Como não poderia ser diferente em matéria tributária, a responsabilidade ou não do administrador por dívidas da empresa ainda é objeto de acirradas disputas judiciais.
Embora o sócio administrador e a sociedade da qual participa tenham capacidade civil distinta para efeito de contrair direitos e obrigações, sendo cada qual responsável por seus atos, fato é que há situações pelas quais tal gestor poderá, em algum momento, vir a ser chamado a responder por dívidas fiscais da empresa.
O artigo 135, III, do Código Tributário Nacional (CTN), ao tratar da responsabilidade tributária de terceiros, informa que "são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado".
Pelo que se vê, esse dispositivo trata da responsabilidade pessoal (e não solidária[1] com a pessoa juridica), alcançando os representantes e os administradores das empresas independentemente de estarem, ou não, revestidos da condição de sócio.
E por ser pessoal, essa responsabilidade não admite benefício de ordem (tal como ocorre no art. 134 do referido Codex), nem enseja o exercício de direito de regresso.
Por essa razão que, sob o pálio do art. 135, III, do CTN, a Fazenda Pública invariavelmente, e com a chancela de muitos magistrados, fazendo uma interpretação equivocada e tendenciosa do referido dispositivo, passa ao largo da pessoa jurídica e direciona sua pretensão creditícia diretamente contra os seus sócios e administradores.
Todavia, ressalta-se que o dispositivo em análise é claro ao determinar que somente ocorrerá a responsabilidade pessoal e exclusiva do sócio administrador quando ficar provado que o mesmo praticou atos com excesso de poder, infração à lei, contrato social ou estatuto, ou seja, se tiver agido com má-fé objetivando lesar o fisco. Caso contrário, a responsabilização pelo pagamento dos tributos não poderá prosperar.
A intenção do legislador aqui foi criar uma circunstância de exceção para se configurar a responsabilidade do administrador e não colocá-la como regra geral, como pretende a Fazenda Pública quando inclui os nomes dos gestores, na certidão de dívida ativa em decorrência de falta ou atraso no pagamento de tributo.
Reitera-se que assim como no Direito Civil, no Direito Tributário também prevalece a regra segundo a qual as pessoas jurídicas têm existência distinta de seus membros, consubstanciando-se, portanto, o princípio da autonomia da personalidade dos sócios em relação à sociedade.
Com efeito, o mero inadimplemento da obrigação tributária principal, entenda-se a falta de pagamento do tributo, mesmo em se tratando de tributo declarado e não pago pela empresa, não faz presumir a prática, por parte do sócio, diretor ou gerente, dos atos ilícitos contidos no art. 135, III, do CTN. Inegável que o não pagamento do tributo seja infração à lei, mas essa infração é praticada pela pessoa jurídica, e não pelos sócios e administradores.
À luz do art. 135 do CTN, o sócio administrador praticará ilícito quando atuar além de suas competências, isto é, quando essa atuação for própria e pessoal, visando a objetivos distintos da sociedade. Assim, o sócio administrador somente poderá ser responsabilizado quando ultrapassar os limites de seus atos normais como gestor, infringindo normas societárias e as constantes no contrato social que regulamentam o alcance de sua atuação.
Dessa forma, para fundamentar a imputação da responsabilidade tributária do sócio da empresa é imprescindível a comprovação da intenção de fraudar a lei para auferir vantagem indevida.
Nesse sentido, o renomado tributarista Sacha Calmon invoca precedente do Supremo Tribunal Federal (grifos nossos):
“(...) o simples não recolhimento do tributo constitui, é claro, uma ilicitude, porquanto o conceito de ato ilícito é o descumprimento de qualquer dever jurídico, decorrente de lei ou de contrato. Dá-se que a infração a que se refere o art. 135 evidentemente não é objetiva e sim subjetiva, ou seja, dolosa. Para os casos de descumprimento de obrigações fiscais por mera culpa, nos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis, basta o art.134, anterior, atribuindo aos terceiros dever tributário por fato gerador alheiro. No art. 135, o dolo é elementar. Nem se olvide que a responsabilidade aqui é pessoal (não há solidariedade); o dolo, a má-fé hão de ser cumpridamente provados. No RE n.º 85.241 (RTJ vol. 85, p. 946), referendando acórdão do TA-SP, ficou entendido no STF que:
‘A responsabilidade executória por débito fiscal está, hoje, disciplinada pelo Código Tributário Nacional.
