RESUMO: O presente artigo visa abordar a imperiosidade de otimização do papel do amicus curiae na jurisdição constitucional. Com este escopo, se aborda noções de devido processo legal e controle de constitucionalidade, com ênfase no contraditório substantivo, valorizado pelo novo Código de Processo Civil. Além disso, é necessário fazer um diálogo entre os supracitados princípios e a força dos precedentes do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Amicus curiae. Princípios. Devido Processo Legal. Contraditório Substantivo. Teoria dos Precedentes.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DESENVOLVIMENTO. 2.1. IMPERIOSIDADE DE OTIMIZAÇÃO DO AMICUS CURIAE: MOTIVOS RELEVANTES PARA A NECESSIDADE DA RELEITURA DE SEUS ASPECTOS JURÍDICOS. 2.2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 2.2.1. ESPECIFICAMENTE O CONTRADITÓRIO. 2.2.1.1. Amicus curiae, o contraditório e a jurisdição constitucional. 2.3. A FORÇA DOS PRECEDENTES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2.3.1 A decisão do Supremo Tribunal Federal no controle abstrato de constitucionalidade e vinculação dos demais membros do Judiciário e da administração pública. 2.3.2 A decisão do Supremo Tribunal Federal no Controle Concreto de Constitucionalidade. Efeitos vinculantes ou persuasivos. 3 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O amicus curiae é figura de grande relevo no mister da democratização da jurisdição. A assertiva ganha maior relevo quando se trata da jurisdição constitucional, diante do impacto que decisões no controle abstrato de constitucionalidade causam no ordenamento jurídico, expurgando uma norma do ordenamento jurídico ou chancelando sua constitucionalidade.
Outrossim, mesmo o controle concreto de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal é dotado de relevância jurídica qualificada, em razão da teoria dos precedentes que foi adotada e sedimentada no ordenamento jurídico, tanto pelo código de processo civil de 1973, quanto pela lei 13.105/2015 que reforçou a verticalização dos precedentes judiciais, reforçando o valor da decisão dos Tribunais Superiores.
Neste contexto, é necessário analisar o papel que o amicus curiae desempenha atualmente e a necessidade da otimização do instituto, diante da ordem jurídica instaurada.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. IMPERIOSIDADE DO APRIMORAMENTO DO AMICUS CURIAE: Motivos relevantes para a necessidade da releitura de seus aspectos jurídicos.
É curial expor o amicus curiae como forma de garantir o contraditório substantivo na jurisdição constitucional, ouvindo as diversas camadas das sociedades, por meio de representantes que possam defender um interesse institucional (conforme será explanado doravante).
Neste sentido, os amici curiae funcionariam como instrumentos efetivos para que fosse concretizada a abertura constitucional, nos termos do que dispõe Peter Haberle, em sua teoria da sociedade aberta dos interpretes da constituição, e nos termos, também, da ideia de trazer a democracia participativa para o processo de formação de convencimento dos membros do Supremo Tribunal Federal.
Funcionariam, então, os amigos da corte, na sua melhor função de pluralizar os debates constitucionais, de permitir que os cidadãos ou entidades defensoras de um interesse institucional, viessem a juízo com o escopo de trazer novas e relevantes matérias, até então desconhecidas para os julgadores, que possam influir na ratio decidendi, de forma a ampliar os horizontes do tribunal.
Neste sentido, é de suma importância trazer à baila observações acerca do contexto de ingresso dos amici. Considerando que o cerne deste trabalho tange a jurisdição constitucional, é imperioso que sejam tecidas considerações acerca da força das decisões proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Discutir-se-á, então, o poder que um posicionamento da Corte Constitucional brasileira efetivamente exerce na dinâmica social como um todo. Para isto, devemos abordar não só efeitos vinculantes da decisão no controle abstrato de constitucionalidade, como os persuasivos do controle difuso, ressaltando, entretanto, neste último, o fenômeno da abstrativização do controle incidental de constitucionalidade.
2.2.. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O devido processo legal é norma de imperiosa observância em qualquer ordenamento jurídico sólido, em qualquer Estado Democrático de Direito. Consagrado em 1215, pela Magna Carta de João Sem Terra, o princípio fundamental em comento foi desenvolvido, a priori, em ordenamentos Anglo-saxões[1] e, a posteriori, na grande maioria das Constituições pelo mundo, em declarações de direitos, pactos internacionais, etc.
No caso pátrio, não poderia ter sido diferente, a lex legum brasileira consagrou o princípio em seu aspecto formal e material por meio de diversos princípios expressos e implícitos. Citam-se, como exemplos, os princípios do contraditório e da ampla defesa, da publicidade dos atos processuais, a necessidade da motivação das decisões jurisdicionais, o juiz natural, o princípio da proporcionalidade e afins.
Pois bem, cumpre então, fazer breves observações sobre os dois prismas do princípio-mãe de nosso ordenamento jurídico, corolário, inclusive, do princípio do acesso à justiça.
Sob o aspecto formal, conforme preleciona Fredier Didier Júnior, o devido processo legal é “basicamente o direito a ser processado e a processar de acordo com normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção também deve respeitar aquele princípio”[2]. Neste mesmo sentido, André Ramos Tavares explicita que o Devido Processo Legal processual consiste na garantia concedida ao sujeito processual de utilizar os meios jurídicos existentes, de forma a se assegurar, por fim, a completa paridade de armas entre as partes[3].
Em suma, consagra-se o princípio do devido processo legal formal, quando, em discussão sobre um direito de determinada pessoa, sejam respeitadas as normas procedimentais que tutelem esta relação jurídica. Deve-se, portanto, garantir a possibilidade que esta pessoa defenda seu direito, perante uma autoridade competente para isso, assegurado o contraditório, a ampla defesa e todas as demais garantias já citadas. Nestes termos, podemos entender também que qualquer violação de direito, só pode ser feita por quem tiver competência para isto.
