RESUMO: Estuda a imposição do poder de tributar de forma não cumulativa. Analisa historicamente o surgimento do proceder de imposição de exações de forma não cumulativa. Investiga a natureza jurídica e os pressupostos de existência da apuração não cumulativa de tributos. Demonstra a importância da regra da não cumulatividade nos diversos ordenamentos jurídicos no que tange aos efeitos que projeta na economia em geral.
Palavras-chave: Tributação plurifásica. Não cumulatividade tributária. Neutralidade fiscal.
1 INTRODUÇÃO
No âmbito do Direito Tributário, são frequentes debates, principalmente nos tribunais superiores (com especial ênfase no Supremo Tribunal Federal), relacionados a questões pontuais acerca da incidência não cumulativa de tributos.
Por força disso faz-se importante o estudo de tributação não cumulativa, mormente no que diz respeito ao seu surgimento histórico, aos pressupostos de sua existência e às razões de sua consagração nos diversos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo.
A doutrina é dividida em relação aos benefícios e malefícios decorrentes da instituição da não cumulatividade tributária no ordenamento jurídico. Enquanto uns veem-na como panaceia para diversos males suportados pelo fisco e pelos contribuintes, outros veem-na como algo que beneficia única e exclusivamente ao fisco.
Diante de tal cenário, avulta a importância de investigar analiticamente o delineamento básico e geral do instituto jurídico da não cumulatividade tributária, de forma a apreender seus pressupostos e sua natureza, com o escopo de nos situarmos nas diversas controvérsias que circundam essa sistemática de tributação.
2 HISTÓRICO
Na investigação histórica do surgimento da não cumulatividade tributária, importa analisar separadamente o advento deste instituto jurídico no plano do direito comparado e no plano do direito interno.
A não cumulatividade tributária encontra sua gênese nos tributos sobre o valor agregado (MOREIRA, 2012, p. 62).
No plano do direito comparado, é cediço que não há consenso acerca do preciso ponto cronológico de surgimento da ideia de não cumulatividade tributária. De acordo com MOREIRA (2012, p. 66), foi um industrial alemão, Von Siemens, quem primeiro propôs uma solução jurídica para o problema da incidência em cascata de tributos, a qual, todavia, não foi acolhida pelo governo germânico da época. TOMKIW também faz referência a esse fato histórico, mencionando que na proposta de Von Siemens foram estabelecidos os princípios estruturantes da tributação não cumulativa (2012, p. 26). Deveras, esse alemão escreveu artigo em que pugnara pelo aperfeiçoamento da tributação sobre o consumo, para que o imposto multifásico incidente sobre as vendas recaísse apenas sobre o valor acrescido em cada etapa da circulação econômica da mercadoria (CINTRA, 2009, p. 111).
Posto que seja importante a menção àquela proposta embrionária, há relativo consenso na doutrina acerca do marco inicial da estruturação e consolidação de um regime de tributação calcado na incidência não cumulativa das exações tributárias. Com efeito, diz-se que foi na década de cinquenta, em solo francês, em que a técnica de não cumulatividade tributária passou a ser aplicada de maneira abrangente e sistemática, na intimidade estrutural da conhecida Taxa Sobre o Valor Agregado (Taxe sur la valeur ajoutée – “TVA”), um tributo sobre a produção e o consumo (CINTRA, 2009, p. 105; ARAÚJO, 2009, p. 180). É dever assinalar, não obstante isso, que no próprio ordenamento jurídico francês a incidência da TVA restringia-se, num primeiro momento, às operações avençadas entre atacadistas e varejistas (MOREIRA, 2012, p. 67). Apenas em 1968, de acordo com a literatura francesa, é que a TVA teve seu campo de aplicação estendido para abranger as operações feitas aos consumidores e as prestações de serviços (GROSCLAUDE, Jacques; MARCHESSOU, Philippe, 2001, p. 289).
Tão bem-sucedida foi a experiência francesa que de pronto atraiu a atenção de grande parte da comunidade de países europeus. Consoante a lição de MOREIRA, em 1962, o chamado Relatório NEUMARK propôs a adoção do modelo de tributação sobre o valor agregado pelos demais países do Mercado Comum Europeu, na medida em que tal modelo de taxação estaria em consonância com os princípios centrais do Tratado de Roma (2012, p. 68). Destarte, em 15 de maio de 1977, o Conselho da Comunidade Econômica Europeia teria adotado a chamada Sexta Diretiva, documento em que se fomentava a integração da legislação tributária dos diversos países daquele continente com o intuito de, pela integração comunitária, afastar a incidência em cascata de tributos em caso de operações que pudessem ensejar o conflito de legislações de diversos estados (MARQUES, 2009a; PIMENTA, 2009, p. 408/409; MOREIRA, LESSA, MAIA, 2013, p. 10; CINTRA, 2009, p. 112). Isso porque a TVA francesa seguia um modelo de tributação vocacionado a evitar distorções na competição no mercado (ROLIM, 2009, p. 257)
Atualmente, há notícia de que a tributação pela TVA é praticada em mais de 120 países (BOITEUX, 2011, p. 23; MOREIRA, 2012, p. 70).
