RESUMO: O presente artigo busca analisar as condições para a legalidade do redirecionamento da execução fiscal em face da pessoa jurídica de direito privado a seus diretores, gerentes ou representantes, cujos nomes constem da Certidão de Dívida Ativa lavrada pela Fazenda Pública. Esta proposta perpassa pela abordagem e exame de institutos de direito tributário como a responsabilidade pelo crédito tributário, o lançamento do crédito tributário e a Certidão de Dívida Ativa. Busca-se, ainda, realizar um cotejo analítico com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre os temas.
PALAVRAS-CHAVE: Execução fiscal; pessoa jurídica; redirecionamento; requisitos.
1 INTRODUÇÃO
Hodiernamente, um dos pontos que vem gerando intenso debate, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, diz respeito à responsabilidade tributária de diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado pelos créditos decorrentes das obrigações tributárias destas.
Extrai-se do art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional (CTN) que diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias que sejam resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.
Depreende-se, assim, que o redirecionamento da execução fiscal proposta em face da pessoa jurídica, para que incida sobre os bens de seus diretores, gerentes ou representantes, depende da comprovação do excesso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatuto na prática dos atos que resultaram na obrigação tributária.
Todavia, comumente, sem que se apure no processo administrativo o excesso de poder ou infração de lei – ou mesmo se instaure processo para tal fim, em muitos casos –, o nome destas pessoas é indicado como corresponsável pelo crédito tributário inscrito, quando da expedição da Certidão de Dívida Ativa pelo órgão fazendário competente.
Neste sentido, é necessário analisar as condições prévias para que a referida prática se afigure legal, buscando-se subsídios não só na doutrina, como também no entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
2 A RESPONSABILIDADE “PESSOAL” DE TERCEIROS PREVISTA NO ART. 135, III DO CTN
Na lição de Amaro, “todo responsável tributário é um ‘terceiro’, no sentido de que não integra o binômio fisco-contribuinte (CTN, art. 128)”[1].
Dessa forma, no que tange à responsabilidade de terceiros pelo crédito tributário oriundo da relação da pessoa jurídica de direito privado com o fisco, encontra-se insculpida no art. 135, inciso III do CTN a responsabilidade “pessoal” de diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado pelos créditos tributários decorrentes de atos que tenham praticado com excesso de poder, infração de lei, contrato social ou estatuto.
O termo “pessoal”, empregado no caput do art. 135 do CTN, foi grafado no presente tópico entre aspas, pois, segundo o entendimento ora esposado, representa a responsabilidade exclusiva do gestor pelos créditos tributários oriundos dos atos ali descritos[2], porquanto apenas dele pode ser exigido, ainda que, de alguma forma, tenha beneficiado a pessoa jurídica[3].
Não se trata, desta forma, de responsabilidade solidária, ante à impossibilidade de se exigir o adimplemento da obrigação simultaneamente, ou alternativamente, do contribuinte e/ou do terceiro. Ademais, não se está a falar de responsabilidade subsidiária, uma vez que, para isto, impor-se-ia exigir, primeiramente, o crédito da pessoa jurídica para, só então, exigi-lo do gestor, respeitando-se o benefício de ordem. Portanto, como dito, trata-se de responsabilidade exclusiva.
Além disso, conforme lição de Theodoro Júnior, a responsabilidade de que trata o art. 135 do CTN não se confunde com aquela decorrente da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica (disregard), porquanto aquela já se encontra previamente estabelecida em lei pelos atos que descreve, enquanto esta se aplica na responsabilização do sócio que pratica ato fraudulento, ocultando-se sob o nome da pessoa jurídica[4].
A jurisprudência[5] elucida também que a desconsideração da personalidade jurídica pressupõe que o sócio chamado a responder pela obrigação tenha se beneficiado do ato praticado, enquanto que no caso do redirecionamento, basta que os atos descritos no art. 135, inciso III do CTN tenham sido praticados com dolo ou culpa.
3 LANÇAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA: DISTINÇÕES NECESSÁRIAS
Antes de desenvolver a discussão proposta, cumpre traçar breve distinção entre dois institutos jurídicos de direito tributário. São estes: o lançamento tributário e a inscrição em dívida ativa.
3.1 Lançamento tributário
O CTN, em seu art. 142, define o lançamento, em síntese, como o procedimento administrativo pelo qual se verifica a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, determina-se a matéria tributável, calcula-se o valor devido e identifica-se o sujeito passivo[6].