Neste sentido, é curial associar ao tema ao controle de constitucionalidade. O Célebre caso “Marbury vs Madison” ilustra bem esta ligação. No embate paradigmático, a Suprema Corte Norte-Americana aplicou a cláusula do devido processo legal ainda sob a conotação procedimental[4].
Narra Loiane Prado Verbicaro que na presente ação, os autores, liderados por William Marbury, requiseram provimento jurisdicional que lhes assegurasse os termos de nomeação para que pudessem tomar posse em seus cargos de juiz de paz do Distrito de Columbia, haja vista que haviam sido nomeados para tal no final do mandato do Partido Federalista do Presidente John Adams, sendo, entretanto, desconsideradas as nomeações pelo recém eleito Presidente Jefferson, sob o argumento de que as posses deveriam ter ocorrido até o final do governo do primeiro presidente [5].
A Suprema Corte Americana entendeu que Marbury e os que se encontravam em situação similar, tinham o direito constitucional de tomar posse, todavia, esta decisão limitou-se a analisar os aspectos formais do caso, não analisando o conteúdo das normas. De acordo com a doutrinadora em tela, a decisão de Marshall restringiu-se “a impugnar o ato político que havia sido produzido à margem das competências formais estabelecidas”[6].
De outra parte, também guarda inexorável ligação com a jurisdição constitucional, o aspecto substantivo do devido processo legal.
O due process of law, em sua versão substantiva, tem como origem a doutrina norte americana, mais especificamente, no caso paradigmático lochner vs New York, onde o Estado de Nova York aprovou ato normativo limitando a 10 horas a jornada de trabalho dos padeiros. Nesta oportunidade, entretanto, a Suprema Corte derrubou esta legislação, afirmando que se estaria violando a liberdade de contratar, contida na emenda XIV[7].
Neste caso, não se aplicou a cláusula do devido processo legal no sentido que tradicionalmente era visto, qual seja, sua dimensão formal, apenas para garantir a imparcialidade do processo judicial. A Suprema Corte Norte Americana tencionou tutelar valores constitucionais substantivos e não “meramente procedimentais”[8].
Ainda de acordo com os ensinamentos de Paulo Klautau Filho, a “Era Lochner” que foi marcada pela intervenção do judiciário contra a legislação econômica e social, teve fim apenas no final da década de 30[9].
Destarte, em que pese esta concepção de devido processo legal substantivo ter sido abandonada, restaurou-se este princípio, a partir da década de 1960, ampliando o seu alcance de forma a tutelar as “liberdades não econômicas” [10]. Cita-se, como exemplo deste novo “alcance” do devido processo legal substancial, o caso “Roe vs. Wade”, onde se decidiu que a lei Texana (ato normativo discutido), que excluía da criminalidade exclusivamente o “procedimento (aborto) que vise salvar a vida da mãe, sem considerar o estágio da gravidez e sem reconhecer outros interesses envolvidos, constitui violação do [devido processo]”[11].
De acordo com Loiane Prado Verbicaro, o devido processo legal substantivo se baseia na concessão ao Poder Judiciário de competência para analisar as escolhas realizadas pelos poderes Legislativo e Executivo que “afetam de forma não razoável ou desproporcional um direito assegurado pela Constituição” [12].
Neste sentido, o devido processo legal substantivo se relaciona muito mais com a análise do mérito de uma ação de controle de constitucionalidade. Verifica-se, se determinada norma afeta um direito assegurado pela constituição. Em suma, são impostos limites substantivos à atuação estatal em determinados casos e cabe ao judiciário, fazendo prevalecer a Supremacia da Constituição, nulificar uma lei que viole esta última.
Vem entendendo o Supremo Tribunal Federal e boa parte da doutrina brasileira, mesmo com as críticas de Paulo Klautau Filho[13], que o devido processo legal substantivo guarda inseparável ligação com o princípio da proporcionalidade.
Este posicionamento fica mais claro a partir da leitura de trecho de voto do Ministro Gilmar Mendes, no clássico “caso Ellwanger”, julgado pelo Supremo Tribunal Federal mediante o Habeas Corpus n. 82424/RS. De acordo com o Ministro:
O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal, em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, [...] estabelece um limite do limite’ ou uma ‘proibição do excesso’ nas restrições de direitos fundamentais. [...] A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos [...][14]
Neste mesmo sentido André Ramos Tavares informa que este princípio se consolida mediante a observação do critério da proporcionalidade, resguardando-se a vida, a liberdade e a propriedade [15]. É verdadeiro limite ao poder normativo do Estado.
Fredie Didier Júnior dispõe que não basta à decisão jurídica, que seja observada sua regularidade formal, de acordo com o autor, o provimento jurisdicional deve ser substancialmente razoável e correto[16].
Em conclusão, temos que o devido processo legal, sob ambos os prismas, guarda intrínseca ligação com a jurisdição constitucional. Sob o prisma formal, este princípio se manifesta nos seguintes sentidos: 1. Um ato normativo jamais pode ser elaborado descumprindo os requisitos previstos pela própria Constituição Federal e; 2. Durante o processo de controle de constitucionalidade, devem ser concedidos os poderes necessários para que os sujeitos processuais possam defender seus interesses, em paridade de armas.
Em relação à dimensão material/ substantiva, o devido processo legal, na jurisdição constitucional nos remete aos seguintes posicionamentos: 1. Um ato normativo não pode violar, de forma desproporcional, um mandamento previsto na lex legum, em especial no que tange os direitos de liberdade, igualdade ou fraternidade; 2. A decisão do controle de constitucionalidade em si, não deve observar apenas as garantias puramente formais do devido processo legal. Deve-se garantir que a decisão seja a melhor possível. Nas lições retro mencionadas, que se assegure, além das garantias processuais, a razoabilidade e a justiça do provimento jurisdicional.
