Professor orientador:
ANDRÉ DE PAULA VIANA
RESUMO: O presente artigo foi elaborado a partir de pesquisas bibliográficas, tendo como objetivo debater a inconstitucionalidade do artigo 165-A da Lei de 13.281/2016, intitulada como a nova Lei de Trânsito, sustentando, em síntese, que o dispositivo constitucional previsto no artigo 5º, LXII, da Constituição Federal protege o indivíduo de não ser considerado culpado por um ato delituoso até que a sentença penal condenatória transite em julgado. Ademais, elucida que as sanções descritas no art. 165-A da Lei de Trânsito violam ainda o que dispõe o artigo 5º, LXIII, referindo-se a prerrogativa do individuo de não ser obrigado a fornecer qualquer tipo de informação, declaração, dado, objeto ou prova que o incrimine, seja direta ou indiretamente.
Palavras-chave: violação; princípios; autoincriminação; inocência; trânsito.
ABSTRACT: This article was prepared from literature searches, aiming to discuss the unconstitutionality of Article 165 -A of Law 13,281 / 2016, titled the new Traffic Law, arguing, in essence, that the constitutional provision provided for in Article 5, LXII of the Constitution protects the individual not to be found guilty of a penal offense until the criminal sentence conviction becomes final. Moreover, elucidates that the sanctions described in the art. 165 -A of the Traffic Act also violate the provisions of article 5, LXIII , individual prerogative of the referring not be required to provide any information , statement , data, object or evidence that incriminates , either directly or indirectly.
Keywords: rape; principles; self-incrimination; innocence; traffic.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Lei de Trânsito e suas modificações. 1.1 Artigo 165 – Lei 9.503/97. 1.2 Artigo 165–A – Lei 13.281/2016. 2. Violações. 2.1 Princípio da Presunção de Inocência. 2.2 Princípio da Não Autoincriminação. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Neste artigo temos como principal objetivo dissertar sobre a Lei 13.281 de 2016 que altera disposições do Código de Trânsito Brasileiro, tal lei que desde sua apresentação tem desencadeado diversas discussões, que levam a crer que esta traz dispositivos que ferem a nossa lei maior, a Constituição Federal.
Dentre os dispositivos que alteram o Código de Trânsito Brasileiro, está o que institui o artigo 165-A, que em síntese prevê sanções administrativas para os condutores de veículos que se recusarem a ser submetidos a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa.
Em uma análise geral do novo dispositivo vislumbramos a inconstitucionalidade trazida no ato de punir o condutor que se recusar a ser submetidos aos testes e exames descritos acima.
Tal previsão de punição fere garantias constitucionais previstas no artigo 5º, incisos LVII (princípio da presunção de inocência) e LXII (princípio da não autoincriminação) Tem se ainda que o princípio da não autoincriminação é previsto tanto no direito interno como no direito internacional. Alguns aspectos acham-se expressamente previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos - CADH (art. 8º, 2, "g") e no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos - PIDCP (art. 14, 3, "g").
Afinal, é cedido que em nosso direito pátrio o princípio da presunção de inocência é visto como direito fundamental do indivíduo e, em consonância com o disposto no Pacto de San Jose da Costa Rica, consequência natural do princípio que veda a autoincriminação.
Com efeito, esses princípios asseguram que ninguém poderá ser compelido a produzir prova em seu desfavor e a negativa não pode servir de presunção para aplicação de penalidade, muito menos de presunção de culpa em delito, seja ele qual for.
Diante da prática de uma conduta ilícita, caberia ao Estado, e somente a ele, por meios completamente lícitos que não firam nossa Carta Magna, produzir as provas incriminadoras da conduta do agente, não podendo este ser acusado ou ser compelido a produzir prova em seu próprio desfavor.
Pois bem, por força destes princípios é que ninguém poderá ser compelido à, por exemplo, se submeter ao exame de etilômetro (bafômetro) ou fornecer material sanguíneo para realização do exame para comprovar a ingestão de substâncias psicoativas. A submissão a tais procedimentos somente pode ocorrer com manifestação voluntariaria do interessado, sob pena de nulidade da prova.
Por todo o exposto, após o termino do período de vacância a Lei 13.281 de 2016 entrará em vigor e com isso estará violando os preceitos neste artigo abordados, que de forma clara e explicita se encontram contidos na Constituição deste país.