No plano do ordenamento jurídico brasileiro, a genealogia do instituto jurídico da não cumulatividade não provoca consideráveis divergências entre os juristas. Entre os anos de 1934 e 1965, vigorou no Brasil um imposto cumulativo chamado Imposto sobre Venda e Consignação (IVC), que se aplicava em cada etapa da circulação da mercadoria, incidindo sobre o preço bruto desta (CARVALHO, 2009, p. 77; TOMKIW, 2012, p. 26). Sendo assim, percebe-se que não se levava em consideração, nas múltiplas incidências na cadeia econômica, o montante do imposto cobrado em operações anteriores (MELO, 2009, p. 268; PIMENTA, 2009, p. 408/409).
As Leis federais nº 2.974, de 26 de novembro de 1956, e 3.520, de 30 de dezembro de 1958, inseriram pioneiramente a não cumulatividade tributária em nosso ordenamento, em nível infraconstitucional, sendo que sua aplicação era demasiadamente restrita, pois alcançava apenas industriais e importadores sujeitos à tributação pelo Imposto de Consumo (IC) (MOREIRA, 2012, XXXV; CINTRA, 2009, p. 112). Em seguida, é promulgada a Lei nº 4.502, em 30 de novembro de 1964, que consolidou o disposto naquelas duas outras leis, mas que, não obstante isso, permaneceu com aplicação restrita àqueles mesmos personagens da cadeia econômica e apenas ao IC (o qual posteriormente seria substituído pelo Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI).
Foi apenas com a promulgação da Emenda Constitucional nº 18 à Constituição Federal de 1946 que esse cenário sofreu sensível alteração, tendo em vista que a sistemática da não cumulatividade passou a ser aplicada ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICM), que substituiu o avelhantado Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), com o intuito de cumprir o desiderato de consagrar a tributação sobre o valor agregado em nosso ordenamento jurídico, de forma símile ao que se passava então na Europa (MOREIRA, 2012, XXXV; COÊLHO, 2012, p. 137). O ICM, que era plurifásico e não cumulativo, viria a ser substituído posteriormente, na vigência da Constituição Federal de 1988, pelo ICMS, que preservou basicamente esse mesmo perfil, com exceção da inclusão de novas bases materiais a sua regra matriz de incidência (TOMKIW, 2012, p. 26).
Em suma, conclui-se que, em âmbito infraconstitucional, a não cumulatividade ingressou em nosso ordenamento com as Leis federais nº 2.974 e 3.520 (com aplicabilidade restrita ao IC), tendo sido alçada a nível constitucional pela Emenda Constitucional nº 18 de 1965, quando então passou a ser aplicável também ao ICM (MENDES, CORRÊA, LUCA, 2009, p. 296; CINTRA, 2009, p. 112; MELLO, 2009, p. 60).
3 IMPOSIÇÃO TRIBUTÁRIA EM MONOFASIA E PLURIFASIA
De início, mencione-se que um tributo pode ser suscetível de cumulatividade ou não, a depender de sua regra matriz e de sua formatação jurídica.
Sob a perspectiva da possibilidade de incidência sucessiva de exações sobre determinadas manifestações de riqueza, é possível visualizar a existência de duas formas de tributação: a imposição tributária em monofasia ou em plurifasia.
De acordo com a literatura especializada, há plurifasia quando, dentro de um ciclo econômico, há diversas operações que podem ensejar a concretização do fato gerador de um mesmo tributo, ao longo de suas múltiplas etapas (MOREIRA, 2012, p. 98-99). Na monofasia, por outro lado, há incidência única de um tributo sobre um fato isolado e unipessoal, não havendo que se cogitar da possibilidade de sobreposição de incidências tributárias nesse caso (MOREIRA, 2012, p. 99; MACHADO SEGUNDO, MACHADO, 2009, p. 221; MARQUES, COIMBRA, 2009, p. 394).
Ou seja, na primeira forma de tributação, há um encadeamento de operações que pode ser alvo de sucessivas tributações de um mesmo gravame (o que é a regra nos tributos sobre o consumo), ao passo que, na segunda forma de tributação, há um fato tributável singular e bastante em si, que não pressupõe nenhuma operação que lhe suceda (MACHADO, 2009b, p. 487; CARVALHO, 2009, p. 78). De antemão, mencione-se que, embora guarde certas semelhanças, a tributação em monofasia não se confunde com a substituição tributária (que ocorre no âmbito da tributação plurifásica).
Feita essa distinção, a conclusão inexorável a que se chega é que a cumulatividade apenas é concebível na tributação em plurifasia (inclusive nos casos em que há substituição tributária progressiva), tendo em vista que é no decorrer do encadeamento de operações econômicas que se pode mostrar necessária a análise de superposição de incidências tributárias (FURLAN; VELLOSO, 2009, p. 26; MOREIRA, 2012, p. 98/99; MACHADO, 2009a, p. 196). É inconcebível cogitar de cumulatividade tributária em tributos monofásicos, por incompatibilidade lógica e ontológica.
Eis o porquê de ser possível definir, neste momento, tributo não cumulativo como aquele em que a exação vocacionada a incidir sucessivas vezes dentro de um ciclo econômico não comporta em sua base de cálculo os gravames por ela acrescentados aos preços durante as múltiplas fases do encadeamento (FURLAN; VELLOSO, 2009, p. 26 e p. 31). Portanto, um tributo plurifásico poderá ser cumulativo ou não cumulativo, a depender do regramento que o sustenta, enquanto que o tributo monofásico não é sequer cumulável, não podendo receber, portanto, um tratamento jurídico de não cumulatividade, que se apresenta sempre como um antídoto aos efeitos deletérios do tributo cumulativo (MOREIRA, 2012, p. 100; MARQUES, COIMBRA, 2009, p. 394; MACHADO, 2009b, p. 487).