Neste contexto, temos ser imperioso o aperfeiçoamento da figura do amicus curiae. Afinal, como será disposto a seguir, ele tem a função e o poder de otimizar os debates constitucionais, procedendo sua abertura, levando informações valorosas aos julgadores e legitimando o processo como um todo. Os amici garantem o contraditório substancial no Supremo Tribunal Federal.
2.2.1. ESPECIFICAMENTE O CONTRADITÓRIO:
O Princípio do contraditório ganha especial relevo neste trabalho. Primeiramente, porque se trata de subprincípio de fundamental observância para o respeito do devido processo legal, consoante exposto anteriormente. De outra parte, relevante aborda-lo, uma vez que, na jurisdição constitucional, é ponto nevrálgico da atuação dos amici curiae.
Neste sentido, entretanto, imperioso interpretar o contraditório não apenas em sua vertente clássica, ou seja, franquear a um sujeito processual o conhecimento de determinado ato que possa lhe prejudicar e possibilitar que ele o contradite; ou, como preleciona Cândido Rangel Dinamarco, o exercício do binômio “informação-reação”, sendo a primeira obrigatória e a segunda possível[17].
O mencionado direito fundamental deve ser analisado, também, em sua vertente substancial, ou seja, não basta que seja assegurada a certeza da notificação e a faculdade de sua manifestação, como o contraditório formal prevê. O elemento substancial desta garantia, deve observar o “poder de influência” [18].
De acordo com Luiz Guilherme Marinoni, a perspectiva estritamente formal do princípio do contraditório guarda nexo com o Estado Liberal, e, portanto, foi superada por nossa própria Constituição Federal, que é dirigente. De toda sorte, ainda segundo o doutrinador, o princípio do contraditório, atualmente, se preocupa com a participação efetiva, “torna-se imprescindível a investigação de uma série de temas, problemas e institutos destinados a tornar possível uma participação real, e não apenas ilusória, dos litigantes no processo”[19]. Por enquanto, essas sucintas noções sobre a vertente substancial do princípio em comento, nos bastam.
Importante ressaltar que o contraditório, no presente trabalho, ganha uma relevância qualificada pois a jurisdição constitucional, por mais que exercida na via concreta, jamais dirá respeito unicamente a um conflito individual. De acordo com a força dos precedentes no Supremo Tribunal Federal, o que será estudado a posteriori, um provimento jurisdicional produzido por esta Corte Constitucional, terá efeitos persuasivos ou vinculantes que afetam a coletividade como um todo. Não se trata, então, do contraditório em sua vertente clássica, individualista, mas em seu prisma coletivo, qualificado por isto.
Antes de tratarmos sobre esta dimensão qualificada, cumpre transcrever uma lição de André Ramos Tavares, que nos aproveita perfeitamente: “Modernamente, vê-se na cláusula do devido processo legal, especialmente quanto ao contraditório, não apenas um direito subjetivo da parte interessada, mas uma garantia objetiva do próprio processo em si” [20]. O excerto não foi posto aqui, de maneira despropositada; é que de acordo com o doutrinador, o contraditório efetivo é conditio sine qua non para a boa prestação da jurisdição, para o provimento jurisdicional ótimo. Em um processo que tutele interesse metaindividuais, que fuja da vertente clássica do processo civil, isto tem importância especialmente relevante.
2.2.2.1. Amicus curiae, o contraditório e a jurisdição constitucional:
Discutido, em âmbito geral, os dois prismas do princípio do Contraditório, cumpre trazer esta discussão para o cerne do presente tema, qual seja, a Jurisdição Constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, é importante ressaltar que jamais estaremos tratando de um interesse individual propriamente dito, mas sempre de interesses metaindividuais. Consoante será exposto, mesmo no controle difuso de constitucionalidade, não há como sustentar que se trata de um conflito individual, uma vez que uma decisão em sede de Recurso Extraordinário, por exemplo, do STF, não vincula, mas persuade todos os demais membros do judiciário a seguir este posicionamento.
Neste sentido, é imperioso que um provimento jurisdicional com tamanho alcance, seja construído da forma mais cautelosa possível. Destarte, estender o debate a diversas camadas da sociedade, de forma que a jurisdição constitucional seja exercida da forma mais plural possível, nos parece ser um meio efetivo para garantir este provimento jurisdicional ótimo.
Em raciocínio análogo, Ana Cândida Menezes Marcato expõe que, nos casos de decisões que afetam interesses transindividuais, em face da impossibilidade do contraditório ser exercido por todos os afetados em potencial, este princípio acaba sendo respeitado pela manifestação de seus representantes adequados[21]. No caso em comento, quem cumpre esta função é o amicus curiae.
De toda sorte, não basta oferecer a possibilidade de manifestação aos amici, é imperioso que, no contexto do contraditório substancial, sejam garantidos a eles a efetiva possibilidade de influir no processo da ratio decidendi dos Ministros. Não adiantaria simplesmente possibilitar que os “amigos da corte” adentrassem ao processo, mas que sua manifestação fosse limitada de forma a afetar sua efetividade. Aliás, os efeitos indesejados ultrapassariam a mera inutilidade da manifestação, considerando que o processo seria retardado de forma injustificada, ou seja, nos depararíamos com a jurisdição constitucional pátria fechada e menos célere, sem qualquer benefício.
Com o fito de fugir desta desastrosa consequência, é imperioso que se possibilite o contraditório substancial para que o amicus curiae possa cumprir cumulativamente sua tríplice função: 1. Informativa; 2. Democratizadora e; 3. Legitimadora.
Em relação ao prisma informativo, talvez seja, em termos práticos, o mais considerado pela jurisprudência. Tal dimensão consiste basicamente no valor que as informações trazidas pelos amici curiae poderão ter para o deslinde da causa. É a função precípua do amicus curiae, segundo a regra 37 da Suprema Corte Americana.
