RESUMO: O presente trabalho tem como escopo caracterizar a responsabilidade civil do Estado, identificando os sujeitos responsáveis, as condutas e os danos indenizáveis, ressaltando a incidência da responsabilidade sobre as condutas omissivas. A responsabilidade extracontratual distingue-se daquela aplicada no âmbito civil, pois, em regra, não exige a comprovação dos elementos subjetivos (dolo ou culpa). A ação de ressarcimento viabiliza reparar os prejuízos causados ao particular, garantido a preservação dos interesses individuais.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado. Teorias. Sujeitos. Condutas omissivas.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO, 2 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, 3 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE, 4 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE, 4.1 SUJEITOS, 4.2 CONDUTA LESIVA, 4.3 DANO INDENIZÁVEL, 5 RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO DO ESTADO, 6 CONCLUSÃO, 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil é um instituto de suma importância para a preservação dos interesses fundamentais. Ela existe para assegurar o ressarcimento dos danos causados aos indivíduos. Está presente em vários ramos do Direito, diferenciando-se quanto à aplicação no Direito Público e no Direito Privado.
Na esfera do direito privado, a responsabilidade se apresenta de maneira subjetiva, mediante a presença dos seguintes pressupostos: ação culposa ou dolosa com caráter lesivo; existência de dano de ordem moral ou patrimonial, bem como a presença do nexo causal entre o prejuízo e a conduta comissiva ou omissiva.
No que concerne ao direito público, a responsabilidade civil vislumbra-se como uma obrigação imposta ao Estado em razão dos danos decorrentes da atuação dos agentes públicos. A responsabilidade pode ser penal, civil e administrativa, sendo independentes entre si. Tal autonomia permite que elas sejam atribuídas de forma simultânea e cumulativa.
2 EVOLUÇÃO DA RESPONABILIDADE
A responsabilidade estatal foi algo que surgiu aos poucos e foi evoluindo ao longo do tempo. Inicialmente, o Estado não era responsabilizado pelos atos praticados por agentes públicos em seu nome. Tal situação predominava nos regimes absolutistas em que a soberania do rei era algo inatingível.
Essa irresponsabilidade do Estado foi superada pelo surgimento da responsabilidade com culpa do Estado. Tratava-se, portanto, de uma responsabilidade subjetiva em que o Estado estava obrigado a reparar o dano se os agentes públicos, agindo com dolo ou culpa, tivessem ocasionado prejuízo a terceiros. Para a incidência dessa responsabilidade era necessário que o particular atingido comprovasse a presença dos elementos subjetivos. Durante essa fase, era levada em consideração também a distinção entre os atos de império e atos de gestão. Estes eram atos realizados pela Administração de forma igualitária com os particulares. Já os atos de império eram aqueles impostos aos particulares de maneira coercitiva. Desse modo, a responsabilidade só se aplicava aos atos de gestão.
Surgiu, ainda, a teoria da culpa administrativa ou da culpa do serviço, conhecida também como culpa anônima. De acordo com essa teoria, o Estado só seria responsável pelo dano causado ao particular se houvesse irregularidade na prestação do serviço administrativo. Nesse sentido, Alexandrino e Paulo (2008, p. 601) entendem que “a culpa administrativa pode decorrer de uma das três formas possíveis de falta do serviço: inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço”.
É importante destacar a teoria do risco administrativo que serviu de base para o aparecimento da responsabilidade objetiva. Conforme tal teoria, o Estado responde pelo dano, independentemente de culpa do serviço ou de culpa do agente público. A responsabilidade apenas será afastada se a Administração provar que o particular prejudicado incorreu em culpa. Caso esta tenha sido concorrente, a indenização será atenuada.
A responsabilidade objetiva não exige a comprovação dos elementos subjetivos, sendo essencial apenas a presença dos seguintes requisitos: a conduta dos agentes públicos, o dano e o nexo de causalidade.
No Brasil, a responsabilidade civil objetiva destacou-se na Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 6º:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Depreende-se do dispositivo que o Estado tem o dever de promover uma ação regressiva contra o agente público responsável pela ocorrência do dano. Contudo, nesse caso, haverá a responsabilidade subjetiva no que diz respeito à obrigação do agente de indenizar a Administração, pois deverá estar comprovado que agiu com dolo ou culpa.
3 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE
Conforme explicitado, predomina no Direito Público a responsabilidade civil objetiva do Estado, a qual decorre da teoria do risco administrativo. O Estado atua através de suas prerrogativas, em razão dos princípios da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do bem comum. Nesse sentido, nada mais justo que atribuir um risco maior ao Poder Público pelo exercício de suas atividades.