Há que se mencionar a existência de controvérsia acerca da natureza jurídica do lançamento, havendo entendimento no sentido de considerá-lo procedimento administrativo, como dispõe a literalidade do CTN, bem como há abalizada doutrina que afirma tratar-se de ato administrativo , o que parece prevalecer entre os estudiosos.
Existe, ainda, celeuma doutrinária quanto aos efeitos do ato de lançamento, ou seja, se a natureza jurídica do ato (ou procedimento) é declaratória ou constitutiva de direitos. Neste trabalho, filia-se à corrente segundo a qual o lançamento tem um duplo efeito, pois, de um lado, declara a existência da obrigação tributária e, de outro, constitui o crédito tributário[7].
À luz do art. 173 do CTN, extingue-se em 5 (cinco) anos o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, ou da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado ou, ainda, da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
Ou, conforme regra do art. 150, §4º do CTN, aplicável especificamente ao lançamento de ofício da diferença paga a menor nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, em 5 (cinco) anos, contados da ocorrência do fato gerador.
Conforme preceitua o parágrafo único do art. 142 do CTN, o lançamento constitui atividade administrativa vinculada e obrigatória, que pode ensejar, em caso de descumprimento deste dever, a responsabilização funcional da autoridade competente.
Contudo, o lançamento do crédito tributário só se aperfeiçoa com a notificação do sujeito passivo, prevista no art. 145 do CNT. A partir deste ato, a alteração do crédito tributário lançado só poderá se dar pela impugnação do sujeito passivo (inciso I), pelo recurso de ofício (inciso II) ou pela iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149 do CTN (inciso III).
Para Difini, trata-se da denominada “eficácia preclusiva do lançamento. Regularmente notificado, em princípio é inalterável. Só pode ser modificado nos casos expressamente previstos em lei”[8].
Notificado, o sujeito passivo, ou responsável tributário indicado, pode impugnar o lançamento, instaurando-se o processo administrativo[9].
A partir da notificação é que o crédito tributário se torna exigível, começando a fluir o prazo prescricional, também de 5 (cinco) anos, para que o ente público cobre o crédito constituído, desde que não estejam presentes nenhumas das causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas da prescrição previstas no CTN.
Não obstante o crédito tributário se torne exigível, são limitados os meios de cobrança administrativa, não se admitindo a chamada execução administrativa[10]. Assim, deve o ente público socorrer-se da via judicial para a cobrança de seu crédito.
3.2 Inscrição em dívida ativa
Neste momento, passa-se a tratar da inscrição em dívida ativa, no intuito de dar contornos mais nítidos à sua diferenciação frente a figura do lançamento.
Em vista do princípio da tipicidade dos títulos executivos, aplicável tanto aos particulares quanto ao Estado, a execução, seja em processo executivo autônomo, seja em fase de cumprimento, deve estar lastreada em título executivo previsto abstratamente em lei.
A inscrição em dívida ativa pode ser conceituada como a prerrogativa conferida à Fazenda Pública de constituir o título executivo extrajudicial que aparelhará a execução de seu crédito[11].
Nesta esteira, Carvalho indica que:
A inscrição em dívida ativa tem por escopo a constituição unilateral do título executivo que servirá de base para a cobrança judicial dos créditos não pagos à Fazenda Pública. Disso resulta que a certidão de dívida ativa é o único dos títulos executivos extrajudiciais em que não há necessidade da assinatura do devedor, existindo a partir de ato unilateral do credor[12].
Assim, findo o prazo de que dispõe o sujeito passivo para pagamento do tributo, deve a Fazenda Pública, observando os requisitos exigidos pelo art. 202 do CTN, realizar a inscrição em dívida ativa em livro próprio, conforme art. 201 do mesmo diploma[13].
A Lei nº 6.830/1980 – denominada de Lei de Execuções Fiscais –, minudencia os requisitos necessários à inscrição do crédito em favor da Fazenda Pública na dívida ativa:
Art. 2º [...]
§ 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:
I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros;
II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;
III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo;
V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e
VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.
A observância destes requisitos é indispensável, sob pena de nulidade, o que reforça o entendimento de que a inscrição em dívida ativa propicia o controle de legalidade por parte da Administração quanto ao crédito tributário já constituído[14].
O termo de inscrição de dívida ativa, na forma do art. 2º, §6º da Lei nº 6.830/1980, é que subsidiará a extração, em seus mesmos elementos, da Certidão de Dívida Ativa, título executivo extrajudicial que goza de presunção de certeza e liquidez, conforme preceitua o art. 3º da referida lei.