Saliente-se, contudo, que há opiniões em sentido contrário, daqueles que reputam que um tributo que incide monofasicamente também segue um regime de não cumulatividade (MACHADO SEGUNDO; MACHADO, 2009, p. 221).
No âmbito da jurisprudência, a identificação da plurifasia como elemento inerente à cumulatividade tributária foi assentada pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 105.666, São Paulo, que ocorreu em 8 de novembro de 1985, antes, portanto, do advento da vigente Constituição Federal, fato que não teve o condão de desatualizar os argumentos jurídicos trazidos no dito acórdão. Nesse julgado, embora não tenha sido conhecido o recurso pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, o relator, ministro Octavio Gallotti, em seu voto, analisou a questão controvertida. Com efeito, aquele membro da corte afirmou que é necessária uma sucessão de operações com a mesma mercadoria para que surja e seja preservado o direito do contribuinte de proceder ao encontro de contas em sua escrita fiscal. Ademais, constou do acórdão a conclusão que se expõe neste trabalho, qual seja aquela de acordo com a qual a não cumulatividade relaciona-se ontologicamente com a multiplicidade de operações tributáveis num mesmo ciclo econômico. Se há um ato ou uma operação isolada, não há espaço para discussão acerca de cumulatividade tributária. Portanto, de acordo com o ministro Octavio Gallotti, a aplicação da regra da não cumulatividade tributária restringe-se aos momentos intermédios do ciclo econômico.
Outrossim, de acordo com a doutrina, é pressuposto da cumulatividade tributária que, além da pluralidade de incidências no ciclo econômico, haja um nexo de naturalidade na sucessão das operações, tal como ocorre na tributação sobre o consumo (MOREIRA, 2012, p. 101-102). Em outras palavras, só haverá espaço para se analisar a pertinência da cumulatividade tributária à espécie se tratar-se de tributo que seja ontologicamente vocacionado para incidir sucessivamente ao longo de um encadeamento de operações. Se a múltipla incidência é circunstancial, estar-se-á perante incidências múltiplas sobre realidades autônomas e bastantes em si, que apenas acidentalmente guardam relação de sucessividade. Por exemplo: a regra é que a alienação de um imóvel esgote-se com a transferência da propriedade. É esse o substrato material da regra matriz do ITBI, porquanto este tributo foi projetado visando a esse cenário fático, na medida em que ele é intrinsecamente unifásico (OLIVEIRA, 2009, p. 431). Se o imóvel é sucessivamente alienado, isso não convola a exação numa espécie de gravame suscetível de cumulação tributária. Por outro lado, em um imposto como ICMS, o aspecto material da regra matriz da exação já pressupõe que uma mesma mercadoria participe de um processo de circulação que pode compreender diversas fases.
4 PERFIL ESTRUTURAL DA NÃO CUMULATIVIDADE
Estabelecida a distinção fundamental entre tributação em monofasia e em plurifasia e, no âmbito desta última, entre tributação cumulativa e não cumulativa, importa agora precisar os contornos, fornecer uma conceituação adequada e analisar a natureza jurídica da não cumulatividade tributária.
Consoante dito anteriormente, a cumulatividade tributária concerne à sobreposição de gravames tributários sucessivos nos quais a incidência tributária antecedente compõe a base de cálculo da incidência impositiva subsequente, dando ensejo à tributação em cascata (na qual tributo incide sobre tributo, e não exclusivamente sobre os fatos presuntivos de riqueza), de consequências nitidamente deletérias para a economia (CINTRA, 2009, p. 110; SALES, AMARAL, 2009, p. 163; MELLO, 2009, p. 269; GODOI, 2009, p. 359/360; PINTO, 2009, p. 14).
O efeito cascata é aquele que decorre da obtenção de receita tributária pelo fisco a partir da imposição de gravames tributários que incidem sobre grandezas alheias às manifestações de capacidade contributiva do sujeito passivo da relação jurídico-tributária (GODOI, 2009, p. 371). A não cumulatividade tributária visa justamente a contornar a tributação em cascata, na medida em que permite que a carga tributária total do ciclo econômico seja obtida por meio de sucessivos recolhimentos que, ao final, traduzam exatamente o mesmo montante que seria devido se os elementos utilizados para calcular o aspecto dimensível da exação fossem aplicados diretamente ao valor do produto acabado (CINTRA, 2009, p. 110). O custo tributário produzido em determinada fase não há de ser, portanto, computado para fins de determinação do custo tributário da fase seguinte.
É dizer: se a aplicação da sistemática não cumulativa de tributação for obedecida em seus termos rigorosos, trará impacto financeiro quantitativo equivalente àquele ocasionado pela tributação monofásica rudimentar.
A conclusão inarredável a que se pode chegar é que, num cenário de tributação não cumulativa ideal, é irrelevante o número de fases do ciclo econômico, na medida em que o dispêndio final de natureza tributária, obtido pelas seguidas incidências ao longo da cadeia produtiva e de circulação da mercadoria, corresponderá sempre a uma imposição tributária única incidente sobre o valor da mercadoria acabada (MARQUES, 2009a, p. 327; MOREIRA, LESSA, MAIA, 2013, p. 10; COÊLHO, 2013, p. 145). Na doutrina francesa diz-se que é indiferente o alongamento do esquema produtivo (GROSCLAUDE; MARCHESSOU, 2001, p. 295).