Assim, surgiu a teoria do risco administrativo que consiste na responsabilização do Estado pelos prejuízos que seus agentes causarem a terceiros. Todavia, tal responsabilidade poderá ser afastada se houver culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior. Vale destacar que as excludentes de responsabilidade representam um rol exemplificativo.
Para compreender a questão, Marinela (2013, p. 1005) elucida:
Na hipótese de culpa exclusiva da vítima, a evasão não é absoluta. A sua presença não é suficiente para eximir o dever de indenizar do Estado, não é em si mesma causa excludente. É fundamental que se demonstre que o causador do dano foi a suposta vítima e não o Estado, demonstrando com isso a inexistência de comportamento estatal produtor da lesão, afastando, assim, o nexo causal para a caracterização da responsabilidade objetiva, como, por exemplo, um acidente de carro em que a suposta vítima dirigia imprudentemente.
Impende frisar que a culpa exclusiva não se confunde com a culpa concorrente. Diante da presença dessa modalidade de culpa, o dever de ressarcir não deve ser excluído, havendo uma redução da indenização. Trata-se de posição firme na jurisprudência do STF:
EMENTA: - Responsabilidade objetiva do Estado. Ocorrencia de culpa exclusiva da vítima. - Esta Corte tem admitido que a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito público seja reduzida ou excluida conforme haja culpa concorrente do particular ou tenha sido este o exclusivo culpado (Ag. 113.722-3-AgRg e RE 113.587). - No caso, tendo o acórdão recorrido, com base na analise dos elementos probatorios cujo reexame não e admissivel em recurso extraordinário, decidido que ocorreu culpa exclusiva da vítima, inexistente a responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito público, pois foi a vítima que deu causa ao infortunio, o que afasta, sem duvida, o nexo de causalidade entre a ação e a omissão e o dano, no tocante ao ora recorrido. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 120924, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 25/05/1993, DJ 27-08-1993 PP-17023 EMENT VOL-01714-04 PP-00618)
Embora haja divergências quanto à aceitação do caso fortuito como excludente, a doutrina majoritária defende a sua inclusão. Segundo Mello (2009, apud MARINELA, 2013, p. 1005):
Caso fortuito não é utilmente invocável, pois, sendo um acidente cuja raiz é tecnicamente desconhecida, não elide o nexo entre o comportamento defeituoso do Estado e o dano produzido. O porque da incorreta atuação do Estado não interfere com o dado objetivo relevante,a saber: ter agido de modo a produzir a lesão sofrida por outrem.
Nesse diapasão, insta citar a teoria do risco integral, que se contrapõe a teoria do risco administrativo. Para ela, basta a presença do dano e do nexo causal para que haja o dever de indenizar, não se admitindo qualquer excludente.
Não obstante, a doutrina majoritária admite a aplicação da teoria do risco integral em algumas situações, tais como: dano ao meio ambiente, dano decorrente de atividade nuclear e de ataques terroristas.
4 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE
A responsabilidade civil encontra-se disciplinada no art. 186, do Código Civil, que define que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Para Telles (1995, apud CARVALHO FILHO, 2009, p. 519), “a noção de responsabilidade implica a ideia de resposta, termo que, por sua vez, deriva do vocábulo verbal latino respondere, com o sentido de responder, replicar”. Depreende-se, assim, que aquele que causar um prejuízo a outrem deverá responder diante do fato cometido.
A referência ao ato ilícito é essencial para identificar a responsabilidade na esfera do direito privado. Contudo, no âmbito administrativo, a responsabilidade pode ser atribuída em razão de atos lícitos.
Nesse sentido, Di Pietro (2010, p. 643) comenta que “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.
Dessa forma, a responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual. A primeira, como o próprio nome já elucida, é aquela que resulta de um contrato efetuado pela Administração. Já a extracontratual independe desse vínculo.
4.1 SUJEITOS
De acordo com o art. 37, §6º, da CF, as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público respondem pelos atos praticados por seus agentes públicos. Outrossim, a responsabilidade recai sobre os entes da Administração Direta e Indireta.
Quanto às pessoas privadas prestadoras de serviços públicos, a responsabilidade do Estado é objetiva, independentemente do dano ter sido causado a terceiro usuário ou não do serviço, uma vez que a própria Constituição não estabelece essa distinção.
Impende destacar que a responsabilidade das pessoas jurídicas decorre do princípio da impessoalidade e da teoria do órgão, porquanto a ação praticada pelo agente público, no exercício de suas funções, é realizada em nome do poder público, o que resulta numa responsabilidade primária.
