RESUMO: Este trabalho teve por objetivo a análise dos aspectos doutrinários, legais e jurisprudenciais que envolvem o ICMS – Energia Elétrica, almejando identificar os aspectos material e quantitativo de sua hipótese de incidência. Conclui-se, por sua vez, que o fato gerador do respectivo tributo é complexo e que sua base de cálculo corresponde à energia efetivamente consumida.
Palavras-chave: ICMS. Energia. Elétrica. Fato. Gerador. Base. Cálculo.
1. SEÇÃO INICIAL (INTRODUÇÃO)
O tema escolhido resume-se o ICMS – Energia Elétrica, detalhando-se o seu fato gerador e base de cálculo.
Sinteticamente, o ICMS incide sobre: a) operações relativas à circulação de mercadoria; b) transporte interestadual e intermunicipal; c) serviços de comunicação; d) produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.
Nessa linha, almejou-se visualizar, como problemática, o entendimento consolidado na Súmula 391 do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o aspecto quantitativo do citado tributo corresponde à energia efetivamente consumida, pela instantaneidade do seu fato gerador, que não admite armazenamento.
Desta feita, resolveu-se estudar os aspectos doutrinários, legais e jurisprudenciais que envolvem a temática, tomando uma posição geral e única acerca da incidência tributo e sua respectiva base de cálculo.
2 A COBRANÇA DO ICMS NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA
2.1 FATO GERADOR
Resumidamente e didaticamente, como bem elenca BEZERRA NETO (2000), faz-se possível dividir em 5 (cinco) as hipóteses de incidência às quais o ICMS estará restrito: a) operações relativas à circulação de mercadoria; b) transporte interestadual e intermunicipal; c) serviços de comunicação; d) produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.
Sobre a origem e características do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação, de bom alvitre é a lição de Eduardo Sabbag:
O ICMS, imposto estadual, sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), foi instituído pela reforma tributária da Emenda Constitucional n. 18/65 e representa cerca de 80% da arrecadação dos Estados. É gravame plurifásico (incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não cumulatividade – art. 155, § 2º, I, CF), real (as condições da pessoa são irrelevantes) e proporcional, tendo, predominantemente, um caráter fiscal. Ademais, é imposto que recebeu um significativo tratamento constitucional – art. 155, § 2º, I ao XII, CF, robustecido pela Lei Complementar n. 87/96, que substituiu o Decreto-lei n. 406/68 e o Convênio ICMS n. 66/88, esmiuçando-lhe a compreensão, devendo tal norma ser observada relativamente aos preceitos que não contrariarem a Constituição Federal. (SABBAG, Eduardo, 2012, p. 1059-1060).
A base econômica do ICMS, constante do art. 155, II, da CF/88, que trata como entes competentes para a sua instituição os Estados e o Distrito Federal, estende-se a operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Veja-se:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Dessa forma, regra geral, com exceção dos serviços de transporte e comunicação, o ICMS incide sobre negócio juridicamente mercantil, pelo fato de a base econômica do imposto trazer três núcleos de relevante importância, quais sejam: operação, circulação e mercadoria.
Operação e circulação indicam a saída de um determinado bem da propriedade de certa pessoa para outra, mediante alienação, ou seja, corresponde a transferência de um direito, por título jurídico, mostrando-se irrelevante a mera saída física ou econômica.
Já mercadoria é o bem móvel sujeito à circulação, tendo em vista sua disposição para o consumo, uma vez que possui finalidade comercial e está disposta no mercado de negócios. Desta feita, a mercadoria é intimamente ligada à atividade mercantil, somente sendo permitida sua denominação neste sentido, quando houver habitualidade na atividade desempenhada por quem põe o bem em circulação.