Nessa linha, há uma discriminação a ser feita. A cumulatividade tributária acima reiteradamente mencionada não se confunde com duas outras realidades, que também se relacionam, de certa forma, com a exigência de tributos de forma cumulada, sendo que numa perspectiva externa. A primeira delas é a bitributação, na qual dois entes políticos distintos exigem tributo idêntico sobre um mesmo fato, a exemplo do caso em que, havendo divergência sobre os contornos territoriais de dois municípios limítrofes, ambos cobram Imposto Sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) sobre os imóveis que se localizam numa zona de penumbra em termos de divisão geográfica (MOREIRA, 2012, p. 57). A segunda situação é o bis in idem, de ocorrência menos comum, em que um mesmo ente tributante cobra tributos diferentes incidentes sobre uma mesma hipótese de incidência (MOREIRA, 2012, p. 58/59). Seria o caso em que, para contornar a aparência de efeito confiscatório, o ente tributante, em vez de majorar a patamares inaceitáveis a alíquota de um determinado tributo, criasse outra exação com regra matriz idêntica e denominação distinta, para atingir o mesmo fim. Situação semelhante, no ordenamento jurídico brasileiro, ocorre em relação a um imposto federal e a uma contribuição federal. Com efeito, tanto o Imposto de Renda como a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido têm como hipótese de incidência o auferir lucro, na forma da alínea c do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, do artigo 28 da Lei federal nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, do inciso III do artigo 153 da Constituição Federal e do artigo 43 da Lei nº 5.172. Não obstante isso, a cobrança simultânea de ambas as exações tem sido admitida, não havendo notícia de precedentes do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a inconstitucionalidade da situação.
Como se percebe, esses dois outros fenômenos jurídicos não se confundem com a tributação em cascata verificável dentro do ciclo econômico (pois esta pressupõe um liame mercantil natural entre as operações, na forma acima elucidada), porquanto dizem respeito a exigências por entes distintos (bitributação) ou em razão de tributos distintos (bis in idem).
A operacionalização da não cumulatividade tributária pressupõe, para alguns, o surgimento concomitante de relações jurídico-tributárias entre determinado contribuinte e o fisco, as quais são inversamente ambivalentes. Com efeito, na primeira delas (obrigação tributária), o fisco, calcado em seu poder de tributar, exige do contribuinte (sujeito passivo) determinado montante pecuniário que ingressará nos cofres públicos a título de receita derivada. Na outra situação, o fisco assume o papel de sujeito passivo de uma relação de crédito, cujo sujeito ativo é o contribuinte, a qual tem por objeto a obrigação de consideração, para composição do montante tributário exigível, dos custos tributários que foram exigidos em fases antecedentes de determinado ciclo econômico (MARQUES, 2009a, p. 332). Estar-se-ia, portanto, diante de um direito subjetivo do contribuinte de exigir do fisco uma compensação pelo ônus fiscal apurado em momento anterior (PIMENTA, 2009, p. 413). Para outros, não haveria o surgimento de duas relações jurídicas concomitantes, o que seria inclusive o aspecto distintivo entre a modalidade de compensação acima aludida e aquela outra tratada pela legislação tributária como causa extintiva do crédito tributário (inciso II do artigo 156 do Código Tributário Nacional). Como se sabe, esta última tem por objeto extinguir crédito tributário definitivamente constituído, enquanto que a compensação que se opera na operacionalização da não cumulatividade tributária participa da própria formação do montante pecuniário devido a título de tributo; situando-se cronologicamente em momento anterior à própria constituição do crédito tributário. Sendo assim, apenas na primeira hipótese o contribuinte participaria de uma outra relação jurídica como sujeito ativo perante o fisco, tendo em vista que, na segunda situação, o creditamento seria apenas uma técnica utilizada para apuração do valor devido ao fisco (MACHADO, 2012, p. 35).
Essa última corrente doutrinária parece mais acertada, pois tem o condão de estremar rigorosamente as figuras da compensação escritural e da compensação enquanto causa extintiva do crédito tributário.
Seguindo na linha de análise da natureza jurídica da não cumulatividade, importa mencionar que sobre este ponto pairam acirradas controvérsias doutrinárias. De um lado, há os que entendam se tratar de um princípio (ARAÚJO, 2009, p. 181; ABRÃO, 2009, p. 152; CARVALHO, 2009, p. 74; MARQUES, 2009a, p. 325/326; MARTINS, CASTAGNA, MARTINS, 2013, p. 77). Dentre estes, há aqueles que entendem que a não cumulatividade tributária só é princípio, no ordenamento jurídico brasileiro, em relação a alguns tributos (MACHADO, 2009a, p. 202; MELO, 2009, p. 272; MENDES, CORRÊA, LUCA, 2009, p. 289). Fala-se, inclusive, em “não cumulatividade constitucional” e não cumulatividade legal” (PIMENTA, 2009, p. 413). De outro lado, há os que entendem se tratar de uma regra (FURLAN, VELLOSO, 2009, p. 32). Por último, há os que entendem se tratar de uma técnica de apuração de tributo (ARAÚJO, 2009, p. 181; PIMENTA, 2009, p. 412; CINTRA, 2009, p. 122/123).
