RESUMO: A pesquisa tem por objetivo avaliar a possibilidade de incidência da alienação parental em famílias monoparentais, tendo em vista que a lei nº. 12.318/2010 prevê a possibilidade de estender as condutas alienantes aos não genitores. Assim, destina-se, de modo geral ao exame do fenômeno da alienação parental, com todas as suas nuances peculiares, por intermédio do estudo dos principais aspectos da lei de alienação parental. Para tanto, serão observados os objetivos específicos, os quais consistem em se examinar os modelos de família e o papel do ordenamento jurídico brasileiro em face da entidade familiar, distinguir a alienação parental da síndrome de alienação parental apreciando os principais aspectos da lei de alienação parental (lei nº. 12.318/2010) e reconhecer as características dos alienadores e as principais sequelas deixadas nos menores, revelando soluções encontradas no âmbito do Poder Judiciário e na mediação familiar. A pesquisa empreendida tem caráter dogmático instrumental, é essencialmente bibliográfica e jurisprudencial e utiliza o método de abordagem dedutivo, bem como os métodos de procedimento histórico, expositivo e interpretativo. Inicialmente, é realizada a análise do instituto da família, a partir de sua evolução histórica e configuração atual; em seguida, são identificados os modelos de família existentes na sociedade brasileira, com enfoque na família monoparental (devido à sua complexidade), sendo reconhecida a diversidade de sua formação; por conseguinte, é definido o fenômeno da alienação parental, compreendendo-o como a desconstituição do vínculo entre a criança e o ente familiar, em decorrência da ação contínua do outro polo da relação. Daí se constata a existência de seqüelas nas vítimas de alienação parental e o conflito interno existente nas mesmas, sendo possível a sua instauração em famílias monoparentais, pelo que deve o Poder Judiciário desenvolver aparatos eficientes para evitar e repelir práticas alienantes. O estudo contribui para informar a sociedade e os juristas sobre a incidência da alienação parental não apenas em família nuclear, mas também em família monoparental, causando severos danos aos envolvidos, bem como oferece aos aplicadores de direito a possibilidade de resolver tal problemática, consoante a aplicação do princípio da proteção absoluta do vulnerável.
Palavras-chave: Família monoparental. Alienação parental. Mediação. Poder Judiciário.
O presente artigo tratará da incidência da alienação parental em famílias monoparentais, devido à possibilidade desse fenômeno ser instaurado e fomentado por pessoas que não sejam necessariamente os genitores, podendo ser o alienante qualquer pessoa que detenha alguma responsabilidade sobre a criança.
O presente estudo será de grande relevância, na medida em que permitirá um maior conhecimento acerca das famílias monoparentais - caracterizando-as -, por serem algo relativamente novo na sociedade brasileira e que está em flagrante crescimento, bem como por consistir em mais um meio de divulgação do fenômeno da alienação parental, possibilitando um reconhecimento prévio da coletividade a fim de evitar que maiores danos sejam causados e apresentar aos juristas e pessoas envolvidas outros meios eficazes de combate a essa prática alienante.
Nesse diapasão pretender-se-á, de um modo geral, analisar o fenômeno da alienação parental à luz da lei nº. 12.318/2010, a fim de se demonstrar a eficiência da norma que aponta sua definição, formas de reconhecimento, peculiaridades processuais e sanções. Para tanto, será necessário examinar o instituto da família, com base em sua evolução histórica, os corpos legais que o tutelam e os modelos de família existentes, destinando-se especial atenção à família monoparental, a fim de entender como o fenômeno da alienação parental surge no âmbito familiar.
Com relação à natureza da pesquisa, esta revelar-se-á dogmático-instrumental, vez que será desenvolvida com base no texto legal que trata da alienação parental, o qual será perscrutado sob a ótica das demais normas protetivas e o entendimento dos tribunais; com exposição da doutrina existente sobre a temática, buscando constantes inovações e posicionamentos dos juristas. No que tange ao método de abordagem, será utilizado o método dedutivo, com o fito de se reconhecer a possibilidade da aplicação do fenômeno da alienação parental em famílias monoparentais.
No que diz respeito aos métodos de procedimento, será utilizado o método histórico, com o exame da evolução do instituto da família e das leis que a tutelam e do surgimento da necessidade de um corpo normativo tutelando a alienação parental; aplicar-se-á também os métodos expositivo e interpretativo em todo o estudo, porque determinantes para compreender o teor do que será mostrado nesse trabalho, correlacionando conceitos e princípios com as normas que regem a matéria.
A técnica de coleta de dados será, em suma, a pesquisa bibliográfica, selecionando informações sobre o tema, aglutinando vários doutrinadores, livros e artigos jurídicos e, ainda, utilizar-se-á a técnica exegético-jurídica a fim de se observar o conteúdo dos dispositivos legais sobre o assunto tratado nesse trabalho de conclusão de curso.
A priori, far-se-á um estudo sobre os modelos organizacionais de família registrados na literatura sociológica e jurídica a fim de compreender o papel auxiliar do ordenamento jurídico brasileiro na organização social – nesta fase, as consultas teóricas acerca da alienação parental e da síndrome de alienação parental darão suporte jurídico à análise das variadas estruturas familiares que constituem a sociedade contemporânea.
Em seguida, através de estudos no campo jurídico procurar-se-á conhecer o que a legislação vigente estabelece sobre o tema alienação parental. Neste contexto serão identificadas as características indicadoras de situações alienadoras, bem como verificadas as suas implicações na vida sócio-psicológica dos menores envolvidos. Esses estudos permitirão averiguar as alternativas jurídicas adotadas, inclusive a mediação familiar, na tentativa de solucionar os problemas vinculados ao contexto da alienação parental.
Como etapa finalizadora do estudo, as informações apreendidas serão sistematizadas em um texto reflexivo e crítico versando sobre o tema da incidência da alienação parental em família monoparental, que deverá significar uma contribuição teórica para futuros estudos a este tema relacionados.
Outrossim, tendo em vista a falta de regulamentação sobre o tema, principalmente no que trata das famílias monoparentais - tendo o Código Civil se omitido em tratar da temática - será necessário buscar meios de interpretação que permitam solucionar satisfatoriamente o problema, não se limitando apenas à lei da alienação parental. Em atenção a essa situação, através deste trabalho buscar-se-á apontar meios para amparar as famílias monoparentais que estão inseridas em um contexto de alienação parental e que, apesar de não terem recebido tratamento especial pelo legislador, existem na realidade fática e devem ter seus direitos respeitados.
1. ENTIDADE FAMILIAR
Nos primórdios, o modelo clássico de família era determinado por fatores culturais, religiosos, econômicos e políticos. Assim, duas pessoas se uniam de forma indissolúvel, mediante o casamento civil e o religioso, sendo o sexo permitido somente após a celebração matrimonial, com vistas à procriação e educação da prole e à constituição de patrimônio.
Nesses tempos, permanecia marginalizada do ordenamento jurídico qualquer outra forma de união entre pessoas que não a consagrada pelo matrimônio, ainda que constituída por laços de afetividade. O Código Civil de 1916 retratava exatamente esta situação, todavia, vem se manifestando uma série de profundas mudanças sociais e fez-se necessário alterar as legislações brasileiras, a fim de dar nova roupagem à realidade que emergia.
1.1 Noções gerais
A família é considerada o núcleo de origem da sociedade, desde sua forma mais primitiva, até a configuração que possui atualmente. É, pois, um fato cultural, responsável por grandes mudanças sociais, antecedendo as normas jurídicas e o próprio Direito.
Conforme Gonçalves (2012, p. 31), de início a família era baseada no patriarcalismo, remontando à época romana; sob a reunião do pater famílias – aquele que detinha direito soberano sobre os demais membros do grupo familiar -, mediante o pátrio poder, a família aglutinava todos os descendentes de um tronco comum, conjugando os mesmos ritos religiosos, fins políticos e econômicos. Em razão da simplicidade e da obediência dos costumes, bem como do caráter absolutamente privado, poucas regras eram instituídas a fim de regular a família.
O pater exercia o papel de proprietário da família e cabia à mulher apenas obedecê-lo podendo, inclusive, ser repudiada por ato unilateral do marido; todo o patrimônio subsistia em poder do patriarca, que o administrava conforme sua vontade. Outrossim, por questões militares, foi necessário o advento de patrimônio independente para os filhos, distribuindo-se paulatinamente o monopólio do poder no âmbito familiar e, para haver a caracterização da família fez-se necessária a convivência entre os nubentes, pois que caso inexistisse a afeição, dar-se-ia a dissolução do casamento.
No trabalho monográfico de Mendes, intitulado “A Família Monoparental no Direito Brasileiro: efeitos na convivência com os filhos” (2007, p. 9) afirma-se que o Imperador Constantino, a partir do século IV, sedimenta no Direito Romano a concepção de família cristã, predominando ensinamentos de ordem moral. Assim, o poder do patriarca foi-se aos poucos substituindo pelo poderio da Igreja e, às mulheres e aos filhos, deu-se maior autonomia para gerir os vencimentos militares. Todavia, em contraponto à evolução, os canonistas opuseram-se à dissolução do casamento, devido a seu caráter de sacramento.
Já no período da Idade Média, continua Gonçalves (2012, p. 32), a religião confundia-se com a própria vivência social, sendo o casamento religioso o único reconhecido e a família regida pelo direito canônico. Na era medieval, por sua vez, a família era comunitária, recebendo influência de regras germânicas e romanas. E com a Revolução Industrial, a família tornou-se nuclear; conforme Bittar (2006, p. 6):
[...] reunindo sob o mesmo teto apenas os pais e os filhos não casados, principalmente nos grandes centros urbanos (...). Reduziu-se, pois, o seu contexto, submetendo-se ademais a concepções diversas os relacionamentos correspondentes, em razão da personalização operada no direito de família, com ênfase para as posições da mulher e dos filhos.
É de ver-se que a cada momento social há definições, características e princípios identificadores do instituto da família, sendo necessário considerar o contexto histórico-evolutivo-social em que esta se insere a fim de que se possa apreender todas as suas complexidades. Nesse sentido, Gonçalves (2012, p. 32) afirma que:
Só recentemente em função das grandes transformações históricas, culturais e sociais, o direito de família passou a seguir rumos próprios, com as adaptações à nossa realidade, perdendo aquele caráter canonista e dogmático intocável e predominando “a natureza contratualista, numa certa equivalência quanto à liberdade de ser mantido ou desconstituído o casamento”. (grifo do autor).
Assim, o direito de família volta-se, por ser a família o principal núcleo social, para os direitos dos indivíduos que o compõem, estabelecendo a comunhão entre seus integrantes, por meio de regras próprias; nesse contexto, mister é a definição do instituto da família.
O conceito de família passou por significativas transformações ao longo do tempo, influenciado pelos valores e costumes sociais. Assim é que, embasado na teoria sociológica, o instituto da família está em mutação constante e lenta, não se assemelhando à estrutura familiar do passado, tampouco aproximando-se da estruturação que receberá no futuro. De acordo com Pereira (2001, p. 9), a família se apresenta como um:
[...] grupo natural de indivíduos, unidos por uma dupla relação biológica: por um lado, a geração que dá os componentes do grupo; por outro, as condições do meio que postulam o desenvolvimento dos mais novos e mantém o grupo, enquanto os adultos garantem a reprodução e asseguram a manutenção do grupo.
Sob o ponto de vista jurídico, a família reúne em volta dos pais a prole respectiva, sob o lar familiar e sob a proteção do Estado, conforme o artigo 226, caput, da Constituição Federal. Em uma análise mais ampla, a família pode ser entendida como a junção de todos os descendentes e parentes consanguíneos sucessíveis podendo, inclusive, em algumas situações do Código Civil, ser estendida a pessoas do serviço doméstico do lar. Nesse sentido, Bittar (2006, p. 45) fala sobre a constituição de família por vínculos biológicos (ou naturais), por meio da união dos pais e sob os ditames morais, religiosos, sociológicos e filosóficos que a inspiram. Não obstante, Serejo (2004, p. 47-48) dá um enfoque mais amplo à família:
A ideia de entidade familiar não alcança somente a união estável entre o homem e a mulher. O sentido da expressão é mais amplo e abarca toda a agregação familiar por imposição biopsicológica, por força da vocação social do homem. E hoje, com a opção do Estado Moderno pelo social, a proteção da família alcança também essas formas de convivência que ultimamente têm crescido com a disseminação das famílias monoparentais.
O professor Gonçalves (2012, p. 17), de modo atual e objetivo, afirma que a família é uma realidade sociológica que constitui o pilar do Estado e que embasa toda a organização social, sempre com caracteres necessários à coletividade e que, por motivos tais, merece a proteção absoluta do Estado.
É de se ressaltar, por oportuno, a dificuldade de estabelecer um conceito de família unânime e válido para todos os contextos. Destarte, a fim de atender interesses específicos, Diniz (2009) traz as características da família divididas em caráter biológico, psicológico, econômico, religioso, político e jurídico, devendo o instituto ser entendido não apenas como algo idêntico ao casamento, senão marcado pelo amor e afeto presentes no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade.
Diniz (2009) afirma que sob o ponto de vista biológico, família é o agrupamento natural, decorrente dos laços sanguíneos; já sob a ótica psicológica a família decorreria de um elemento espiritual que une os componentes dessa entidade, que seria o amor familiar. Ante o seu caráter econômico, a família seria entendida como o grupo no qual os parceiros se auxiliam mutuamente, existindo, ainda, um conforto afetivo que promove sua realização material.
No âmbito religioso, a família é considerada um ser ético ou moral em decorrência do cristianismo; já politicamente apreciada a família é pilar social e núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa, tida como unidade formadora do Estado. Para Diniz (2009), na órbita jurídica a família possui um conjunto normativo próprio, denominado direito de família – ramo do direito referente às relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, união estável ou pelo parentesco/afinidade, bem como relaciona-se com disciplinas complementares do direito protetivo e assistencial.
Nesse diapasão, vê-se que a família ganhou diferentes modelos, não se limitando à figura do pai, da mãe e dos filhos e podendo ser tida como um emaranhado de relações compostas por afinidades das mais diversas possíveis.
1.2 Modelos de família
Os modelos de entidades familiares, por serem diversos, são estudados pela doutrina de forma a definir suas características e critérios identificadores, sendo as mais comuns a família nuclear, a família eudemonista, união estável, a família recomposta, a família anaparental e a família monoparental.