Em contrapartida, diante da descentralização administrativa, a qual consiste na criação de uma nova pessoa jurídica para o desempenho de atividades administrativas, é possível a incidência de uma responsabilidade subsidiária do Estado. Isso ocorre, por exemplo, com as concessionárias de serviços públicos, as quais devem ser responsáveis pelos danos causados por seus agentes, de forma primária. Contudo, não tendo condições de suportar o ressarcimento, o dever recai sobre o Estado.
A Carta Magna assegura a propositura de uma ação de regresso contra o causador do dano, caso este tenha agido com dolo ou culpa, acarretando uma responsabilidade subjetiva.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se pela inviabilidade da ação de indenização ser proposta diretamente contra o agente público, devendo o Estado ser o legitimado passivo, sob o argumento de que a Constituição Federal garantiu ao particular o direito de ser indenizado pelos prejuízos sofridos e ao agente público o direito de só ser demandado pelo Estado. Trata-se da chamada teoria da dupla garantia:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 327904, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 08-09-2006 PP-00043 EMENT VOL-02246-03 PP-00454 RTJ VOL-00200-01 PP-00162 RNDJ v. 8, n. 86, 2007, p. 75-78)
No entanto, é importante ressaltar a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a qual permitiu ao particular propor a ação diretamente contra o agente público, para fins de economicidade e eficiência:
RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA PUBLICADA ERRONEAMENTE. CONDENAÇÃO DO ESTADO A MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM FACE DA SERVENTUÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. DANO MORAL. PROCURADOR DO ESTADO. INEXISTÊNCIA. MERO DISSABOR. APLICAÇÃO, ADEMAIS, DO PRINCÍPIO DO DUTY TO MITIGATE THE LOSS. BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO DANO.
1. O art. 37, § 6º, da CF/1988 prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Vale dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração Pública quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de outra forma, em regresso, perante a Administração.
2. Assim, há de se franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra ambos, se assim desejar. A avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios. Doutrina e precedentes do STF e do STJ.
3. A publicação de certidão equivocada de ter sido o Estado condenado a multa por litigância de má-fé gera, quando muito, mero aborrecimento ao Procurador que atuou no feito, mesmo porque é situação absolutamente corriqueira no âmbito forense incorreções na comunicação de atos processuais, notadamente em razão do volume de processos que tramitam no Judiciário. Ademais, não é exatamente um fato excepcional que, verdadeiramente, o Estado tem sido amiúde condenado por demandas temerárias ou por recalcitrância injustificada, circunstância que, na consciência coletiva dos partícipes do cenário forense, torna desconexa a causa de aplicação da multa a uma concreta conduta maliciosa do Procurador.
4. Não fosse por isso, é incontroverso nos autos que o recorrente, depois da publicação equivocada, manejou embargos contra a sentença sem nada mencionar quanto ao erro, não fez também nenhuma menção na apelação que se seguiu e não requereu administrativamente a correção da publicação. Assim, aplica-se magistério de doutrina de vanguarda e a jurisprudência que têm reconhecido como decorrência da boa- fé objetiva o princípio do Duty to mitigate the loss, um dever de mitigar o próprio dano, segundo o qual a parte que invoca violações a um dever legal ou contratual deve proceder a medidas possíveis e razoáveis para limitar seu prejuízo. É consectário direto dos deveres conexos à boa-fé o encargo de que a parte a quem a perda aproveita não se mantenha inerte diante da possibilidade de agravamento desnecessário do próprio dano, na esperança de se ressarcir posteriormente com uma ação indenizatória, comportamento esse que afronta, a toda evidência, os deveres de cooperação e de eticidade.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1325862/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 10/12/2013). (grifo nosso).
4.2 CONDUTA LESIVA
A responsabilidade civil do Estado surge através de condutas comissivas ou omissivas, lícitas ou ilícitas.
As condutas ilícitas são mais comuns, pois decorrem da inobservância das normas jurídicas. O princípio da legalidade está expresso no art. 5º, II, da CF, que prevê que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, aquele que agir em desconformidade com o ordenamento jurídico estará exercendo uma ação ilícita.