Aqueles que consideram a não cumulatividade tributária um princípio constitucional visualizam em sua aplicação a concreção de valores consagrados pela Constituição Federal, a exemplo da livre concorrência e da isonomia. Nesse grupo de doutrinadores, há os que adotam posição dissidente ao considerar que a não cumulatividade tributária, no ordenamento jurídico brasileiro, é princípio relativamente a algumas espécies de tributos (ICMS e IPI), enquanto que, em relação a outras, não se revestiria de tal natureza jurídica (a exemplo do que ocorreria em relação à Contribuição Para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS – e a Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS). Por outro lado, há quem diga que a não cumulatividade tributária tem natureza jurídica de regra, na medida em que não admite gradação em sua aplicabilidade; é dizer: não se estrutura como um mandamento de otimização, baseando sua aplicação na regra do tudo ou nada. Por fim, há autores que defendem a tese de que a não cumulatividade tributária é uma simples técnica de apuração de tributos devidos, na medida em que sua finalidade única seria servir de elemento de determinação do montante do tributo que o contribuinte deveria verter para os cofres públicos.
5 TELEOLOGIA DO INSTITUTO
Feita essa explanação sobre os aspectos substanciais da não cumulatividade tributária, importa doravante analisar os aspectos teleológicos a ela subjacentes, isto é, a finalidade que ensejou sua concepção e sua adoção generalizada pelas mais diversas ordens jurídicas.
O modelo de tributação não cumulativa trouxe consigo aspectos positivos e negativos. Analisar-se-ão, em seguida, os aspectos positivos e, sucessivamente, os aspectos negativos.
O primeiro aspecto positivo desse modelo de tributação consiste no surgimento da fiscalização cruzada entre contribuintes (MOREIRA 2012, p. 68). A isso a doutrina francesa chama de “vigilância mútua dos contribuintes” (surveillance mutuelle des contribuables) (GROSCLAUDE; MARCHESSOU, 2001, p. 295). Três exemplos podem elucidar esse ponto. Imagine-se que, numa tributação monofásica sobre o consumo, o comerciante, ao alienar determinado produto a um consumidor final, deixe de emitir documento fiscal concernente à operação, com o intuito de sonegar a ocorrência do fato gerador. Levando em conta que o consumidor não tem interesse econômico imediato no cumprimento da obrigação tributária pelo comerciante, não haverá considerável interesse de sua parte em exigir o cumprimento da obrigação acessória respectiva. Por outro lado, imagine-se a situação em que, numa tributação cumulativa sobre o consumo, determinado comerciante intente adquirir mercadorias para revenda. Levando em conta que, na tributação em cascata, a sobreposição de incidências tributárias tem por consectário a elevação dos preços praticados, é razoável concluir que ao comerciante será financeiramente mais atraente a mercadoria vendida com preço inferior (o que fatalmente ocorreria em caso de sonegação tributária em operações anteriores, de sorte que indiretamente se estaria a fomentar a sonegação fiscal). Por fim, imagine-se agora que, no âmbito da tributação não cumulativa sobre o consumo, o atacadista aliene determinado quantitativo de mercadorias para que o comerciante revenda-as no varejo. Supondo que o atacadista (industrial, importador etc.) seja o contribuinte de direito (sujeito, portanto, ao recolhimento da exação), e supondo que para o comerciante é financeiramente interessante demonstrar o recolhimento prévio do gravame para que, posteriormente, possa ser feita a compensação em etapa seguinte da cadeia, é razoável supor que o sucessor da cadeia do ciclo econômico diligenciará na fiscalização do cumprimento, pelo personagem antecedente da cadeia, de todas as obrigações tributárias pertinentes. Portanto, conclui-se que a não cumulatividade tributária auxilia na fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias, ao dificultar a evasão fiscal (CINTRA, 2009, p. 115).
O segundo aspecto positivo consiste em evitar a verticalização empresarial e promover a neutralidade tributária (MOREIRA, 2012, p. 68; ROLIM, 2009, p. 257). Imagine-se que, num cenário de tributação cumulativa plurifásica, haja determinado ciclo econômico composto por quatro operações encadeadas sucessivamente (venda de matéria-prima, industrialização de peças e materiais, venda em atacado, venda em varejo). Levando em conta que a tributação em cascata faz com que cada nova incidência tributária seja calculada sem desconsiderar o custo tributário de incidências precedentes, conclui-se, por consectário lógico, que o aumento artificial de preços será diretamente proporcional ao aumento do número de fases da cadeia do ciclo econômico. Portanto, será financeiramente atrativo para o comerciante adquirir as mercadorias para revenda de contribuintes que as disponibilizaram com o mínimo possível de incidências tributárias pretéritas. Destarte, se um contribuinte consegue reunir, no âmbito de seu estabelecimento empresarial, diversos segmentos técnico-produtivos que lhe possibilitem disponibilizar ao varejista o produto já acabado para revenda (desde a produção da matéria-prima até o aprimoramento final da mercadoria), é natural que ele passe a ser o fornecedor central no âmbito do mercado, em detrimento dos pequenos produtores e fabricantes artesanais, que não terão condições de oferecer qualquer resistência concorrencial.
No caso do ordenamento jurídico brasileiro, isso implicaria efeitos negativos sobre a economia, em razão da quebra do ideal de competitividade, com a consequente asfixia das pequenas empresas. Vale lembrar que o tratamento favorecido para pequenas empresas e empresas de pequeno porte é princípio norteador da ordem econômica brasileira (inciso IX, artigo 170, Constituição Federal). A tributação não cumulativa supera essa problemática, pois, se rigorosamente levada a efeito, torna irrelevante o número de operações para a composição de preços, porquanto afasta a elevação artificial destes pela mera incidência de tributo sobre tributo. Para alguns, isso acarretaria, inclusive, uma diminuição da carga tributária, incentivando a produção e a circulação (SALES, AMARAL, 2009, p. 163). A consequência disto é a superação da discriminação tributária entre os entes empresariais de diversos portes, que poderão competir, em tese, em condições de igualdade no que tange à definição de preços por razões fiscais (MOREIRA, 2012, p. 64-65).