A família nuclear foi o primeiro modelo de família instituído do ponto de vista tradicional, sendo tutelada pelo Código Civil de 1916 e representando, assim, uma família patriarcal, com fortes raízes cristãs. De início, a dissolução do casamento era vetada, havendo apenas a possibilidade do desquite, com que findava a comunhão de vida, mas não o vínculo jurídico existente. Nessa época havia enormes distinções entre os papéis masculinos e femininos, bem como de filhos concebidos na constância do casamento e daqueles que eram tidos fora dela, considerados ilegítimos.
A vontade da família exprimia-se pela do marido, pois que ele tomava todas as decisões familiares sem, contudo, poder trazer para o seio familiar os filhos gerados fora do casamento. Mas a evolução social por que passou a humanidade deu-se acompanhada por novos corpos normativos que culminaram por modificar essa estrutura familiar, de forma que os papeis antes fixos para homens e mulheres passaram cada vez mais a se assemelharem e, muitas vezes, se inverterem. Assim, entre as reformas legislativas está o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº. 4.121/1962) que devolveu a plena capacidade da mulher, garantindo-lhe a propriedade dos bens adquiridos com seu trabalho; e a Lei do Divórcio (EC 9/1977 e lei 6.515/1977) que, conforme Dias (2007, p. 30): “[...] acabou com a indissolubilidade do casamento eliminando a ideia de família como instituição sacralizada.”.
Essa nova situação firmou-se com o advento da Constituição Federal de 1988, instaurando a igualdade entre homem e mulher. A partir daí, não apenas as funções foram modificadas, mas a própria definição de família modificou-se, não mais restando ligada apenas ao casamento e se tutelando, agora expressamente, a união estável e a família monoparental.
O Código Civil de 2002, embora tenha apresentado mudanças significativas, recebeu severas críticas em vista de seu conteúdo limitado e tímido, herança de um projeto realizado antes da vigência da Constituição Federal de 1988. A família hoje é, pelo entendimento de Lobo (2008, p. 1):
A família atual está matrizada em paradigma que explica sua função atual: a afetividade. Assim, enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida.
Como se vê, a família nuclear é fruto da sociedade contemporânea, na qual a afetividade passou a exercer papel de excelência, mas influenciada pelo individualismo, que confere aos laços de parentesco uma importância subsidiária fazendo desaparecer, portanto, o modo produtivo e reprodutivo da família.
A família eudemonista surgiu no contexto da Constituição Federal, em decorrência da liberdade individual, em busca do bem-estar e da efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Dias (2007, p. 52) afirma que à tendência de identificar a família pelos laços afetivos, dá-se o nome de família eudemonista, que almeja a felicidade de cada indivíduo “[...] vivendo processo de emancipação de seus membros.”.
Nessa linha, o eudemonismo é a doutrina que busca a felicidade desapegada de formalismos ou com eles, mas dando maior importância ao prazer e à alegria. O ordenamento brasileiro absorveu esse princípio, resultando na proteção jurídica da família sob a ótica do sujeito, conforme o parágrafo 8° do artigo 226 da Constituição Federal “[...] o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integram.”.
Destarte o afeto, que era tido apenas como um elemento acessório das uniões, passou a ganhar importância externa, ingressando no meio jurídico. Outrossim, diante dessa nova concepção, as pessoas passaram a unir-se sem estarem necessariamente amparadas pelo instituto do casamento, o sentido agora é o afeto e não mais as formalidades sociais.
Nesse contexto surgiu a união estável (denominada anteriormente de concubinato puro) definida como a relação de convivência permanente e duradoura entre homem e mulher com animus de constituir uma família. Não há prazo mínimo fixado para se considerar uma união estável, devendo ser analisado cada caso concreto.
O Supremo Tribunal Federal, buscando proteger a família constituída sob o concubinato, sumulou que, para a caracterização deste instituto, não é imprescindível a vida sob o mesmo teto (Súmula 382). Nesse diapasão, os indivíduos que constituem a união estável podem até adotar domicílios diversos, desde que possuam elementos que provem sua união, tais como dependência financeira, existência de filhos, entre outros.
Em sendo o regime de comunhão parcial de bens a regra adotada pela legislação cível, na ocorrência de união estável entende-se estar sob esse regime, salvo se houver um contrato entre as partes que trate dos bens dos companheiros com a mesma flexibilidade admitida no Pacto Antenupcial.
Ademais, esse novo modelo familiar deve ser diferenciado da sociedade de fato, dantes intitulada concubinato puro, porque a configuração da união estável não admite a existência de impedimentos à realização do casamento, tais como os previstos no artigo 1.521 do Código Civil, não se aplicando, porém, a incidência do inciso VI do referido artigo no caso de a pessoa casada estar separada de fato ou judicialmente.
A união estável é, pois, a relação lícita entre um homem e uma mulher, que vivem como se casados fossem e apenas não se casaram por uma opção particular ou por algum impedimento momentâneo, ao passo que o concubinato traria as relações entre o homem e a mulher impedidos de se casarem, traduzindo por ilícita esta relação.
É de se ressaltar que, em razão de o ordenamento jurídico brasileiro tutelar amplamente a família entendida pelo caráter afetivo e a união estável revelar a família composta sem o revestimento das formalidades legais, a Constituição Federal dispõe que a lei deve facilitar sua conversão em casamento a qualquer momento. Nesse sentido:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...).
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
A família recomposta se forma quando há uma separação do casal e depois um ou ambos se recompõem em uma nova família biparental. Dias (2007, p. 194) entende que não há uma saída da monoparentalidade, pois apesar de se formar uma nova estrutura familiar, o vínculo existente ente genitor e filho permanece somente entre eles, sem gerar vínculos do filho com o novo companheiro do genitor.
A família recomposta se faz mais presente no cenário menos favorecido da população, visto que as pessoas buscam além de vínculos afetivos, os econômicos, a fim de proporcionar ou auxiliar em sua subsistência e de sua família. Assim, nas relações formadas por indivíduos com melhores condições financeiras, os quais possuem maior autonomia, tende-se a buscar apenas vínculos afetivos e estes permanecem por mais tempo sem companheiros.
A família anaparental é a entidade familiar composta de indivíduos com vínculo consanguíneo que habitam juntos sem descendente, como por exemplo irmãs morando juntas para estudar longe dos pais; deveras se baseia no afeto familiar, sem contar com a presença do pai ou mãe, restando disciplinada no artigo 69, caput do Projeto do Estatuto das Famílias, in verbis:
Art. 69. As famílias parentais se constituem entre pessoas com relação de parentesco entre si e decorrem da comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar.
Ademais, Dias (2007, p. 46) afirma que a convivência entre parentes ou pessoas inseridas em uma estruturação com identidade de propósito, deve reclamar o reconhecimento da existência de entidade familiar que será denominada de família anaparental.
Já as famílias monoparentais possuem estrutura de pais únicos com seus descendentes, tratando-se de uma variação da estrutura nuclear tradicional devido à incidência de fenômenos sociais como o divórcio, óbito, abandono de lar, ilegitimidade ou adoção de crianças por uma só pessoa ou até mesmo pela vontade de assumir a família individualmente. O seu reconhecimento jurídico ocorreu apenas com a Constituição Federal de 1988, precisamente em seu artigo 226, parágrafo 4º “[...] a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”. Leite (2003, p. 22) define como família monoparental a que ocorre “[...] quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças.”.
A família monoparental será assim considerada independentemente de os membros morarem sozinhos ou em casas de parentes. Lisboa (2006, p. 291-292) informa que a relação monoparental pode ocorrer entre: qualquer dos pais e seus filhos, ante a morte, o desaparecimento ou ausência do outro genitor; qualquer dos avós e seus netos, ante a morte, o desaparecimento ou ausência dos pais; qualquer dos bisavós e seus bisnetos, ante a morte, o desaparecimento ou a ausência dos avós e dos pais; e assim por diante.
De acordo com Leite (2003, p. 289), constatou-se um aumento exacerbado e incontrolável das famílias monoparentais nos Estados Unidos em meados da década de 60 e, em alguns países europeus (Grã-Bretanha, Suíça e França) na década de 70, revelando aos estudiosos a permanência do fenômeno. O crescimento, situando-se em um patamar de 30% (trinta por cento) a 50% (cinquenta por cento), gera preocupação diante de uma mudança radical de comportamento, emergindo uma nova realidade social.
É de ver-se que inúmeras questões complicadas decorrem desse novo modelo familiar, pois a falta de convivência com o outro pai provoca uma série de conturbações psíquicas nos filhos, além de ser corriqueira a existência de problemas econômicos nessa entidade familiar (pois que há apenas um polo provedor do sustento), todavia ainda não há legislação infraconstitucional tratando acerca da família monoparental.
O Deputado Fiúza (2000), ao explicar o motivo pelo qual as questões relativas às famílias monoparentais não foram abordadas no Código Civil, afirmou ser impossível que o diploma previsse todas as questões de seu interesse, devendo a legislação extravagante tomar por sua conta matérias que não fossem tratadas no Digesto Civil; conclui ainda que o tema necessita de tratamento legislativo que o insira na disciplina do Direito de Família, a fim de uma estruturação jurídica própria.
As mutações sociais e a realidade presente das famílias monoparentais reclamam outrossim, a elaboração de normas legislativas a fim de dirimir conflitos decorrente da sua natureza. Assim, Leite (2003, p. 25) assevera que:
[...] as famílias monoparentais – não é mais possível negar ou esconder – geram problemas de natureza jurídica (pensão alimentícia, direito de guarda ou de visita, convenção do divórcio, ausência de legislação no caso de separação de um concubinato) e, também, de natureza econômica (mães desqualificadas para o trabalho, mães sem trabalho, pais sem recursos, ausência de habitação, de seguro, de proteção social, de inserção profissional).
Ademais, em decorrência das peculiaridades encontradas por esse grupo social, é patente a necessidade de atenção e, em muitos casos, intervenção pública para dirimir ou sanar problemas existentes. Leite (2003, p. 317) afirma que nas famílias monoparentais nas quais a mulher é o chefe de família “[...] e onde, igualmente, a paternidade, frequentemente, não foi sequer estabelecida a intervenção estatal é o meio válido de garantia mínima de dignidade social e econômica.”.
A exemplo da França, que representa um dos modelos mais concretos de uma política de intervenção estatal em apoio às famílias monoparentais, conforme Leite (2002, p. 317); o Brasil, por ser um país comprometido constitucionalmente com a preservação da família, deve desenvolver um programa social voltado às famílias monoparentais, como nova realidade que traz inúmeras possibilidades de constituição e acarretando dificuldades diversas. Nesse diapasão, a confecção de um corpo normativo, aparato jurídico suficiente e tutelando a entidade familiar, em toda sua diversidade, é uma necessidade patente da sociedade brasileira.
1.3 A família no direito positivo brasileiro
O Código Civil de 1916 e as leis extravagantes dessa época tratavam como família somente aquela decorrente do casamento, patriarcal e hierarquizado, excluindo de qualquer análise laços parentais não provenientes do matrimônio civil. Todavia, outras posturas sociais foram surgindo, fazendo necessária uma nova abordagem dessa família que não excluísse os diversos vínculos que podem originá-la. Afirma Gonçalves (2012, p. 33) “Nessa linha, a família socioafetiva vem sendo priorizada em nossa doutrina e jurisprudência.”.
Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 trouxe nova roupagem a diversas questões que até então eram tratadas de maneira tímida, garantindo a aplicação de princípios básicos aos indivíduos, como dignidade da pessoa humana, isonomia, liberdade, igualdade material, entre outros positivados devido à influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), ao Pacto de San José da Costa Rica (1969), Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966 - ONU) e à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979).
A partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, adveio grande inovação com a consagração da igualdade entre os sexos, extinguindo-se juridicamente os preconceitos que existiam em face da mulher e as distinções que eram feitas entre os filhos gerados dentro e fora do casamento.
Com o instituto da família não podia ser diferente, dispondo o artigo 226 do texto constitucional que a entidade familiar é plural, tendo várias formas de constituição. Assim é que houve maior abertura de possibilidades à família, preocupando-se o texto maior com questões importantes como o planejamento familiar, assistência direta à família e sobre seu papel na sociedade. Nesse cenário, inaugurou-se o pluralismo familiar, nunca dantes apresentado no ordenamento jurídico, mas que representou apenas a constatação e a regulamentação de uma realidade há muito tempo existente no país. E sobre isso, menciona MADALENO (2000, p. 16):
A Carta Política de 1988 cedeu espaço, proteção e, portanto, conferiu status e identidade civil à realidade sociológica que encarna diversificadas modelagens de constituição, estrutura e de formatação familiar existentes nesse imenso País e assim procedeu ao retirar do porão de armazenagem das categorias excluídas, as famílias naturais (...). Igual atitude teve ao alçar também para o plano da validade jurídica, o grande passo de famílias monoparentais expressamente lembradas no parágrafo 4º, do artigo 226 da Constituição Federal.
Nota-se que a partir da Constituição Federal de 1988, o Estado passou a ser exclusivamente responsável por legislar sobre família, retirando do íntimo da relação privada a solução de questões referentes a essa problemática. Nesse sentido, para Gomes (2000, p. 12):
A desencarnação da família consiste na substituição do elemento carnal ou biológico pelo aspecto biológico ou afetivo, unindo ao fato de que para um bom crescimento e formação do homem vale mais a boa educação do que sua hereditariedade.
Ressalte-se que o interesse pelo instituto da família exprime “[...] a nossa preocupação com a base fundamental da sociedade, o sustentáculo da estabilidade social.” (SEREJO, 2004, p. 24-25).
Nesse contexto, novos corpos normativos amparados no texto constitucional foram publicados visando tutelar esse novo direito de família. Entretanto, o Código Civil de 2012, por haver tramitado no Congresso Nacional antes da promulgação da Constituição Federal, não lhe acompanhou as inovações, tendo sofrido posteriormente significativas mudanças em seu conteúdo.
Apesar de trazer significativas modificações na seara do direito de família, como a discussão acerca da adoção, direito da criança e do adolescente, divórcio e união estável, o Código Civil foi omisso em assuntos importantes, tais como a afetividade nas relações de filiação, posta em detrimento da chamada paternidade jurídica (que é aquela definida pelo sistema jurídico), as uniões homoafetivas e a questão das famílias monoparentais.
De acordo com Diniz (2009), o legislador do Código Civil de 2002 sofreu influência de três princípios fundamentais, a eticidade – pois superou os ditames do Código Civil de 1916 que possuíam apegos ao formalismo jurídico, permitindo o surgimento dos valores éticos -, sociabilidade – superando o caráter individualista da legislação pretérita – e a operabilidade – buscando a eficácia da norma de modo a solucionar os problemas reais da sociedade, por meio da melhor interpretação da lei.