Em síntese, o lançamento tributário constitui o crédito desta natureza, ao passo que a inscrição em dívida ativa propiciará a formação de título executivo extrajudicial em favor da Fazenda Pública.
Traçadas as distinções destes dois institutos jurídicos, pode-se começar a tratar da temática da responsabilidade do sócio, gerente ou representante da pessoa jurídica na execução fiscal, ou seja, na execução por quantia certa aparelhada em Certidão de Dívida Ativa.
4 REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL AO DIRETOR, GERENTE OU REPRESENTANTE DA PESSOA JURÍDICA INDICADO NA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA
A execução fiscal é o procedimento especial para a execução da dívida ativa da Fazenda Pública[15], ou, ainda, a “via processual adequada para o sujeito ativo da relação tributária, munido da Certidão de Dívida Ativa (CDA) como título executivo extrajudicial, buscar a satisfação compulsória do seu crédito perante o sujeito passivo”[16].
Quanto à legitimidade passiva para a execução fiscal, esta se encontra disciplinada no art. 4º da Lei nº 6.830/1980, podendo ser promovida em face do devedor (inciso I), fiador (inciso II), espólio (inciso III), massa [falida] (inciso IV), responsável por dívidas, tributárias ou não (inciso V) e sucessores a qualquer título (inciso VI).
Assim, extrai-se do inciso V do dispositivo que o responsável tributário indicado em lei também possui legitimidade para figurar no polo passivo da execução fiscal.
Destaca-se que a Seção III do CTN trata da responsabilidade de terceiros pelo crédito tributário, nela se verificando comando específico acerca da responsabilidade de diretores, gerentes e representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Sobre a responsabilidade de tais pessoas, preceitua o art. 135 do CTN, in verbis:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias, resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
[...]
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Resta evidente que, para que diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado sejam responsabilizados, o ato do qual resultou a obrigação tributária deve ter sido praticado com infração de lei, contrato social ou estatuto[17].
Desta forma, o mero inadimplemento da obrigação tributária não basta para ensejar a responsabilização das pessoas indicadas no inciso III do art. 135 do CTN, na linha do entendimento consolidado na Súmula 430 do Superior Tribunal de Justiça[18]. Entende a Corte que, para a inclusão e penhora do patrimônio de seus diretores, gerentes ou representantes, será necessária a demonstração da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos[19], mesmo em se tratando de débitos junto ao Instituo Nacional do Seguro Social - INSS[20], ou também na hipótese de dissolução irregular da sociedade[21].
No que tange à dissolução irregular, há que se destacar, ainda, a Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça, cujo enunciado é o seguinte: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
Pois bem. Apesar da restrição à responsabilização dos sócios, gerentes ou representantes prevista pelo CTN, a praxe tem evidenciado que, ao lavrar o termo de inscrição em dívida ativa, e dele extrair a respectiva certidão, o ente público, frequentemente, insere o nome de alguma destas pessoas (ou todas) como corresponsável pela obrigação tributária, sem que anteriormente tenha sido apurado a responsabilidade destes por meio do devido processo administrativo. Vale-se a Fazenda Pública de precedentes do Superior Tribunal de Justiça como o abaixo mencionado, referente a processo submetido à sistemática dos recursos repetitivos.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. INCLUSÃO DOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA, CUJOS NOMES CONSTAM DA CDA, NO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DE DEFESA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INVIABILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos "com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos".
2. Por outro lado, é certo que, malgrado serem os embargos à execução o meio de defesa próprio da execução fiscal, a orientação desta Corte firmou-se no sentido de admitir a exceção de pré-executividade nas situações em que não se faz necessária dilação probatória ou em que as questões possam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, como as condições da ação, os pressupostos processuais, a decadência, a prescrição, entre outras.
3. Contudo, no caso concreto, como bem observado pelas instâncias ordinárias, o exame da responsabilidade dos representantes da empresa executada requer dilação probatória, razão pela qual a matéria de defesa deve ser aduzida na via própria (embargos à execução), e não por meio do incidente em comento.
4. Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito à sistemática prevista no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 - Presidência/STJ.
(STJ, REsp. 1.104.900/ES, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, DJe 01/04/2009)
A interpretação literal e isolada do julgado levaria a pelo menos duas consequências negativas ao sócio, gerente ou representante da pessoa jurídica cujo nome consta da Certidão de Dívida Ativa: a uma, terá ele o ônus de provar, ante a presunção relativa que milita em favor do ente público, que não praticou com fraude à lei, contrato social ou estatuto o ato que ensejou a inscrição[22]; a duas, não poderá se valer em sua defesa da objeção de pré-executividade, porquanto será necessária dilação probatória para elidir a presunção relativa em favor do fisco.