LEI DE TRÂNSITO E SUAS MODIFICAÇÕES
Em nosso país, em meados de 1910 foi regulamentado o primeiro decreto a regulamentar o trânsito e relações dele advindas (Decreto nº 8.324), tratando especificamente sobre os serviços de transporte por automóveis.
Já em 1922 foi criado o Decreto Legislativo nº 4.460 de 1922 (BRASIL, 1922), que basicamente passou a proibir condutas, priorizando a construção de novas estradas, bem como criou medidas que se destinavam a evitar animais como tração para o veículo.
Por volta de 1927, criou-se ainda o Decreto Legislativo nº 5.141 (BRASIL, 1927), que tinha por objetivo estimular a criação de novas estradas que ligassem diversas regiões brasileiras.
Em maio de 1928 foi publicado o Decreto nº 18.223 (BRASIL, 1928) que trazia a permissão do tráfego internacional de automóveis dentro do espaço territorial brasileiro, além de atualizar o modo da atividade policial, sinalização e segurança no trânsito da época.
Após esses diversos decretos, foi somente em 1941 que entrou em vigor o primeiro Código de Trânsito em âmbito nacional, criado pelo Decreto Lei nº 2.994 de 1941 (BRASIL, 1941).
Contudo vigorou por apenas 08 meses, sendo revogados no mesmo ano pelo Decreto Lei nº 3.561 (BRASIL, 1941), pelo qual se criou o Conselho Nacional de Trânsito e os Conselhos Regionais de Trânsito, estes últimos com competência limitada aos Estados membros da Federação.
Deste modo, em 1966 que se criou um revogado Código Nacional de Trânsito, o qual continha 130 artigos, registrado sob a Lei nº 5.108 (BRASIL, 1966).
Atualmente encontrasse em vigor aquele instituído pela Lei nº 9.503 (BRASIL, 1997) publicada no vigésimo terceiro dia do mês de setembro, no ano de 1997.
Esta Lei trouxe muitas inovações para a regulamentação definitiva do trânsito no Brasil, constituída por decretos e resoluções dos conselhos competentes, sempre observando a hierarquia das leis brasileiras, estabelecendo normas gerais que enfatizam e disciplinam sua aplicação.
No mais, na data de cinco de maio de 2016, foi publicada no Diário Oficial da União, com 180 dias de vacância, a Lei 13.281, que altera disposições do Código de Trânsito Brasileiro.
Trazendo diversos dispositivos que modificam por completo o que era anteriormente disciplinado.
1.1 ARTIGO 165 – LEI 9.503/97
No código trazido pela Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 o dispositivo apenas mencionava as sanções impostas a aqueles que fossem surpreendidos conduzindo seu veículo sob a influência de qualquer substâncias psicoativa, não deixando claro quais seriam os meios empregados para provar tal influência. Vejamos:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.
Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4o do art. 270 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - do Código de Trânsito Brasileiro.
Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.
Desta forma, muito se discutia sobre a utilização do teste do bafômetro, que não se fazia obrigatório diante da prerrogativa de recusa do motorista embasada em princípios constitucionais que serão discutidos em breve.
1.2 ARTIGO 165-A – LEI 13.281/16
Com o advento da Lei 13.281/16 foi incorporado ao artigo discutido acima sanções para aquele que se recusar a ser submetido a procedimento que certifique estar sobre a influência de qualquer substâncias psicoativa, assim vejamos:
“Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;
Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270.
Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.”
Observamos, no entanto que não se pode constranger um individuo que a produzir provas contra si, sendo este culpado ou não.
1. VIOLAÇÕES CONSTITUCIONAIS
Conforme averbou Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
(...) Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”. (2000, pp. 747 e 748).
Todavia, esse posicionamento já mereceu reprovações, havendo mesmo parecer por parte da Procuradoria Geral da República no sentido da inconstitucionalidade no dispositivo uma vez que sua incidência acabaria, por via indireta, como meio de compelir o cidadão a se submeter a procedimento que possa ensejar autoincriminação.
Desta forma, temos posicionamento da Procuradoria Geral da República acerca da recusa do motorista em concordar com a aferição de alcoolemia, o parecer da PGR afirma que, “com fundamento no direito geral de liberdade, na garantia do processo legal e das próprias regras democráticas do sistema acusatório de processo penal, não se permite ao Estado compelir os cidadãos a contribuírem para a produção de provas que os prejudiquem”. Trata-se do chamado direito a não incriminação, que possui previsão normativa no direito internacional, no direito comparado e no direito constitucional. No Direito Constitucional brasileiro, a vedação à autoincriminação é identificada como princípio constitucional processual implícito, relacionada à cláusula do devido processo legal e ao princípio da presunção de inocência. Mas, para a PGR, a previsão contida na Lei Seca viola direito a não incriminação e não é admitida pela normatividade constitucional e infraconstitucional, nem pela jurisprudência do STF e pela doutrina especializada.