De acordo com o texto que pode ser considerado um marco para o delineamento da figura, a manifestação do amicus curiae será considerada útil ao julgamento se a matéria for relevante e se não houver sido levantada pelos demais sujeitos processuais. A contrario sensu, não cumpridos estes requisitos, a manifestação será considerada um fardo para a corte e não deverá ser aceita[22]. Insta ressaltar que esta função dos amici é pacificamente reconhecida na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Cassio Scarpinella Bueno ressalta que esta função de municiar o magistrado com todas as informações possíveis e necessárias para melhor decidir é a própria face do amicus curiae. O autor afirma que esta é, também, a manifestação do princípio do contraditório como cooperação[23].
Prossegue o doutrinador explanando que o princípio da “cooperação” é entendido com o contraditório inserido no ambiente dos direitos fundamentais, que visa viabilizar um constante diálogo entre os sujeitos processuais, de forma que cada um desempenhe os seus “deveres, direitos, faculdades, ônus e obrigações ao longo de todo o procedimento”[24]
É com base, também, nesta face do princípio do contraditório que o amicus curiae cumpre o seu dever, posto que se reconhece a necessária interação do juiz com os sujeitos processuais, tencionando a maior aproximação e, consequentemente, a “mais completa definição dos temas e matéria que deverão ser necessariamente enfrentados pelo magistrado ao julgar o objeto litigioso” [25].
Ao longo deste trabalho, constatou-se, também, que os “amigos da corte” assumem a função de democratizar a jurisdição constitucional, de pluralizar os debates[26]. A Corte Constitucional Pátria, assim como fez no sentido precedente, também confere esta função aos amici. Imperioso, entretanto, transcrever parte extremamente elucidativa de decisão desta corte:
[...] 6. A intervenção de amicus curiae no controle concentrado de atos normativos primários destina-se a pluralizar e a legitimar social e democraticamente o debate constitucional, com o aporte de argumentos e pontos de vista diferenciados, bem como de informações fáticas e dados técnicos relevantes à solução da controvérsia jurídica e, inclusive, de novas alternativas de interpretação da Carta Constitucional, o que se mostra salutar diante da causa de pedir aberta das ações diretas.
Nas palavras de Gilmar Mendes: “Trata-se de providência que confere um caráter pluralista ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, permitindo que o Tribunal decida com pleno conhecimento dos diversos aspectos envolvidos na questão” (Jurisdição Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 218). (grifo nosso)[27]
Pretende-se, então, nos termos da teoria de Peter Häberle (A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição), fazer com que a sociedade como um todo participe do processo de interpretação da constituição. Busca-se a verdadeira abertura da jurisdição constitucional, chamando a coletividade, em uma democracia participativa, a contribuir para o desenvolvimento das deliberações jurídicas e políticas do Estado.
Por fim, mas ainda com fulcro na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme pode ser visto na decisão exposta acima, cumpre discorrer brevemente sobre a função legitimadora do amicus curiae.
Legitimadora porque, nas lições de Peter Häberle, a Constituição não é estática, ela é um processo contínuo de interpretação e para isso, as forças pluralistas da sociedade tem a legitimidade necessária para participar da interpretação constitucional, uma vez que representam um pedaço da publicidade e da realidade da Constituição, devendo ser tomados como elementos que integram o quadro da Carta Suprema.
Nesta linha de raciocínio, Cassio Scarpinella Bueno argumenta que os membros da Corte Constitucional tem sua legitimidade conferida formalmente, enquanto a legitimidade dos legisladores tem nexo direto com a ideia da soberania popular. Considerando que as decisões, na jurisdição constitucional, estariam imunes ao controle “democrático”, haveria certo receio, um “risco” para a democracia. Posto isto é completamente indispensável o diálogo entre a corte e a sociedade civil[28], justamente para conceder esta legitimação democrática.
Finalizando esta etapa, nos filiamos então, a doutrina de Cassio Scarpinella Bueno, que entende o amicus curiae como uma imposição do princípio do contraditório, em especial em relação à sua vertente de cooperação[29], ou, mais amplamente, e aqui fazemos sem a guarida do autor, como imposição do contraditório substancial nos processos de jurisdição constitucional.
Ora, a conclusão não poderia ser outra, por todos os motivos já expendidos, mas que se resumem, a grosso modo, na necessidade de aproximação do órgão julgador e as partes afetadas. Em razão do princípio do contraditório em seu aspecto substantivo, o amicus promove não só o aperfeiçoamento das decisões, como as legitima, estendendo o debate à sociedade civil, afastando o “risco democrático” exposto.
2.3. A FORÇA DOS PRECEDENTES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
A Jurisdição Constitucional Brasileira é, segundo a melhor doutrina, exercida por duas vias: a de ação e a de exceção[30]. A primeira, relativa ao controle abstrato de constitucionalidade e a segunda, referente ao controle difuso.
Cumpre, de acordo com a finalidade deste trabalho, estudar, os pontos mais importantes da decisão em ambos os controles. Focar-se-á, especialmente, nos efeitos das decisões de ambas as vertentes da jurisdição constitucional.
Destarte, abordada a “força” da manifestação do Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade, poderá ser entendida, sem maiores dificuldades, a imperiosidade de que este debate seja plural, que a jurisdição constitucional seja aberta, nos termos do que vem tratando este trabalho.
2.3.1. A decisão do Supremo Tribunal Federal no controle abstrato de constitucionalidade e vinculação dos demais membros do Judiciário e da Administração Pública
Pensamos não haver maiores discussões acerca da força da decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Pela leitura do artigo 102, §2º da Constituição Federal cumulada com o artigo 28, parágrafo único da lei 9868/99, conclui-se que tais provimentos jurisdicionais possuem eficácia erga omnes e vinculantes.