Todavia, defende-se que a interpretação adequada do ponto de vista técnico-jurídico ao julgado do Superior Tribunal de Justiça é a que leva em conta a necessidade de participação do executado no procedimento (ou ato) administrativo de lançamento do crédito tributário, nele podendo impugnar a responsabilidade que lhe fora imputada.
Assim, apenas se já foi oportunizada às pessoas do inciso III do art. 135 do CTN ampla defesa e contraditório na esfera administrativa, haverá presunção relativa em favor da Fazenda Pública no momento do ajuizamento da execução lastreada em Certidão de Dívida Ativa na qual seu nome conste como coobrigado.
Verifica-se, então, a importância da distinção entre o lançamento do crédito tributário e a inscrição em dívida ativa, visto que esta, por meio de certidão extraída, apenas instrumentaliza a execução do crédito tributário devidamente lançado.
Este, inclusive, é o entendimento da doutrina. Paulsen aduz:
[...] a Certidão de Dívida Ativa, para constituir título idôneo e suficiente ao redirecionamento da execução contra o responsável deve apontar não apenas o seu nome, mas também o fundamento legal da responsabilidade e o número do processo administrativo em que apurado o seu pressuposto de fato específico e ensejada a defesa do responsável[23].
Cumpre noticiar que no âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional foi expedida a Portaria PGFN nº 180/2010, que trata da inclusão de responsável na Certidão de Dívida Ativa e do redirecionamento da execução fiscal. Dispõe o art. 2º desta Portaria:
Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir:
I – excesso de poderes;
II – infração à lei;
III – infração ao contrato social ou estatuto;
IV – dissolução irregular da pessoa jurídica.
Desta forma, em reforço ao entendimento aqui esposado, verifica-se que o próprio órgão competente para a execução da dívida ativa da União exige que a inclusão de responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa se dê apenas por decisão fundamentada, na qual se constate a ocorrência de uma das situações ensejadoras da responsabilização.
5 CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que a responsabilidade a que se refere o art. 135, inciso III do CTN é exclusiva do diretor, gerente ou representante da pessoa jurídica de direito privado pelos créditos tributários decorrentes de atos praticados com abuso de poder e infração de lei, contrato ou estatuto social. Portanto, trata-se de responsabilidade subjetiva, a ser apurada em devido processo administrativo.
Pode-se afirmar, ainda, que são distintos os institutos jurídicos do lançamento tributário e da inscrição em dívida ativa, tendo em vista que o lançamento tributário constitui o crédito desta natureza, enquanto a inscrição em dívida ativa permite que a Fazenda Pública constitua o título executivo extrajudicial – Certidão de Dívida Ativa – que dará suporte a futura ação de execução fiscal.
Conforme dito, usualmente, na Certidão de Dívida Ativa, a Fazenda Pública faz constar o nome de diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica de direito privado como corresponsável pelo crédito tributário de que trata. Neste contexto, o Superior Tribunal de Justiça tem validado o redirecionamento da execução fiscal à pessoa destes gestores quando seus nomes constarem da respectiva Certidão de Dívida Ativa (STJ, REsp. 1.104.900/ES).
Apesar do que fora decidido no julgado acima referido, defende-se que o redirecionamento só se afigura legítimo quando a indicação do nome de diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica de direito privado na Certidão de Dívida Ativa decorrer de prévio e devido processo administrativo, no qual reste demonstrada a responsabilidade destes, haja vista ser ela subjetiva, porquanto decorrente de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
REFERÊNCIAS
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_____. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Diário Oficial da União, Brasília, 05 out. 1988.
_____. Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 24 set. 1980.
_____. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 128.924/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 3 set. 2012.
_____._____. AgRg no REsp 1.368.205/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 28 mai. 2013.
_____._____. REsp 717.717/SP, Rel. Ministro José Delgado, Diário de Justiça, Brasília, 8 mai. 2006.
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_____._____. REsp. 1.104.900/ES, Rel. Ministra Denise Arruda, Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 1 abr. 2009
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 10ª ed. São Paulo: Dialética, 2012.
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Processo Civil Brasileiro no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL. Portaria PGFN, de 25 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre a atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no tocante à responsabilização de codevedor. Disponível em: < http://www.pgfn.gov.br/noticias/Portaria%20PGFN%20180-2010.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2015.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
NOTAS
[1] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 326.