A neutralidade fiscal pode ser concebida, inclusive, como a finalidade primacial da técnica da apuração não cumulativa de tributos, tendo em vista que elimina desequilíbrios de concorrência e conduz ao nivelamento das instâncias produtivas do ponto de vista da competitividade (ROLIM, 2009, p. 258; BOITEUX, 2011, p. 26). Em última análise, dificulta-se a concorrência desleal em âmbito econômico e quebra-se o liame de necessariedade entre a extensão do ciclo econômico e o preço final das mercadorias e dos serviços (CINTRA, 2009, p. 115). A não cumulatividade tributária possibilita o alcance do ideal de tributação exclusiva do consumo, não da produção ou do comércio (MARTINS, CASTAGNA, MARTINS, 2013, p. 77). Deve-se observar, contudo, que à medida que um sistema de tributação não cumulativa afasta-se de sua conformação ideal (com simetria entre os fatores de creditamento e abatimento), dificulta-se a consecução integral da finalidade econômica da neutralidade (MACHADO, 2009b, p. 485). Isso poderá ocorrer se forem impostas restrições injustificadas ao direito de creditamento.
O terceiro aspecto positivo da não cumulatividade tributária consiste em possibilitar a efetiva desoneração das exportações (MOREIRA, 2012, p. 68-70). Imagine-se que uma sociedade empresária exportadora adquira produtos de um industrial brasileiro com o escopo de vendê-los para consumidores finais sediados no exterior. Nessa conjuntura, numa tributação plurifásica cumulativa, a concessão de eventual imunidade na operação de exportação não a desoneraria efetivamente, tendo em vista que a aplicação da regra imunizante na ocorrência do último fato gerador não teria o efeito de neutralizar os custos tributários incorporados anteriormente à mercadoria. Por via reversa, é razoável sustentar a ilação de que a cumulatividade tributária em cadeias plurifásicas conduziria ao estímulo à importação de bens acabados (que se sujeitariam a diversas incidências tributárias se produzidos no mercado interno), porquanto o tributo incidente sobre a importação seria monofásico e incidiria sobre uma base de cálculo desprovida de preços artificiais (COÊLHO, 2013, p. 144). Por outro lado, na tributação plurifásica não cumulativa, o dispêndio tributário concernente a todas as exações tributárias impostas durante o ciclo econômico seria expurgado por ocasião da aplicação da regra de imunidade.
A tributação não cumulativa em cadeias plurifásicas proporciona maior competitividade aos produtos nacionais no mercado externo, por eliminar o aumento artificial de preços, propiciar plena eficácia às regras imunizantes e evitar a exportação de tributos (CINTRA, 2009, p. 115; CARVALHO, 2009, p. 78).
O quarto aspecto positivo consiste em promover transparência na tributação (MOREIRA, 2012, p. 68-70). É cediço que na tributação plurifásica não cumulativa é do interesse de cada participante da cadeia econômica certificar-se do cumprimento das obrigações tributárias por aquele que ocupa posição anterior no encadeamento de operações. Esse controle geralmente é feito pelo destaque, em documento fiscal, do valor do tributo devido em cada uma das fases do ciclo. Portanto, conclui-se que ao contribuinte é facilmente identificável a parcela dos preços composta por custos tributários (CINTRA, 2009, p. 115).
O quinto aspecto positivo consiste em distribuir o ônus do recolhimento fiscal entre todos os participantes da cadeia de circulação econômica, embora a aplicação da regra de substituição tributária possa mitigar ou até eliminar este aspecto positivo (SALES, AMARAL, 2009, p. 163). Deste modo, é razoável concluir que a distribuição das exigências fiscais no decorrer do ciclo econômico repercutirá positivamente sobre o capital de giro do ente empresarial, facilitando-lhe o desenvolvimento de suas atividades mercantis (CINTRA, 2009, p. 115).
O sexto e um dos principais aspectos, alardeado por muitos autores e contestado por muitos outros, consiste na redução da carga tributária, a partir da eliminação de elementos artificiais na composição dos preços dos bens tributados (ABRÃO, 2009, p. 152).
Há, porém, quem identifique diversos aspectos negativos na técnica de apuração não cumulativa de tributos.
O primeiro aspecto negativo consistiria no aumento dos dispêndios do contribuinte e do fisco para a fiscalização das obrigações acessórias de todos os participantes da cadeia econômica (MENDES, CORRÊA, LUCA, 2009, p. 292). Ao contribuinte será imposto o encargo de efetuar escriturações de livros que compreendam as diversas compensações periódicas do tributo não cumulativo (aumento, portanto, dos deveres instrumentais e acessórios).