Ainda assim, destaque-se norma de caráter excepcional exposta no art. 155, § 2º, IX, “a”, que permite a incidência do ICMS sobre quaisquer operações de importação, efetuada por pessoa física ou jurídica, contribuinte habitual ou não, qualquer que seja a finalidade da importação, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço. Veja-se:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
IX – incidirá também:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no
exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;
Delimitada a base econômica do ICMS na Constituição Federal de 1988, a Lei Complementar nº. 87/1996 restringiu o fato gerador do imposto às hipóteses consignadas no seu art. 2º, veja-se:
Art. 2° O imposto incide sobre:
I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
II – prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
V – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.
§ 1º O imposto incide também:
I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;
II – sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
Desta feita, cumpre analisar, especificadamente, a incidência do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação – ICMS, no atinente as operações realizadas com energia elétrica.
2.1.1 do fato gerador nas operações com energia elétrica
A Constituição consigna na base econômica do ICMS, de acordo com o § 3º, do art. 155, operações relativas à energia elétrica, uma vez que tal parágrafo enuncia que nenhum outro imposto com exceção do ICMS, do Imposto de Importação e do Imposto de Exportação poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicação, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. Analise-se:
Art. 155. (omissis).
§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o artigo 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.
É interessante notar que, pelo direito privado tratar a energia elétrica como bem móvel, por si só, na forma do art. 155, II, da CF, a sua comercialização estaria sob o âmbito de incidência do imposto, a partir do momento do surgimento da lei especifica instituidora o respectivo tributo.
Com efeito, o art. 82, I, do Código Civil de 2002, expressamente consagra, para fins legais, a energia elétrica como bem móvel. Analise-se:
Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:
I – as energias que tenham valor econômico;
Desse modo, como o art. 110 do Código Tributário Nacional enuncia que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, para definir competências tributárias, confirma-se estar a energia elétrica na base econômica do imposto.
Assim também se posiciona Eduardo Sabbag: “Cabe registrar que a energia elétrica é pacificamente entendida como ‘mercadoria’ para efeito da incidência do ICMS” (SABBAG, 2012, p. 1062).
Por outro lado, a Constituição Federal, na alínea “b”, X, § 2º, do art. 155, consagra imunidade no consoante a operações relativas à energia elétrica, dispondo que o ICMS não incidirá sobre operações que destinem a outros Estados energia elétrica. In verbis:
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte
b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica.
Dessa forma, o ICMS só poderá incidir sobre a energia elétrica fornecida nos limites de determinado Estado. Ressalte-se, porém, que esta operação tem de tratar de negócio jurídico mercantil, e não sobre quaisquer espécies de circulação.
Perceba-se que no art. 2º, §1º, III, da LC 87/96, afirma-se que o ICMS, decorrente de operações interestaduais, não incidirá nas operações que destinem a outros Estados energia elétrica para comercialização ou industrialização, devendo o imposto incidir nos outros casos, cabendo ao Estado onde estiver localizado o adquirente:
Art. 2º. (omissis).
§ 1º O imposto incide também:
III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
Seguindo a lição de MACHADO (2007), entendemos que a disposição supramencionada viola a imunidade conferida pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 155, § 2º, X, “b”, atinente a não incidência do imposto nas operações interestaduais com energia elétrica, sem excepcionar a comercialização ou a industrialização.
Ora, o art. 2º, §1º, III, da LC 87/96, em afronta à alínea “b”, X, § 2º, do art. 155, da CF/88, permitiu que incidisse o ICMS nas operações interestaduais, desde que não haja operação de industrialização ou comercialização, ou seja, quando, por exemplo, a mercadoria for destinada ao consumo. Portanto, por burlar a imunidade conferida pela CF/88, o art. 2º, § 1º, III, da LC 87/96, segundo nosso entendimento, é inconstitucional.
Entendemos aplicável, como delimitador do fato gerador do ICMS – Energia Elétrica, o art. 74 do Código Tributário Nacional, que dispõe sobre o antigo imposto único, que incidia sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do país.