No mais, É incrível que o legislador ainda insista nessa espécie de coação inconstitucional à produção de prova contra si mesmo (Princípio da não autoincriminação), acrescentando a isso agora também uma flagrante violação ao Princípio da Presunção de Inocência, Estado de Inocência ou não culpabilidade”. O dispositivo sob comento vem sofrendo as críticas da doutrina em seu confronto com os Princípios Constitucionais sobreditos, aplicáveis ao caso mediante analogia a disposições constitucionais (art. 5º, LVII e LXII, CF) e diplomas internacionais que versam sobre Direitos Humanos e garantias individuais de que o Brasil é signatário.
Ainda que se considerasse que o nemo tenetur se detegere não tem aplicação no campo administrativo, o que não se sustenta a partir da solar constatação de que nossa Constituição estende o Devido Processo Legal, no bojo do qual se encontra o referido princípio, aos processos administrativos (art. 5º, LV, CF), não se poderia esquecer que para além da infração administrativa em casos de embriaguez ao volante, estamos ante a real possibilidade de responsabilização criminal do suposto infrator (artigo 306, CTB, sem falar do novo artigo 291, § 1º, I, CTB).
2.1 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – ART. 5º, LXII
Este princípio é um instituto previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988 e refere-se a um tipo de garantia processual que se atribui ao acusado, oferecendo a ele a prerrogativa de não ser considerado culpado por qualquer ato delituoso até que a sentença penal condenatória transite em julgado, garantindo ainda ao acusado um julgamento justo que respeite à dignidade da pessoa humana.
De acordo com Moraes, em regra, direitos constitucionais definidos como direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. E a própria Constituição Federal, em uma norma síntese, determina esse fato, expressando que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, e ainda leciona que o princípio da presunção de inocência é um dos princípios basilares do Estado de Direito. E como garantia processual penal, visa à tutela da liberdade pessoal, salientando a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é de forma constitucional presumido inocente, sob pena de retrocedermos ao estado de total arbítrio estatal. (MORAES, 2007).
No mais, podemos dizer que se trata de um princípio que se encontra manifestado de forma implícita em nosso ordenamento.
Pode se perceber, que o princípio constitucional da presunção de inocência é considerando um dos mais importantes e intrigantes institutos do ordenamento jurídico.
Todavia, ressalta-se que os princípios constitucionais são instrumentos limitadores do poder estatal e principalmente garantem a proteção da dignidade da pessoa humana.
O instituto da inocência presumida é, portanto, garantia fundamental e instituto essencial ao exercício da jurisdição.
Para tanto, cite-se as palavras de Ferrajoli “que a presunção de inocência não é apenas uma garantia de liberdade e de verdade, mas também uma garantia de segurança ou, se quisermos, de defesa social" (FERRAJOLI, 2010, p.506).
Assim vejamos os entendimentos jurisprudenciais:
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBLIDADE DE SE EXTRAIR QUALQUER CONCLUSÃO DESFAVORÁVEL AO SUSPEITO OU ACUSADO DE PRATICAR CRIME QUE NÃO SE SUBMETE A EXAME DE DOSAGEM ALCOÓLICA. DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO: NEMO TENETUR SE DETEGERE. INDICAÇÃO DE OUTROS ELEMENTOS JURIDICAMENTE VÁLIDOS, NO SENTIDO DE QUE O PACIENTE ESTARIA EMBRIAGADO: POSSIBILIDADE. LESÕES CORPORAIS E HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. DESCRIÇÃO DE FATOS QUE, EM TESE, CONFIGURAM CRIME. INVIABILIDADE DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. Não se pode presumir que a embriagues de quem não se submete a exame de dosagem alcoólica: a Constituição da República impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo: Precedentes. 2. Descrevendo a denúncia que o acusado estava "na condução de veículo automotor, dirigindo em alta velocidade" e "veio a colidir na traseira do veículo" das vítimas, sendo que quatro pessoas ficaram feridas e outra "faleceu em decorrência do acidente automobilístico", e havendo, ainda, a indicação da data, do horário e do local dos fatos, há, indubitavelmente, a descrição de fatos que configuram, em tese, crimes. 3. Ordem aprovada. (HC 93916, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 10/06/2008, DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008 EMENT VOL-02325-04 PP-00760 RTJ VOL-00205-03 PP-01404).