O segundo aspecto negativo consistiria na inexistência de benefício direto àquele que arca com o encargo econômico do tributo, amiúde o consumidor final. Isto porque não haveria uma correlação necessária entre a substituição de um tributo cumulativo por um não cumulativo e a diminuição da carga tributária total (GODOI, 2009, p. 358). O exemplo marcante dado pelos doutrinadores nesse ponto é o que se passou em relação à COFINS e à contribuição ao PIS, tributos que, para alguns, após a introdução da sistemática de apuração não cumulativa, teriam provocado um aumento da carga tributária na ordem de % 153,42 (cento e cinquenta e três pontos percentuais e quarenta e dois décimos por cento) (MACHADO, 2009b, p. 484; CINTRA, 2009, p. 149; MACHADO, 2009a, p. 191).
O terceiro aspecto negativo consistiria no aumento da complexidade da legislação tributária, o que tornaria por exigir dos contribuintes de direito a contratação de profissionais cada vez mais especializados (custo de administração e controle – cost of compliance) em decorrência da burocracia tributária, fato que constitui um custo operacional inegavelmente alto e que repercutirá no preço final das mercadorias (GODOI, 2009, p. 358; CINTRA, 2009, p. 107; MACHADO, 2009a, p. 191/192). Para aqueles que identificam tais aspectos negativos o único e verdadeiro aspecto positivo da tributação não cumulativa seria o de conferir transparência aos custos tributários gerados no ciclo econômico, desde a produção até o consumo (MACHADO, 2009a, p. 197).
Não obstante a controvérsia, a inferência geral extraível do cotejo dos argumentos acima é que a não cumulatividade tributária traz consigo perceptíveis repercussões econômicas (ABRÃO, 2009, p. 159; FURLAN, VELLOSO, 2009, p. 26; TEIXEIRA, ARANTES, 2012, p. 16).
Vale mencionar que alguns autores discerniram as motivações políticas subjacentes à adoção da técnica de tributação não cumulativa no ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, o exegeta poderia cogitar da maior eficácia da tributação monofásica no início ou no final da cadeia do ciclo econômico. Como já mencionado em linhas anteriores, a tributação monofásica na última fase do encadeamento de operações propicia ampla margem para evasão fiscal, pelo que não há interesse político em sua instituição, ante sua patente dissonância em relação aos interesses arrecadatórios dos entes fazendários (COÊLHO, 2013, p. 144). Outrossim, a tributação monofásica no início da cadeia, posto que minimize riscos de sonegação fiscal (em razão do diminuto número de contribuintes nesta etapa do ciclo econômico, a depender do ramo comercial), também vai de encontro aos interesses arrecadatórios do fisco. Deveras, como se sabe, ao longo das fases da cadeia de circulação da mercadoria os personagens empresariais agregam valor ao bem que será, ao final, adquirido pelo consumidor. É financeiramente mais rendável para o fisco tributar a mercadoria já pronta e acabada, porquanto a base de cálculo sobre a qual incidirá o tributo alargar-se-á à medida que se estender o ciclo produtivo, em razão da agregação da mais-valia praticada por cada contribuinte (COÊLHO, 2013, p. 144). Embora possível, para que se alcançasse o mesmo resultado prático pela elevação das alíquotas incidentes na operação monofásica, seria necessária sua fixação em patamares elevados, o que poderia dar azo a arguições, por parte dos contribuintes, de taxação com efeito confiscatório. A necessidade de majoração da alíquota para compensar a perda da receita derivada é diretamente proporcional ao valor crescente da base-de-cálculo.
A técnica de tributação não cumulativa constitui uma terceira via idônea para contornar a bipolaridade entre a avidez estatal de arrecadação para o erário e a necessidade de fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias.
6 CONCLUSÃO
Por tudo que acima consta, é possível reiterar a importância do tema abordado, cujo enfrentamento é frequente na prática forense. Com efeito, a positivação da regra constitucional da não cumulatividade no ordenamento jurídico brasileiro representou momento histórico na evolução do sistema tributário nacional.
Como demonstrado, embora haja opiniões em contrário, grande parte dos juristas aponta virtudes da tributação pela forma não cumulativa, especialmente no que diz respeito aos efeitos que produz no âmbito da economia. É por meio dela, por exemplo, que se possibilita a completa desoneração das exportações (com o incremento do potencial competitivo do setor empresarial nacional no mercado externo) e a aproximação aos ideais de competitividade entre pequenos e grandes empresários.
Deveras, a não cumulatividade tributária é regra constitucional que se operacionaliza por meio de uma técnica que contempla as diversas incidências de um mesmo tributo no decorrer de uma cadeia plurifásica de tributação, sendo mecanismo imprescindível para evitar a sobreposição de tributos e a composição artificial de preços no mercado.
Sumariando as conclusões deste trabalho, conclui-se:
1. A plurifasia é elemento indissociável da taxação não cumulativa, o que não é incompatível com a arrecadação concentrada do tributo, substancialmente distinta da monofasia.
2. A tributação não cumulativa passou a ser consagrada internacionalmente na década de 1950, primeiramente na França e depois e em quase toda a Europa. Tradicionalmente relacionava-se com a tributação sobre o consumo. A ideia foi importada para o ordenamento jurídico brasileiro poucos anos depois, em nível infraconstitucional, num primeiro momento, e em sede constitucional, ulteriormente. Atualmente, mais de uma centena de países adotam, em diferentes medidas, a técnica não cumulativa de taxação.
3. Há um pressuposto lógico indispensável para a consagração da não cumulatividade tributária, com suporte na jurisprudência, consistente na existência de um encadeamento natural (e não meramente circunstancial ou acidental) de operações que constituam a chamada plurifasia impositiva. É equívoco de denominar de não cumulativa a tributação monofásica, a qual, como regra, não é sequer cumulável. Essa última proposição não se confunde com a tributação plurifásica pela substituição tributária progressiva.
