SUMÁRIO : 1. Introdução; 2. O Modelo da Inglaterra; 3. O Modelo dos Estados Unidos; 4. Modelos Atuais; 5. Evolução Histórica no Brasil; 6. Parlamentarismo; 7. Presidencialismo; 8. O semipresidencialismo; 9. O presidencialismo no Brasil; 10. Conclusão.
1.INTRODUÇÃO
Uma das questões centrais dentro do Direito Constitucional reside na titularidade do exercício dos Poderes políticos no âmbito do Estado, em especial, por parte do Executivo, certamente aquele dotado do maior acervo de atribuições e competências, que vão desde a nomeação de Ministros, passando pela celebração de tratados e acordos internacionais, chegando até a sanção e a publicação das leis. No campo teórico, Montesquieu, analisando os problemas advindos do absolutismo monárquico, conceberia, em sua célebre obra, o Espírito das Leis, como solução, um sistema de tripartição do poder, atribuindo-o a órgãos distintos e independentes entre si, que passaria a ser o modelo seguido pelas atuais constituições das Repúblicas e Monarquias. Mas, na prática, dois países estruturariam com sucesso a divisão e exercício dos poderes pelo Estado, e, pouco a pouco, foram espalhando os seus sistemas pelos continentes.
2. O MODELO DA INGLATERRA
O primeiro caso dar-se-ia na Inglaterra. Em 1642, as discordâncias entre o rei e o parlamento levariam a uma guerra civil, que resultaria na reestruturação da distribuição dos poderes políticos, até então vigente. A monarquia foi derrotada e abolida, mas, após uma experiência de ditadura republicana, acabou sendo reinstaurada, com Carlos II e, seu irmão, Jaime II. No entanto, estes reinados foram marcados por constantes embates entre a extensão dos poderes do rei e a extensão dos poderes do parlamento, abrindo o caminho para novos conflitos internos. A solução ocorreria, em 1689, com o Bill of Rights, que introduziria mudanças profundas no sistema político: coroar-se-ia um novo monarca, Guilherme de Orange, sem que lhe fossem outorgadas as mesmas competências de seus antecessores. De fato, o rei deixava de governar, passando esta atribuição a um membro destacado do Parlamento, denominado de primeiro-ministro, que formaria um gabinete, com pessoas de sua confiança, para auxiliá-lo. O Parlamento passava, assim, a deter, além de suas tradicionais funções legislativas, competências nas áreas administrativas, fiscais, financeiras e militares.
3. O MODELO DOS ESTADOS UNIDOS
O segundo modelo surgiria do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos. Com a independência, a primeira preocupação foi a de estruturar um sistema de governo em que houvesse uma rígida separação de poderes. Vitimados pelo autoritarismo da antiga metrópole, os americanos não queriam concentrar poderes nas mãos da mesma pessoa ou órgão, permitindo o ressurgimento do quadro de arbítrios e imposições. A criação de leis foi atribuída a um órgão legislativo bicameral, denominado de Congresso. As funções executivas foram atribuídas a um cidadão, eleito indiretamente, para um mandato fixo, que também teria as prerrogativas de manter as relações com outros países. Conceder-se-ia a este o título de Presidente. Havia, ainda, o Poder Judiciário que decidiria sobre a correta aplicação da lei, exercendo, assim, uma atividade de controle. Inexistia relação de hierarquia entre os poderes, inexistia a possibilidade de interferência de um poder nas atividades de outro e inexistia o predomínio de um sobre os demais, gerando desequilíbrios.
4. MODELOS ATUAIS
Hoje, o sistema de governo refere-se ao modo pelo qual os Poderes políticos são divididos e exercidos dentro de um Estado. Quando, de um lado, estruturamos um Poder Executivo e atribuímos seu exercício a um Presidente, e, de outro, estruturamos um Poder Legislativo, ficando a criação de leis afetas sob a competência de um órgão diverso, o Congresso ou a Assembleia, inexistindo vínculos ou relação de dependência entre este e aquele, temos o chamado sistema presidencialista, adotado pelo Brasil. No entanto, quando as funções legislativas são atribuídas a um órgão, o Parlamento, que destaca parte de seus membros para o exercício das funções executivas, ter-se-á o denominado regime parlamentarista. Existe, ainda, uma terceira forma, o semipresidencialismo, que mescla parte do sistema parlamentarista com parte do sistema presidencialista.