De tal forma, o condutor não poderá sofrer quaisquer sanção administrativa por causa da recusa em realizar testes e exames, tendo em vista que na ausência de prova da sua efetiva utilização de substância psicoativa, há de prevalecer a presunção de inocente.
2.2 PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO – ART. 5º, LXIII
O princípio (a garantia) da não autoincriminação (Nemo tenetur se detegere ou Nemo tenetur se ipsum accusare ou Nemo tenetur se ipsum prodere) significa que ninguém é obrigado a se autoincriminar ou a produzir prova contra si mesmo (nem o suspeito ou indiciado, nem o acusado, nem a testemunha etc.).
Nenhum indivíduo pode ser obrigado, por qualquer autoridade ou mesmo por um particular, a fornecer involuntariamente qualquer tipo de informação ou declaração ou dado ou objeto ou prova que o incrimine direta ou indiretamente.
Fiori (2008, p. 45) caracteriza o Nemo Tenetur se Detegere como o direito fundamental de que ninguém poderá ser obrigado a colaborar ou produzir prova contra si mesmo. Nucci (2007, p. 91) chega a afirmar que exigir a colaboração do acusado seria a admissão da falência da máquina estatal e a fraqueza das autoridades se dependesse do suspeito para colher elementos suficientes a embasar a ação.
Vejamos o que dispõe Convenção Americana de Direitos Humanos - CADH (art. 8º, 2, "g") :
Artigo 8º - Garantias judiciais:
[...]
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
[...]
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;
E o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos - PIDCP (art. 14, 3, "g"):
Artigo 14:
[...]
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias:
[...]
g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
No sentido de que o princípio da não autoincriminação pressupõe a existência de vontade em decidir o que fazer ou não. É o que se vê dos seguintes acórdãos do STF:
“HABEAS CORPUS - JÚRI - RECONSTITUIÇÃO DO CRIME - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO-INTIMAÇÃO DO DEFENSOR PARA A RECONSTITUIÇÃO DO DELITO - PACIENTE QUE SE RECUSA A PARTICIPAR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO - INOCORRENCIA - PRISÃO CAUTELAR - INSTITUTO COMPATIVEL COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5., LVII) - CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISORIA - MERA FACULDADE JUDICIAL - ORDEM DENEGADA. - A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME CONFIGURA ATO DE CARÁTER ESSENCIALMENTE PROBATÓRIO, POIS DESTINA-SE - PELA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS - A DEMONSTRAR O MODUS FACIENDI DE PRATICA DELITUOSA (CPP, ART. 7.). O SUPOSTO AUTOR DO ILICITO PENAL NÃO PODE SER COMPELIDO, SOB PENA DE CARACTERIZAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO, A PARTICIPAR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO DELITUOSO. O MAGISTERIO DOUTRINARIO, ATENTO AO PRINCÍPIO QUE CONCEDE A QUALQUER INDICIADO OU RÉU O PRIVILEGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO, RESSALTA A CIRCUNSTANCIA DE QUE E ESSENCIALMENTE VOLUNTARIA A PARTICIPAÇÃO DO IMPUTADO NO ATO - PROVIDO DE INDISCUTIVEL EFICACIA PROBATORIA - CONCRETIZADOR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO