RESUMO: Os contratos de seguro são cada vez mais frequentes em nossa sociedade, principalmente, em razão do aumento dos riscos no Brasil. A fim de dar maior segurança aos citados contratos, o Código Civil de 2002 trouxe extensa regulamentação, dando maior segurança aos contratantes. No mesmo sentido caminha a jurisprudência dos tribunais superiores, que vem pacificando entendimentos sobre o tema.
Palavras-chave: Contratos. Seguro. De Dano.
1. Introdução.
O presente trabalho tem por finalidade estudar o contrato de seguro, com foco na jurisprudência dos tribunais brasileiros, entretanto, sem se abster de citar entendimentos doutrinários sobre o tema, principalmente, os enunciados das Jornadas de Direito Civil.
Assim, diante do inegável crescimento dos riscos de se viver no Brasil, esse tipo de contrato se torna cada dia mais comum, e do mesmo modo, cada vez mais demandado nos tribunais brasileiros, em face das discordâncias das seguradoras e dos segurados.
2. Disposições Gerais.
Inicialmente, importa frisar a conceituação do que vem a ser um contrato de seguro, realizado pelo próprio Código Civil, em seu artigo 757, segundo o qual neste contrato “o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.
Brilhantemente conceitua o contrato de seguro a professora Maria Helena Diniz (2002, p. 316):
“[...] é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo
relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previstos no contrato”
Como se pode notar, o contrato de seguro possui peculiaridades, pois se visa garantir certa pessoa ou coisa, de modo que em caso de lesão, nasce para o segurador o dever de reparar o segurado. Caracterizando-se pela existência de três elementos: as partes, o prêmio e os riscos.
Sendo assim, no contrato de seguro, há verdadeira socialização dos riscos entre a seguradora, e o segurado, como bem leciona o professor Fábio Ulhoa Coelho (2012), conforme exposto a seguir:
“A função do seguro é socializar entre as pessoas expostas a determinado risco as repercussões econômicas da verificação do sinistro. A atividade desenvolvida pelas seguradoras consiste em estimar, através de cálculos atuariais, a probabilidade de ocorrência de certo fato, normalmente um evento de consequências danosas para os envolvidos. De posse desses cálculos, a seguradora procura receber dos sujeitos ao risco em questão o pagamento de uma quantia (prêmio) em troca da garantia consistente no pagamento de prestação pecuniária, em geral de caráter indenizatório, na hipótese de verificação do evento”.
Entretanto, não é qualquer pessoa jurídica que pode ser parte no contrato, como seguradora, de acordo com o artigo 758, do Código Civil, esta deverá obter autorização especifica.
Além da autorização específica, as seguradoras, em razão de sua importância para a sociedade são reguladas pelo Estado, tendo sido instituído pelo Decreto-Lei 73/66, o Sistema Nacional de Seguros privados, o qual de acordo com seu artigo 8º, será composto pelo Conselho Nacional de Seguros Privados, pela Superintendência de Seguros Privados, dos resseguros, das Sociedades autorizadas a operar em seguros privados e dos corretores habilitados.
Quanto à natureza jurídica do contrato de seguro, entende a doutrina majoritária que se trata de um contrato bilateral, de adesão, oneroso, aleatório e consensual. Neste sentido aduz Flávio Tartuce (2016, p. 856):
“Quanto à sua natureza jurídica, o contrato de seguro é um contrato bilateral, pois apresenta direitos e deveres proporcionais, de modo a estar presente o sinalagma. Constitui um contrato oneroso pela presença de remuneração, denominada prêmio, a ser pago pelo segurado ao segurador. O contrato é consensual, pois tem aperfeiçoamento com a manifestação de vontade das partes. Constitui um típico contrato aleatório, pois o risco é fator determinante do negócio em decorrência da possibilidade de ocorrência do sinistro, evento futuro e incerto com o qual o contrato mantém relação”.
O artigo 758, do Código Civil, expõe que “o contrato de seguro prova-se pela exibição da apólice ou bilhete de seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio”. Já o art. 759, que “a emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco”.
Em regra, a apólice constitui o instrumento do contrato de seguro, podendo ser nominativo, à ordem, ou ao portador, como leciona o artigo 760, do Código Civil, entretanto, em alguns casos, poderá servir como instrumento do contrato a simples emissão de bilhete de seguro, em razão da previsão do artigo 10, do Decreto-lei 73/66.