Com efeito, através de uma interpretação conforme da Constituição de 1988, as hipóteses de incidência material ali delimitadas devem fazer incidir o ICMS globalmente sobre os fatos referentes a operações relativas à energia elétrica.
Segue-se a dicção do art. 74 do CTN:
Art. 74. O imposto, de competência da União, sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do País tem como fato gerador:
I – a produção, como definida no artigo 46 e seu parágrafo único;
II – a importação, como definida no artigo 19;
III – a circulação, como definida no artigo 52;
IV – a distribuição, assim entendida a colocação do produto no estabelecimento consumidor ou em local de venda ao público;
V – o consumo, assim entendida a venda do produto ao público;
Desta feita, de acordo com o afirmado quando do fato gerador do ICMS, o mesmo tem como delimitação, nas operações efetuadas com energia elétrica a produção, a importação, a circulação, a distribuição e o consumo de energia elétrica.
Produção significa o submetimento de energia elétrica a qualquer operação que modifique a natureza ou a finalidade da mesma, ou a aperfeiçoe para o consumo, conforme o parágrafo único do art. 46 do CTN.
A circulação, como já explanado, refere-se à saída de determinado bem da propriedade de certa pessoa para outra, mediante alienação, ou seja, corresponde à transferência de um direito, por título jurídico, mostrando-se irrelevante a mera saída física ou econômica.
A distribuição diz respeito à colocação do produto no estabelecimento consumidor ou em local de venda ao público, enquanto o consumo é entendido como a venda do produto ao público.
Em um primeiro momento, poderíamos taxar de inconstitucionais as disposições trazidas pelo Código Tributário Nacional no seu art. 74, tendo em vista, por exemplo, que a industrialização e a simples distribuição não se coadunam com a base econômica constitucional do imposto.
Entretanto, antes de tudo utilizando uma interpretação conforme a Constituição, precisamos entender a simultaneidade com que acontecem todas as etapas da hipótese de incidência material do ICMS nas operações de energia elétrica. Na verdade, o fato gerador do ICMS – Energia Elétrica é deveras complexo, contendo, no mundo dos fatos, de uma só vez, a produção, a circulação, a distribuição e o consumo.
Preciosa é lição de Walter Álvares: “No caso particular da eletricidade, a saída da usina, a entrega e o consumo coincide com a fabricação do produto e com o próprio consumo feito pelo usuário do serviço explorado pelo concessionário”. (ÁLVARES, 1962, p. 501).
Também se posiciona nesse sentido Cléver Campos:
O sistema elétrico nacional faz a conexão física de todos os geradores, transmissores, distribuidores e consumidores. Funciona, como já dito, analogamente a um sistema de ‘caixa único’, em um mesmo momento, recebe a energia de todos os geradores e alimenta todos os consumidores. Portanto, produção e consumo se dão instantaneamente, não havendo possibilidade de estoques entre os estágios intermediários de produção, transmissão e distribuição (CAMPOS, 2001, p. 68).
Sendo assim, a produção, a circulação, a distribuição e o consumo acontecem instantaneamente, sem que haja intervalo, ou seja, em um mesmo momento, razão pela qual o art. 74 e seus incisos se coadunam com o art. 155, II, da Constituição Federal, revelando operação relativa à circulação de mercadoria.
É até por isso, também respeitando a não cumulatividade, que o § 2º do art. 74 afirma incidir o imposto, uma só vez, sobre uma das operações previstas em cada inciso, e exclui quaisquer outros tributos, sejam quais forem sua natureza ou competência, incidentes sobre aquelas operações.
Quanto à importação, de acordo com o art. 19 do CTN, ela se refere à entrada de energia elétrica estrangeira em território nacional, estando, portanto, englobada no art. 155, II, § 2º, IX, “a”, da Carta Magna de 1988, podendo incidir, nessas operações, o ICMS e o imposto de importação.