4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL
Quando da independência, era previsível que D. Pedro I apenas aceitaria um sistema de governo que concentrasse os poderes em suas mãos. Fixava a Constituição Imperial, em seu artigo 120, que “o Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita por seus Ministros de Estado.” Foi–lhe atribuído, ainda, a titularidade do poder moderador, que permitia dissolver a câmara e nomear senadores, dentre outras prerrogativas. Mas este quadro concentrador sofre significativa alteração com D. Pedro II, ao resolver, por meio do Decreto de 20 de Julho de 1847, criar o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. Pela primeira vez, adotar-se-ia no Brasil o sistema parlamentarista de governo. Mas, no modelo brasileiro, o próprio Imperador escolhia, sem participação do Legislativo, um membro da Assembleia, como chefe de gabinete, e este escolhia os ministros. Como na Inglaterra, era o parlamento, sem participação do rei, quem escolhia o primeiro-ministro, nosso modelo recebeu a denominação de “parlamentarismo às avessas”.
Quando da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, a concepção de Rui Barbosa de, aqui, clonarmos a Constituição norte-americana, nos levou a adotar o sistema presidencialista. Nosso primeiro presidente, Manoel Deodoro da Fonseca, foi escolhido de forma indireta, para um mandato de quatro anos, mas a Constituição de 1891 inovou em relação a maioria das Cartas Magnas então existentes, fixando eleições diretas para a escolha presidencial. Com a Constituição de 1934, mantivemos o presidencialismo, que passou a ficar desfigurado em 1937, com a instituição do Estado Novo e o fechamento do Congresso. As demais Constituições mantiveram o sistema presidencial, mas durante os períodos de autoritarismo, houve claro fortalecimento do Executivo, frente aos demais.
Uma mudança importante dar-se-á no ano de 1961. Para resolver a situação conflituosa surgida com a renúncia do presidente Jânio Quadros e a forte oposição à posse de seu vice, João Goulart, aprovar-se-ia uma emenda que novamente instituiria no país o sistema parlamentarista, fixando, contudo, que no ano de 1965, haveria um plebiscito para decidir pela continuidade ou não deste modelo. Teríamos, então, três primeiros-ministros – Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima – durante quase um ano e meio. Em 1963, houve a antecipação do plebiscito que decidiu, por 80% dos votos, a volta ao presidencialismo.
Em 1987, a Assembleia Constituinte resolveu inicialmente pela estruturação do sistema parlamentarista no Brasil, considerado como mais estável politicamente e, portanto, mais adequado para resolver crises políticas. Muitos artigos da atual Constituição foram montados, sob esta concepção. Um caso famoso foi a prerrogativa atribuída ao chefe de governo de editar medidas provisórias, com força de lei. No entanto, ocorreu uma virada, acabando por sair vitoriosa a corrente que defendia o sistema presidencialista. Mesmo assim, previa a Constituição que haveria um plebiscito para os eleitores escolherem sobre a forma de governo (se República ou monarquia) e o sistema de governo (se presidencialista ou parlamentarista), a ocorrer em 21 de abril de 1993. A grande maioria dos eleitores votou a favor do regime republicano e do presidencialismo, mantendo, assim, o sistema de governo vigente à época e presente desde a Proclamação da República.
5. O PARLAMENTARISMO
O parlamentarismo é um sistema estruturado sobre a existência de um órgão legislativo, cujas cadeiras estão divididas entre partidos políticos. Pela lógica, o partido ou coalizão que detiver a maioria das cadeiras terá poder de aprovar as leis alinhadas com o programa político que defende. Mas, também terá a prerrogativa de formar o governo para executá-las. Isso se dará porque as funções executivas serão desempenhadas por um primeiro-ministro, escolhido pelo partido que detiver a representação majoritária no Poder Legislativo. Em consequência desta configuração, a política traçada pelo governante terá no Parlamento o apoio necessário para ser aprovada. É o que vemos no cotidiano político de países que adotam este sistema, como a Alemanha, a Áustria, a Itália, a Finlândia, a Turquia, dentre outros. No Reino Unido, em 1979, com a vitória expressiva do partido Conservador, assumia o cargo de primeiro-ministro, Margareth Tatcher, apelidada de “the iron lady”(a dama de ferro), que conseguiu desenvolver seu agressivo programa de privatizações, enfraquecimento de sindicatos e não concessões de direitos trabalhistas.
