantes grandes contribuintes de tributos e propulsores de movimentação econômica. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirmou que
No curto prazo, dar suporte a este grande número de refugiados pode ser custoso. No longo prazo, muito dependerá do nível de integração dado a eles. Isto irá exigir esforços intensos em capacitações em idioma e habilidades individuais, acesso a escolas e assistência médica e social, garantindo a eles chances de entrar no mercado de trabalho. Experiências anteriores sugerem que os imigrantes podem, eventualmente, tornarem-se contribuintes valiosos e valorizados para a saúde financeira e econômica dos países. (ÉPOCA NEGÓCIOS)
A agricultura, especialmente a orgânica, pode ser uma boa atividade para se alocar os refugiados que ingressam na Europa. Apesar de não ser uma das mais importantes atividades econômicas europeias, é possível que os refugiados produzam alimentos para sua subsistência e, ainda, consigam vendê-los. Criar comunidades em ambientes rurais que busquem, através de seu trabalho, garantir boa parte de suas necessidades alimentares e econômicas auxilia a reduzir os gastos do governo num primeiro momento, focando-se em populações auto sustentáveis.
A agricultura orgânica é um mercado que vem crescendo na Europa, especialmente na Alemanha. Essa atividade vem sendo fortalecida em razão da preocupação dos impactos da agricultura tradicional no meio ambiente, bem como da própria população em consumir alimentos mais saudáveis em seu dia a dia. O aumento da agricultura orgânica pode estimular a exportação dos produtos para outros países sem tradição nessa área. Destaque-se que na Europa os subsídios para a agricultura orgânica vêm da União Europeia, sendo pago aos agricultores pelos governos nacionais ou por meio de programas de marketing e aquisições.
As fazendas orgânicas recebem em média subsídios mais elevados em termos absolutos e por hectare que os agricultores convencionais, de acordo com a Europe’s Farm Accountancy Data Network. Na Europa Ocidental, em geral, o subsídio foi de 438 euros (USD614) por hectare contra 355 € em 2007. Recentemente, tem havido alguns sinais de reduzir, na Europa, o apoio estatal.
Conclusão:
Os gastos imediatos para acolher os refugiados devem ser vistos como um investimento, que trará benefícios a longo prazo, mesmo que sejam vistos como um grande desafio financeiro e organizacional no curto prazo. Esses imigrantes não se transformam apenas em novos trabalhadores da Europa, mas também tornam-se consumidores e contribuintes, como qualquer outro cidadão, contribuindo para o desenvolvimento da Europa.
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Graduada em Direito pela Faculdade Milton Campos. Auditora de Controle Interno do Estado de Minas Gerais. Pós graduanda em Direito Administrativo. Cursa disciplina isolada de Doutorado em Direito do Trabalho na PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DABIEN, Ana Luiza Lindenberg. A necessidade de proteção e amparo aos refugiados na atualidade: as razões de acolhimento que ultrapassam as barreiras humanitárias e podem beneficiar os estados receptores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46735/a-necessidade-de-protecao-e-amparo-aos-refugiados-na-atualidade-as-razoes-de-acolhimento-que-ultrapassam-as-barreiras-humanitarias-e-podem-beneficiar-os-estados-receptores. Acesso em: 22 nov 2024.
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