É de ver-se que, mesmo possuindo falhas, o Código Civil de 2002 apresentou à sociedade uma nova sistemática e buscou dar ensejo às problemáticas familiares. Gonçalves (2012) exemplifica as inovações mencionando que o diploma possui um título específico para o direito pessoal e outro para o direito patrimonial da família; que trouxe a igualdade entre os cônjuges (artigo 1.511), reduzindo o poder familiar e roubando sentido às normas diferenciadoras entre o marido e a mulher, bem como trouxe a igualdade entre os filhos, atenuando o princípio da imutabilidade do regime de bens no casamento, entre outros questionamentos. Afirma Bittar (2006, p. 38):
À frente dos princípios do respeito à dignidade pessoal e da responsabilidade familiar, as decisões devem ser tomadas no núcleo e nas relações entre os seus integrantes em função da conciliação entre o interesse geral e os interesses individuais, ou seja, preservando-se a personalidade de cada qual, mas pondo-se a salvo, sempre e antes, os objetivos maiores da família, quanto à sua existência e à sua manutenção. Assim, em eventuais conflitos, devem prevalecer os interesses da família, desde o planejamento inicial às relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, destes com os filhos e, por fim, dos últimos entre si.
Ante o exposto ressalta o reconhecimento da função social da família no direito brasileiro, devendo os interesses da mesma transcenderem aos dos indivíduos e, até mesmo, aos do próprio Estado. Em resumo, assevera Leite (2005, p. 33) que no Código Civil de 1916 o destinatário da norma era o indivíduo, já no Código Civil de 2012 ocorreu uma individualização do caso concreto.
Outrossim, saliente-se que outros corpos normativos também passaram a tratar da família e do poder e dever que os pais possuem perante os filhos, bem como do auxílio mútuo entre as partes, com que se nota que o Estado preocupa-se com o bem-estar da família brasileira em todos os seus aspectos. Acerca desse compromisso estatal dispõe a Constituição Federal:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...).
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Nesse sentido, dentre esses corpos normativos, emerge com importância considerável o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), um dos pilares que sustentam a democracia e que passou a vigorar dois anos após a vigência da Constituição Federal, trazendo em seu bojo o papel protetivo dos menores, devido à sua posição de hipossuficiência presumida. Especifica Serejo (2004, p. 75):
Tem razão, portanto, a doutrina em detectar em nossa Lei Maior um direito fundamental à infância, como forma de sua proteção integral, o que é completado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em cujo art. 1º já se aponta para essa abrangência do programa de proteção à infância e à adolescência.
Tais normas – protetivas da infância – possuem enorme amplitude, influenciando na postura do magistrado, que não pode mais omitir-se em casos de violação da dignidade da criança e do adolescente. Os juízes, em geral, devem possuir atitudes comissivas face à essas problemáticas, não apenas atuando quando existir provocação, mas sempre que for necessário para a boa gerência da comunidade e da família.
Acrescente-se um enfoque interessante que é trazido pelo ECA, quanto ao poder familiar, assunto até então esquecido por configurar matéria do íntimo dos indivíduos. Então passa a ser tutelado um poder e dever dos pais e responsáveis perante os menores, não apenas de subsistência mas de qualidade de vida, a fim de contribuir para uma formação digna de cada menor:
Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma de que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Esse pátrio poder, que hoje é entendido como poder familiar, pode ser definido como instituto de proteção ao incapaz, que pela pouca idade não tem condições de gerir-se, poder esse que é concebido também pela faceta do dever. Os detentores do poder familiar devem firmar compromisso com os menores a fim de dar proteção integral aos mesmos, suprindo suas necessidades físicas, de bem-estar, garantindo educação e saúde dignas.
Houve a reafirmação do exercício da função paterna em patamar de igualdade em condições entre o homem e a mulher, vetando-se qualquer atitude discriminatória, independentemente da realização do casamento. O direito passa a tutelar algo que já era realidade nas famílias brasileiras, decorrente do novo universo em que as mulheres estão inseridas no mercado de trabalho e passam a competir de forma igualitária com os homens em todos os aspectos, não podendo ficar a estes submissas, já que também são provedoras do lar. Desta feita, Comel (2003, p. 47) afirma que:
O Estatuto da Criança e do Adolescente reconheceu que todo menor tem direito ao pátrio poder, qualquer que seja a situação do pai e da mãe em relação ao casamento. Nessa colocação, mais clara fica a predominância que se deu à natureza protetiva da função, posto que direito do filho menor, que implica o correspectivo dever de qualquer ou ambos os pais.
Apreende-se, por fim, que a ingerência estatal na família foi crescente ao longo da evolução histórica, podendo ser atribuída ao fato de a família não ser mais unidade de direção, mas pluralidade de existências, sendo necessária a intervenção estatal no processo de politização da família, além de ter sido adotado pela doutrina o princípio da proteção integral da criança e do adolescente.
Assim, a infância é tida como prioridade imediata e absoluta, sendo dever dos pais ou responsáveis garantir às crianças as suas necessidades especiais e “[...] na falta deles é obrigação do Estado assegurar que instituições e serviços de atendimento se desincumbam de tais encargos.” (ISQUIERDO, 2002, p. 526).
Nessa linha, mostrar-se cauteloso no cuidado com a criança, retirando-lhe de situações prejudiciais ao seu desenvolvimento como ser humano é uma preocupação, tornando-se de extrema importância para evitar abusos sofridos pelos menores, reduzindo cada vez mais os casos de alienação parental.
As separações conjugais, muito mais comuns do que se imagina, bem como o distanciamento de famílias dantes aproximadas por laços de uma vida em comum, trazem não apenas a ruptura de uma relação jurídica, mas também geram sentimentos de abandono, traição e forte clamor vingativo nas partes envolvidas. Esse luto permanente da separação acarreta uma série de comportamentos adotados a fim de desmoralizar e destruir a vida do outro, utilizando-se para isso de qualquer meio disponível.
Nesse contexto, crianças (ponte entre as partes) são vistas como instrumentos fáceis de manipulação para obter o fim almejado. Os filhos são levados a rejeitar o outro ente familiar, com seus sentimentos monitorados e canalizados a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é imposto, a partir do fenômeno conhecido como implantação de falsas memórias ou síndrome da alienação parental.
2.1 O que é alienação parental
Com o fim da relação conjugal, diversos os motivos que o ensejem como morte, divórcio, entre outros, muitos indivíduos envolvidos não superam essa situação de abandono, projetando no outro todo o insucesso familiar e, com isso, busca vingar-se de toda sua frustração.
Esse tipo de conflitos entre casais, em geral, trazem consequências negativas sobre os filhos e inevitavelmente na relação dos mesmo com aqueles. Assim, podem surgir atitudes, conscientes ou não, de um dos ex-cônjuges para provocar o afastamento dos filhos em relação ao outro genitor, o que é definido por Richard Gardner como a Síndrome da Alienação Parental (SAP), cujos efeitos incluem problemas psicológicos e geram heranças para toda a vida dos filhos. Sobre a necessária proteção da criança afirma Xaxá, no seu trabalho monográfico “A síndrome da alienação parental e o Poder Judiciário” (2008, p. 17) que:
Desde a concepção o feto é protegido pela legislação brasileira, criando direitos e garantias, que vão, por exemplo, do direito à vida (Constituição Federal, artigo 5º, ‘caput’), passando pela criminalização do aborto (salvo o artigo 128, I e II do Código Penal) e chegando ao direito sucessório (artigo 1.829 Código Civil), o qual, ainda no ventre materno, confere a possibilidade de a criança ser herdeira de um patrimônio. Não seria por outra razão que o artigo 227 ‘caput’ também da nossa Constituição dispõe sobre o tema, deixando claro ser obrigação da família proporcionar à criança, com absoluta prioridade, o direito a convivência familiar e protegê-la de toda e qualquer forma de violência, seja ela física ou não.
O número de famílias destituídas no cenário brasileiro é crescente, assim como o de famílias monoparentais, constituídas por apenas um genitor, seja por escolha ou por situações trazidas pelo destino. Esse cenário acarreta uma celeuma que até há pouco tempo se mantinha escondida sob o manto familiar e, apenas recentemente, exsurge como um problema social e coletivo, merecendo proteção jurídica. Em 1985, como acima relatado, o tema da Alienação Parental foi pela primeira vez tratado pelo médico e professor de psiquiatria infantil da Universidade de Colúmbia, Richard Gardner (1985, p. 1):
Os profissionais de saúde mental, os advogados do direito de família e os juízes geralmente concordam em que temos visto, nos últimos anos, um transtorno no qual um genitor aliena a criança contra o outro genitor. Esse problema é especialmente comum no contexto de disputas de custódia de crianças, onde tal programação permite ao genitor alienante ganhar força no tribunal para alavancar seu pleito. Há uma controvérsia significativa, entretanto, a respeito do termo a ser utilizado para esse fenômeno. Em 1985 introduzi o termo Síndrome de Alienação Parental para descrever esse fenômeno.
De acordo com Dias (2010, p. 6), em seu artigo “A alienação parental e suas consequências” “A alienação parental é tida como um descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes do dever de tutela ou guarda.”. Destarte, pode ser entendida como qualquer infringência no trato da criança do seu dever de preservá-la e cuidá-la perante o outro genitor ou família, em razão de sua guarda ou tutela, afinal, estes deveres não se limitam apenas ao zelo com o menor, mas alcançam a preservação da boa convivência com o outro polo da relação familiar.
A alienação parental pode ser entendida como consequência da ruptura da vida em comum, trazendo para um dos cônjuges ou para a família destes, um sentimento de traição e indignação perante a outra parte que os move a fazer cessar qualquer relação destes com a criança.
A Lei nº. 12.318/2010, que inovou no ordenamento jurídico brasileiro ao tutelar a alienação parental, define-a e exemplifica condutas que a identificam:
Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (grifo nosso).
Assim, conforme Evaristo (2011) em seu artigo “A Síndrome da Alienação Parental” e também de acordo com a Lei nº. 12.318/2010, é possível identificar três diferentes níveis de intensidade da alienação parental nas crianças afetadas: a leve – caracterizada por expressões de desagrado na relação com o outro polo familiar, sem evitar o contato do menor -; a moderada – expressão do desejo de que não veja mais o outro ente, apontando todos os seus defeitos como justificativa, negando qualquer afeto e evitando-se o contato com o menor –; e a intensa – a criança acredita nas justificativas racionais e mal intencionadas do genitor alienante, adquirindo características de fobia, o que leva o menor a criar estratégias para evitar o contato. Essa situação ocorre com bastante frequência nos lares brasileiros; sobre isso informa Evaristo (2011) que:
Segundo estimativas do presidente da Associação de Pais e Mães Separados - APASE, Analdino Rodrigues, com base na pesquisa Data Folha de 2007, cerca de 20% das crianças e adolescentes são filhos de pais separados e desse total, estima-se que 80% sofrem alienação parental em algum grau, ou seja, esse tipo de abuso psicológico atinge por volta de 16 milhões de crianças e jovens.
Nesse diapasão, papel extremamente difícil é o do operador do direito que se depara com uma situação em que uma das partes afirma que seu filho está sofrendo reiterados abusos e que o livrar do convívio com o outro genitor é a única solução, possuindo na maioria das vezes o aval da criança, quando o outro polo informa que tudo não passa de um plano para retirar-lhe do convívio com o menor. Afirma Souza (2003), acerca do surgimento desse fenômeno, que poucos genitores não-guardiões conseguem manter os vínculos com seus filhos, pois:
[...] muitas vezes porque as mães, quase sempre guardiãs das crianças, criam empecilhos ao convívio dos filhos com seus genitores, favorecendo um distanciamento que, com o passar do tempo, gera um fosso intransponível entre eles.
Em casos mais graves de alienação parental, denúncias de abuso sexual ocorrem com o fito de um afastamento imediato do possível abusador, todavia, de acordo com Dias, em seu artigo “Alienação Parental e suas consequências” (2010, p. 1), em ações que envolvam abuso sexual, “[...] a alegação que se trata de síndrome de alienação parental tornou-se argumento de defesa e é invocada como excludente de criminalidade.”.
Ademais, na tentativa de delimitar um padrão para o alienante, de acordo com o presidente da Associação de Pais e Mães Separados - APASE Analdino Rodrigues (citado por Evaristo (2011), estima-se que 94% (noventa e quatro por cento) dos alienadores sejam mulheres. Afinal, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, as mulheres detêm o mesmo percentual da guarda nos casos de separação. Ainda, em pesquisa realizada por Féres-Carneiro (2008, p. 64) acerca do sentimento que norteia as separações conjugais:
Em relação aos sentimentos, enquanto os homens enfatizaram mais os sentimentos de frustação e fracasso no processo de separação, as mulheres ressaltaram sobretudo a vivência da mágoa e da solidão. (...) Assim, quando o processo de “constituir família” é interrompido com a separação, os homens se sentem, sobretudo, “fracassados” e “frustrados”, e quando a “relação de amor” termina, as mulheres se sentem sobretudo “magoadas” e “sozinhas”. (grifos do autor).
É de ver-se, que tal perfil não é permanente; Dias (2010) ressalta que esse processo pode ser desencadeado mesmo por quem não detenha a guarda e até por outros parentes. Além disso, podem ser constatados indícios de práticas alienadoras de um genitor contra o outro, mesmo quando o vínculo conjugal ainda não foi desfeito.
O alienador faz uma lavagem cerebral na criança, levando-a a afastar-se de quem a ama, gerando um enorme conflito interno na mesma e a destruição do vínculo afetivo. O menor passa, ainda, a aceitar como verdadeiro tudo aquilo que lhe é informado, criando um cenário de abuso que nunca existiu. O objetivo do alienador é destituir a relação da criança com o outro indivíduo, possuindo a mesma para si, exercendo o poder completo sobre ela. Afirma Dias (2008, p. 12): “[...] nem sempre a criança consegue discernir que está sendo manipulada e acaba acreditando naquilo que lhes foi dito de forma insistente e repetida.”.
Todo esse processo, culmina em que a maior vítima sinta-se órfã de pai ou mãe viva e, nos casos de famílias monoparentais, as crianças percebem estarem desamparadas no mundo (pois sua outra família não lhe trata bem) encontrando no guardião seu único conforto e amparo. Para Dias (2010, p. 2):
Neste jogo de manipulações, a narrativa de um episódio durante o período de visitas que possa configurar indícios de tentativa de aproximação incestuosa é o que basta. O filho é convencido da existência do acontecimento e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente ocorrido. A criança nem sempre consegue discernir que está sendo manipulada e acredita naquilo que lhe foi dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a mãe consegue distinguir a diferença entre a verdade e a mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência. Implantam-se, assim, falsas memórias.