DELITUOSO. - A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME, ESPECIALMENTE QUANDO REALIZADA NA FASE JUDICIAL DA PERSECUÇÃO PENAL, DEVE FIDELIDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITORIO, ENSEJANDO AO RÉU, DESSE MODO, A POSSIBILIDADE DE A ELA ESTAR PRESENTE E DE, ASSIM, IMPEDIR EVENTUAIS ABUSOS, DESCARACTERIZADORES DA VERDADE REAL, PRATICADOS PELA AUTORIDADE PÚBLICA OU POR SEUS AGENTES. - NÃO GERA NULIDADE PROCESSUAL A REALIZAÇÃO DA RECONSTITUIÇÃO DA CENA DELITUOSA QUANDO, EMBORA AUSENTE O DEFENSOR TECNICO POR FALTA DE INTIMAÇÃO, DELA NÃO PARTICIPOU O PRÓPRIO ACUSADO QUE, AGINDO CONSCIENTEMENTE E COM PLENA LIBERDADE, RECUSOU-SE, NÃO OBSTANTE COMPARECENDO AO ATO, A COLABORAR COM AS AUTORIDADES PUBLICAS NA PRODUÇÃO DESSA PROVA. - A LEGITIMIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DAS NORMAS LEGAIS QUE DISCIPLINAM A PRISÃO PROVISORIA EM NOSSO SISTEMA NORMATIVO DERIVA DE REGRA INSCRITA NA PROPRIA CARTA FEDERAL, QUE ADMITE - NÃO OBSTANTE A EXCEPCIONALIDADE DE QUE SE REVESTE - O INSTITUTO DA TUTELA CAUTELAR PENAL (ART. 5., LXI). O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE, QUE DECORRE DE NORMA CONSUBSTANCIADA NO ART. 5., LVII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, NÃO IMPEDE A UTILIZAÇÃO, PELO PODER JUDICIARIO, DAS DIVERSAS MODALIDADES QUE A PRISÃO CAUTELAR ASSUME EM NOSSO SISTEMA DE DIREITO POSITIVO. - O RÉU PRONUNCIADO - AINDA QUE PRIMARIO E DE BONS ANTECEDENTES - NENHUM DIREITO TEM A OBTENÇÃO DA LIBERDADE PROVISORIA. A PRESERVAÇÃO DO STATUS LIBERTATIS DO ACUSADO TRADUZ, NESSE CONTEXTO, MERA FACULDADE.” (HC 69.026/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, julgado em 10/12/1991, DJ de 04/09/1992, p. 14091).
“HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. DIANTE DO PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE, QUE INFORMA O NOSSO DIREITO DE PUNIR, É FORA DE DÚVIDA QUE O DISPOSITIVO DO INCISO IV DO ART. 174 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL HÁ DE SER INTERPRETADO NO SENTIDO DE NÃO PODER SER O INDICIADO COMPELIDO A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA OS EXAMES PERICIAIS, CABENDO APENAS SER INTIMADO PARA FAZÊ-LO A SEU ALVEDRIO. É QUE A COMPARAÇÃO GRÁFICA CONFIGURA ATO DE CARÁTER ESSENCIALMENTE PROBATÓRIO, NÃO SE PODENDO, EM FACE DO PRIVILÉGIO DE QUE DESFRUTA O INDICIADO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO, OBRIGAR O SUPOSTO AUTOR DO DELITO A FORNECER PROVA CAPAZ DE LEVAR À CARACTERIZAÇÃO DE SUA CULPA. ASSIM, PODE A AUTORIDADE NÃO SÓ FAZER REQUISIÇÃO A ARQUIVOS OU ESTABELECIMENTOS PÚBLICOS, ONDE SE ENCONTREM DOCUMENTOS DA PESSOA A QUAL É ATRIBUÍDA A LETRA, OU PROCEDER A EXAME NO PRÓPRIO LUGAR ONDE SE ENCONTRAR O DOCUMENTO EM QUESTÃO, OU AINDA, É CERTO, PROCEDER À COLHEITA DE MATERIAL, PARA O QUE INTIMARÁ A PESSOA, A QUEM SE ATRIBUI OU PODE SER ATRIBUÍDO O ESCRITO, A ESCREVER O QUE LHE FOR DITADO, NÃO LHE CABENDO, ENTRETANTO, ORDENAR QUE O FAÇA, SOB PENA DE DESOBEDIÊNCIA, COMO DEIXA TRANSPARECER, A UM APRESSADO EXAME, O CPP, NO INCISO IV DO ART. 174. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. (HC 77.135, Rel. Min. Ilmar Galvao, Primeira Turma, julgado em 08/09/1998, DJ de 06/11/1998, p. 03).