O efeito erga omnes decorre da própria natureza objetiva do processo. Ora, não haveria razão se conferir eficácia inter partes a uma demanda que não tem partes, que não tem interesses subjetivos a serem tutelados. Conclui-se, então, que a decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato de constitucionalidade é “oponível a todos”, porque toda a coletividade deve respeitar a lei fundamental sem máculas. O processo objetivo visa preservar o ordenamento jurídico.
Além de oponível erga omnes, a decisão definitiva em sede de controle abstrato de constitucionalidade vincula todo o judiciário e a administração pública, direta ou indireta, em todas as esferas federativas. Em suma, nenhum membro do judiciário pode aplicar uma lei declarada inconstitucional, ou declarar inconstitucional uma lei cuja compatibilidade com a lex legum tenha sido reconhecida. Da mesma forma, os membros de toda administração pública estão adstritos aos limites da decisão, inclusive quando houver interpretação conforme a Constituição ou declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.
Insta ressaltar, também, que tais decisões tem eficácia ex tunc. Quando se invalida uma lei por incompatibilidade constitucional, esta é retirada do ordenamento desde o início de sua vigência, é nula de pleno direito. Esta colocação tem origem na doutrina americana, segundo a qual a “the inconstitucional statute is not law at all”[31], ou, em tradução livre “a lei inconstitucional não chega, sequer, a ser lei”.
Assim sendo, quando por meio de uma ação do controle abstrato se anula uma lei desde sua origem, é possível que haja efeito repristinatório caso a lei inconstitucional tenha revogado outra anterior. Ora, se uma lei é nula (eficácia ex tunc) é como se não tivesse existido, então se o diploma normativo inconstitucional previa a revogação de uma lei, esta revogação desaparece e a lei outrora retirada do ordenamento volta a viger.
É bem verdade que pode a Suprema Corte, com base no artigo 27 da lei 9868/99, modular tais efeitos, quando houver razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Neste caso, por maioria de dois terços dos membros deste Supremo Tribunal, é facultado restringir os efeitos da declaração, ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado[32].
Em que pese a doutrina norte americana da teoria da nulidade, que foi incorporada como regra no direito Brasileiro; com o passar do tempo, a complexificação das relações jurídicas acabaram por tornar desejável certa flexibilização deste instituto. Constatou-se que anular uma lei desde sua origem poderia gerar consequências mais graves do que “negar vigência à constituição” pelo tempo em que o diploma legal foi convalidado, como discorrem os que se filiam a esta corrente clássica.
A modulação de efeitos visa, em breves linhas, modificar o lapso temporal de anulação da lei inconstitucional. A priori, ela deveria ser anulada desde o início, pois é nula de pleno direito; ocorre que nos casos onde houver razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, ou seja, quando desta anulação puder decorrer efeitos gravíssimos; podem os ministros “convalidar” as relações jurídicas firmadas sobre a vigência desta lei e declarar sua nulidade com efeitos ex nunc ou com efeitos pro futuro.
Cumpre, entretanto, fazer uma última observação acerca dos efeitos da decisão no controle abstrato de constitucionalidade. Trata-se do efeito dúplice ou ambivalente existente no provimento jurisdicional que julga procedente ou improcedente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade.
De acordo com o artigo 24 da lei 9868/99, caso se proclame a constitucionalidade de um ato normativo, estar-se-á julgando improcedente a ação direta de inconstitucionalidade ou procedente eventual ação declaratória; em caso de declaração da inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta de inconstitucionalidade ou improcedente eventual ação declaratória[33].
O que pretendeu a lei? O legislador pátrio, tendo em vista que ADIN e ADECON são ações constitucionais de sinal trocado, determinou que em caso de julgamento de uma delas, seja procedente ou improcedente, estaria obstada a interposição da outra, em face do mesmo diploma normativo. Exemplificando, no caso hipotético de se julgar improcedente uma ação direta de inconstitucionalidade, estar-se-á declarando a constitucionalidade daquela lei, com todos os efeitos já tratados (oponível erga omnes, vinculantes e ex tunc), não haveria, portanto, necessidade de se propor, em momento posterior, uma ação declaratória de constitucionalidade. O provimento jurisdicional em qualquer uma dessas ações tem, portanto, a capacidade de declarar definitivamente a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei.
Diante todo o exposto, é diáfana a capacidade que uma decisão no controle abstrato de constitucionalidade possui de influenciar a vida de todos os cidadãos. Considerando que a deliberação constitucional é oponível a todos, vincula o judiciário por inteiro e a administração pública direta e indireta, com efeitos retroativos, é curial que se estenda o debate a sociedade civil, para que esta possa, inclusive, demonstrar ao Supremo Tribunal Federal, todas as implicações e repercussões que tal decisão poderá ter.
A decisão é tão robusta que poderá desconstituir relações jurídicas consolidadas. Caso se declare um tributo inconstitucional verbi gratia, poderá o contribuinte reavê-lo, com as correções necessárias, dentro do prazo prescricional.
No mesmo sentido exemplificativo, citamos a ADI 4246/PA, que ao julgar inconstitucional o artigo 84 da lei complementar n. 54/2006, do Estado do Pará, ensejou a exoneração de dezenas de servidores públicos [34].
Em especial ao último julgamento, não houve intervenção de amicus curiae de quaisquer espécies. Neste sentido, há de se questionar, estava o Supremo Tribunal Federal completamente apto a julgar o destino de tantos servidores, sem ouvir qualquer entidade que detivesse interesse institucional no caso? A nosso ver, não.
Sem discutir se o provimento jurisdicional definitivo do Supremo Tribunal Federal estava correto ou não, o fato é que há grande risco de que não tenham sido ofertados elementos essenciais para a formação de convencimento dos julgadores, da mesma forma há risco de que este acórdão tenha carecido de legitimação democrática.