Caso venha a perder a maioria parlamentar, como em eleições ou numa quebra da aliança entre os partidos apoiadores, haverá a natural substituição do primeiro-ministro. É, portanto, um sistema mais flexível e estável, pois, de um lado, quem governa possui consigo necessariamente uma base de apoio majoritária, capaz de aprovar seus projetos, e, de outro, caso perca esta sustentação, será substituído por outro que a detenha. Como reflexo desta dependência Executivo-Legislativo, mudando-se a composição do parlamento, altera-se a composição do governo. Foi o que ocorreu, por exemplo, nas eleições de 1997, no Reino Unido. O Parlamento contava, então, com 321 deputados do partido conservador, 272 do partido trabalhista e 58 de outros partidos. Após as apurações, o partido trabalhista passou a deter 418 cadeiras, contra apenas 165 do conservador e 76 de outros, ou seja, mais do que a soma de todos os demais juntos. Em consequência, assumiu um primeiro-ministro do partido trabalhista, Tony Blair. Há de se destacar que apesar do governante ser, em grande parte dos países parlamentaristas, eleito indiretamente, não há nesse sistema um decréscimo em termos de democracia.
6. O PRESIDENCIALISMO
A concepção, aqui, é bem diferente. Este sistema, ao contrário do parlamentar, é estruturado em torno da existência de dois Poderes sem vínculos entre si: o Executivo e o Legislativo. Atribuir-se-á ao Presidente da República tanto a responsabilidade pela direção da política interna, quanto da externa. No primeiro caso, atuará como chefe de estado; no segundo, como chefe de governo. Para auxiliá-lo, foram criados os Ministros de Estado, pessoas de sua confiança, livremente nomeados e exonerados. A produção das leis ficará afeta ao Congresso. Assim, se olharmos de fora, veremos que as funções executivas estão personificadas no Presidente, enquanto que as legislativas em órgão diverso. A independência dos poderes é a base deste sistema. Logo, a mudança de presidente não implica em mudança na força dos partidos no congresso, e vice-versa. Outra consequência reside na possibilidade do partido presidencial não ser majoritário no Legislativo. Um exemplo emblemático foi o do Presidente Collor, eleito pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), à época, com presença inexpressiva no Congresso Nacional, algo nunca visto na história política do país.
Para se garantir que um poder não interfira no outro, há a necessidade da existência de freios e contrapesos. É de se destacar, também, que o Presidente não precisa ser proveniente do Poder legislativo, e sequer há a necessidade de ter exercido, antes, algum tipo de mandato parlamentar. É o caso da atual presidenta Dilma Roussef, que nunca foi vereadora, deputada ou senadora.
7. O SEMIPRESIDENCIALISMO
Há doutrinadores modernos que descrevem um terceiro sistema de governo, denominado semipresidencialismo. Aqui, há duas figuras: primeiro, a do chefe de governo (em muitos casos, com a denominação de primeiro-ministro) que exerce o poder executivo, mas não na sua totalidade; segundo, a do chefe de estado, denominado de Presidente, que dirige a política externa, e também exerce uma parcela de funções executivas. Assim, o Poder Executivo, incluindo a direção da Administração Pública, é compartilhado, em alguma medida, por dois titulares.
Um exemplo clássico residiu no sistema de governo implantado pela Constituição de Weimar, na Alemanha. Sob a inspiração das ideias de Max Weber, que atuou como assessor na elaboração do anteprojeto constitucional alemão, estruturou-se um parlamentarismo, com a chefia do governo sendo exercida pelo Chanceler (o equivalente a primeiro-ministro), egresso do partido parlamentar majoritário, que formaria o seu gabinete de Ministros. No entanto, o Presidente poderia dissolver o Reichstag (parlamento), convocando novas eleições, indicar os ministros que governariam o país e assinar conjuntamente com estes os Decretos, convertendo-os em lei.