Além do sujeito passivo da obrigação tributária, responsável primário, admite o Código a responsabilidade solidária de terceiros (art. 134) e a responsabilidade por substituição (art. 135).
Na questão da responsabilidade dos sócios, por dívidas da sociedade, dispôs o Código que a solidariedade advém da sua intervenção nos atos ou pelas omissões de que forem responsáveis (art. 134) e que a substituição ocorre quando a obrigação tributária advém ou é resultante de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135).
Pretende a terceira embargada que a responsabilidade dos sócios advém de infração à lei, por não terem solvido a tempo a obrigação tributária; labora em equívoco; a infração à lei diz com a economia societária; a admitir-se o contrário, os sócios seriam sempre os responsáveis pelas dívidas da sociedade, quer nas relações de Direito Público, quer nos negócios jurídicos de Direito Privado, pois o inadimplemento de qualquer obrigação constitui ofensa à lei, ofensa tão arraigada que o legislador do Direito Civil teve por dispensável erigir o princípio em preceito legal, como observa Agostinho Alvim, lembrado a lição de Clóvis Bevilácqua ‘ao legislador pareceu dispensável exprimir esta regra, uma vez que, segundo a doutrina, ela é fundamental, em matéria de efeitos das obrigações’ (Da Inexecução das obrigações e suas consequências, 4. Ed., p. 6).
Em sentido contrário, decisão do STJ no REsp n.º 34.429-7-SP (RSTJ 73.341, jan. 1994). A doutrina do Supremo me parece a melhor” (cf. SACHA CALMON, Comentários ao Código Tributário Nacional, coord. Carlos V. Nascimento, Rio de Janeiro: Forense, p. 320).
Essa interpretação é a que nos parece mais coerente. Não teria sentido, de fato, afastar o contribuinte do polo passivo da obrigação, muitas vezes uma sociedade comercial de grande capacidade econômica, para ser substituído por um sócio ou administrador, pelo simples fato de não ter sido pago determinado tributo.
Conclui-se, portanto, que para a aplicação da norma de responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN pressupõe (i) a prática de ato ilícito, dolosamente, por quem esteja na gestão ou representação da sociedade (sócio ou não); (ii) ato ilícito, como infração de lei, contrato social ou estatuto, normas que regem as relações entre contribuinte e terceiro-responsável, externamente à norma tributária matriz da qual se origina o tributo; (iii) subsunção tanto da norma básica (que disciplina a obrigação tributária em sentido estrito) quanto da norma secundária (constante do art. 135 e que determina a responsabilidade do terceiro, pela prática do ato ilícito).
O Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que o sócio-administrador é pessoalmente responsável pelos impostos devidos pela empresa apenas se ficar provado que agiu com dolo ou fraude[2].
Ante o acima exposto, eventual pretensão da Fazenda em apropriar-se do patrimônio particular dos sócios, sem demonstrar que houve a prática de infração à lei ou ao contrato social de sociedade é nula e infringe os estreitos limites traçados pelo nosso ordenamento jurídico, em especial, o princípio da estrita legalidade no Direito Tributário.
[1] Art. 265 do CC. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.
[2] Execução fiscal. Sócio Gerente (Informativo STJ nº 353 - 21/04 a 25/04)
A divergência, na espécie, é no tocante à natureza da responsabilidade do sócio-gerente na hipótese de não-recolhimento de tributos. Esclareceu o Min. Relator que é pacífico, neste Superior Tribunal, o entendimento acerca da responsabilidade subjetiva daquele em relação aos débitos da sociedade. A responsabilidade fiscal dos sócios restringe-se à prática de atos que configurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade (art. 135, CTN). O sócio deve responder pelos débitos fiscais do período em que exerceu a administração da sociedade apenas se ficar provado que agiu com dolo ou fraude e que a sociedade, em razão de dificuldade econômica decorrente desse ato, não pôde cumprir o débito fiscal. O mero inadimplemento tributário não enseja o redirecionamento da execução fiscal. Isso posto, a Seção deu provimento aos embargos. Precedentes citados: REsp 908.995-PR, DJ 25/3/2008, e AgRg no REsp 961.846-RS, DJ 16/10/2007. EAG 494.887-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgados em 23/4/2008.
Advogado, Especialista em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Lafayete Gabriel Vieira. Quando o sócio poderá ser responsabilizado por dívidas fiscais da empresa? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47330/quando-o-socio-podera-ser-responsabilizado-por-dividas-fiscais-da-empresa. Acesso em: 22 nov 2024.
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