O que se pretendeu, ao expor os efeitos da decisão no controle abstrato de constitucionalidade, foi ressaltar a sua robustez, a forma como este provimento jurisdicional influencia na vida da coletividade como um todo, pois só assim é possível constituir a noção de quão importante é, não só a permissão do ingresso dos amici curiae em juízo, mas o aperfeiçoamento de suas características, de forma que esta figura possa efetivamente cumprir suas funções, na linha do que foi exposto no tópico 2.2.2.1, deste artigo.
2.3.2. A decisão do Supremo Tribunal Federal no controle concreto de constitucionalidade. Efeitos vinculantes ou persuasivos.
Após a apresentação dos efeitos da decisão no controle abstrato de constitucionalidade, cumpre discorrer acerca deste mesmo tema, porém em sede de controle concreto, expondo, de igual modo, a imperiosidade da participação e do aperfeiçoamento dos amici curiae neste procedimento.
Pois bem, uma leitura apressada do plexo normativo responsável por regulamentar este modelo de jurisdição constitucional[35][36], nos induziria a crer que se trata de um processo nitidamente individualista, onde há partes bem definidas e a declaração de inconstitucionalidade é “apenas” um meio para que se alcance o fim, o bem da vida tutelada.
Isto ocorre, principalmente, porque o controle incidental de constitucionalidade, como o próprio nome sugere, é realizado no bojo de um processo principal, usualmente individual (mas não exclusivamente), neste sentido o provimento jurisdicional final terá efeitos inter partes e ex tunc.
No controle concreto de constitucionalidade, há partes, e como foi dito, a declaração de inconstitucionalidade não é o pedido, é apenas a causa de pedir, cuida-se de um meio, para conseguir o bem da vida almejado, portanto, a decisão do Supremo, a rigor, só aproveitaria as partes. Em relação ao efeito retroativo, é imperioso relembrar o tópico 2.2.2.1 deste artigo, quando foi apresentado que a teoria da nulidade é importada do direito norte-americano, onde a lei inconstitucional não pode ser considerada lei.
Como foi propositalmente sugestionado (vide supra), esta análise é equivocada. A decisão neste aspecto da jurisdição constitucional tem os efeitos mencionados para as partes, mas afeta direta ou indiretamente a coletividade como um todo. Tratam-se dos efeitos persuasivos ou, até mesmo, vinculantes do controle concreto de constitucionalidade.
Em relação aos efeitos persuasivos, estes são constatados pela prática forense. Nada mais é do que o prestígio que uma decisão de um tribunal superior possui, ou, no caso deste artigo, o Supremo Tribunal Federal, em relação aos demais membros do judiciário.
Este efeito, constatado da experiência de quem convive no meio jurídico, é mais fortemente retratado pelas súmulas. Afinal, o que elas são, senão uma “orientação” do Tribunal responsável por sua edição, demonstrando seu entendimento sobre o assunto e, ato contínuo, “sugerindo” como os demais órgãos do judiciário devem agir?
Quando a Corte Suprema Brasileira forma o convencimento em um determinado sentido, é usual constatar um efeito em cascata dos tribunais inferiores, visando adequar seus entendimentos à nova orientação jurisprudencial. Neste sentido, em caso de edição de súmula, o mencionado “efeito em cascata” é mais visível ainda.
A transcendência dos efeitos da decisão em sede de controle concreto não para neste ponto. Basta uma rápida análise a legislação pátria para se constatar a força que a simples decisão do Supremo Tribunal Federal tem em relação às demais instâncias judiciais. Citamos como exemplos o §4º do artigo 496, o artigo 932, IV, o artigo 535, §5º e o parágrafo único do artigo 949, todos do Código de Processo Civil de 2015.
Sucintamente, o parágrafo quarto do artigo 496 do CPC dispensa o reexame necessário nos casos em que a sentença se baseia em posicionamento tomado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, ou em súmula de sua autoria, ou de outro tribunal competente. O artigo 932, IV do mesmo diploma legal admite que o relator negue seguimento a recurso que confronte súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF, ou de tribunal superior julgada pela sistemática dos recursos repetitivos.
O artigo 535, §5º do CPC/15, seguindo esta linha do prestígio dos precedentes judiciais, admitiu como hipóteses de inexigibilidade do título judicial, os que forem fundados em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundados em aplicação ou interpretação do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a lex legum em controle concentrado ou difuso.
Por fim, mas ainda a título exemplificativo, o artigo 949, parágrafo único do código de processo civil, responsável diretamente por regulamentar o incidente de controle de constitucionalidade informa que os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes, ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
Ante todo o exposto, é de fácil constatação que os efeitos da decisão do STF, mesmo que em sede de controle concreto, não podem ser ignorados, pois influem de forma incisiva nas demais instâncias judiciais e na vida da sociedade civil como um todo.
É imperioso ressaltar, que os efeitos “meramente persuasivos” não são os únicos quando tratamos do controle concentrado de constitucionalidade. Como narra Fredie Didier Jr, esta espécie de jurisdicional constitucional que supostamente tutela interesses estritamente subjetivos, vem sofrendo uma “objetivação”[37] .
Explicita que a decisão do STF que declara constitucional ou inconstitucional determinado ato normativo deveria ser tomada em “abstrato”, servindo como paradigma para o tribunal em situação similares[38].
Aliás, neste mesmo sentido, afirma André Ramos Tavares que o Recurso Extraordinário não se presta à correção dos julgamentos proferidos pelas instâncias inferiores. Sua preocupação é voltada ao direito objetivo, sendo a solução para o conflito intersubjetivo, um mero reflexo do julgamento prolatado pelo Supremo Tribunal Federal [39].
Gilmar Ferreira Mendes também ratifica este posicionamento. No Processo Administrativo n. 318.715/STF, que antecedeu a edição da Emenda n. 12 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, publicada no DJ de 17.12.2003, o Ministro expõe que o Recurso Extraordinário deixava de ter caráter nitidamente subjetivo, de defesa de interesses individuais, para assumir, de forma decisiva a sua função de salvaguarda da ordem constitucional objetiva [40].