2.2 BASE DE CÁLCULO
A Lei Complementar 89/96 consigna, em seu art. 13, I, como será apurada a base de cálculo do ICMS – Energia Elétrica. Veja-se:
Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
I – na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do art. 12, o valor da operação;
Embora longo o supracitado artigo, para nós, no presente momento, importa o inciso I, concernente à saída da mercadoria do estabelecimento de contribuinte, bem como o seu fornecimento, motivo pelo qual nos restringimos a colacionar apenas ele. Assim, nesses casos, a base de cálculo do imposto é o valor da operação.
Desse modo, para se apurar o valor da operação efetuada com energia elétrica, através do seu fornecimento e respectiva utilização pelo usuário do serviço, faz-se necessário distinguir consumo e demanda de potência. Consumo é a energia efetivamente utilizada, enquanto demanda de potência refere-se à garantia de utilização do fluxo de energia numa determinada intensidade. O consumo é medido em kw/h (kilowatts/hora), a demanda de potência em kilowatts.
Desse modo, a demanda de potência é destinada a dar segurança e confiabilidade ao consumidor de energia elétrica, sendo estabelecida em contrato com a fornecedora, representando tráfego jurídico.
Com efeito, o simples tráfego jurídico, concebido pela contratação de demanda de potência de energia elétrica, não têm o condão de fazer incidir o ICMS, uma vez que não caracteriza a circulação de mercadoria (energia elétrica).
Dessa forma, a base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia elétrica se subsume ao consumo, à energia efetivamente utilizada no período de faturamento, pois esta caracteriza a operação de circulação de mercadoria, através de negócio jurídico.
Com base nesse entendimento o Superior Tribunal de Justiça elaborou, no ano de 2009, a respectiva Súmula:
Súmula 391. ICMS – Incidência – Tarifa de Energia Elétrica – Demanda de Potência Utilizada. O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada.
Aquela Corte, inclusive, julgou a problemática no Recurso Especial Repetitivo nº 960.476/SC, in verbis:
TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE EM DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA. INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE NA DEMANDA DE POTÊNCIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE UTILIZADA. 1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810⁄MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que "o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos", razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica, "a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria". Afirma-se, assim, que "o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa". 2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que "não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência". Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor. 3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456⁄2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada. 4. No caso, o pedido deve ser acolhido em parte, para reconhecer indevida a incidência do ICMS sobre o valor correspondente à demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada. 5. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄08. (RECURSO ESPECIAL Nº 960.476 - SC (2007⁄0136295-0), RELATOR: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI, RECORRENTE: MONTEGUTI INDÚSTRIA COMÉRCIO E TRANSPORTES LTDA, ADVOGADO: FELIPE DE SOUTO E OUTRO(S), RECORRIDO: ESTADO DE SANTA CATARINA, PROCURADOR: RICARDO DE ARAÚJO GAMA E OUTRO(S), Brasília, 11 de março de 2009., DJe: 13/05/2009).
Nesse norte é o magistério de Roque Carrazza:
Embora as operações de consumo de energia elétrica tenham sido equiparadas a operações mercantis, elas se revestem de algumas especificidades, que não podem ser ignoradas. O consumo de energia elétrica pressupõe, logicamente, sua produção (pelas usinas e hidrelétricas) e sua distribuição (por empresas concessionárias ou permissionárias). De fato, só se pode consumir uma energia elétrica anteriormente produzida e distribuída. A distribuidora de energia elétrica, no entanto, não se equipara a um comerciante atacadista, que revende, ao varejista ou ao consumidor final, mercadorias de seu estoque. É que a energia elétrica não configura bem suscetível de ser “estocado”, para ulterior revenda aos interessados. Em boa verdade científica, só há falar em operação jurídica relativa ao fornecimento de energia elétrica, passível de tributação por meio de ICMS, no preciso instante em que o interessado, consumindo-a, vem a transformá-la em outra espécie de bem da vida (luz, calor, frio, força movimento ou qualquer outro tipo de utilidade). (...) Com isto estamos enfatizando que tal tributação, em face das peculiaridades que cercam o fornecimento de energia elétrica, só é juridicamente possível no momento em que a energia elétrica, pó força de relação contratual, sai do estabelecimento do fornecedor, sendo consumida. Logo, o ICMS-Energia Elétrica levará em conta todas as fases anteriores que tornaram possível o consumo de energia elétrica. Estas fases anteriores, entretanto, não são dotadas de autonomia apta a ensejar incidências isoladas, mas apenas uma, tendo por único sujeito passivo o consumidor final. (CARRAZA, Roque, 2007, p. 242-243).