Já as condutas lícitas que acarretam prejuízos se originam do princípio da isonomia, uma vez que a indenização será utilizada para suprir o dano sofrido pelo particular em detrimento dos benefícios gerados à coletividade. Nesse sentido, entende Marinela (2013, p. 993):
Quando lícitas, o bem jurídico violado é o princípio da isonomia, tendo a indenização o objetivo de recompensar o excessivo ônus sofrido por um administrado, enquanto a sociedade está se beneficiando com a ação estatal. Se a sociedade tem o bônus também deve arcar com o ônus de seu comportamento, por isso tem que indenizar, isso tanto para os atos materiais como para os jurídico. Nesse caso, vale lembrar construções de cemitérios, presídios ou viadutos, que geram para os vizinhos desconfortos, desvalorização do imóvel e sérios prejuízos.
4.3 DANO INDENIZÁVEL
O dano causado ao particular enseja uma ação de responsabilidade civil contra o Estado que tem como escopo reparar os prejuízos. Faz-se mister ressaltar que o dano indenizável não é apenas financeiro, mas também jurídico, ou seja, é necessário que haja lesão a um direito.
Nesse contexto, é necessário que o dano seja certo, determinado ou determinável. A indenização só será cabível quando há a quantificação do prejuízo. Insta frisar que, diante de uma conduta lícita, o dano precisa ser especial e anormal. O dano especial é aquele que individualiza a vítima, não podendo se apresentar de forma genérica. Por fim, o dano anormal, como o próprio nome elucida, não integra os fatos comuns do cotidiano.
5 RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO DO ESTADO
A responsabilidade civil por omissão do Estado é causada através da inércia do poder público, o qual tem o dever de agir em prol do interesse coletivo. Conforme suscitado, a ação de indenização pode ser proposta em virtude de condutas comissivas ou omissivas.
A doutrina e a jurisprudência entendem que se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva. Observa-se que a referida teoria não é aquela adotada pelo Direito Civil, a qual exige a presença do dolo e da culpa do causador do dano. Nesse caso, a comprovação recai sobre a falta ou má prestação do serviço.
Nesse diapasão, o Estado não pode ser considerado como garantidor universal, não devendo ser responsabilizado por eventos naturais, como enchentes e raios.
Todavia, o Estado não deve se utilizar do Princípio da Reserva do Possível para deixar de atender aos anseios da sociedade. Segundo esse princípio, as atividades devem estar de acordo com o orçamento público. Porém, a mera ausência de recursos não é suficiente para o descumprimento de direitos básicos, porquanto o mínimo existencial deve ser assegurado. Assim, a jurisprudência vem reconhecendo o controle jurisdicional de políticas públicas.
A responsabilidade por omissão exige que o dano seja evitável, ou seja, é indispensável que se comprove que o dano não teria ocorrido se o Estado houvesse atuado devidamente. Desse modo, surgem algumas situações nas quais é discutível a responsabilidade estatal. Os assaltos nas ruas, em regra, não ensejam o dever de indenizar. Porém, se havia policiais no local e nada fizeram para impedir a ação criminosa será cabível o ressarcimento.
Apesar do entendimento majoritário acerca da incidência da responsabilidade subjetiva, merece destaque o posicionamento daqueles que defendem a aplicação de uma responsabilidade objetiva.
De acordo com Carvalho Filho (2009, apud MARINELA, 2013, p. 994), a responsabilidade subjetiva não é compatível com a Constituição Federal:
Queremos deixar claro, no entanto, que o elemento marcante da responsabilidade extracontratual do Estado é efetivamente a responsabilidade objetiva; daí não se nos afigurar inteiramente correto afirmar que, nas condutas omissivas, incidiria a responsabilidade subjetiva. A responsabilidade objetiva é um plus em relação à responsabilidade subjetiva e não deixar de subsistir em razão dela; além do mais, todos se sujeitam normalmente à responsabilidade subjetiva, porque essa é a regra do ordenamento jurídico. Por conseguinte, quando se diz que nas omissões o Estado responde somente por culpa, não se está dizendo que incide a responsabilidade subjetiva, mas apenas que se trata da responsabilização comum, ou seja, aquela fundada na culpa, não se admitindo então a responsabilidade sem culpa.
A controvérsia também é objeto da jurisprudência. O STF já decidiu que, diante de condutas omissivas do agente público na área médica, a responsabilidade do Estado será apurada de forma objetiva:
E M E N T A: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO – PRETENDIDO REEXAME DA CAUSA – CARÁTER INFRINGENTE – INADMISSIBILIDADE – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – FATO DANOSO (MORTE) PARA O OFENDIDO (MENOR IMPÚBERE) RESULTANTE DE TRATAMENTO MÉDICO INADEQUADO EM HOSPITAL PÚBLICO – PRESTAÇÃO DEFICIENTE, PELO DISTRITO FEDERAL, DO DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE, INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. - Não se revelam cabíveis os embargos de declaração, quando a parte recorrente – a pretexto de esclarecer uma inexistente situação de obscuridade, omissão ou contradição – vem a utilizá-los com o objetivo de infringir o julgado e de, assim, viabilizar um indevido reexame da causa. Precedentes. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. A omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes. - A jurisprudência dos Tribunais em geral tem reconhecido a responsabilidade civil objetiva do Poder Público nas hipóteses em que o “eventus damni” ocorra em hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou derive de tratamento médico inadequado, ministrado por funcionário público, ou, então, resulte de conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) imputável a servidor público com atuação na área médica. - Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido. (AI 734689 AgR-ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 23-08-2012 PUBLIC 24-08-2012). (grifo nosso).
