RESUMO: O presente trabalho tem como finalidade analisar um caso trabalhado em sala de aula na disciplina de Deontologia jurídica. O caso descreve o comportamento de um advogado em seu cotidiano e analisa a ação do ponto de vista ético, ou seja, se a mora do profissional de direito se aplica ao “dever ser”.
PALAVRAS CHAVE: Moral, ética, Código de ética, Racionalização da moral, dever.
1 - Ética e moral.
Somos indivíduos e vivemos em sociedade, só que também vivemos em “micro sociedades” dentro desta sociedade maior. Vivemos, por exemplo, no Brasil, mas o Brasil tem vários estados e cada estado tem sua cultura, seu dialeto, seus costumes.
E para que tantos costumes e culturas diferentes vivam harmoniosamente entre si, as leis são criadas parametrizando estes costumes, hábitos para que todos possam conviver pacificamente.
O código de transito, por exemplo, que regulamenta um curso nacional para habilitação do motorista, permite que alguém do interior da Bahia possa dirigir no centro de São Paulo, através das regras de trânsitos e sinalizações que são universais em todo território nacional.
Os indivíduos de uma mesma sociedade podem ter costumes e hábitos diferentes e serem direcionados por eles, só que estas regras morais, pessoais, dificultam a convivência, quando se confrontam com outras regras morais pertencentes a um indivíduo distinto.
[1] Ética significa literalmente "bom costume e diferencia-se da moral, pois, enquanto a moral se fundamenta na obediência a costumes e hábitos recebidos, a ética, ao contrário, busca fundamentar as ações morais exclusivamente pela razão. ”
Então posso simplificar sem prejuízo que, uma das funções da ética é analisar racionalmente os valores morais e usa-los para uma melhor convivência.
Nas profissões a ética é manifestada em códigos de condutas, chamados de códigos de ética. Os códigos de ética Profissional, são diretrizes que orientam através de permissões ou proibições como um profissional, de uma determinada categoria, deve proceder profissionalmente, ante a classe que representa, seu cliente e os valores morais que este código estabeleceu como correto.
1.1 Estatuto e Código de ética da OAB
O advogado é regido por dois códigos, o primeiro e hierarquicamente maior é a lei Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. Que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que dispõe sobre os advogados e a ordem dos advogados do Brasil. E baseado nas prerrogativas desta lei, a OAB, que representa a classe dos advogados fez o CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB, o segundo, que disciplina a pratica da advocacia, através de direitos, deveres e prerrogativas do advogado.
A lei também prevê sanções para quem descumpre ou desrespeita o modo como o advogado age perante os preceitos morais elegido eticamente e acondicionado em códigos. Estas sanções vão de advertência, afastamento temporário e até exclusão do quadro da OAB.
2 – Estudo de caso.
No caso em tela, temos duas questões a serem estudadas no campo da ética, a conduta do profissional, acusado de reiteradas fraudes a Previdência e a é tica do estado para com o advogado, já que ele tem também direitos e prerrogativas.
Kant em seu estudo sobre ética, desenvolveu o que ele chamava de imperativo categórico;
[2](…) se pensar um imperativo categórico, então sei imediatamente o que ele contém. Porque, não contendo o imperativo, além da lei, senão a necessidade da máxima que manda conformar-se com esta lei, e não contendo a lei nenhuma condição que a limite, nada mais resta senão a universalidade de uma lei em geral à qual a máxima da ação deve ser conforme, conformidade essa que só o imperativo nos representa propriamente como necessária. O imperativo categórico é, portanto, só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.
Uma vez que a ética da profissão está codificada, tanto em lei quanto no estatuto, ela já foi universalizada, cumprindo a racionalização do imperativo de Kant.
O advogado Antônio de Souza, está sendo acusado de reiteradas fraudes contra a Previdência, indo de encontro ao código de ética e disciplina da OAB;
Art. 1º O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional.
Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. Parágrafo único. São deveres do advogado:
I - Preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;
II - Atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé; velar por sua reputação pessoal e profissional;
Fraudar a previdência é ato ilícito e, portanto, é contrário ao código de conduta, incompatível a prática da advocacia e fere com certeza sua reputação pessoal e profissional.
E segundo o imperativo de Kant, a moral do advogado não pode ser universalizada, ou seja, quando racionalizamos sobre determinada conduta baseadas nos princípios morais flexibilizados do advogado, vemos claramente que suas atitudes estão em desacordo com a ética e a conduta que um advogado deveria ter.
As infrações disciplinares imputáveis aos advogados puníveis com pena de suspensão são as seguintes: ato ilícito ou fraudulento (inciso XVII do art. 34 da lei Nº 8.906); conduta incompatível (inciso XXV); e nos casos de reincidência.
O advogado claramente transgrediu e pode ser punido nos termos da lei. E já que ética é dever ser, ou agir por dever, o estado ao não respeitar as prerrogativas do advogado, no tocante a prisão também está usando de um valor moral que não pode ser universalizado.
A prisão em sala de Estado-Maior entes do trânsito em julgado da sentença é direito do advogado previsto no artigo 7º, inciso, V, da Lei 8906/94. A falta dessa sala de Estado-Maior garante ao advogado o direito à prisão domiciliar.
Artigo 7º – São direitos do advogado:
V – Não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar;
Existe transgressões éticas dos dois lados, o advogado ao transgredir um código que ele aceitou seguir quando adentrou a ordem, e o estado, que não respeitou a lei ao tentar cumpri-la. Esta é outra máxima Kantiana, os fins não podem justificar os meios.