O bilhete ou a apólice “mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário” (Art. 760, CC). Entretanto, importante frisar que havendo dúvida sobre o contrato, deve-se interpretá-lo em benefício do aderente, por ser um contrato de adesão (Art. 424, CC)
O modo em que se prova o contrato de seguro o momento a partir do qual se inicia a proteção securitária é fruto de diversos questionamentos, os quais são julgados frequentemente nos tribunais brasileiros. Colaciono a seguir, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acerca da demora excessiva da seguradora para responder a proposta de seguro.
A seguradora de veículos não pode, sob a justificativa de não ter sido emitida a apólice de seguro, negar-se a indenizar sinistro ocorrido após a contratação do seguro junto à corretora de seguros se não houve recusa da proposta pela seguradora em um prazo razoável, mas apenas muito tempo depois e exclusivamente em razão do sinistro. Isso porque o seguro é contrato consensual e aperfeiçoa-se tão logo haja manifestação de vontade, independentemente da emissão da apólice, que é ato unilateral da seguradora, de sorte que a existência da relação contratual não poderia ficar a mercê exclusivamente da vontade de um dos contratantes, sob pena de se ter uma conduta puramente potestativa, o que é vedado pelo art. 122 do CC. Ademais, o art. 758 do CC não confere à emissão da apólice a condição de requisito de existência do contrato de seguro, tampouco eleva esse documento ao degrau de prova tarifada ou única capaz de atestar a celebração da avença. Além disso, é fato notório que o contrato de seguro é celebrado, na prática, entre corretora e segurado, de modo que a seguradora não manifesta expressamente sua aceitação quanto à proposta, apenas a recusa ou emite a apólice do seguro, enviando-a ao contratante juntamente com as chamadas condições gerais do seguro. A propósito dessa praxe, a própria SUSEP disciplinou que a ausência de manifestação por parte da seguradora, no prazo de quinze dias, configura aceitação tácita da cobertura do risco, conforme dispõe o art. 2º, caput e § 6º, da Circular SUSEP 251/2004. Com efeito, havendo essa prática no mercado de seguro, a qual, inclusive, recebeu disciplina normativa pelo órgão regulador do setor, há de ser aplicado o art. 432 do CC, segundo o qual, "se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa". Na mesma linha, o art. 111 do CC preceitua que "o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa". Assim, na hipótese ora analisada, tendo o sinistro ocorrido efetivamente após a contratação junto à corretora de seguros, se em um prazo razoável não houver recusa da seguradora, há de se considerar aceita a proposta e plenamente aperfeiçoado o contrato. De fato, é ofensivo à boa-fé contratual a inércia da seguradora em aceitar expressamente a contratação, vindo a recusá-la somente depois da notícia de ocorrência do sinistro. REsp 1.306.367-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/3/2014.
Importante frisar também, julgado do próprio STJ, no mesmo ano, sobre a inexistência de contrato de seguro antes da entrega da proposta de seguro à seguradora.
O proprietário de automóvel furtado não terá direito a indenização securitária se a proposta de seguro do seu veículo somente houver sido enviada à seguradora após a ocorrência do furto. O contrato de seguro, para ser concluído, necessita passar, comumente, por duas fases: i) a da proposta, em que o segurado fornece as informações necessárias para o exame e a mensuração do risco, indispensável para a garantia do interesse segurável; e ii) a da recusa ou aceitação do negócio pela seguradora, ocasião em que a seguradora emitirá, no caso de aceitação, a apólice. A proposta é a manifestação da vontade de apenas uma das partes e, no caso do seguro, deverá ser escrita e conter a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. Todavia, a proposta não gera, por si só, o contrato, que depende de consentimento recíproco de ambos os contratantes. Assim, para que o contrato de seguro se aperfeiçoe, são imprescindíveis o envio da proposta pelo interessado ou pelo corretor e o consentimento, expresso ou tácito, da seguradora, mesmo sendo dispensáveis a apólice ou o pagamento de prêmio. Desse modo, nota-se que, no caso em apreço, não há a manifestação de vontade no sentido de firmar a avença em tempo hábil, tampouco existe a concordância, ainda que tácita, da seguradora. Além disso, nessa hipótese, quando o proponente decidiu ultimar a avença, já não havia mais o objeto do contrato (interesse segurável ou risco futuro). REsp 1.273.204-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/10/2014.
Dos julgados acima transcritos, pode-se notar que o STJ para definir o momento a partir do qual o contrato de seguro passa a gerar efeitos, utiliza-se do princípio da boa-fé.
