RESUMO: Pouco tem tratado a doutrina acerca da Lei Interpretativa. Outrossim, esse assunto quase não é visualizado na legislação e na jurisprudência, merecendo mais comentários. Em meio à carência de informação, surgem dúvidas quanto à sua validade e se as iniciativas reservadas ou exclusivas, em determinadas matérias, impediriam o Parlamentar de propor leis interpretativas. A pesquisa de tal tema revela-se de inestimável importância. Uma lei deficientemente elaborada, ou reiteradamente mal aplicada, pode agravar conflitos sociais, em vez de apaziguá-los. Para a compreensão da temática, procedeu-se, nesta pesquisa, ao estudo da interpretação, bem como de suas espécies, extensões e efeitos, sempre à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Lei interpretativa; interpretação; iniciativa; STF.
ABSTRACT: Little has treated the doctrine of the Interpretive Law . Moreover , the issue is little seen in legislation and case law , deserving further comment. Amid the lack of information , questions arise as to its validity and the reserved initiatives or unique , in certain matters , would prevent the Parliamentary proposing interpretative laws. The research reveals this issue is invaluable . A law poorly drafted or repeatedly misapplied , can exacerbate social conflicts rather than appease them . For the understanding of the subject, was carried out this research, the study of interpretation, and of its species , extensions and effects, according to the legislation , doctrine and jurisprudence of the Supreme Court .
Keywords: Interpretative Law; Interpretation; Initiative; STF.
SUMÁRIO: 1 A Interpretação do Direito; 2 Os Elementos de Interpretação; 3 Dos Resultados da Interpretação; 4 Lei Interpretativa ou Autêntica; 5 Poder Legislativo e a Típica Função Fiscalizatória; 6 Efeito Retroativo da Interpretação Autêntica; 7 Requisitos da Interpretação Autêntica; Conclusões; e Referências.
A Lei, nem sempre, é clara. Nesses momentos, em que o significado da norma não é, à primeira vista, extraível do texto legal, faz-se necessário o uso de métodos interpretativos.
Paulo Nader (2014, pp. 259 e 269) ensina que interpretar é “o ato de explicar o sentido de alguma coisa; é revelar o significado de uma expressão verbal, artística ou constituída por um objeto, atitude ou gesto”. Mostra que só o intérprete, por meio do uso de diversos recursos técnicos, lógicos e de conhecimentos sociais, é capaz de desentranhar o sentido e o alcance de determinada expressão jurídica.
Uma norma obscura, contraditória ou incompleta pode ser fonte de inúmeras controvérsias, gerando situações de injustiça e acendendo conflitos sociais, ao invés de preveni-los ou, ao menos, apaziguá-los.
Para se descobrir o correto sentido e o alcance de uma norma, de maneira a torná-la adequada à solução dos problemas sociais, o jurista deve se valer da exegese. O intérprete pode se valer de vários elementos necessários à compreensão da norma jurídica e chegar a resultados que podem reduzir, ampliar ou manter inalterado o alcance da norma.
Os elementos gramatical, lógico, sistemático, histórico e teleológico, resumidamente, baseiam-se: a) na averiguação da literalidade e dos aspectos semânticos do texto; b) na lógica interna, a partir dos elementos internos do texto, e na lógica externa, voltada às razões sociais que determinaram a edição do comando legal; c) na abominação do estudo apenas de dispositivos isolados, utilizando-se da comparação com o restante do ordenamento jurídico; d) na análise da evolução dos institutos do Direito ao longo do tempo; e e) na busca dos fins da lei, de quais necessidades ela visa a garantir, de modo a dar-lhe uma interpretação que mais bem se coadune com a atualidade.
Deve-se ressalvar que, frequentemente, esses elementos não surgem isoladamente, inter-relacionando-se.
A exegese tem por fim revelar a norma, chegando a uma conclusão que pode diferir ou não do texto legal. Dependendo do resultado, a interpretação pode ser a) declarativa, b) restritiva ou c) extensiva.
Na interpretação declarativa, o exegeta, ao verificar que o legislador se utilizou das palavras corretamente, conclui que o texto expõe exatamente a vontade da Lei, declarando, apenas, sua conformidade.