4. Há discussão doutrinária acerca da natureza jurídica da não cumulatividade tributária, tendo sido demonstrada a existência de pelo menos três vertentes teóricas: para alguns seria princípio constitucional; para outros seria regra constitucional; para outros seria princípio ou simples técnica, a depender do tributo em questão.
5. A literatura jurídica identifica na tributação não cumulativa aspectos positivos e negativos, tendo sido demonstradas as sensíveis repercussões que a adoção desta forma de tributação acarreta em âmbito econômico, relevando rememorar, em especial, a aproximação do ideal de neutralidade tributária (por evitar a tributação em cascata) e o ensejo para ampla desoneração das exportações. Diversos autores não veem com bons olhos o referido instituto jurídico, porquanto afirmam que, pelo menos no ordenamento jurídico brasileiro, não teria trazido benefícios aos contribuintes.
6. A tributação não cumulativa constitui uma terceira via para superação da bipolaridade entre a baixa arrecadação tributária e as dificuldades de fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias principal e acessória.
7. Distinguem-se os conceitos de cumulatividade tributária na cadeia plurifásica, bitributação e bis in idem.
8. Distingue-se a compensação que ocorre no âmbito da aplicação da técnica da não cumulatividade daquela outra compensação tratada no Código Tributário Nacional como causa de extinção do crédito tributário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRÃO, Carlos Henrique. Não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 152-160.
ARAÚJO, Francisco Regis Frota. Da não cumulatividade enquanto princípio constitucional. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 177-189.
BOITEUX, Fernando Netto. A incidência do IPI na importação para uso próprio. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 193, out. 2011, p. 23-38.
CARVALHO, Antônio Gilson Aragão de. Não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 63-102.
CINTRA, Carlos César Sousa. A não cumulatividade no Direito Tributário Brasileiro: Teoria e prática. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 103-151.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Análise crítica do ICMS: energia elétrica e combustíveis. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 217, out. 2013, p. 137-149.
_____. O direito de aproveitar o ICMS devido pelo contribuinte que recebeu de outro Estado mercadorias com incentivo declarado inconstitucional. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 197, fev. 2012, p. 158-162. (a)
FURLAN, Anderson; VELLOSO, Andrei Pitten. Não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 24-56.
GODOI, Marciano Seabra de. Não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 357-391.
GROSCLAUDE, Jacques; MARCHESSOU, Philippe. Droit Fiscal Général. 3 ed. Paris: Dalloz, 2001.
MACHADO, Schubert de Farias. Não cumulatividade tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 483-502. (b)
MACHADO, Hugo de Brito. A compensação que extingue o crédito tributário e a não cumulatividade do ICMS e do IPI. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 204, set. 2012, p. 33-36.
_____. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 288-321.
_____. A não cumulatividade no Sistema Tributário Brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 190-216. (a)
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Nãocumulatividade tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 217-240.
MARQUES, Leonardo Nunes. O princípio da não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 322-356. (a)
MARQUES, Márcio Severo; COIMBRA, Ronaldo. Não cumulatividade do PIS e da Cofins e o artigo 17 da Lei nº 11.033/2004. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 392-407.
MARTINS, Ives Gandra da Silva; CASTAGNA, Ricardo; MARTINS, Rogério Gandra da Silva. Direito à escrituração de créditos do PIS e da COFINS em relação às despesas com marketing e publicidade e com taxa de emissão de boletos de administradoras de cartões de crédito. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 208, jan. 2013, p. 75-90.
MELLO, Antônio Carlos de Martins. A questão da não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 5762.
MELO, José Eduardo Soares de. Não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 262-287.
MENDES, José Maria Martins; CORRÊA, Denise Maria Moreira Chagas; LUCA, Márcia Martins Mendes de. O princípio da não cumulatividade no Sistema Tributário Brasileiro. In: MOREIRA, André Mendes. A não cumulatividade dos tributos. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2012.
MOREIRA, André Mendes; LESSA, Donovan Mazza; MAIA, Marcos Correia Piqueira. O direito à manutenção integral dos créditos de ICMS quando o preço de venda da mercadoria é inferior ao custo de aquisição – críticas ao posicionamento do STF no RE 437.006/RJ. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 218, nov. 2013, p. 07-17.
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Visão geral sobre a cumulatividade e a não cumulatividade (tributos com incidência única ou múltipla), e a “não cumulatividade” da Cofins e da Contribuição ao PIS. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 423-448.
PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 408-422.
PINTO, Adriano. Não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 11-23.
ROLIM, João Dácio. Não cumulatividade (valor agregado?). In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 253-261.
SALES, Deborah; AMARAL; Felipe Silveira Gurgel do. Não cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito. Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2009, p. 161-176.
TEIXEIRA, Alessandra Machado Brandão; ARANTES, Lais de Souza Leite. A não cumulatividade do ICMS e o entendimento do STF e do STJ: Análise e Crítica. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 207, dez. 2012, p. 14-23
TOMKIW, Demetrius André. Não cumulatividade de PIS/COFINS: insumos suscetíveis de apropriação de créditos. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 207, dez. 2012, p. 24-44.
Advogado. Formado em Direito, no ano de 2015, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARLOS, Mario Sérgio da Costa. Não cumulatividade tributária: histórico, natureza e finalidades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47090/nao-cumulatividade-tributaria-historico-natureza-e-finalidades. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.