Se tal contexto é levado ao Poder Judiciário, o magistrado não possui outra escolha a não ser determinar o afastamento imediato da criança daquele que comete abusos, a fim de preservá-la; deve encaminhar os fatos à realização de estudos psicossociais para aferir a verdade do que lhe foi noticiado, contudo, tais procedimentos são demorados e durante todo o desenrolar do processo e de suspensão de visitas, o alienante vê-se em um campo livre para findar qualquer vínculo ainda existente entre a criança e a parte contrária nessa relação.
Nesse diapasão, o documentário retratando os danos causados pela alienação parental chamado “A Morte Inventada”, produzido em 2009 e dirigido por Alan Minas, mostra que além dos danos já mencionados acima, o filho possui uma crise de lealdade, pois “[...] a lealdade para com um dos pais implica deslealdade para com o outro [...]” desenvolvendo-se na criança um sentimento de culpa, de traição ao alienante, caso mantenha qualquer vínculo com a outra parte (DIAS, 2010, p. 3).
A identificação desse problema no meio familiar é tarefa bastante árdua para as pessoas de fora, devendo-se buscar a presença de outros sintomas para constatar se estar-se-á diante de um caso de alienação parental. Para tanto, faz-se necessária a presença de uma equipe de psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, educadores, conselheiros tutelares, defensores, advogados, promotores e juízes hábeis a diferenciar reais problemas de abusos contra a criança, daquele sentimento de ódio que programa o filho a reproduzir falsas memórias apenas para afastar o outro ente que não detém a guarda.
Nesse intuito, a luta diária para implantação de um Poder Judiciário mais bem equipado com equipe interdisciplinar de profissionais é uma necessidade patente. Ademais, indispensável é a criação de Juizados ou Varas especializadas para os processos em que há constatação de abuso sexual contra menores, centralizando-se aí todas as demandas contra o agressor, como guarda, visitas, alimentos, entre outras questões.
Outrossim, por todo o país são feitas alterações nas sistemáticas processuais buscando uma maior efetivação e solução dos problemas envolvendo a alienação parental; como exemplo tem-se as comarcas do Rio Grande do Sul, com a experiência do Depoimento Sem Dano, que criou um ambiente em que a vítima é ouvida por um psicólogo ou assistente social, sendo o depoimento acompanhado por vídeo pelo Juiz, pelo representante do Ministério Público, pelo réu e seu defensor, que podem fazer perguntas por meio de uma escuta telefônica e este depoimento é anexado ao processo (DIAS, 2010).
Em casos que, uma vez constatada a ocorrência da alienação parental, o alienante deve ser imediatamente responsabilizado, inibindo futuras condutas nesse sentido, bem como a ocorrência de casos similares. O medo de que alguma punição possa ser aplicada, como por exemplo a perda da guarda, pode restabelecer seu equilíbrio emocional e evitar maiores danos a todos os envolvidos.
2.2 Distinção entre alienação parental e síndrome da alienação parental
A doutrina já admite a diferenciação nos conceitos de alienação parental e síndrome de alienação parental porque, embora na prática representem um problema que deve ser combatido com armas símiles, entende-se que a distinção devida deve ser feita. O estudioso Richard Gardner, ao tratar do assunto pela primeira vez em 1985, fê-lo trazendo o termo síndrome da alienação parental e o delimitando:
A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável. (grifo do autor).
Ademais, o endereço eletrônico http://www.alienacaoparental.com.br/, acessado em 17.09.2014, ao responder à pergunta sobre o que é a síndrome da alienação parental (SAP) afirma que é “[...] a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro genitor.”. Informa-se, ainda, que os casos mais frequentes dessa síndrome relacionam-se a situações onde a ruptura da vida conjugal gera, em um dos genitores, um sentimento de vingança por não conseguir absorver o luto da separação.
Desse modo, a alienação da criança constitui a finalidade almejada com a programação parental, sendo uma realidade admitida no contexto jurídico e, nesse meio, há óbices ao uso do termo síndrome da alienação parental, preferindo-se alienação parental, sob a alegação de que não se trata necessariamente de uma síndrome.
É que uma síndrome, sob a ótica médica, caracteriza-se por um conjunto de sintomas e consiste em uma doença específica e, ainda, conforme Gardner (2002, p. 2) “[...] embora aparentemente os sintomas sejam desconectados entre si, justifica-se que sejam agrupados por causa de uma etiologia comum ou causa subjacente básica [...]”, havendo uma consistência entre todos os sintomas; portanto, doença seria o gênero e síndrome a espécie.
Gardner (2002, p. 3) afirma, ainda, que a síndrome possui transparência, pois os sintomas se apresentam conjunta e concomitantemente, sendo facilmente reconhecida e possível de ser estudada. No caso em tela, a causa específica da síndrome da alienação parental é a sistematização feita por um genitor alienante, somada às contribuições dadas pela criança alvo:
[...] a SAP é caracterizada por um conjunto de sintomas que aparecem na criança geralmente juntos, especialmente nos tipos moderado e severo. Esses incluem:
1. Uma campanha denegritória contra o genitor alienado.
2. Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a depreciação.
3. Falta de ambivalência.
4. O fenômeno do pensador independente.
5. Apoio automático ao genitor alienador no conflito parental.
6. Ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a exploração contra o genitor alienado.
7. A presença de encenações ‘encomendadas’.
8. Propagação da animosidade aos amigos e/ou à família extensa do genitor alienado. (grifo do autor).
Em sentido contrário a essa objetividade e à fácil identificação da síndrome da alienação parental, as crianças submetidas à alienação parental propriamente dita não são passíveis de serem estudadas com êxito devido à grande diversidade de distúrbios aos quais se pode relacioná-las, como abusos sexuais, abusos psicológicos, abusos fixos, parentalidade disfuncional entre outros, donde a alienação se configura nos atos executados em desfavor da criança com o fito de prejudicá-la. Ademais, conforme Trindade (2010, p. 22), a alienação parental representa uma “[...] forma de maltrato e abuso infantil e, por ser um abuso pouco convencional, é difícil de ser detectado pelo juiz sob a perspectiva do senso comum [...]”, assim, frequentemente, sua identificação ocorre quando já se está diante de um estágio muito avançado da alienação parental. Como se vê, a alienação parental não é uma síndrome, por não possuir uma causa subjacente específica e, segundo Gardner (2002, p.4):
AP pode ser vista como um grupo de síndromes, que compartilham do fenômeno da alienação da criança de um genitor. Referir-se à AP como um grupo de síndromes levaria necessariamente à conclusão de que a SAP é uma das sub-síndromes sob a rubrica da AP e enfraqueceria desse modo o argumento daqueles que alegam que a SAP não é uma síndrome. (grifo nosso).
Ressalta-se, ainda, que existem posicionamentos adversos no sentido de que não há uma identidade com a síndrome da alienação parental. Em contrário a isso, Gardner (2002, p. 5) afirma que essa posição é tomada por profissionais de saúde e do direito que defendem interesses de um programador da síndrome da alienação parental ou alienante. O argumento utilizado seria que a síndrome referida não aparece no DSM-IV[1], todavia, a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS, por exemplo, também não foi listada, demonstrando apenas que na época da feitura do documento, tais doenças não se faziam conhecer.
Nesse sentido, Gardner (2002, p. 6) defende o uso da expressão síndrome da alienação parental, em detrimento de apenas alienação parental por julgar ser enorme o prejuízo à família que sofre com a síndrome, pois “[...] a causa da alienação da criança não é identificada corretamente e há negligência no dever de realizar um julgamento com informações exatas ao usar o termo alienação parental.”.
A própria Lei nº. 12.318/10 ao definir o problema em questão - alienação parental como sendo a interferência na formação psicológica para que o filho repudie o genitor ou cause prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com o mesmo - trata-o como alienação parental, trazendo uma conjuntura de possibilidades de identificar e coibir tal prática e confundindo as duas definições em amostra; tanto que o sítio eletrônico http://www.alienacaoparental.com.br/o-que-e#TOC-O-que-a-Aliena-o-Parental-, ao definir a alienação parental, o faz da mesma forma que à síndrome da alienação parental.
Ao tratar do tema, Xaxá (2008, p. 18) esclarece que inicialmente, quando se toma as primeiras medidas de afastamento da criança do genitor não guardião ou da família deste, o alienante está iniciando o processo de alienação parental e, posteriormente, ocorre a síndrome de alienação parental:
Com a intensificação desse quadro, surge uma Síndrome, que resulta das técnicas e procedimentos (involuntários ou não) utilizados pelo guardião para atingir o resultado final, qual seja, o afastamento completo entre ambos. Identificando-se com seu guardião e acreditando em tudo o que lhe é contado, a criança alienada passa então a rejeitar e repelir todo e qualquer tido de contato com o outro genitor, sem qualquer justificativa. Com o passar do tempo e a constante repetição de conceitos negativos sobre o outro genitor, esse quadro evolui para um completo e via de regra, irreversível afastamento. Essa alienação pode durar anos com consequências gravíssimas para a formação da criança, que somente será superada (se for!) quando ela adquirir alguma independência do genitor alienante. Desde os primeiros sinais de Alienação até o resultado final, recebe o nome de Síndrome de Alienação Parental.
Como se vê, a síndrome de alienação parental e a alienação parental se complementam; esta pode ser entendida como a desconstituição do vínculo afetivo de um dos genitores ou da família deste em relação à criança, mediante uma manipulação feita pelo guardião com o fito de transformar o pai, mãe ou familiar em estranho para a criança. A conduta pode ser realizada por avós e tios, por exemplo, não necessitando que detenham a guarda da criança, bem como sofrida a alienação por eles também.
Já a síndrome da alienação parental representa os efeitos emocionais postos no comportamento da criança vitimada por esse processo, seriam, portanto, as sequelas deixadas pela alienação parental. Nesse contexto, Alexandra Ullmann (citado por XAXÁ, 2008, p. 19) ressalta que:
Alguns entendem a Alienação como uma Síndrome por apresentar um conjunto de sintomas a indicar uma mesma patologia, enquanto que outra corrente exclui o termo Síndrome da definição por determinar que, como não há ‘reconhecimento’ da medicina nem código internacional que a defina, não pode ser considerada uma Síndrome. Fato é que, independentemente de ser ou não uma Síndrome, assim subentendida, o fenômeno existe e cada vez mais é percebido e verificado independentemente de classe social ou situação financeira. (grifo do autor).
Destarte, as formas de alienação parental são múltiplas e tão variadas quanto é possível à criatividade humana, mas a síndrome possui uma base comum que se sistematiza em torno de avaliações prejudiciais, negativas, desqualificadoras, desmoralizantes em relação ao outro genitor ou à família dele; interferências na relação com os filhos e, notadamente, óbices ao exercício do direito de visitação do filho para com o outro entre familiar, culminando no afastamento total da criança.
2.3 Os principais aspectos da lei de alienação parental (lei nº. 12.318/2010)
A análise feita acerca de artigos e trabalhos monográficos publicados antes da promulgação e vigência da Lei nº. 12.318/2010 em 26/08/2010, faz constatar uma preocupação real de psicólogos, juristas e pessoas ligadas de alguma forma à alienação parental, sobre a falta de tutela e tipificação legal para esse fenômeno, que dificulta a inibição e o combate às condutas alienantes.
Nesse sentido, afirma Xaxá (2008, p. 55) que, uma vez conhecidos e especificados os mecanismos para coibir e reduzir os efeitos da Alienação Parental facultar-se-á ao magistrado a aplicação da medida adequada ao caso, “[...] inclusive por indicação de perito, evitando que o magistrado tenha que se socorrer da complexa interpretação do ordenamento jurídico.”. O Dr. Elizio Perez, autor do anteprojeto apresentado ao Plenário da Câmara pelo deputado Regis de Oliveira, reafirma a importância da tipificação na alienação parental:
O reconhecimento da existência da síndrome da alienação parental, pelo ordenamento jurídico, representaria mais uma importante ferramenta para inibir ou atenuar o processo de alienação parental. (...). É certo, também, que a objetiva vedação a condutas caracterizadas como de alienação parental, pelo ordenamento jurídico, representaria um claro recado aos jurisdicionados, contribuindo, de alguma forma, para inibir, em alguns casos, esse processo. (...). Em particular, penso que mais importante do que a conceituação da Síndrome de Alienação Parental (SAP) é a indicação do que vem a ser o processo de alienação parental (que culmina com a síndrome) e de quais condutas devem ser repreendidas pelo ordenamento jurídico. Isso porque não basta identificar a síndrome e corrigir a rota na formação psicológica da criança ou adolescente quando danos já estão consumados. (...). Em síntese, a importância da tipificação é criar ferramenta específica preventiva e que facilite e dê efetividade ao trabalho dos profissionais que trabalham com o tema da alienação parental.
Nesses termos, ante esse apelo social e jurídico, a Lei nº. 12.318/2010 adveio tutelando a alienação parental, como instrumento a ser manejado pelo magistrado na promoção de medidas efetivas e aptas a resolver tal problema. Em definitivo, pois, estabeleceu-se a diferença entre vínculo conjugal e relações parentais. E assim, juntamente com a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil, tem-se os meios para proteção da criança e de seus direitos fundamentais, “[...] preservando dentre vários direitos o seu convívio com a família, e a preservação moral desta criança diante de um fato que por si só os atinge.” (DANTAS OLIVEIRA, 2011, p. 13).
A lei delimita a alienação parental como a interferência abusiva na formação mental do menor a fim de que repudie o genitor ou cause prejuízo ao estabelecimento ou manutenção de vínculo com este (artigo 2º da Lei de Alienação Parental). Essa definição jurídica permite ao magistrado atuar nos casos mais simples, podendo identificá-la e coibi-la ainda no início do processo e, segundo Perez (2010) a referida lei não trata do processo de alienação parental como patologia, mas como uma conduta reprovável que merece intervenção judicial e que acontece antes, culminando na instalação da síndrome no menor.