Ora, como a energia elétrica não é passível de armazenamento, sendo gerada e consumida num mesmo instante, não há como tributar o que não foi consumido em virtude de produção simultânea, pois não há circulação nem produção sem que exista consumo. Desta feita, não ocorre o fato gerador do ICMS sem a efetiva utilização da energia elétrica.
Sendo assim, no concernente à energia elétrica, temos como fato gerador do ICMS a efetiva saída de energia elétrica do estabelecimento do fornecedor, sendo este, por no mundo dos fatos, realizar a operação de circulação de mercadoria, o contribuinte de direito, devendo o sujeito ativo fazer incidir a alíquota do imposto sobre o real consumo (demanda de potência efetivamente utilizada).
3 CONCLUSÃO
Por meio desse artigo se abordou o ICMS – Energia Elétrica, evidenciado-se que seu fato gerador é complexo, contendo, na realidade, de uma só vez, a produção, a circulação, a distribuição e o consumo, haja vista que não é passível de armazenamento
Por isso, sedimentou-se que sua base de cálculo restringe-se ao preço da energia efetivamente consumida, decorrente da saída da mesma do estabelecimento fornecedor, conforme o art. 13, I, da LC 87/96 e a Súmula 391 do Superior Tribunal de Justiça.
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______. Superior Tribunal de Justiça. Processual civil e tributário. ICMS sobre energia elétrica. Tributo indireto. Demanda contratada. Indébito. Consumidor final. Ilegitimidade ativa ad causam. Recurso Especial 1.273.916 - RS (2011/0146676-0). Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Löser Comércio de Cereais Ltda. Relator: Ministro Herman Benjamim. Brasília, 24 de outubro de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=18066256&sReg=201101466760&sData=20111024&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. Representativo da controvérsia. Art. 543-C Código de Processo Civil. Concessão de serviço público. Energia elétrica. Incidência do ICMS sobre a demanda "contratada e não utilizada". Legitimidade do consumidor para propor ação declaratória c/c repetição de indébito. Recurso Especial 1.299.303 - SC (2011/0308476-3). Recorrente: Estado de Santa Catarina. Recorrido: Multicolor Têxtil S/A. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. Brasília, 14 de agosto de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=20787077&sReg=201103084763&sData=20120814&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.
______. Superior Tribunal de Justiça. Processual civil e tributário. Energia elétrica. Demanda contratada. Legitimidade ativa processual do consumidor. ICMS. Incidência apenas sobre energia efetivamente consumida. Recurso Especial 1.278.688 - RS (2011/0155190-9). Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Biccaplast Indústria de Plásticos Ltda. Relator: Ministro Herman Benjamim. Brasília, 22 de agosto de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=22042736&sReg=201101551909&sData=20120822&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 23 set. 2012.
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Procurador da Fazenda Nacional. Ex-Analista do Ministério Público da União/Apoio Jurídico/Direito. Ex-Assistente Nível III em Gabinete de Subprocuradora-Geral da República. Especialista em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAGAS, Erick Joseph Rabelo. O ICMS - energia elétrica e seus aspectos material e quantitativo da hipótese de incidência tributária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47126/o-icms-energia-eletrica-e-seus-aspectos-material-e-quantitativo-da-hipotese-de-incidencia-tributaria. Acesso em: 22 nov 2024.
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