Não obstante, há alguns julgados que estão em andamento, não havendo uma posição firme da jurisprudência que se filie à corrente minoritária. Destarte, prevalece a responsabilidade subjetiva por conduta omissiva do Estado.
O Estado pode ser responsabilizado, ainda, quando criar situações de risco, é o que a doutrina denomina de teoria do risco suscitado. Isso ocorre quando o poder público possui sob a sua guarda coisas ou pessoas. Por exemplo, as crianças de uma escola pública e os detentos de um presídio.
Dessa forma, o STF entende que o Estado é responsável pela vigilância do presidiário, tendo o dever de indenizar o particular que foi vítima de um delito cometido após a fuga do criminoso:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LATROCÍNIO COMETIDO POR FORAGIDO. NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADO. PRECEDENTE. 1. A negligência estatal na vigilância do criminoso, a inércia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade. 2. Ato omissivo do Estado que enseja a responsabilidade objetiva nos termos do disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 573595 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 24/06/2008, DJe-152 DIVULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008 EMENT VOL-02328-07 PP-01418)
Evidencia-se que o Estado responde mesmo diante de casos fortuitos. A doutrina diferencia fortuito interno de fortuito externo. Este rompe o nexo de causalidade, não gerando responsabilidade; aquele está inserido em casos de custódia, nos quais há a obrigação de reparar o dano.
6 CONCLUSÃO
O agente público, no exercício de suas funções, deve agir de acordo com os ditames legais, preservando a moralidade e a boa-fé. Diante de condutas ilícitas, a pessoa jurídica, a qual pertence o agente público, deverá arcar com os prejuízos causados ao particular. Isso decorre do princípio da impessoalidade, uma vez que o agente age em nome do Estado. Vale destacar que as condutas lícitas também acarretam a responsabilidade, porém é necessário que o dano seja especial e anormal.
Nesse sentido, observa-se que o Estado tem a obrigação de assegurar os direitos da coletividade, não devendo se omitir, sob o fundamento de insuficiência no orçamento público. Os serviços públicos são contínuos e devem ser oferecidos com presteza e eficiência. Caso haja a má prestação do serviço, o prejudicado deverá comprovar a culpa anônima do serviço, que juntamente com a ocorrência do dano e do nexo de causalidade propiciarão a responsabilidade estatal. Para a doutrina majoritária, trata-se de uma responsabilidade subjetiva.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16. ed. São Paulo: Método, 2008.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
BRASIL. Código Civil: Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 20 jun. 2016.
______. Código de Processo Civil: Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 20 jun. 2016.
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 10 jun. 2016.
______. Supremo Tribunal Federal. Re. 120924. Relator: Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma. DJ 27/08/1993. Disponível em: <www.stf.gov.br/> Acesso em: 20 jun. 2016.
______. Supremo Tribunal Federal. Re. 327904. Relator: Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma. DJ 08/09/2006. Disponível em: <www.stf.gov.br/> Acesso em: 20 jun. 2016.
______. Supremo Tribunal Federal. Re. 1325862. Relator: Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma. DJ 10/12/2013. Disponível em: <www.stf.gov.br/> Acesso em: 20 jun. 2016.
______. Supremo Tribunal Federal. AI 734689 AgR-ED. Relator: Min. LUIS CELSO DE MELLO, Segunda Turma. DJ 23/08/2012. Disponível em: <www.stf.gov.br/> Acesso em: 20 jun. 2016.
______. Supremo Tribunal Federal. RE 573595 AgR. Relator: Min. EROS GRAU, Segunda Turma. DJ 14/08/2008. Disponível em: <www.stf.gov.br/> Acesso em: 20 jun. 2016.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 7. ed. Niterói: Impetus, 2013.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
Advogada. Graduada pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhaguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Marcella Gomes do. Responsabilidade civil por omissão do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47089/responsabilidade-civil-por-omissao-do-estado. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.