Pode acontecer, também, de o legislador dizer mais do que deveria, ao fazer uso, por exemplo, de palavra cujo sentido é mais amplo do que o devido. Nesse caso, o intérprete limita o alcance da expressão. Trata-se da interpretação restritiva.
A interpretação extensiva, por seu turno, resulta de uma conclusão oposta à anterior: percebe-se que o legislador disse menos do que queria a Lei, devendo ser alargada a aplicação da norma. É o caso da redação do art. 535, do Código de Processo Civil, que levou a doutrina e o Superior Tribunal de Justiça à compreensão de que, naquela disposição, onde constava “na sentença ou no acórdão”, dever-se-ia incluir todos os tipos de decisões judiciais, a exemplo das decisões interlocutórias (NADER, 2014, pp. 264-265).
A exegese do texto normativo pode partir de diferentes fontes, a saber, doutrinária, judicial e legislativa. A fonte doutrinária se refere aos estudiosos do Direito, responsáveis pela elaboração de obras especializadas ou de pareceres. Já a judicial diz respeito aos juízes e tribunais. Definem o alcance e o sentido da norma no caso concreto, com exceção do controle concentrado de constitucionalidade, de índole abstrata, realizado no âmbito do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Justiça, no caso destes, quando julgam leis municipais e estaduais.
A interpretação legislativa ou autêntica é aquela que é desempenhada pelo próprio órgão competente pela edição do ato interpretado. No caso das leis federais, estaduais, distritais e municipais, tal mister cabe, respectivamente, ao Congresso Nacional, à Assembleia Legislativa, à Câmara Legislativa e à Câmara Municipal, e é levado a cabo por meio da edição de nova lei federal, estadual, distrital e municipal, destinada a interpretar a primeira.
O Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) prevê, expressamente, a figura da interpretação autêntica:
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
Embora rara em nosso ordenamento jurídico, a lei interpretativa é reconhecida pela doutrina:
Também denominada legislativa, a interpretação autêntica é a que emana do próprio órgão competente para a edição do ato interpretado. (...) se o ato interpretado for uma lei, quando estão caberá ao Legislativo a exegese. (NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 265)
A interpretação é autêntica, também chamada interpretação legislativa, quando uma lei interpreta outra lei de sentido obscuro, duvidoso ou até mesmo controvertido. Há, portanto, duas leis no caso, e que são, respectivamente, a lei anterior, cujo sentido se deseja apurar, e a lei nova que a interpreta (SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 272).
Autêntica, se dada pelo próprio legislador através de lei. É a estabelecida por norma jurídica (lei, regulamento, decreto-lei, tratado etc.), tendo por objeto norma anterior obscura (GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, pp. 219-220).
O Supremo Tribunal Federal adota posicionamento idêntico, considerando as leis interpretativas válidas e aptas a produzir efeitos em nosso sistema jurídico:
É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica. As leis interpretativas - desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivo - não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder (STF, ADIn 605-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DO de 5-3-1993).
Ao Parlamentar, representante do povo e legislador por excelência (art. 1º, parágrafo único, CRFB), cabe conhecer a realidade social e optar entre diversas possibilidades legislativas, fixando-lhes um sentido e delimitando o seu âmbito de aplicação, ao apontar os fatos sociais a serem regulados pela norma.
Desse modo, tem-se que o Parlamentar, além de responsável pela tramitação e discussão envolvidas na elaboração de cada diploma legal, também é competente para acompanhar sua aplicação, seja individualmente, seja por meio de suas Comissões Temáticas, seja, ainda, sob os auspícios da Casa Legislativa, reunida em Plenário.
Portanto, legítima e apropriada se revela a interpretação autêntica, efetuada pelo Poder Legislativo, no sentido de garantir a harmonia do ordenamento jurídico, a proteção de direitos fundamentais e o uso eficiente dos recursos públicos.
É função precípua do Poder Legislativo proceder à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional da Administração Pública, tendo por objeto, dentre outros, a legalidade, a legitimidade, a economicidade, a aplicação das subvenções e a renúncia de receitas (art. 70, CRFB).
Frequentemente, uma norma, mal elaborada ou interpretada erroneamente, leva à equívocos na arrecadação e aplicação de receitas. O Poder Legislativo, a quem cabe precipuamente a função fiscalizatória, cabe decidir a correta interpretação dessas normas, para que se proceda ao manuseio probo dos recursos públicos. Essa é a hipótese mais comum de leis interpretativas, nos diversos níveis federativos.