[2] Nesta esteira, o entendimento predominante na doutrina. Por todos, COELHO: “Em suma, o art. 135 retira a “solidariedade” e a “subsidiariedade” do art. 134. Aqui a responsabilidade se transfere inteiramente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros” (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 706).
[3] Conforme indicamos, a inexigibilidade do crédito tributário em relação à pessoa jurídica que tenha se beneficiado do ato praticado na forma do art. 135, III do CTN não é unânime na doutrina. Entre os discordantes, MACHADO, para o qual: “A lei diz que são pessoalmente responsáveis, mas não diz que sejam as únicas. A exclusão da responsabilidade, a nosso ver, teria de ser expressa” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 170).
[4] “Na verdade, não se pode falar em desconsideração da personalidade jurídica, quando pela lei já existe uma previsão expressa de responsabilidade direta do sócio. Em tal caso a obrigação é originariamente do sócio, mesmo que tenha praticado o ato na gestão social. A teoria da disregard não foi concebida visando a esse tipo de responsabilidade solidária ou direta, mas para aqueles casos em que a pessoa jurídica se apresenta como um obstáculo a ocultar os verdadeiros sujeitos do ato fraudulentamente praticado em nome da sociedade, mas em proveito pessoal do sócio” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Processo Civil Brasileiro no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 266).
[5] Superior Tribunal de Justiça, REsp 1036398/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 03/02/2009.
[6] Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
[7] “E o lançamento é precisamente o procedimento administrativo de determinação do crédito tributário. Antes do lançamento existe a obrigação. A partir do lançamento surge o crédito. O lançamento, portanto, é constitutivo do crédito tributário, e apenas declaratório da obrigação correspondente”. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 183).
[8] DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 269.
[9] “O processo administrativo tributário é o instrumento de revisão do lançamento. Iniciando-se com a impugnação do contribuinte, visa a controlar o lançamento levado a efeito pela autoridade administrativa [...] Pelo processo administrativo assim instaurado compete à Administração Judicante: a) anular o lançamento se verificar a sua ilegalidade; b) ou rejeitar a impugnação do contribuinte, se tiver sido regular a exigência fiscal, com o que se tornará definitivo o lançamento”. (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 346-347).
[10] Cumpre noticiar, entretanto, que tramita no Congresso Nacional os projetos de lei nº 5.080/2009, que tem por objeto possibilitar aos procuradores das Fazendas nacional e estadual a penhora de bens antes do ajuizamento das execuções, e nº 5.081/2009, que regulamenta o oferecimento de bens em garantia pelos devedores mesmo se encontrando a cobrança ainda na esfera administrativa.
[11] DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 352.
[12] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 543.
[13] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 485.
[14] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 542.
[15] A execução fiscal pode ser manejada não apenas para a cobrança da dívida ativa tributária, mas também da não tributária (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 490).
[16] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 243.
[17] “[...] a validade do redirecionamento do executivo fiscal, forte no art. 135 do CTN, fica à mercê da prova inequívoca de que o não-recolhimento do tributo resultou de atuação dolosa ou culposa do sócio-gerente ou diretor. À míngua de qualquer elemento probatório, não merece guarida pretenso redirecionamento do executivo fiscal. É, pois, ontologicamente subjetiva a responsabilidade pessoal do sócio-gerente ou diretor por débito fiscal societário”. (TAVARES, apud CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 10ª ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 393).
[18] Superior Tribunal de Justiça, Súmula 430: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.
[19] Superior Tribunal de Justiça, AgRg no AREsp 128.924/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 03/09/2012.
[20] Superior Tribunal de Justiça, REsp 717.717/SP, Rel. Ministro José Delgado, DJ 08/05/2006.
[21] Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 1368205/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 28/05/2013.
[22] Este foi o entendimento utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 923742/RJ, Rel. Ministro Teori Zavascki, DJ 14/05/2007.
[23] PAULSEN, Leandro. Responsabilidade tributária: seu pressuposto de fato específico e as exigências para o redirecionamento da execução fiscal. Revista de Estudos Tributário, v. 11, n. 68 - jul/ago 2009. São Paulo: IOB. p. 7-20.
Procurador Autárquico do Município de Belo Horizonte/MG. Especialista em Direito Processual pela PUC/MG. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CIRQUEIRA, Filipe de Oliveira. A prévia apuração da responsabilidade como requisito para o redirecionamento da execução fiscal na hipótese do art. 135, inciso III do CTN Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47284/a-previa-apuracao-da-responsabilidade-como-requisito-para-o-redirecionamento-da-execucao-fiscal-na-hipotese-do-art-135-inciso-iii-do-ctn. Acesso em: 25 nov 2024.
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