Quando o contrato de seguro for garantido por mais de uma seguradora, haverá o chamado cosseguro, o qual deverá ser administrado por uma seguradora líder, é o que prever o artigo 761. A seguir, segue, brilhante explanação sobre o tema e sua distinção com o resseguro feita pelo professor Flávio Tartuce (2016, p. 859):
O art. 761 do CC trata do cosseguro, quando os riscos de um seguro direto são assumidos por várias seguradoras. Em casos tais, a apólice indicará a seguradora que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos (seguradora líder). O cosseguro não se confunde com o resseguro, hipótese em que uma seguradora contrata outra seguradora (resseguradora), temendo os riscos do contrato anterior, aplicando-se as mesmas regras previstas para o contrato regular.
Do mesmo modo que o cosseguro, não se confunde com o resseguro, estes não se confundem com o chamado seguro cumulativo. Neste sentido, no escólio de Fábio Ulhoa Coelho (2012) sobre o tema:
“Seguro cumulativo. O seguro cumulativo consiste na contratação de dois ou mais seguros sobre o mesmo interesse, quando esse fica garantido por valor superior ao que tem. Imagine a hipótese de o dono do veículo segurá-lo contra roubo, pelo valor total, junto a duas seguradoras. É claro que a liquidação dos dois seguros, na hipótese de o sinistro se verificar, importaria enriquecimento do segurado — ele passaria a ter, por assim dizer, dois carros ao invés de um. Isso contraria a natureza indenizatória da prestação devida, nos seguros de danos, pela seguradora. Por isso, a cumulatividade no seguro de danos é coibida pela lei”.
Importante frisar que o próprio Código Civil, em seu artigo 765, determina expressamente a aplicação do princípio acima citado ao preconizar que “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.
Diante da importância do citado princípio, o desrespeito a boa-fé gera o descumprimento do contrato e a responsabilização objetiva daquele que o violou. “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa” (Enunciado 24 do CJF).
4.Seguro de Pessoas
Diferente do seguro de dano, que tem natureza indenizatória e está limitado ao valor do prejuízo, no seguro de vida, o valor do capital segurado é livre, até porque não se pode mensurar o valor da vida, sendo assim, impossível haver limitação quanto ao valor assegurado.
Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores (Art. 789, Código Civil).
O segurado ao realizar o contrato de seguro de vida, tem a faculdade de escolher quem será o beneficiário, não estando limitado ao direito das sucessões, podendo, inclusive, substituir a pessoa originalmente escolhida para ser o beneficiário, desde que não tenha renunciado a este direito anteriormente, ou o seguro não for originário de alguma garantia (Art. 791).
Entretanto, caso o segurado não indique os beneficiários, o artigo 792, prevê que metade será destinado ao cônjuge, não separado judicialmente, e a outra metade será partilhada entre os herdeiros.
Importante frisar, que a previsão do artigo 792, quanto ao cônjuge se estende ao companheiro, por equiparação, tendo em vista a proteção constitucional da união estável, reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 3º.
Em caso do segurado que está separado de fato e mantém união estável com sua companheira, e não especificou os beneficiários, o STJ, entendeu ser devido a quantia as duas, dividindo-se em partes iguais.
Recurso especial. Civil. Seguro de vida. Morte do segurado. Ausência de indicação de beneficiário. Pagamento administrativo à companheira e aos herdeiros. Pretensão judicial da ex-esposa. Separação de fato. Configuração. Art. 792 do CC. Interpretação sistemática e teleológica. Divisão igualitária entre o cônjuge não separado judicialmente e o convivente estável. Multa do art. 5 5 7, § 2.º, do CPC. Afastamento. Exaurimento da instância ordinária. Necessidade. Intuito protelatório. Não configuração. REsp 1198.108/RJ (representativo de controvérsia). 1.Cinge-se a controvérsia a saber quem deve receber, além dos herdeiros, a indenização securitária advinda de contrato de seguro de vida quando o segurado estiver separado de fato na data do óbito e faltar, na apólice, a indicação de beneficiário: a companheira e/ou o cônjuge supérstite (não separado judicialmente). 2. O art. 792 do CC dispõe de forma lacunosa sobre o assunto, sendo a interpretação da norma mais consentânea com o ordenamento jurídico a sistemática e a teleológica (art. 5 da LINDB ) , de modo que, no seguro de vida, na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, o capital segurado deverá ser pago metade aos herdeiros do segurado, segundo a vocação hereditária, e a outra metade ao cônjuge não separado judicialmente e ao companheiro, desde que comprovada, nessa última hipótese, a união estável. 3 . Exegese que privilegia a finalidade e a unidade do sistema, harmonizando os institutos do direito de família com o direito obrigacional, coadunando-se ao que já ocorre na previdência social e na do servidor público e militar para os casos de pensão por mo1te: rateio igualitário do benefício entre o ex-cônjuge e o companheiro, haja vista a presunção d e dependência econômica e a ausência d e ordem de preferência entre eles. 4. O segurado, ao contratar o seguro de vida, geralmente possui a intenção de amparar a própria família, os parentes ou as pessoas que lhe são mais afeitas, a fim de não deixá-los desprotegidos economicamente quando de seu óbito. 5 .