Nas lições do Ministro do Supremo Tribunal Federal, a função desta corte ao julgar um Recurso Extraordinário, não é a de resolver litígios particulares, ou de revisar os pronunciamentos das Cortes inferiores. Segundo o doutrinador o processo entre as partes, é apenas um pressuposto para a atividade jurisdicional que transcende interesses subjetivos [41].
A Repercussão geral é parte da solidificação das afirmações supramencionadas. Ora, o legislador, pela inteligência do artigo 1.035 do Código de Processo Civil e seus parágrafos, condicionou o conhecimento do Recurso Extraordinário apenas aos casos em que a questão constitucional traga aspectos relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
Em suma, conforme se depreende do texto legal e das lições acima explicitadas, a repercussão geral tem como fim principal, limitar o acesso ao Recurso Extraordinário em relação às causas meramente individuais, proporcionando tal alcance apenas as causas que reflitam, de forma direta ou indireta, o interesse coletivo como um todo, visando concretizar os mandamentos constitucionais objetivos.
Pois bem, Fredie Didier traz à baila, diversas manifestações da “objetivação” do controle difuso de constitucionalidade. Exemplificativamente, destacamos o julgamento onde a Ministra Ellen Gracie Northfleet dispensou o preenchimento do requisito de prequestionamento de um recurso extraordinário, se baseando na necessidade “de dar efetividade a posicionamento do STF sobre questão constitucional, adotado em julgamento extraordinário (AI n. 375.011, constante do informativo n. 365 do STF)” [42].
Há ainda dois institutos inexoravelmente ligados ao controle difuso de constitucionalidade, mais especificamente à sua objetivação, que conferem, entretanto, efeitos erga omnes e vinculantes a tais decisões. Cuida-se da “fórmula do Senado” prevista no artigo 52, X, e a súmula vinculante, prevista no artigo 103-A, todos da Constituição Federal.
O artigo 52, X, da lex legum, preleciona que cabe ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, emprestando eficácia erga omnes a decisão que “só teria efeito entre as partes”.
De acordo com Gilmar Ferreira Mendes, o Supremo Tribunal Federal tem admitido que o ato do Senado outorga eficácia genérica à decisão definitiva, ou, em outras palavras, a suspensão, de competência daquela casa legislativa, teria o poder de dar alcance normativo ao julgado da Corte Constitucional [43], de toda sorte, o faz com eficácia ex nunc.
Ainda seguindo as lições de Gilmar Mendes, cumpre informar que a jurisprudência corrente vem entendendo que o Senado não está obrigado a suspender a execução da lei declarada inconstitucional, e o fará de acordo com seus próprios critérios de conveniência e oportunidade, entretanto, caso opte por fazê-lo, deverá se ater a extensão do julgado, não invadindo o mérito da decisão, seja para interpretá-la, ampliá-la ou restringi-la[44].
Insta ressaltar, entretanto, que o autor se posiciona contra a jurisprudência dominante, manifestando-se pela desnecessidade do Senado Federal decidir por conceder eficácia geral às decisões do Supremo Tribunal Federal; para o doutrinador, o provimento jurisdicional proferido em sede de controle de constitucionalidade concreto já deveria produzir efeitos erga omnes, per si[45]. O tema também já foi decidido pelo STF que negou a tese da mutação constitucional do artigo 52, X da Constituição Federal[46].
O tema ganhou novos contornos no novo Código de Processo Civil que nitidamente buscou valorizar a teoria dos precedentes, gerando diversos mecanismos de verticalização da jurisprudência, como o incidente de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência.
Por fim, é vital analisar a última hipótese que julgamos relevante abordar neste momento: A Súmula Vinculante. De acordo com o artigo 103-A, poderá o Supremo Tribunal Federal, por ofício ou provocação, mediante decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante para todo o Poder Judiciário e para a administração pública direta ou indireta, em todas as suas esferas federativas.
Prossegue o diploma constitucional, no parágrafo primeiro do dispositivo supracitado, informando que a súmula se ocupará da validade, interpretação e eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual e relevante entre órgãos do judiciário ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
Em síntese e adequando ao caso em comento, o Supremo Tribunal Federal, após decidir reiteradas vezes sobre a constitucionalidade, ou inconstitucionalidade de uma lei, em sede de controle concreto na jurisdição constitucional, poderá emprestar a este, efeitos similares aos do controle abstrato de constitucionalidade, aplicando-se aqui, tudo o que já foi dito no tópico anterior.
3. CONCLUSÃO
Conclui-se, então, que a necessidade de participação do amicus curiae e a consequente abertura do controle incidental de constitucionalidade não é, sequer, menos importante que esta mesma pluralização na jurisdição constitucional abstrata.
Diante de todos os motivos aqui expendidos, é diáfano que qualquer que seja o modelo adotado pelo Supremo para declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade e uma lei, haverá a influência mediata ou imediata na sociedade civil como um todo e para isso, a Corte Excelsa deverá estar munida do auxílio da importante figura amicus curiae.
É importante, entretanto, que esta figura garanta o contraditório substancial; que lhe seja garantido, efetivamente, o poder de influenciar a ratio decidendi do órgão julgador. Para isto, serão propostas, no capítulo que segue, alternativas para o aperfeiçoamento dos amici, com o fito de que possam cumprir de forma ótima as suas funções: informativa, democratizadora e legitimadora.
REFERÊNCIAS
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[1] KLAUTAU FILHO, Paulo; ALCÂNTARA, Luiza Cláudia Holanda; FUJISHIMA, Sayuri Aragão. O Devido Processo Legal Substantivo: Uma leitura dos casos Lochner vs. New York (1905) e Roe vs. Wade (1973). In: KLAUTAU FILHO, Paulo; DIAS, Jean Carlos (coord.). O Devido Processo Legal. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método; Belém, PA: CESUPA: 2010. p. 120.