Desse modo, tem-se que a interpretação autêntica ou legislativa se coaduna com as funções primárias do Poder Legislativo. O parlamentar, legislador por excelência, define o sentido e o alcance das normas, através de um processo legislativo democrático. Por outro lado, verifica a correta aplicação dos recursos públicos, confrontando-a com o interesse social visado pela Lei.
O Código Tributário Nacional reconhece efeito retroativo à lei estritamente interpretativa:
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
A doutrina segue o mesmo entendimento:
A interpretação autêntica retroage ao início de vigência do texto interpretado. Especialmente por esse motivo – interpretação retroativa – cuidado especial deverá ter o aplicador da lei, para verificar se o ato interpretado limitou-se a revelar o sentido do texto anterior (NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 265).
Como se pode deduzir, a lei nova remete os seus efeitos a período anterior à sua própria existência, o que demonstra ser ela, a lei antiga, já devidamente esclarecida. Fica assim evidenciado que se trata realmente de interpretação, e não de revogação, o que a lei nova concretiza em relação à lei antiga (SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 273).
Essa interpretação importa a retroatividade da lei que a estabelece, sendo obrigatória da data em que se entrou em vigor a lei interpretada pelo legislador (GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, pp. 219-220).
O Supremo Tribunal Federal permite a retroação da lei interpretativa, desde que não se violem princípios constitucionais, como a intangibilidade do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada:
- O Princípio da Irretroatividade somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao “status libertatis” da pessoa (CF, art. 5º, XL), (b) ao “status subjectionis” do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, “a”) e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5º, XXXVI).
- Na medida em que a retroprojeção normativa da lei não gere e nem produza os gravames referidos, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo.
- As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, contudo, não assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade (STF, ADIn 605-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DO de 5-3-1993).
Portanto, tem-se que a Lei Interpretativa, quando aprovada, poderá retroprojetar seus efeitos à data de publicação, se assim previr a novel norma. Deve-se, contudo, resguardar eventuais direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada.
A interpretação autêntica impõe que o ato interpretativo emane da mesma fonte de produção normativa e ostente o mesmo grau de validade e de eficácia jurídica da regra de direito positivo interpretada, conforme assentou o Supremo Tribunal de Federal:
A configuração da interpretação autêntica impõe que o ato interpretativo emane da mesma fonte de produção normativa e ostente o mesmo grau de validade e de eficácia jurídica da regra de direito positivo interpretada (ADI 605-MC, voto do Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-10-1991, Plenário, DJ de 5-3-1993). [grifos nossos]
Percebe-se que a Lei interpretativa deve preencher dois requisitos para a sua validade: i) provir da mesma fonte de produção da Lei Interpretada – Congresso Nacional, Assembleia Legislativa, Câmara Legislativa ou Câmara Municipal (requisito orgânico); e ii) pertencer à mesma espécie da norma interpretada – emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária etc (requisito objetivo).
Conclusões
Desse modo, não há que se falar em inconstitucionalidade formal subjetiva (vício de iniciativa) quando uma lei, de autoria parlamentar, interpreta outra norma, cuja iniciativa seja exclusiva do Poder Executivo ou Judiciário. A Lei Interpretativa não modifica a norma, apenas esclarece seu alcance e sentido.
Ademais, o Poder Legislativo é o guardião do ordenamento jurídico por excelência, e a ele compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional da Administração Pública, inclusive dos demais Poderes.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Planalto. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 de outubro de 1988.
BRASIL. Planalto. Lei nº 5.172. Brasília, 25 de outubro de 1966. Disponível em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm>>. Acesso em: 27/06/2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 605-MC. Relator: Min. Celso de Mello. Tribunal Pleno. DJ de 05/03/1993.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
Consultor Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba.<br>Advogado. OAB nº 19.769/PB<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Georges Cobiniano Sousa de. Lei interpretativa e a inexistência de iniciativa exclusiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46933/lei-interpretativa-e-a-inexistencia-de-iniciativa-exclusiva. Acesso em: 22 nov 2024.
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