Revela-se incoerente com o sistema jurídico nacional o favorecimento do cônjuge separado de fato em detrimento do companheiro do segurado para fins de recebimento da indenização securitária na falta de indicação de beneficiário na apólice de seguro de vida, sobretudo considerando que a união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar. Ademais, o reconhecimento da qualidade de companheiro pressupõe a inexistência de cônjuge ou o término da sociedade conjugal (arts. 1.723 a 1.727 do CC). Realmente, a separação de fato se dá na hipótese de rompimento do laço de afetividade do casal, ou seja, ocorre quando esgotado o conteúdo material do casamento. 6. O intérprete não deve se apegar simplesmente à letra da lei, mas perseguir o espírito da norma a partir de outras, inserindo-a no sistema como um todo, extraindo, assim, o seu sentido mais harmônico e coerente com o ordenamento jurídico. Além disso, nunca se pode perder de vista a finalidade da lei, ou seja, a razão pela qual foi elaborada e o bem jurídico que visa proteger. 7. Recurso especial parcialmente provido" (STJ, REsp 1.401.538/RJ, 3. Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 04.08.2015, DJe 12.08.2015).
Entretanto, caso o segurador, desconhecendo a alteração de beneficiários, pagar ao antigo, ficará desobrigado da obrigação, aplicando-se ao caso o princípio da boa-fé objetiva, cabendo ao novo beneficiário buscar o valor diretamente daquele que recebeu em seu lugar.
Como dito acima, o capital estipulado no contrato de seguro não está sujeito ao regramento do direito das sucessões, como também às dívidas do segurado, constituindo patrimônio próprio, distinto destes. Neste sentido, a mais abalizada doutrina Fabio Ulhoa Coelho:
O capital pago pela seguradora na liquidação do seguro de vida por morte ou de acidente seguido de morte não integra o espólio do segurado. O capital pertence exclusivamente ao beneficiário. Em outros termos, ele passa do patrimônio da seguradora diretamente para o do beneficiário, sem transitar pelo do segurado. Isso significa que os credores do segurado não têm direito de cobrar seus créditos sobre o valor do seguro. Significa também que sobre ele não têm nenhum direito os herdeiros. Se o contratante, por exemplo, indicou como beneficiário o filho, o cônjuge com quem se casara em regime de separação não pode pleitear, a título de direito sucessório, nenhum crédito por parte do capital pago pela seguradora.
Contudo, o artigo 793, do Código Civil ao tratar sobre o contrato de seguro, se harmoniza com as previsões do mesmo diploma legal acerca do direito das sucessões. O referido artigo explicita que: “ É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato”.
A contrário sensu, não é válida a instituição, em favor da concubina, se ao tempo do contrato, o segurado não estava separado judicialmente, ou separado de fato. Esta previsão visa a impedir que haja violação ao artigo 550, do Código Civil, que proíbe a doação feita pelo cônjuge adultero a sua concubina, utilizando-se de contrato de seguro.
O contrato de seguro pode prever período de carência durante o qual o segurador não se responsabilizará em caso de sinistro, entretanto, caso ocorra o evento durante a carência o segurador deve devolver a reserva técnica já formada ao beneficiário (Art. 797).
Importante frisar que a reserva técnica é a quantia paga pelo segurado a título de prêmio durante o contrato à seguradora.
O artigo 798, prevê que o beneficiário não terá direito ao capital estipulado caso o segurado se suicide nos dois primeiros anos do contrato de seguro. A contrario sensu, havendo suicídio após os dois anos da realização do contrato de seguro, o beneficiário possuirá direito ao capital estipulado. Neste sentido colaciono julgado do Superior Tribunal de Justiça:
Ressalto, a existência de duas súmulas sobre o tema a 105 do Supremo Tribunal Federal (STF) e a 61 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as quais possuem o seguinte teor:
Súmula 105-STF: Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.
Súmula 61-STJ: O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.
Entretanto, os referidos entendimentos sumulados foram aprovados ainda sob a égide do Código Civil de 1916.
Atualmente, com a redação do art. 798 do CC 2002 e com o novo entendimento do STJ, o que podemos concluir é que as citadas súmulas estão superadas. Isso porque, conforme já exposto, o critério adotado, atualmente, pelo Código Civil é meramente temporal (menos ou mais de 2 anos). O CC 2002 abandonou o critério da premeditação. A premeditação do suicídio não serve para nada e não deve nem sequer ser trazida para a discussão.