8. O PRESIDENCIALISMO NO BRASIL
O presidencialismo foi implantado, em nosso país, desde a proclamação da república, ou seja, vigora há mais de 120 anos, apresentando, no entanto, algumas interrupções ao longo deste tempo. Uma análise superficial revelaria ser este o sistema que melhor atendeu às realidades brasileiras. Mas não é precisa esta conclusão. Primeiro, porque o que houve, no país, foi um movimento político para se derrubar a forma monárquica de governo, e não o sistema parlamentar. O problema iniciou-se com um litígio entre o chefe do 37º e último gabinete de Ministros, o Visconde de Ouro Preto, e o marechal Deodoro da Fonseca. Em uma situação dessas, como éramos parlamentaristas, o litígio seria facilmente contornado, com a indicação de um novo gabinete, demitindo-se o anterior, o que inclusive estava para ser feito. No entanto, de forma ilógica, partiu-se para a derrubada do Imperador, que sequer era parte integrante do conflito que se desenrolava. Assim, não podemos concluir que o parlamentarismo foi fonte geradora de instabilidade política para o país. Por outro lado, ao adentrarmos no presidencialismo, nosso primeiro chefe do Executivo envolveu-se também em discordâncias com o Legislativo, e, ante à impossibilidade de troca fácil e rápida de qualquer das partes conflitantes, o Presidente resolveu fechar o Congresso, gerando grave crise, que quase levou o país à uma guerra civil, resolvido apenas com a renúncia presidencial. Assumiu o vice, Floriano Peixoto, que também enfrentaria outra grave crise política, e, em face da negativa em renunciar ao seu mandato de presidente, levou o país a uma guerra civil.
10. CONCLUSÃO
Há nítidas diferenças entre o sistema parlamentarista e o presidencialista. A lógica, no primeiro, é a de que “o partido mais forte legisla e governa”, no segundo, a de que “o partido mais forte legisla, mas quem governa é o político mais forte, no cenário eleitoral.” O Brasil é um dos poucos países que passou, de modo significativo, pelas diferentes formas de Estado e pelos diferentes sistemas de governo. Fomos parlamentaristas durante quase todo o segundo reinado, ou seja, por longos mais de quarenta anos. Fomos presidencialistas, por praticamente todo o período republicano, ou seja, por mais de um século. Mas, é discutível que tenhamos tirado lições, aprendido com nossos próprios erros e aperfeiçoado nosso sistema de governo. É um problema cultural de nosso país, ter uma memória política curta e pouca analítica em relação ao passado. A experiência mostrou que o parlamentarismo evidenciou ser um sistema dotado de maior estabilidade, porque seu funcionamento está lastreado na troca rápida do governo, quando do agravamento do quadro político. Afastam-se, assim, situações de grande fragilidade e, mesmo de ingovernabilidade, representadas pela ausência do apoio mínimo, por parte do Poder Legislativo, necessário ao programa desenvolvido pelo Chefe de Governo.
Hoje, podemos dizer que nosso presidencialismo funciona, mas é passível de críticas, e a discussão sobre o melhor modelo para o Brasil foi postergada para um futuro incerto. Faltou-nos questionamentos sobre a eficiência do nosso sistema atual para a solução dos problemas do país. Faltou-nos a visão que ingleses e americanos tiveram, há séculos, de que o Estado democrático é o reflexo de um sistema de governo eficiente, e um Estado autoritário é o reflexo de um sistema de governo com distorções e falhas.
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 3ª ed. São Paulo: Saraiva. 2000.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros. 1992.
Advogado. Especialista em Direito Público, MBA em Direito e Política Tributária, Especialista em Políticas Públicas, Pós graduado em Direito Societário pela FGV-Law. Professor em cursos de graduação, pós-graduação e extensão universitária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Antonio. Os Sistemas de Governo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46929/os-sistemas-de-governo. Acesso em: 22 nov 2024.
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