Expressamente, não há limitação legal determinando que somente genitores (indistintamente pai ou mãe) possam praticar o ato, mas todos que possam ter a criança ou adolescente sob sua responsabilidade e, acerca das medidas a serem tomadas, assevera Dantas Oliveira (2011, p. 14):
Havendo indício da prática da alienação, o juiz, se necessário determinará perícia psicológica ou biopsicossocial, seja para exames de eventuais atos de alienação parental ou de questões relacionadas à dinâmica familiar, como também para fornecer indicações das melhores alternativas de intervenção, quando necessária. A lei estabeleceu requisitos mínimos para assegurar razoável consistência do laudo, notadamente entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação de personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
O artigo 5º da Lei nº. 12.318/2010 refere-se à possibilidade de realização de perícia biopsicossocial e psicológica, determinando que o laudo pericial deverá ser fundamentado na avaliação psicológica ou biopsicossocial, consistindo na oitiva das partes, análise dos documentos probatórios dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, constatando a existência de incidentes na relação familiar, determinação da personalidade dos envolvidos e observação da interação da criança ou adolescente com os genitores e familiares e de como aqueles se manifestam sobre a acusação do alienante. É necessário ressaltar, segundo Perez (2010), que a necessidade de perícia não é absoluta, uma vez constatada claramente a prática de ato abusivo de alienação parental, as medidas judiciais cabíveis devem ser tomadas de imediato.
Duarte (2010) informa que esse estudo e o laudo pericial dão aos menores a visibilidade dos seus sentimentos e desejos, talvez por serem vistos como sujeitos de direitos, onde a criança percebe que não é culpada pela separação e tampouco pela escolha da guarda. O rol de possibilidades da lei de alienação parental é exemplificativo a fim de não limitar a proteção da criança e adolescente vitimados; o aplicador da lei, portanto, pode inferir outras consequências jurídicas, tal como afirma Evaristo (2011):
[...] a violação de direito constitucional (art. 227 CF) de convivência familiar saudável; a atribuição de guarda unilateral na impossibilidade da guarda compartilhada e a infração prevista no art. 249 do ECA.
É de ver-se que outro aspecto importante é o caráter preventivo da Lei nº. 12.318/2010, pois que não é necessária a ruptura do vínculo afetivo, bem como o repúdio total da criança ao outro ente familiar (também vítima) para que alguma medida seja tomada, bastando apenas que sejam constatados atos e comportamentos do genitor ou guardião adotados com o intuito de prejudicar a relação parental. Destarte, sobre essa situação Perez (2010) afirma que “[...] o afastamento atua como aliado do abuso psicológico, por viabilizar o aprofundamento do processo de alienação parental, que pode atingir estágio de difícil reversão.”. Nesse diapasão, medidas drásticas, como a suspensão de visitas ou modificação de guarda, devem ser precedidas de perícia ou oitiva das partes, priorizando-se sempre o convívio, mesmo que seja assistido ou monitorado.
A Lei nº. 12.318/2010, artigo 4º, dispõe acerca da tramitação processual prioritária ao ser constatado indício de alienação parental, independente do momento processual, bem como sobre possível decretação de medidas acauteladoras com o fito de proteger o menor.
As medidas que podem ser aplicadas pelo juiz em preservação aos interesses das crianças estão elencadas de forma não taxativa no artigo 6º da mencionada lei e, caso seja necessária, pode ainda ser aplicada qualquer medida de proteção prevista no ordenamento jurídico. Perez (2010) informa que a principal característica dessas medidas legais é o caráter não punitivo, adotado com vistas à preservação do bem estar psíquico das vítimas. O artigo 6º diz, in verbis:
Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. (grifos nossos).
A guarda compartilhada merece destaque, pois que em 13/06/2008 foi publicada uma lei específica tratando desse assunto, a Lei nº. 11.698/2008, que a estabelece como regra no sistema de guarda dos filhos. Assim, permite amplo e irrestrito convívio entre pai e mãe, bem como das famílias correlatas e pode ser usada para evitar-se a prática de atos de alienação parental, não existindo a figura de um indivíduo que possuía mais poder sobre a criança, por estarem os pais na mesma hierarquia. As medidas acima descritas corroboram com as previstas no artigo 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente e, de acordo com Evaristo (2011):
[...] as medidas de mera advertência, como a multa e a ampliação da convivência do menor com o genitor alvo demonstram a necessidade imposta pelo legislador de estimular nos genitores a prática do exercício regular da autoridade parental, fazendo cessar eventuais abusos sem que seja necessário aplicar as medidas mais graves.
É de se notar uma certa gradação nos incisos dos artigo 6º da lei em questão, procurando-se inicialmente aplicar as medidas mais leves e, caso não cessem os atos abusivos ou sejam constatadas condutas mais reprováveis a fim de dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro ente familiar, o juiz pode determinar, por exemplo, a suspensão da autoridade parental e a inversão da guarda. Em tais casos, por se tratarem de hipóteses graves de infração aos deveres parentais, já há previsão legal nos artigos 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse norte, em meio aos questionamentos feitos em audiência pública na Câmara dos Deputados acerca da responsabilização do alienante, surgiu a possibilidade de responsabilização penal; contudo, a tese da relatora (deputada Maria do Rosário) prevaleceu por atribuir enfoque ao caráter educativo, preventivo e de proteção da norma e não necessariamente a intenção de punir o alienante, como afirmou Perez (2010). A impossibilidade de responsabilização objetiva no âmbito penal, requer que antes se possa aferir o grau de culpabilidade do alienante, realizando-se exame subjetivo da conduta, o que dificulta a tomada de providências necessárias para minimizar os efeitos da alienação parental. Dias (2010), em seu artigo “Alienação parental: uma nova lei para um velho problema”, vê com pesar a vedação à penalização do alienante. Outrossim, reza o artigo 3º da Lei nº. 12.318/2010:
A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
Como se vê, a Lei nº. 12.318/2010 corrobora com os princípios e valores trazidos no seio da Constituição Federal, no qual a família e a proteção das crianças e adolescentes têm posição de destaque, devendo as condutas alienantes serem afastadas de todo e qualquer convívio familiar.
3. A Alienação Parental nas Famílias Monoparentais
A alienação parental faz-se presente nos mais diferentes contextos familiares, não se restringindo ao universo da família nuclear. Há casos em que a alienação parental surge mesmo que não exista a figura dos dois cônjuges, devendo o Direito imprimir sua força e evitar que menores e crianças suportem o peso de serem instrumentos de manobras nas mãos de alienantes.
Nesse contexto, o estudo da possibilidade da aplicação da alienação parental, bem como sua legislação e efeitos, às famílias monoparentais é importante em um contexto de alterações constantes dos modelos familiares. Dessa forma, no intuito de tutelar os menores em sua amplitude, negando-se abertura à prática de qualquer conduta alienante e prejudicial aos mesmos, é necessário levar tais questões ao Poder Judiciário a fim de que soluções adequadas e específicas sejam dadas a essa problemática.
3.1 O reconhecimento
Como já tratado neste trabalho de conclusão de curso de pós-graduação, o objeto da lei de alienação parental é a proteção ao poder familiar, ao vínculo efetivo entre pais e filhos, que se faz violado pelas denominadas condutas alienantes. A prática de atos de alienação parental fere direito fundamental da criança e a própria dignidade humana. Nesse contexto, mister firmar o perfil do alienador a fim de possibilitar seu reconhecimento prévio, dificultando o avanço da alienação parental.
É sabido que o fenômeno da alienação parental envolve uma série de condutas de um dos genitores ou da família destes, que desqualificam o alienado para a criança, dificultando a relação entre ambos. Conforme Freitas e Pellizzaro (2011, p. 29) o “[...] alienador consegue modificar a consciência da criança por meio de estratégias de atuação de malícia, com o objetivo de obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, o cônjuge alienado.”.
O sujeito ativo da alienação parental pode ser um dos genitores ou ambos, ou ainda qualquer ente familiar de origem materna ou paterna. O alienador pode ser, portanto, qualquer pessoa que deseje afrontar o vínculo familiar saudável entre pais (ou familiares) e filhos, de forma ampla. Assim, informa Máris (2012, p. 7):
A estrutura jurídica da Alienação Parental se perfaz com o sujeito ativo, que pode ser o genitor, o avô, bisavô, todo e qualquer titular de direitos ou autoridade, como professor, orientador, guardião, vigilante, enfermeiro, tutor ou curador. Enfim, toda pessoa que está responsável pela criança e que age de forma a desmantelar o vínculo saudável entre pais e filhos. O sujeito passivo da Alienação Parental é diretamente a criança e o adolescente e indiretamente é o genitor prejudicado, nos termos do artigo 2° da Lei, por serem vítimas do genitor egoísta que não admite a dissolução conjugal. Já o objeto da Alienação Parental é a tutela do poder familiar, a guarda, o vínculo saudável entre pais e filhos, que é violado pelas denominadas condutas alienantes. (grifo nosso).
Esse alienador possui características de um indivíduo inofensivo, todavia apresenta-se manipulador e ameaçador perante o alienado, mas, fazendo-se de vítima diante dos conhecidos, amigos e familiares; por esse motivo, o alienado, em sua maioria, passa a ser visto pelas pessoas mais próximas como um agressor, um inimigo, como aduz Máris (2012, p. 7) em seu trabalho monográfico “Visão principiológica da lei de alienação parental”.
A mesma autora informa ainda que o sujeito ativo da alienação parental é uma pessoa que não aceita o rompimento conjugal, revelando-se alguém com perturbações mentais. A depender do grau de inserção de alienação parental (ou até mesmo da síndrome da alienação parental), o polo ativo deste fenômeno pode ser diagnosticado como sociopata. Conforme Pinto (2010) ele mente, manipula, dissimula e fantasia a realidade, apenas com o fito de prejudicar o convívio do indivíduo alienado com os menores.
Ainda, sobre as características do alienante, Góis (2010) afirma que a alienação parental pode ser exercida por uma pessoa que é sadia mentalmente, todavia, transforma esse desejo de afastar o alienado da criança em obsessão e, dessa forma, gera em si mesmo um desequilíbrio psíquico, desenvolvendo comportamento patológico.
Após a identificação da instituição do fenômeno da alienação parental, é perceptível o desequilíbrio psíquico do alienante que por frequentemente ter um difícil convívio social, necessita da presença constante dos filhos, não sendo capaz de os individualizar porque a sua existência agora depende dos menores e, por isso, não permite a partilha dos mesmos com outra pessoa. O alienante muitas vezes é tido como um grande protetor da criança, defendendo-a de tudo e todos, todavia separa-a dos seus vínculos familiares originários, pois conforme Silva e Resende (2008, p. 28) “[...] consideram os filhos objetos de sua posse e controle.”.
Mota (2008, p. 40) afirma que dentre os meios de se identificar a alienação parental, é possível estabelecer a simbiose existente na relação entre o alienante e a criança, pois as crianças são incapazes de possuir alguma autonomia frente a essa situação. Isso ocorre em decorrência da tentativa do alienante de se firmar como único adulto confiável, para que a criança mostre um desejo de exclusividade e de dependência extrema frente a ele. Nesse sentido, Mota afirma (2008, p. 41):
Todo aquele que de algum modo se “atrever” a tentar apresentar alguma “versão” diferente daquela apresentada pelo genitor alienador ou que de algum modo questionar a consciência e a coerência de suas denúncias será incluído no rol das pessoas a serem sumária e fortemente excluídas do contato com a criança. (grifos do autor).
A fase mais grave desse problema, de acordo com Cuenca (citado por FREITAS e PELLIZZARO, 2011, p. 23) é quando há justamente a presença de caracteres da sociopatia no alienante, visto que, se não houver intervenção jurídica associada aos acompanhamentos psiquiátricos ou psicológicos, são estabelecidos vícios capazes de criarem traumas irreversíveis para as vítimas, tanto as crianças como o ente alienado.
Outrossim, pode haver casos em que os indutores da síndrome da alienação parental estejam perturbados com seus comportamentos alienadores e não possuam consciência ou qualquer capacidade de controle ou crítica de suas ações. Todavia, há também pessoas psicopatas nesse meio que induzem a alienação parental nas crianças por dirigir sua vontade a esse fim, sentindo prazer nisso, sendo esses últimos os casos mais complexos e difíceis de serem resolvidos. Mota (2008, p. 41-42) comenta que o comportamento psicopático faz-se mais presente nos indutores da síndrome da alienação parental e que essa psicopatia se revela na exposição de mentiras, ocultação de fatos e manipulação de indivíduos, sem que o alienante apresente qualquer arrependimento ou preocupação com os efeitos de suas atitudes.
Ademais, Silva (2009, p. 58) cita algumas expressões que podem ser verbalizadas pelo sujeito ativo de forma conjunta ou isoladas, ao referir-se ao outro polo dessa relação, remontando em indício da presença da alienação parental ou síndrome da alienação parental:
Cuidado ao sair com seu pai (ou mãe).
Ele (a) quer roubar você de mim.
Seu pai (sua mãe) abandonou vocês!
Seu pai me ameaça, ele vive me perseguindo!
Seu pai não nos deixa em paz, vive chamando ao telefone.
Seu pai é desprezível, vagabundo, inútil... Vocês deveriam ter vergonha do seu pai!
Cuidado com o seu pai, ele pode abusar de você!
Eu fico desesperada quando você sai com o seu pai!
Seu pai é muito violento, ele pode bater em você!
Desta feita, conclui-se que a conduta do alienante é extremamente abusiva, denominada de postura imprópria por Freitas e Pellizzaro (2011, p. 99), visto que a pessoa em questão detém o poder familiar e o exerce de forma irregular, configurando-se aí o abuso de direito, nos exatos termos do artigo 187 do Código Civil.
De acordo com Máris (2012, p. 6-7), há variadas formas de exercer a alienação parental – tão diversas quanto possibilitar a maldade humana – a depender de cada caso em análise, sendo as mais comuns a desqualificação do genitor alienado; a criação de óbices para a convivência entre o alienado e o menor, omitindo informações sobre este ou ainda, dificultando o exercício da autoridade parental daquele; a implantação de falsas denúncias, denunciando-o perante a família e autoridades, não raro culminar em denúncias de abuso sexual; alteração de endereços com o fito de mostrar ao filho o abandono do alienado.
No sítio eletrônico http://www.pailegal.net/guarda-compartilhada/204, acessado em 18.09.2014, Souza (2003) em seu texto “Alienação Parental, perigo iminente” enumera características de mãe e pai que exercem a alienação parental sobre filhos, como:
Cortam as fotografias em que os filhos estão em companhia do pai, ou então proíbe que as exponha em seu quarto. (...). Restringem e proíbem terminantemente, a proximidade dos filhos e parentes com os membros da família do ex-cônjuge. Encaram o ex-cônjuge como um fator impeditivo para a formação de uma outra família.(normalmente porque idealizam uma nova vida imaginando poder substituir a figura do pai pela a do padrasto, o que não seria possível com a proximidade do ex). Pais que induzem a alienação parental, ao ser necessário, deixam seus filhos com babás, vizinhos, parentes ou amigos, mas nunca com o pai não residente (mesmo que ele seja o seu vizinho) a desculpa clássica é: seu pai está proibido de ver as crianças fora do horário pré-estipulado para ele, seu pai só pode ficar com vocês de 15 em 15 dias. Foi o Juiz que disse ou não permito, porque seu pai vai interferir na rotina da nossa família. (...). Fazem chantagem emocional sempre que possível, especialmente quando a criança está de férias com o pai não residente. (...). Muitas vezes negam ao pai não residente o direito de visitar seus filhos nos horários pré-estipulados, desaparecendo por semanas a fio, ou obrigando as crianças a dizerem, que não querem sair com o pai, não permitindo nem mesmo que ele se aproxime de sua casa, chamando a polícia sob a alegação que está sendo ameaçada ou perseguida. Não permitem o contato telefônico do pai com o filho em momento algum, proibindo inclusive que o filho ligue para ele. (...). Desaparece com o telefone celular que o pai dá para o filho. [...]. (grifo nosso).
