Desde épocas remotas, o homem necessita debater com seus iguais sobre fatos e figuras de ícones importantes para o seu grupo social, seja um líder político, religioso ou econômico, ou mesmo pessoas importantes, essa necessidade é inerente à vida em sociedade ou em grupos.
Sabendo que essa necessidade é própria do ser humano, e importantíssima para o regime democrático, a Constituição Federal de 88, em seu artigo 5º IX, nos afirma: ‘‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. ’’
Fica consagrada então a liberdade de expressão como um pilar da democracia nacional, que deve ser mantido e garantido pelas 3 funções estatais onde quer que elas estejam.
Entretanto, a mesma arma da democracia, pode acabar ferindo os direitos individuais e a dignidade da pessoa humana, meta princípio de nosso ordenamento jurídico, isso é potencializado com tantas inovações tecnológicas no século XXI, em especial as redes sociais, blogs e outros meios de propagação de informação, acaba se tornando inviável controlar a divulgação de informações, que envolvem qualquer área do conhecimento, e afetam as pessoas, suas imagens e intimidade.
Para garantir que as pessoas sejam resguardadas frente a crescente força da liberdade de expressão, devem surgir ponderações frente a outros princípios e garantias, a fim de resguardar o indivíduo de agressões iminentes à sua imagem, onde nasce um grande debate jurídico a respeito de qual deve prevalecer, entretanto, pouco lembrada é a hipótese de a divulgação já ter ocorrido, o que trataremos especificamente neste artigo.
Sabemos que uma vez divulgada uma informação pessoal, sem autorização da pessoa, que ofenda sua dignidade, torna-se pouco provável que ocorra qualquer reparação efetiva, pela grande força que a liberdade de expressão tem, e que de fato deve ter. Contudo, ainda que essa liberdade venha a ser limitada frente a dignidade da pessoa humana, o direito de preservação da imagem e da intimidade, ainda será extremamente difícil proteger o direito individual, em virtude da rapidez da informação, no máximo poderá ser removida ou determinada a proibição de disseminação, e nova divulgação da informação; também poderá ser a pessoa indenizada; concedido direito de resposta, ou outras providências com caráter de controlar os danos e diminuir os prejuízos .
Divulgada a informação, sabemos que todas essas medidas, dificilmente aplicadas, não serão óbice para que nova ofensa ocorra, seja pela ineficiência delas, seja pela grandeza da mídia, que ganha mais divulgando a informação do que pagará de indenização para a pessoa atingida.
É aí que novo debate ocorre, e começa a ser aplicado um direito que até então era abordado somente pela doutrina, o chamado direito de esquecimento, que garante esquecimento da pessoa frente à opinião pública e a mídia, com intuito de preservar a pessoas de anteriores, ou novos danos; sendo uma informação danosa divulgada, teria o ofendido direito ao esquecimento público sobre ela, evitando que a mesma volte a ser propagada causando novos danos, se desrespeitado, caberia indenizar.
O tema surgiu de maneira significativa com edição do Enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF) que elencou o direito ao esquecimento como direito da personalidade, após isso, o STJ o abordou pela primeira, no julgamento dos recursos especiais 1.334.097 – RJ e 1.335.153 – RJ.
Para elucidar estes julgamentos, trazemos o posicionamento do relator Luis Felipe Salomão, “Não se pode, pois, nestes casos, permitir a eternização da informação. Especificamente no que concerne ao confronto entre o direito de informação e o direito ao esquecimento dos condenados e dos absolvidos em processo criminal, a doutrina não vacila em dar prevalência, em regra, ao último”.
Fica claro então a importância deste direito para preservar a imagem e intimidade da pessoa, ao menos garantindo uma indenização caso desrespeitado.
Quanto ao conflito entre intimidade e a liberdade de imprensa, afirma que, “A liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa’’
Um recurso foi provido, e o direito ao esquecimento aplicado, já o recurso especial 1.335.153 – RJ acabou sendo negado pelo STJ, o que levou o debate ao STF, por meio do recurso extraordinário com agravo nº 833.248, pendendo de maiores debates até o momento em que escrevo este artigo.
Entretanto, podemos trazer o recente parecer do PGR, que se mostra contrário à aplicação do direito em tela, com justificativa de que a liberdade de expressão não pode ser limitada pelo direito ao esquecimento, sob pena de prejudicar o contato de estudiosos como sociólogos, historiadores e outros, ao passado da sociedade.
Inegável é o conhecimento jurídico de Janot, contudo, parece-me desarrazoável legitimar uma ofensa ao direito de intimidade e a dignidade da pessoa humana para fins de estudos sociais de pouca relevância.
De outra forma, o procurador levanta um ponto a ser seguido, afirma que não cabe ao judiciário a atuação sobre este princípio desta forma, não estando o mesmo positivado em lei; partidário da preservação da separação das funções estatais, creio que o supremo pode sim aplicar o direito se achar que o cabe, já que vigora a inafastabilidade de jurisdição em nosso país, mas pela segurança jurídica, cabe ao legislativo resolver a questão definitivamente.
‘‘...um suposto direito a esquecimento, tanto no âmbito penal como no civil, não encontra na jurisprudência nem na doutrina parâmetros seguros de definição, sem atuação do legislador. ’’ Afirma o PGR, Janot.
Em linhas gerais, a aplicação deste direito deve ganhar força, do outro lado temos uma força incontestável, a liberdade de expressão, que tende a ser cada vez mais incontrolável, para diminuir a distância que ainda continuará grande, esperamos que este direito ganhe força, ao menos na análise de casos concretos pelos tribunais, já que como vimos, precisamos de legislação correlata que preencha essa lacuna com a generalidade e abstração próprias de uma lei em sentido estrito.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 1.334.097 - RJ (2012/0144910-7): http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj.pdf
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 1.335.153 - RJ (2011/0057428-0): http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj-aida.pdf
BRASIL. PGR. Parecer no Recurso extraordinário com agravo nº 833.248: http://s.conjur.com.br/dl/parecer-pgr-direito-esquecimento.pdf
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil — São Paulo - Saraiva, 2016.
MASSOM, N. Manual de direito constitucional. 4.ed. Bahia: Editora Juspodivn. 2016.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2016.
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