No livro “O Advogado” de Grisham (1998), um advogado bem-sucedido, depois de um evento traumático, para de pensar na advocacia como meio de enriquecimento e passa a advogar em causa dos pobres, mas ao pegar uma causa de um indigente, rouba documentos para fazer prova contra a ré, não importa que moralmente a atitude do advogado em querer agir por filantropia pareça nobre, a subtração dos autos sem permissão de quem tinha a posse já torna o ato do advogado um ato alheio a ética.
Existe conflitos entre a moral do advogado do livro de Grisham, que acha que se vencer a causa filantrópica justifica o fato do furto dos autos.
A conduta ilibada de um advogado também tem relação com a sua imagem perante o universo de pessoas que seguem os preceitos orais arrolados no código de ética, qualquer que seja o desvio, pode manchar sua reputação e assim macular a ordem que este representa.
No livro Teoria da argumentação jurídica, o autor Robert Alexy, ensina que a retórica do operador das práticas jurídicas, para ter credibilidade
Nenhum orador pode se contradizer, 1.2. Todo orador só pode afirmar aquilo em crê, 1.3. Todo orador que aplique um predicado F a um objeto a, tem de estar preparado para aplicar F a todo outro objeto que seja semelhante a a em todos os aspectos importantes, 1.4. Diferentes oradores não podem usar a mesma expressão com diferentes significados. (ALEXY p.187).
Pois em seu entender, existe um desvio ético no advogado que, em um momento garante por um discurso, e em outro caso destoa da sua opinião para defender outro, conforme esta pratica, o advogado pode perder credibilidade.
Existindo assim uma regra racional até no discurso de um advogado, regra que se for seguida pode leva-lo a sucesso de uma argumentação jurídica.
Apesar da visão de Aristóteles (2000) destoar da de Kant, pois Aristóteles acreditava na ética como forma de alcançar um fim e Kant não buscava o fim como justificativa para ser ético, mas ser ético por dever, porque deve se agir com ética. A virtude ensinada por ele já dava conta de ensinar a todos estes casos como viver uma vida ética e dentro do patamar estabelecido pelas normas da profissão.
Em sua obra Ética a Nicômaco, ele ensina o que é virtude;
Sendo, pois, de duas espécies a virtude, intelectual e moral (...) a virtude moral é adquirida em resultado do hábito, donde ter-se formado o seu nome por uma pequena modificação da palavra (hábito). Por tudo isso, evidencia-se também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza. Por exemplo, à pedra que por natureza se move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima, ainda que tentemos adestrá-la jogando-a dez mil vezes no ar; nem se pode habituar o fogo a dirigir-se para baixo, nem qualquer coisa que por natureza se comporte de certa maneira a comportar-se de outra. (ARISTÓTELES, 2000, p.19)
Aristóteles ensina cultivar a ética, praticando hábitos virtuosos, e por meio destes hábitos formar cidadãos honestos através de leis que tragam em suas normas estas virtudes, assim se um legislador queira criar cidadãos de bem, deveria fazer leis com normas de conduta virtuosas.
Rui Barbosa em seu discurso, oração aos moços, descreve alguns hábitos saudáveis que vão enaltecer o advogado no cumprimento da sua profissão.
Tomai exemplo, estudantes e doutores, tomai exemplo das estrelas da manhã, e gozareis das mesmas vantagens: não só a de levantardes mais cedo a Deus a oração do trabalho, mas a de antecederdes aos demais, logrando mais para vós mesmos, e estimulando os outros a que vos rivalizem no ganho bendito. (OLIVEIRA, p.30).
Acordar cedo, antecedendo os demais no trabalho, no discurso de Rui Barbosa vemos constantemente a referência a Deus, no campo filosófico, Deus serve como ser metafisico que é referencial supremo de ética e moral.
3 - Conclusão.
A ética serve para racionalizar entre quais valores devem ser seguidos, valores virtuosos, devem ser escolhidos, valores que possam ser universalizados.
No caso do advogado que cometeu fraude, ele foi contra a legislação, cometendo ilícito, destoou da conduta esperada de sua profissão, colocou todo uma categoria e suas normas morais em xeque.
A moral do advogado, ou seja, sua pratica e seus costumes levaram ele a transgredir, ao racionalizar entre os valores codificado em seu regimento de ética, ele flexibilizou sua consciência e decidiu por escolher valores contra a moral virtuosa, ele não foi ético.
O estado, ao tentar promover justiça, passou por cima de das mesmas normas que o advogado transgrediu, ao fazer justiça, pensou o estado que poderia contrariar o regimento, se tivesse como finalidade promover justiça punindo de qualquer modo quem transgrediu a lei, incidindo na mesma falta de ética.
O advogado, do livro de Grisham, furtando os autos de um processo, sobre o manto de estar ajudando os oprimidos também infringiu a lei pondo em risco até o processo em que postulava.
O que essas três situações têm em comum? Os valores escolhidos não podem ser universalizados, não condizem com o código de ética, nem o estatuto profissional que regem os advogados, agiram com falta de ética.
Sabendo quais são os parâmetros, as normas que regem a conduta profissional, cabe usar a ética como forma de racionalizar entre nosso entendimento moral, sobretudo quando nossa moral confrontar aquilo que é dever, certo e virtuoso.
Assim como rui Barbosa fez, ajuda se elegemos um referencial de conduta de moral e ética para servir como exemplo a seguir.
Referência Bibliográficas
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005.
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2000.
DELEUZE, Gilles. Espinosa. Filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.
GRISHAM, John. O advogado. Tradução de Maria Filomena Duarte. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 297 pp.
KANT, Emmanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Trad. de Lourival de Queiroz Henkel. São Paulo: Ediouro.
OLIVEIRA, Rui Barbosa de. Oração aos moços. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006.
[1] Gilles Deleuze, Espinosa: Filosofia Prática, p.23-35. Editora Escuta
[2] Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, pag. 70, São Paulo: Ediouro.
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