Consoante isso, Gardner (citado por Motta, 2008, p. 39) acrescenta mais condutas recorrentes que apontam indícios da instalação da alienação parental, bem como do seu grau: a recusa em repassar as ligações telefônicas do alienado para as crianças; proibir as crianças de tentar manter qualquer contato com o outro ente familiar, sob ameaças; apresentar seu novo companheiro (a) e faz como novo pai ou mãe do menor; fazer com que pessoas próximas (mãe, parentes, amigos, entre outros) se envolvam na conduta alienante.
Infelizmente, os alienantes em grau avançado percebem que a forma mais rápida e eficaz de retirar a criança do convívio do alienado é por meio de denúncias de abuso físico, psicológico e sexual, sendo esta última a mais séria; daí assevera Motta (2008, p. 56):
[...] por meio desses argumentos os pais “alienadores” têm conseguido chamar a atenção dos juízes, preocupá-los e levá-los a proibir as visitas do genitor “alvo” aos filhos muitas vezes sem apresentação de provas e sem a contestação ou direito a defesa do acusado. (grifos do autor).
Em meio a denúncias dessa natureza, a postura dos magistrados tende a ser de afastamento imediato do possível agente dos atos abusivos, na tentativa de evitar mais danos às crianças, então na dúvida os juízes tomam esse posicionamento com o fito acautelador. Nesse cenário, o denunciante, no caso o alienante alcança seu objetivo: o afastamento total do alienado da criança, pois apesar de perícia e provas serem determinadas, “[...] o vínculo está rompido e dificilmente voltará a ser o mesmo, pois em geral meses ou até anos se passam antes que ele possa ser restaurado.” (MOTA, 2008, p. 57). Desse modo, as crianças perdem a oportunidade de verem sanados os equívocos e mentiras aduzidas pelo alienador.
Nesse cenário é importante criar-se o hábito, nas Varas de Família em todo o Brasil, de não se deixar levar por meras denúncias sem qualquer substrato verídico, não afastando de imediato e totalmente a criança do convívio com os demais familiares, ou seja, as atitudes a serem tomadas devem obedecer a uma certa sequência, conforme Mota (2008, p. 57):
Nesses casos o exame da criança é muito importante, pois a avaliação da “denúncia” formulada pela própria criança apresenta maiores chances de que se observem incongruências no relato, descompasso entre a linguagem falada e a linguagem corporal, a justificativa apresentada para o desejo de afastamento do genitor “alvo”, e assim por diante. Importante também que se verifique o comportamento pregresso do genitor alienador, pois normalmente outras tentativas de obstaculizar a relação entre o outro genitor e os filhos já devem ter sido realizadas ainda que não de forma tão drástica e/ou violenta. (...). Com o genitor alienador é imprescindível que se avalie a ascendência deste sobre os filhos ainda que esta esteja dissimulada por uma aparente fragilidade, pois a própria vitimização pode ser uma forma de ter ascendência sobre os filhos e arrastá-los para que se enfileirem ao seu lado na batalha contra o outro genitor. (...). Se verifique qual o significado da criança na vida do genitor alienador, pois ela frequentemente representa a única coisa importante que este possui na vida. (...). Importante também que o contato entre o genitor acusado e os filhos não venha a ser completamente interrompido. Há muitas formas de proteger-se a criança até que os exames mais aprofundados sejam realizados. Pode-se contar com visitas vigiadas por pessoa de confiança do genitor que fez a acusação bem como se pode contar com os Centros de Visitação. (grifos do autor).
Como se vê, na conformação dessa situação a criança é a principal vítima; como instrumento de barganha de sentimentos vê-se obrigada a negar o vínculo com alguém que dantes era tão essencial à sua vida, alguém com quem convivia e que agora se torna apenas um estranho. Esse desapego ao ente alienado causa na criança um sentimento de desamparo e abandono, encontrando apoio apenas no alienante e, o resultado disso são as sequelas deixadas nos menores que continuam a persistir por toda sua vida adulta e que acabam refletindo nas suas relações pessoais.
Silva e Resende (2008, p. 28) mostram que as crianças acometidas por esse fenômeno estabelecerão relações pautadas em manipulações, desenvolvendo egocentrismo e possuindo dificuldade de adaptação:
Estas crianças normalmente vivem numa ansiedade constante, patológica, prontas para se defenderem e para não decepcionar o alienador. Freud afirma que “a ansiedade descreve um estado particular de esperar o perigo ou preparar-se para ele, ainda que possa ser desconhecido” (Freud, 1976, Vol. XVIII, p. 23). (...). O afastamento de um dos progenitores pode gerar conflitos ou mesmo patologias das mais diversas ordens nas crianças. (grifo do autor).
É sabido que as condições psíquicas de qualquer ser humano são construídas a partir da infância, sendo os laços familiares o primeiro contato com o mundo externo, a partir do qual serão formadas as demais relações. Assim, entende-se que uma convivência sadia na infância com ambos os genitores e as suas respectivas famílias tem o fito de formar pessoas aptas a exercer seu papel na sociedade, de forma que a sua inserção dar-se-á de forma simples e natural.
As crianças vitimadas pela alienação parental apresentam como sequela a instalação da síndrome da alienação parental que, por sua vez, gera nessas vítimas consequências diversas, causando prejuízo inimaginável. Em decorrência da sensação de abandono a que se acham submetidas, muitas vezes apresentam sintomas de depressão, queda no rendimento escolar, insônia, podendo vir a se tornarem agressivas e ter inibido o seu desenvolvimento psíquico completo e saudável.
É de ver-se que por meio de relatos nos autos processuais em que é possível verificar a alienação parental; constata-se que em cada criança o processo ocorre de forma peculiar, havendo em cada uma delas uma resistência diferente às investidas do alienante e, por conseguinte, consequências e sequelas diferenciadas. Expondo alguns desses relatos, Silva e Resende (2008, p. 30) citam o caso de um garoto de oito anos de idade que passou por perícia e tratamento psicológico, a pedido do pai e contrariando-se a vontade da mãe que, chegando ao consultório do psicólogo, mostra um discurso paranoico, agressivo e sem poupar a presença da criança, afirma a todos que os envolvidos no processo judicial estão ao lado do ex-cônjuge, alegando ainda “[...] que o pai não presta, que não quer saber dos filhos, que os abandonou e que não deixará os filhos participarem da perícia junto com o pai.”.
Nesse caso específico a criança, ao se ver a sós com o psicólogo, esboça um diálogo contido e medroso, reproduzindo tudo aquilo que lhe foi imposto pela genitora como se tivesse vivenciado, usando inclusive palavras que não fazem parte do seu vocabulário infantil. Silva e Resende (2008, p. 30) aduzem que o psicólogo pergunta à criança se ela gostaria de estar com o pai, no que a mesma responde:
[...] não, porque o pai é um mentiroso. Diante da minha pergunta sobre qual seria a mentira a ele contada, Rodrigo diz não saber, não lembrar, mas imediatamente afirma que a mãe sabe, a mãe conhece. (...). Pergunto se ele quer morar só com o pai, ele limita-se a dizer que o pai mente. (...). Nas outras sessões geralmente falou, primeiro, que não queria entrar no consultório, que estava cansado, que queria ir dormir. No entanto, ao se separar da mãe, tudo mudava e tinha que pedir para que ele saísse ao acabar a sessão, pois queria continuar.
O diagnóstico obtido neste caso em especial foi o de que essa criança possui tendência à fuga, sentimento de inadequação, dificuldade de se relacionar, insegurança, conflitos internos, depressão e desequilíbrio de personalidade, como expõem Silva e Resende (2008, p. 31). As sequelas deixadas nessa criança, que serão carregadas por toda a vida adulta, são imensas, ocasionando o desenvolvimento de uma pessoa perturbada emocionalmente pela presença de patologias.
A referida criança, exemplo de tantas outras vítimas existentes na sociedade brasileira, reflete ser o depósito das desavenças dos pais, de um genitor que desaparece de sua vida, abandonando-o – conforme o discurso da mãe – e de uma genitora que insiste em separá-los mais ainda, afirmando que o pai é uma pessoa má, mentirosa e que os abandonou.
As crianças vitimadas pelo fenômeno da alienação parental por viverem em sensação constante de abandono por parte do outro genitor ou da família deste, possuem problemas análogos aos encontrados em crianças insertas em família monoparental – dano maior é quando as crianças de uma família monoparental vivenciam o fenômeno da alienação parental -, visto que a ausência do ente familiar acaba causando consequências similares. Rabelo (2007) comenta que a ligação das crianças às questões afetivas é grande, assim “[...] o abandono psíquico e afetivo, a ausência do pai no desempenho de suas funções paternas, como aquele que representa o limite, a proteção, a lei e segurança, é considerado pior que o abandono.”. A criança retirada do convívio de um dos pais perde seu ponto de referência.
A tese de mestrado de Carinhanha, intitulada “Violência vivenciada pelas adolescentes em situação de rua: bases para o cuidado de enfermagem pela cidadania” (2009, p. 62-63) revela que a sensação de abandono por um de seus pais faz surgir nas adolescentes uma série de problemas que representam consequências para toda a vida delas. Nesse sentido:
Trata-se de uma trajetória de invisibilidade que tende a conduzir à desafiliação (Castel, 1994). O (des)caminho começa a ser traçado com as referências paternas comprometidas: pais adotivos em função do abandono dos pais biológicos, presença de padrastos e madrastas, pais falecidos e/ou desconhecidos. (...). Da negligência dos pais explicitada pelas protagonistas deste estudo (...) consistindo situações de violência na ótica das mesmas. Entendemos que se trata de violência psíquica, silenciosa e simbólica gerada no abandono da família e do Estado, indicando a necessidade de intervenção, conforme deliberado no artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Brasil, 1990). (...). Esse contexto de negligência e privação faz com que a primeira instância de inserção social das adolescentes, ou seja, os primeiros vínculos sócio-afetivos que conferem o senso de pertencimento necessário ao desenvolvimento do ser humano sejam afetados, levando a um futuro de vulnerabilidade. (grifos nossos).
É sabido que a forma mais eficaz de evitar que sequelas dessa natureza acometam as crianças e familiares envolvidos na alienação parental é inibir que este fenômeno se instale no seio familiar. Para tanto, necessário se faz que advogados, psicólogos, assistentes sociais envolvidos com a família devam ter em mente a proteção da criança e não optar pelo litígio, aconselhando sempre da melhor forma e da maneira menos prejudicial ao desenvolvimento familiar saudável. Todavia, uma vez instalada a alienação parental e até mesmo, a síndrome da alienação parental, é papel do Poder Judiciário intervir no sentido de reverter esse quadro.
3.2 Da alienação parental praticada por não genitores
A tutela da família está presente no texto constitucional, especificadamente no artigo 226, dispondo que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e ainda, em todo o capítulo VII, denominado Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, presente no Título VIII, Da Ordem Social.
Dessa forma, o dever de proteção familiar e da proteção absoluta do vulnerável estende-se não apenas ao grupo familiar restrito, composto por pais, mães e respectivos filhos, mas à família como uma entidade em si, incluindo avós, tios, primos e até mesmo pessoas ligadas pela afetividade, sem que necessariamente haja qualquer vínculo sanguíneo. Nesse contexto, emerge o princípio da solidariedade familiar que implica na co-responsabilidade e este vínculo solidário envolve cônjuges, companheiros e parentes. Conforme Lobo (citado por GAMA, 2008, p. 75):
A solidariedade significa um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que compele à oferta de ajuda, apoiando-se em uma mínima similitude de certos interesses e objetivos, de forma a manter a diferença entre os parceiros na solidariedade.
O grande problema é quando há alterações ou ruptura litigiosa da relação familiar, culminando em sérios danos psicológicos às crianças. Como sabido, nos casos de alienação parental, em que há uma negação da presença da outra parte presente na relação familiar, o alienante cria situações para por fim ao vínculo solidário das famílias. Nesse contexto, a lei da alienação parental, artigo 3º, afirma que “A prática de ato de alienação parental (...) prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar [...]”.
Outrossim, corroborando com este princípio da solidariedade está o princípio da afetividade, tido como principal distinção entre as famílias tradicionais e as atuais. De acordo com Máris (2012, p. 22):
O princípio da afetividade faz despontar o princípio da igualdade entre irmãos, do solidarismo familiar, o que possibilita o melhor relacionamento entre os familiares, gerando um sistema protetivo de um para com o outro, pois laços de afeto se desenvolvem pela convivência familiar. Com a conduta alienadora, esse laço de afetividade se rompe, desestruturando a família, daí a importância dessa Lei, que veio também para proteger a entidade familiar em processo de dissolução conjugal para garantir que a afetividade entre os familiares não seja obstruída, vez que a criança e o adolescente que não recebe afeto, tem grande possibilidade de se tornar um adulto violento.
Nesse diapasão, constata-se que o ambiente familiar atualmente apresenta a configuração da família de modo amplo, não apenas aquela entendida como restrita aos moradores do lar, mas de todas as pessoas que de algum modo possuam ingerência e influência no contexto familiar. Como se nota, são pessoas unidas pela afetividade, não havendo um modelo pré-constituído de família, como ocorria com a tradicional, mas vários emaranhados de relações afetivas buscando ser um ente familiar, surgindo as famílias monoparentais.
O surgimento das famílias monoparentais e seu crescimento na sociedade brasileira, por ser uma realidade, requer o estudo de todas as nuances desse modelo de família, como também seus fenômenos, pelo que o enfoque nesse trabalho monográfico é concernente à alienação parental.