[2] DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do processo e processo do conhecimento. 12ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 38.
[3] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 704.
[4] VERBICARO, Loiane Prado. O Poder Judiciário como Órgão Contramajoritário e o Devido Processo Legal Substantivo. In: KLAUTAU FILHO, Paulo; DIAS, Jean Carlos (coord.). O Devido Processo Legal. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método; Belém, PA: CESUPA: 2010. p. 157.
[5] Idem, ibidem. p. 154.
[6] Idem, Ibidem. p. 154.
[7] KLAUTAU FILHO, Paulo; ALCÂNTARA, Luiza Cláudia Holanda; FUJISHIMA, Sayuri Aragão. Op. cit. In: KLAUTAU FILHO, Paulo; DIAS, Jean Carlos (coord.). Op. cit. p. 122.
[8] KLAUTAU FILHO, Paulo; ALCÂNTARA, Luiza Cláudia Holanda; FUJISHIMA, Sayuri Aragão. Op. cit. In: KLAUTAU FILHO, Paulo; DIAS, Jean Carlos (coord.). Op. cit. p. 123.
[9] Idem, Ibidem. p. 123.
[10] Idem, Ibidem. p. 123.
[11] Idem, Ibidem. p. 137;
[12] VERBICARO, Loiane Prado. Opus cit. In: KLAUTAU FILHO, Paulo; DIAS, Jean Carlos (coord.). Op. cit p. 156.
[13] KLAUTAU FILHO, Paulo; ALCÂNTARA, Luiza Cláudia Holanda; FUJISHIMA, Sayuri Aragão. Op. cit. In: KLAUTAU FILHO, Paulo; DIAS, Jean Carlos (coord.). Op. cit p. 120.
[14] LANE, Renata. O entendimento do STF em alguns casos de colisão de direitos fundamentais. Monografia apresentada à Sociedade Brasileira de Direito Público, sob orientação do professor Virgílio Afonso da Silva. São Paulo. 2004. Disponível em:< http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/54_Renata%20Lane.pdf>. Acessado no dia 31/10/2012, às 02:13.
[15] TAVARES, André Ramos. Op. Cit. p. 704-705.
[16] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Op. Cit. p. 33.
[17] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. 1. 6ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros editores LTDA. 2009. p. 224.
[18] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Op. cit. p. 57.
[19] MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 254.
[20] TAVARES, André Ramos. Op. cit. p. 725.
[21] MARCATO, Ana Cândida Menezes. O princípio do Contraditório como elemento essencial para a formação da Coisa Julgada Material na defesa dos Interesses Transindividuais. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias et al (Coord.). Processo Civil Coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 312.
[22] ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. SUPREME COURT. Rule 37. Brief for an amicus curiae. Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/rules/supct/rule_37>. Acesso em 2 de novembro de 2012. Texto Original:[…] 1. An amicus curiae brief that brings to attention of the court relevant matter not already brought to its attention by the parties may be the considerable help to the Court. An amicus curie brief that does not serve this purpose burdens the Court, and its filing is not favored. An amicus curie brief may be filed only by an attorney admitted to practice before this Court provided in rule 5 […];
[23] BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2. ed. São Paulo: Saraiva: 2008. p. 56.
[24] Idem. Ibidem. p. 55-6.
[25] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 56.
[26] AGUIAR, Mirella de Carvalho. Amicus Curiae, 2005, p. 56. Citado por, MATTOS, Ana Letícia Queiroga de. Amicus curiae: hermenêutica e jurisdição constitucional. 1ª ed. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2011. p. 176.
[27] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 592891/SP. Decisão monocrática. Relatora: Ministra Rosa Weber. Publicação no DJe- 099, em 22/05/2012.
[28] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 64-5.
[29] Idem, ibidem. p. 78.
[30] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27ª ed. atualizada. São Paulo: Malheiros editores LTDA. 2012. p. 336
[31] MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 33ª ed. São Paulo: Malheiros editores LTDA. 2010. p. 549.
[32] BRASIL. Lei n. 9868, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm>. Acesso em: 03/11/ 2012.
[33] BRASIL. Lei n. 9868, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm>. Acesso em: 03/11/2012
[34] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade de n. 4246/PA. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Carlos Ayres Britto. Publicado no DJE n 166 , em : 30/08/2011.
[36] BRASIL. Lei 8.038 de 28 de maio de 1990. Artigos 26 à 29. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8038.htm>. Acessado em: 03/11/2012.
[37] DIDIER JÚNIOR, Fredie; DA CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Volume 3. 9ª edição. Salvador: Jus Podivim. 2011. p. 345.
[38] Idem, ibidem. p. 345.
[39] TAVARES, André Ramos. Op. cit. p. 336-337.
[40] DIDIER JÚNIOR, Fredie; DA CUNHA, Leonardo José Carneiro. Op. cit. p. 345.
[41] Idem, Ibidem. p. 345-6.
[42] DIDIER JÚNIOR, Fredie; DA CUNHA, Leonardo José Carneiro. Op. cit. p. 347.
[43] MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. p. 1128.
[44] Idem, Ibidem. p. 1130.
[45] MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. p.1131.
[46] É o que se infere do julgamento da Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-208 DIVULG 21-10-2014 PUBLIC 22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001.
Servidor Público no Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, João Gabriel Moreira Cavalleiro de Macêdo. Amicus curiae e jurisdição constitucional: relevantes motivos para sua valorização: diálogo entre teoria dos precedentes e princípios constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47109/amicus-curiae-e-jurisdicao-constitucional-relevantes-motivos-para-sua-valorizacao-dialogo-entre-teoria-dos-precedentes-e-principios-constitucionais. Acesso em: 22 nov 2024.
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