Em caso de suicídio nos dois primeiros anos, o beneficiário não terá direito à indenização, mas receberá o valor da reserva técnica já formada, ou seja, terá direito à quantia que o segurado pagou a título de prêmio para a seguradora. A seguradora será obrigada a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada mesmo que fique provado que o segurado premeditou o suicídio.
Vejamos julgado esclarecedor veiculado no informativo 564 do STJ:
DIREITO CIVIL. DEVOLUÇÃO DA RESERVA TÉCNICA EM SEGURO DE VIDA NO CASO DE SUICÍDIO PREMEDITADO.
Se o segurado se suicidar dentro dos dois primeiros anos de vigência de contrato de seguro de vida, o segurador, a despeito de não ter que pagar o valor correspondente à indenização, será obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada, mesmo diante da prova mais cabal de premeditação do suicídio.Realmente, conforme a redação do art. 798, caput, do CC/2002, o "beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato [...], observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente". Por sua vez, o parágrafo único do art. 797 do CC/2002 estabelece que, se o segurado se suicidar dentro do prazo de carência do seguro, o beneficiário - conquanto não tenha direito ao capital estipulado (art. 798, caput) - terá direito ao ressarcimento do "montante da reserva técnica já formada". Ao contrário do CC/1916, não há, no CC/2002, previsão acerca do caráter premeditado ou não do suicídio, visto que a intenção do novo Código é precisamente evitar a dificílima prova da premeditação e da sanidade mental e capacidade de autodeterminação no momento do suicídio. Percebe-se, portanto, que o art. 798 do CC/2002 adotou critério objetivo temporal para determinar a cobertura relativa ao suicídio do segurado, afastando o critério subjetivo da premeditação. Nesse contexto, deve-se ressaltar o fato de que a Súmula 105 do STF ("Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro") foi formada, antes do CC/2002, a partir de precedentes nos quais se invalidava a cláusula de exclusão de cobertura simplesmente porque não havia previsão legal, na época, para esta cláusula. Posteriormente a essa Súmula, surgiu a Súmula 61 do STJ ("O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado"), em data também anterior ao CC/2002, em uma época em que o pressuposto de todos os precedentes tanto da mencionada Súmula do STF quanto da referida Súmula do STJ era a ausência de previsão legal que autorizasse a estipulação de cláusula que eximisse a seguradora da cobertura por suicídio não premeditado, o contrário do que sucede hoje, quando a lei expressamente estabelece que o de suicídio durante os primeiros dois anos de vigência da apólice é um risco não coberto (art. 798, caput). REsp 1.334.005-GO, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 8/4/2015, DJe 23/6/2015
No mesmo sentido, a seguradora não pode negar o pagamento ao beneficiário em caso de morte do segurado proveniente da utilização de meio de transporte arriscado, serviço militar, auxilio de terceiro, ou prática de esporte, ainda que haja proibição expressa na apólice (Art. 799, CC).
Se não influi no pagamento do seguro o suicídio premeditado, muito menos irá obstá-lo a morte acidental, mesmo que agravado o risco em razão de uma atitude do segurado.
Diferentemente do seguro de dano, no seguro de pessoas, a seguradora ao pagar o benefício, não se sub-roga nos direitos do segurado ou do beneficiário contra o causador do sinistro (Art. 800).
5. Conclusão
Em que pese a grande importância prática nos dias atuais do contrato de seguro, tendo em vista que são formalizados, diariamente, inúmeros contratos dessa natureza, ainda há muitas divergências entre as seguradoras e os segurados que são levadas ao Poder Judiciário.
Pode-se notar ainda, que apesar da maioria desses debates já estarem com entendimento pacificados nos tribunais, muitas seguradoras ainda se negam a aplica-los, levando os segurados a buscar o Poder Judiciário, a fim de garantir seus direitos.
Concluímos, portanto, que se faz necessário rediscutir a aplicação do princípio da boa-fé, previsto no Código Civil, não só quanto à formalização do contrato de seguro, mas também quanto à sua execução e respeito aos entendimentos consagrados.
REFERÊNCIAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Editora: Saraiva. 2012.
DECRETO-LEI 73/66. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0073.htm.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Editora: Saraiva. 2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Contratos e Atos Unilaterais. Editora: Saraiva. 2012.
STJ, Informativo 553. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
STJ, Informativo 564. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Editora: Método. 2016.
Advogado, pós-graduado em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Gabriel Meira Fialho. Contrato de seguro de pessoas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47626/contrato-de-seguro-de-pessoas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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