As famílias monoparentais podem ser constituídas de formas diversas, sendo possível decorrer do óbito de um dos genitores ou de ambos, da adoção unilateral, entre outros. Esse modelo de família pode ser analisado do ponto de vista da afetividade, em que os familiares estão presentes no cotidiano dos menores, tal como demonstra Marcolino (2011, p. 28), em seu trabalho monográfico “A guarda compartilhada na relação avoenga e paterno-filial”:
Como se sabe, a afetividade compõe a personalidade do ser humano, sendo fator determinante para o desenvolvimento integral do indivíduo. (...). No âmbito das relações familiares, o afeto desponta na qualidade de componente indispensável, de modo que hoje o conceito de família é cada vez mais pautado na afetividade, o que propiciou o reconhecimento de novos modelos familiares, mais flexíveis e voltados à realização pessoal de seus componentes. Com efeito, dentre essas novas conformações familiares se destacam as relações postas entre avós e netos, tendo em vista que, muito comumente, os avós desempenham relevante papel na criação dos menores, oferecendo-lhes suporte emocional e financeiro, além de manter com os pequenos um forte vínculo de afetividade. É indiscutível, pois, que os avós possuem direitos e obrigações em relação aos netos menores, entretanto, em certos casos esse relacionamento é tão intenso que os avós se fazem mais presentes na vida da criança do que os próprios pais.
Para exemplificar a possibilidade de alienação parental nesse modelo familiar, imagine-se haver um casal que tem um filho, em que a mulher não possui boas relações com a família do marido e infelizmente esse marido morre, ficando a família restrita composta apenas da mulher e seu filho; por já ter dificuldades de se relacionar com a família do antigo cônjuge, essa genitora afasta totalmente o filho do convívio com a família paterna dele, impossibilitando que o mesmo possa continuar a convivência a fim de estabelecer uma relação saudável com seus avós, tios, primos, entre outros parentes.
No caso acima citado verifica-se a configuração do fenômeno da alienação parental, que não se limita ao universo de cônjuges, mas possui uma incidência mais ampla, pelo que Silva (2010, p. 54-55) aduz:
[...] a SAP pode ser instaurada por um terceiro: a avó, a uma tia, um (a) amigo(a) da família que dá conselhos insensatos, profissionais antiéticos (psicólogos, advogado, assistente social, médico, delegado, conselheiro tutelar etc.). (...) uma tia solteirona, por exemplo, pode sentir-se frustrada e invejosa pela autonomia da irmã que se casou e teve filhos, e induz essa irmã a sentir aversão ao marido para afastá-lo da família. (...) uma avó pode exercer uma influencia forte sobre o genitor contra o outro: pode usar discursos médicos (“ se você não separar dele, eu vou morrer/ eu vou ter um enfarte/ estou com depressão por causa dele”), agourentos (“ ele é a desgraça da família, separa-se dele porque é mau”, “na outra encarnação ele tentou matá-la, você vai querer que isso aconteça nesta vida?”). (grifos do autor).
A Lei nº. 12.318/2010 (conhecida como lei da alienação parental) sensível a essa nova realidade, estipulou em seu artigo 2º que o sujeito ativo do referido fenômeno pode ser “[...] um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância.”. Desta forma, não há qualquer restrição para incluir pessoas próximas à criança, que não sejam seus pais, nesse rol de alienantes. Não há sequer determinação para que seja parente do menor, sendo previsto que qualquer pessoa que possua autoridade ou vigilância sob o mesmo ou detenha sua guarda possa promover a alienação parental.
A alienação parental é mais frequente em casos de separação conjugal - a pessoa que detém a guarda da criança tenta evitar seu convívio com o outro genitor –, portanto o maior exemplo de relatos envolve cônjuges. Todavia, como visto, é possível existir alienação parental praticada por pessoas que não sejam os genitores e, por conseguinte, há possibilidade de ocorrer em famílias monoparentais.
Na realidade, a alienação parental aparece em situações de ruptura de vínculos por motivos diversos, como a separação conjugal e óbito podendo, assim, ocorrer sua incidência em famílias monoparentais. Ademais, Lima (2012) afirma:
A problemática social consiste em um distúrbio mental que está diretamente atrelado à alienação que pais, parentes ou tutores exercem sobre a criança e/ou adolescente em face do genitor do lado oposto da relação de parentesco. A discussão acerca do tema é de grande valia, em decorrência de sua relação direta com a sociedade, máxime, por força do surgimento de demandas judiciais que se encontram no âmbito da justiça de família, já que se trata de uma relação de parentesco. (...). Alienação Parental é uma expressão definida pelo psiquiatra infantil norte americano Richard Alan Gardner em 1985, que já está regulamentado no Brasil através da Lei nº. 12.318/10, onde designa muitos tipos de atos cruéis de ordem emocional que um genitor ou responsável comete em relação a uma criança e/ou adolescente no intuito de denegrir a imagem do genitor do pólo oposto da relação de parentesco. (grifos nossos).
Consoante a isto, o artigo “Alienação Parental segundo a Lei nº. 12.318/2010” da autoria de Lima Filho (2011), expõe tabelas que mostram que o alienante pode ser: qualquer um dos genitores, avós e qualquer responsável pelo menor que tenha, mesmo que de modo temporário, a guarda ou vigilância sobre a criança ou adolescente.
Desse modo, constata-se que a alienação parental pode ser exercida por não genitores, conforme previsto legalmente e amplamente aceito na doutrina, não restando dúvidas acerca da possibilidade de incidência da alienação parental em famílias monoparentais porque, também nesse modelo de família, pode haver alienação do genitor ou genitora com a família do outro polo passivo da relação, em decorrência de óbito, ausência ou desaparecimento do genitor(a); da família desse genitor com a genitora; no caso de óbito dos genitores, pode haver alienação parental entre as famílias dos mesmos; entre outras possibilidades não previstas no texto legal mas que possam vir a existir na realidade fática.
3.3 A resolução da problemática
A Desembargadora Maria Berenice Dias, em prefácio intitulado “Síndrome da Alienação Parental, o que é isso?”, da obra Síndrome da Alienação Parental e a Tirania do Guardião (2008), mostra a postura a ser tomada pelos juristas ao se depararem com a síndrome da alienação parental, com a indispensável responsabilização do genitor que age desta forma, por saber da impunidade nessas situações.
Nesse diapasão, constata-se a possibilidade de identificação do fenômeno da alienação parental, bem como sua legislação e efeitos, às famílias monoparentais, no intuito de tutelar os menores em sua amplitude, não dando brecha a nenhuma conduta alienante e prejudicial aos mesmos.
Em virtude de situações como essas em que a alienação parental faz-se presente mesmo que não exista a figura dos dois cônjuges, deve o Direito imprimir sua força e evitar que menores e crianças suportem o peso de serem usadas como instrumentos de manobra nas mãos de alienantes. Outrossim, seguem jurisprudências demonstrando como o Poder Judiciário trata questões relacionadas:
GUARDA. Superior INTERESSE DA CRIANÇA. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. Havendo na postura da genitora indícios da presença da síndrome da alienação parental, o que pode comprometer a integridade psicológica da filha, atende melhor ao interesse da infante, mantê-la sob a guarda provisória da avó paterna. Negado provimento ao agravo. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº. 70014814479. Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias. 2006).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA. AÇÃO PROPOSTA ONDE O DETENTOR DA GUARDA NÃO MAIS TEM DOMICÍLIO. ENVIO DOS AUTOS PARA O JUÍZO COMPETENTE. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO. (...). 2. No caso, tendo a detentora da guarda se mudado para outra comarca, a propositura da ação de modificação de guarda, ajuizada pelo pai nesse mesmo período, lá deveria ter se dado, consoante entenderam os Juízo suscitados. Não se trata de mudança de endereço depois de proposta a ação e efetivada a citação. Incidência do art. 147, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. Os conflitos de competência apontados pelo embargante como representativos da jurisprudência desta egrégia Corte, tratam, na realidade, de hipóteses excepcionais, em que fica clara a existência de alienação parental em razão de sucessivas mudanças de endereço da mãe com o intuito exclusivo de deslocar artificialmente o feito, o que não ocorre nos autos. (...). (Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Conflito de Competência nº. 2009/0214953-5. Relator Ministro Raul Araújo. DJ.: 18.11.2010). (grifos nossos).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. FAMÍLIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REGIME DE VISITAS. RESTRIÇÃO DE VISITAS DO PAI. QUADRO TANGÍVEL DE ALIENAÇÃO PARENTAL. PROMOÇÃO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. FAMÍLIA MOSAICO. CONVIVÊNCIA FAMILIAR. CANAIS DE DIÁLOGO. CRESCIMENTO SADIO DA CRIANÇA. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO DAS VISITAS DO PAI ATÉ A REALIZAÇÃO DO ESTUDO PSICOSSOCIAL.
1. OS REQUISITOS ATINENTES À ANTECIPAÇÃO DA TUTELA ADQUIREM COLORIDO PARTICULAR QUANDO O INTERESSE TUTELADO ENVOLVE A DIFÍCIL EQUAÇÃO RELATIVA À PROMOÇÃO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. DESSE MODO, PARA FINS DE SER PRESERVADA E TUTELADA A SUA INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA, É POSSÍVEL REPUTAR VEROSSÍMEIS ALEGAÇÕES AINDA QUE NÃO HAJA, ATÉ O MOMENTO PROCESSUAL DA AÇÃO PRINCIPAL, PROVAS INEQUÍVOCAS DOS INDÍCIOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL.
2. DIANTE DO DESENHO MODERNO DE FAMÍLIAS MOSAICO, FORMADAS POR NÚCLEO FAMILIAR INTEGRADO POR GENITORES QUE JÁ CONSTITUÍRAM OUTROS LAÇOS FAMILIARES, DEVEM OS GENITORES EVITAR POSTURAS QUE ROBUSTEÇAM O TOM CONFLITUOSO, SOB PENA DE TORNAR AINDA MAIS TENSA A CRIANÇA, A QUAL SE VÊ CADA VEZ MAIS VULNERÁVEL EM RAZÃO DO TOM E DA FALTA DE DIÁLOGO ENTRE OS PAIS. OS CONTORNOS DA GUARDA DE UM FILHO NÃO PODEM REFLETIR DESAJUSTES DE RELACIONAMENTOS ANTERIORES DESFEITOS, DEVENDO ILUSTRAR, AO REVÉS, O EMPENHO E A MATURIDADES DO PAR PARENTAL EM VISTA DE VIABILIZAR UMA REALIDADE SAUDÁVEL PARA O CRESCIMENTO DO FILHO.
3. A PRESERVAÇÃO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA DÁ ENSEJO À RESTRIÇÃO DO DIREITO DE VISITAS DO GENITOR, ATÉ QUE, COM ESTEIO EM ELEMENTOS DE PROVA A SEREM PRODUZIDOS NA AÇÃO PRINCIPAL (ESTUDO PSICOSSOCIAL), SEJAM DEFINIDAS DIRETRIZES PARA UMA MELHOR CONVIVÊNCIA DA CRIANÇA, O QUE RECOMENDARÁ A REDUÇÃO DO CONFLITO ENTRE OS GENITORES, BEM COMO A CRIAÇÃO DE NOVOS CANAIS QUE VIABILIZEM O CRESCIMENTO SADIO DA CRIANÇA. (...). (TJDF. AGI 20130020083394 DF 0009162-96.2013.8.07.0000. Relator(a): SIMONE LUCINDO. Órgão Julgador: 1ª Turma Cível. Publicado no DJE : 17/07/2013)
É de se apreciar, deveras, o conteúdo de um caso bastante polêmico exposto pela mídia que pode ilustrar a dificuldade do Poder Judiciário e a complexidade que envolve as situações de guarda, uniões homoafetivas e óbito de genitor: foi o de quem deteria a guarda do filho da cantora Cássia Eller, após sua morte. A cantora tinha um filho, Francisco, cujo pai já havia falecido, passando Eller a viver em união estável com Maria Eugênia, formando um núcleo familiar junto com Francisco. Todavia, após o óbito da artista, iniciou-se um litígio judicial entre o pai da mesma e Maria Eugênia acerca da guarda do menor.
É visível, aí, a formação de uma família monoparental (atípica) em que há confronto entre os dois polos da relação, desprezando-se o melhor interesse da criança. O endereço eletrônico http://www.parana-online.com.br/editoria/policia/news/21203/ retrata essa história afirmando que o juiz da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões manteve a tutela provisória de Francisco Eller para Maria Eugênia, tendo sido ouvido o menor a fim de buscar a melhor decisão. Nesse site consta que Altair Eller, o pai da cantora, ao comentar a decisão do magistrado afirmou “[...] sou casado e tenho um filho. Pelo menos é uma família. A outra lá não tem nenhum vínculo consanguíneo com o menino [...]”. Tal depoimento retrata a sociedade preconceituosa em que ainda se vive, presa por amarras culturais e que se esquece da proteção ao vulnerável; enfim, um ambiente propício à emersão do fenômeno da alienação parental.
Nesse diapasão, uma das soluções apresentadas a essa problemática pelo Poder Judiciário e que, conforme Rosa e Spengler (2009), a cada dia vem ganhando mais espaço devido a constatação da sua efetividade, a mediação familiar, surge como um remédio eficiente entre as partes envolvidas no conflito. Destarte, mesmo tendo sofrido veto presidencial, a possibilidade de mediação foi inserida no projeto da Lei nº. 12.318/2010, PL 4053/2008; esse instituto é defendido por muitos juristas como um instrumento mais benéfico de solução de conflitos do que o sistema adversarial. Assim dispunha o artigo vetado pelo Presidente da República:
Art. 9o As partes, por iniciativa própria ou sugestão do juiz, do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, poderão utilizar-se do procedimento da mediação para a solução do litígio, antes ou no curso do processo judicial.
§ 1o O acordo que estabelecer a mediação indicará o prazo de eventual suspensão do processo e o correspondente regime provisório para regular as questões controvertidas, o qual não vinculará eventual decisão judicial superveniente.
§ 2o O mediador será livremente escolhido pelas partes, mas o juízo competente, o Ministério Público e o Conselho Tutelar formarão cadastros de mediadores habilitados a examinar questões relacionadas à alienação parental.
§ 3o O termo que ajustar o procedimento de mediação ou o que dele resultar deverá ser submetido ao exame do Ministério Público e à homologação judicial.
Dessa forma, constata-se que, por esse dispositivo havia possibilidade das pessoas envolvidas na alienação parental utilizarem da mediação a fim de solucionar o conflito, independente da instauração do processo judicial. O resultado dessa mediação seria objeto de análise pelo Órgão Ministerial e homologação judicial.
De acordo com Santos e Melo Júnior (2010, p. 12), segundo as razões de veto, o direito à convivência familiar é indisponível em obediência constitucional e ainda, que “[...] o direito em tela não poderia ser apreciado em sede extrajudicial. Ainda seguindo esse raciocínio, a mediação também contrariaria o princípio da intervenção mínima previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente [...]”.