“RECONSTITUIÇÃO DE CRIME (REPRODUÇÃO SIMULADA DE DELITO DE HOMICIDIO) (ART. 7. DO C.P.PENAL). DILIGENCIA REQUERIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DEFERIDA PELO JUIZ, NA FASE DO INQUERITO POLICIAL, E A CUJA REALIZAÇÃO OS INDICIADOS SE TERIAM NEGADO A COMPARECER. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM BASE APENAS NESSA RECUSA DOS INDICIADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 'HABEAS CORPUS' DEFERIDO PARA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, COMO DECRETADA, SEM PREJUIZO DE EVENTUAL DECRETAÇÃO DE OUTRA, SE CARACTERIZADA QUALQUER DAS SITUAÇÕES DO ART. 312 DO C.P.P. E COM ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 7., 260 E 312 DO C.P.P.. SE A PRISÃO PREVENTIVA DOS PACIENTES FOI DECRETADA APENAS E TÃO-SOMENTE PORQUE NÃO SE TERIAM DISPOSTO A PARTICIPAR DA DILIGENCIA DE REPRODUÇÃO SIMULADA DO DELITO DE HOMICIDIO (RECONSTITUIÇÃO DO CRIME), FICOU CARACTERIZADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL REPARAVEL COM 'HABEAS CORPUS'.” (HC 64.354, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/1987, DJ de 14/08/1987, p. 16.086).
Dessa forma, pode-se concluir que, em nosso ordenamento jurídico, o acusado não é obrigado a produzir provas em seu desfavor, dependendo tal comportamento de sua participação ativa voluntária e esclarecida.
CONCLUSÃO
Posto isso, concluímos que vivemos em um Estado Democrático de Direito onde se pode afirmar que as garantias constitucionais são tidas como instrumentos de limitação do poder estatal.
Assim, esse poder deve ser delimitado por todos os princípios elencados no texto constitucional e as normas, sejam novas, atualizadas ou antigas, devem obedecer a esses fundamentos. E, por sua vez, os órgãos responsáveis por decidir questões de conflito são obrigados a seguir tais princípios.
O exercício de uma justiça eficiente e eficaz depende do importante papel dos preceitos constitucionais distribuídos por todo o texto legal. Em especial o princípio da presunção de inocência, que garante o afastamento da existência de possíveis arbitrariedades do poder público em busca de uma reposta para a sociedade.
A aplicação do pensamento contido na hipótese de inocência do acusado pela prática de uma infração penal reduz a possibilidade do exercício de uma justiça leviana. O magistrado não pode deixar-se contaminar pela ignorância e princípios equivocados de justiça por vezes difundidos pela mídia e formadores da opinião pública. O Estado juiz deve ser técnico quando da análise de um fato para ser justo e aplicar a norma jurídica conforme seu espírito, e desta maneira expressar a vontade popular que foi positivada por meio de seus representantes.
O Estado é o legítimo possuidor do direito ao uso da força. Este poder deve ser utilizado em favor da sociedade, pois quando a força é praticada em desconforme com o justo ela torna-se violência. E, por sua vez, a violência é um ato ilícito, sendo prejudicial ao exercício do Estado Democrático de Direito.
É evidente que numa situação em que condutor abordado por agente de trânsito se recuse a ser submetido ao teste do bafômetro existem outros meios menos gravosos de produzir as provas, quais sejam, o testemunho, o auto de constatação lavrado pelo agente, entre outros, elencados no próprio dispositivo, que não dependam de conduta ativa do condutor na produção de eventuais provas contrárias a ele.
Se o art. 60 da CF, em seu § 4º, IV, veda a possibilidade de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias fundamentais, não há que se entabular longa discussão para falar do tocante à proposta de lei ordinária com tal tendência. Estamos, novamente, a falar do mais e do menos, e se a proposta em escala constitucional é vedada, há de o ser, com muito mais força, a de nível infraconstitucional.
É incrível que o legislador ainda insista nessa espécie de coação inconstitucional à produção de prova contra si mesmo (Princípio da Não Autoincriminação), acrescentando a isso agora também uma flagrante violação ao Princípio da Presunção de Inocência, Estado de Inocência ou não culpabilidade”.
Desta maneira, é inconstitucional toda norma que afronte o princípio da presunção de inocência e a garantia de não autoincriminação e, portanto, o artigo 165-A do CTB, com a redação dada pela Lei nº 13.281/2016, por ser inconstitucional, não pode produzir efeitos, sejam eles penais ou administrativos.
REFERÊNCIAS
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VILELA, Fabiana Silva. Histórico do Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: <http://www.domtotal.com/direito/pagina/detalhe/38721/historico-do-codigo-de-transito-brasileiro>. Acesso em maio 2016.
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Camilo Castelo Branco - Campus Fernandópolis, cursando o 9ª semestre e estagiando atualmente no Ministério Público Federal de Jales.
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