A mediação foi conceituada por Calmon (2007, p. 119) como a intervenção de um terceiro totalmente imparcial no conflito e sem poder decisório, a fim de auxiliar pessoas envolvidas em uma relação familiar, ou seja, “É um procedimento voluntário e confidencial, estabelecido em método próprio, informal, porém coordenado.”. Nesse contexto, Santos e Melo Júnior (2010, p. 13-14) aduzem que:
O rito ordinário do processo civil brasileiro, pela sistemática adotada, acaba reduzindo as possibilidades de diálogo entre as partes, já que são os advogados que se manifestam em nome do cliente e o juiz conduz o processo. Na mediação, por outro lado, a participação dos envolvidos é ativa, desde as tratativas até a decisão acerca das questões controversas. A resolução que se chega através desse meio alternativo emana das partes, e não de um terceiro. Com a mediação, adentra-se nas peculiaridades de cada caso, observando o contexto que circunda os indivíduos, a relação entre eles, e o problema. Esse detalhamento possui dois fins precípuos: o de elucidar a situação; e o de apresentar um panorama mais amplo, com o fito de buscar formas diversas para a satisfação dos interesses. Assim, a mediação, por aproximar os envolvidos com o processo de discussão, tem o condão de amoldar a solução para que esta se adeque à realidade deles, promovendo, então, a concretização da justiça e da harmonia social.
De acordo com Dantas (2010), a mediação é um tipo de heterocomposição em que pessoas isentas de qualquer interesse no conflito – por isso que os advogados das partes não podem funcionar como mediadores -, irão agir como facilitadores ao tentar buscar uma solução entre as partes envolvidas no conflito.
Assim, o mediador é um facilitador, minimizando os atritos e delimitando os pontos controvertidos, com o fito de estabelecer uma comunicação que flua de forma dinâmica e conduza a um acordo que será desenhado pelas partes. O mediador não irá impor soluções, mas possui estratégias para que as próprias partes acordem. Rosa e Spengler (2009, p. 155 e 178) mostra o importante papel da mediação no âmbito familiar:
Especificamente no âmbito familista a mediação é o processo que, através do uso de técnicas de facilitação, aplicadas por um terceiro interventor numa disputa, estabeleça o contexto do conflito existente, mediante técnicas da ciência da psicologia, identifique necessidades e interesses, através de recursos advindos da assistência social e produza decisões consensuais, com a ajuda do Direito. (...). Nos procedimentos de mediação familiar brasileiros algumas definições se apresentaram após o desenvolvimento dos trabalhos: a) em casos de separação e divórcio o procedimento é feito com o casal, mas pode estender-se a todo o grupo familiar; b) o caminho para chegar ao acordo depende da habilidade do mediador e da disposição real de cada parte em mudar conceitos e atitudes próprias evitando a conduta litigiosa; c) o mediador deve contar com o auxílio de um supervisor ou um co-mediador de preferência com qualificação profissional diferente da sua própria; d) o mediador trabalha com a relação familiar, com a relação do casal; e) os dois negociadores são pais e/ou duas pessoas que construíram uma vida em comum, uma sociedade conjugal ou familiar; f) o consenso ajuda a reorganizar a vida comum do casal, em prol dos filhos, bem como a vida familiar no caso de contendas entre pais e filhos.
As vantagens que podem ser apontadas como próprias da mediação são a celeridade, por não seguir o rito processual, não havendo entraves burocráticos; a proximidade com a realidade; que as próprias partes dialogam sem a necessária figura dos advogados; é menos oneroso que qualquer ação judicial e confidencialidade. Os princípios inerentes à mediação, conforme Calmon (2007, p. 122), são os princípios da voluntariedade, consentimento informado, autodeterminação das partes, imparcialidade/neutralidade e confidencialidade.
De acordo com Dias (2007, p. 81) infelizmente, por questões culturais esse meio de solução de litígio não é amplamente utilizado, em decorrência do receio da falta de segurança nos meios alternativos que não sejam os judiciais.
Em casos de alienação parental e até mesmo síndrome da alienação parental, a mediação existente quando da ruptura do vínculo entre os polos – podendo se estender sem nenhum prejuízo às famílias monoparentais – evita que fenômenos dessa natureza se instalem e uma vez já instalada a alienação parental, coíbem a incidência de maiores danos às partes envolvidas e às crianças. Desta feita, pode ser realizada a mediação entre pais divorciados, entre genitora e familiares paternos do menor, genitor e familiares maternos, bem como entre famílias maternas e paternas. Santos e Melo Júnior (2010, p. 16) informam sobre os benefícios da mediação nessas situações:
A mediação familiar, por outro lado, tem seu foco no conflito atual, qual seja, a dissolução iminente do vínculo conjugal, e será realizada de forma mais rápida, dando ênfase à reorganização da família e às necessidades presentes e futuras. É possível que a mediação prévia seja capaz de diminuir ou até mesmo findar o estado beligerante dos separandos, o que poderá interferir diretamente na questão da SAP. Como os atos alienadores ocorrem principalmente no contexto do divórcio e da conseqüente disputa pela guarda dos filhos, um casal que já tenha passado pela fase de mediação, tendo dialogado, discutido e feito concessões recíprocas, poderá lidar melhor com o fim do casamento, não incitando na criança o ódio injustificado ao outro genitor. Por certo que a mediação, por si só, não será capaz de acabar com todos os problemas dos casais e coibir a prática alienadora, mas tampouco a elaboração de leis e a aplicação de sanções, quer civis, quer penais, seriam completamente eficazes. O que se defende é a mediação como um dos meios de solução de conflitos, forma esta que traz diversos benefícios aos envolvidos, especialmente no âmbito das relações familiares. (grifo nosso).
O tema vem ganhando espaço nos estados brasileiros, várias unidades dão exemplo de como se pode instalar núcleos de mediação efetivos a fim de dirimir conflitos de direito de família. Santos e Melo Júnior (2010, p. 20) informa que é o exemplo do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, mediante a Resolução nº. 11/2001 que instituiu o Serviço de Mediação Familiar às pessoas de renda mais baixa; segue na mesma linha, o Ministério Público em atuação no Estado do Ceará, instalando os Núcleos de Mediação Comunitária, ampliando a mediação além dos horizontes do direito de família.
Outro personagem central no sentido de auxiliar as partes e os próprios magistrados a coibir ou evitar a instalação da alienação parental é o advogado, por estar em contato direto com os envolvidos. De acordo com Máris (2012, p. 16), o advogado ao ser solicitado em casos de dissolução conjugal, deverá primeiramente fazer uma análise do caso concreto a fim de constatar se há a presença de alienação parental, a fim de evitar que se desenvolva a síndrome da alienação parental. Outrossim, infelizmente, em condutas visando apenas o lucro os advogados orientam seus constituintes a sempre discutir, a não sair perdendo, aproveitando-se da fragilidade dos indivíduos envolvidos e inflamando ainda mais os litígios, induzindo as mentiras e alimentando condutas alienantes.
A postura do advogado, apesar de não poder figurar como mediador, deve sempre que possível estimular acordos e mostrar a importância da mediação, agindo com fulcro no artigo 2º, parágrafo único, inciso VI do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil que expõe como dever do profissional a obrigação de estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.
Ademais, é importante ressaltar que o Poder Judiciário por si só não apresenta condições de lidar com um fenômeno dessa natureza, necessitando de auxílio de peritos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e da família, a fim de que se evite a instauração da alienação parental e, caso já instalada, possibilitando o tratamento correto e eficaz; com a integralização de outros profissionais à área da família, esse fenômeno passou a ser mais fácil de constatar-se e de ser conduzido. As Varas de Família não podem mais ser reduzidas às figuras de juízes, promotores de justiça, analistas e técnicos judiciários e oficiais de justiça; é patente a exigência social da presença de um corpo de profissionais das mais diversas áreas, objetivando dirimir os problemas havidos nas complexas e diversas relações familiares. A fim de se conduzir uma perícia correta, Marques (2010) aponta as informações básicas:
Informações básicas em uma pericia como (1) - como se deu separação do casal e o que ocorreu depois, (2) - o relacionamento entre genitor alienado e filho ANTES e DEPOIS da separação e (3) - o estado sócio-afetivo da criança ANTES e DEPOIS da separação são ELEMENTOS ESSENCIAIS para um avaliação correta e podem ser indicativos da alienação. Esse tipo de informação não é difícil do perito obter, pois ele pode perfeitamente - com um pouco de esforço - obter informações junto a professores, empregada do casal, família MATERNA E PATERNA (ver se há conflitos ou não aqui!), amigos e conhecidos do casal e da criança. (grifos do autor).
A busca por uma mediação eficiente desde o processo de dissolução da união do casal, em conjunto com a presença de advogado imbuído de valores éticos, presença de profissionais prontos para investigar e tratar situações conflituosas e um Poder Judiciário preparado para lidar com situações atuais, sem amarras tradicionalistas, visando apenas o bem da entidade familiar e da criança, evita futuros danos à família, bem como a instauração de consequente quadro de alienação parental.
CONCLUSÃO
No decorrer deste artigo foi abordada a possibilidade de se instaurar a alienação parental em famílias monoparentais, bem como a aplicação dos dispositivos legais da Lei nº. 12.318/2010 de modo a evitar maiores danos ao seio familiar. Como foi demonstrado, o papel da família e sua roupagem foi se modificando ao longo do tempo, possuindo atualmente configuração distinta que dá ensejo à formação de diversos modelos de família; outrossim, devido a essa complexidade das entidades familiares, os problemas surgidos em seu âmbito são difíceis de solucionar, exemplo disso é o caso do fenômeno da alienação parental.
Em meio a tudo, foi possível apreender que, quando a alienação parental ocorre no âmbito das famílias monoparentais, o prejuízo para as vítimas envolvidas é ainda pior, porque além de deter uma sensação de abandono, visto que há ausência física e real de um dos cônjuges (ou dos dois), existe ainda a alienação praticada pelo ente que cuida da criança, instalando-se assim uma sensação de solidão profunda no menor.
Esse estudo permitiu aprofundamento teórico acerca de algo tão comumente vivenciado nas Varas de Família e, agora, tem-se substrato crítico para auxiliar a lidar com situações dessa natureza. É preciso chamar a atenção dos juristas e da sociedade para a alienação parental, que até um passado próximo era ignorada pelos profissionais do direito e da saúde, mas alcançou a confecção de uma lei própria visando coibir condutas alienantes. O trato reiterado e sistemático dessa temática proporcionará a disseminação do seu conhecimento e dificultará sua instalação, facilitando o reconhecimento da incidência da alienação parental.
Os objetivos propostos foram alcançados em sua totalidade, a partir do cumprimento de cada objetivo específico. Assim, foi possível analisar o instituto da família, delimitando os modelos existentes na sociedade brasileira e destacando a família monoparental, como objeto de estudo desse trabalho. Em seguida, houve o estudo sobre a alienação parental, colacionando-se a posição da doutrina e sua evolução na literatura pelo que se diferenciou da síndrome da alienação parental e apontou-se os principais aspectos existentes na lei de alienação parental (Lei nº. 12.318/2010) que representou um enorme avanço social e um forte instrumento de trabalho posto à disposição dos juízes.
Constatou-se, então, ser possível a incidência da alienação parental nesse tipo familiar, a partir da caracterização de condutas alienantes, do reconhecimento das sequelas deixadas nas crianças e de exposições doutrinárias e de como o Poder Judiciário pode contribuir para afastar tal fenômeno utilizando, por exemplo, a mediação e o auxílio de profissionais capacitados e do apoio de advogados na busca de efetivar a proteção da criança, possibilitando-lhe melhores condições de vida e livrando-a de patologias psíquicas.
No que se refere à metodologia, é certo que ancorou-se na abordagem qualitativa da pesquisa, através da qual se fez um estudo acerca das possibilidades jurídicas adotadas para solucionar problemas que envolvem a alienação parental em famílias monoparentais. A pesquisa empregada foi de natureza dogmático-instrumental, com enfoque na legislação e jurisprudências presentes acerca do tema; utilizou-se o método de abordagem dedutivo e, no procedimento, aplicou-se os métodos histórico, interpretativo e expositivo.
Como estratégias para investigação recorreu-se à pesquisa bibliográfica de cunho descritivo, através da qual apreendeu-se as bases teóricas que fundamentam o tema proposto, bem como se fez a análise acerca das informações apreendidas durante a pesquisa. Os dados foram obtidos através de técnicas como: revisão de literatura, consulta e análise de documentos jurídicos; para tanto, foi usada a técnica exegética-jurídica a fim de analisar a legislação correlata e demais fontes jurídicas afins.
A partir dos resultados alcançados, compreendeu-se que as relações familiares se multiplicam e se renovam a cada dia, sendo necessário, pois, que cada caso concreto seja analisado individualmente, avaliando-se suas peculiaridades com a finalidade de identificar a medida que melhor atende aos interesses do menor. O Poder Judiciário e a própria sociedade, em se deparando com situações que envolvam alienação parental, principalmente em famílias monoparentais, devem ser guiados pelos princípios constitucionais que regem o Direito de Família, tais como o do melhor interesse da criança, a fim de retirar da mesma o status de instrumento em um jogo de vingança e obsessão entre as pessoas que ela mais ama e que deveriam protegê-la.
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ANEXO
LEI Nº. 12.318/2010, DE 26 DE AGOSTO DE 2010
Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a alienação parental.
Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Art. 3º A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.
Art. 5º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.
§ 1º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
§ 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
§ 3º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.
Art. 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.
Art. 7º A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.
Art. 8º A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial.
Art. 9º (VETADO)
Art. 10º (VETADO)
Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 26 de agosto de 2010; 189º da Independência e 122º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DASILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Paulo de Tarso Vannuchi
José Gomes Temporão
[1] O DSM-IV foi publicado em 1994, sendo o Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais, o guia de referência em termos de classificação das perturbações mentais. Foi elaborado pelos psiquiatras da Associação de Psiquiatria Norte-americana, independentemente da classificação elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o CID (Disponível em: http://www.psicosite.com.br/cla/DSMIV.htm, acesso em 16.10.2012).
Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB, ano de 2013, Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior da Advocacia - ESA/PB e Assessora Jurídica de Promotor de Justiça do Ministério Público da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FEITOSA, Erica Fonseca Matias Aguiar. A incidência da alienação parental na família monoparental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 set 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47543/a-incidencia-da-alienacao-parental-na-familia-monoparental. Acesso em: 23 dez 2024.
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