Resumo: Tem-se como objetivo a análise de uma sentença que tem a sua fundamentação baseada no princípio da função social do contrato, de modo a também desenvolver algumas características desse princípio tão importante para regular as relações obrigacionais, limitando a autonomia privada.
Palavras-chave: Princípio constitucional. Função social dos contratos. Sentença.
Introdução
Sabe-se que a relação contratual implica em estabelecer direitos e deveres para ambas as partes. Antigamente, a partir do que o Código Civil de 1916 propunha, entendia-se a relação obrigacional como um vínculo de subordinação do devedor frente ao credor, sendo esse possuidor do direito de receber seus créditos e aquele, do dever de adimplir a obrigação.
Com a relevância dos direitos fundamentais dada pela Constituição Federal de 1988, ampliou-se o conceito de direito obrigacional, de modo que ao credor cabe o cumprimento do que lhe compete e ao devedor o direito de adimplir a obrigação. Cabe ressaltar que o princípio da boa-fé objetiva deve manter-se presente até mesmo após o cumprimento obrigacional pelas partes, bem como todo o contrato deve trazer de alguma maneira o desenvolvimento socioeconômico, mesmo que não seja esse o seu objetivo.
Nesse trabalho, vislumbraremos uma decisão judicial que tem como argumentação a importância do princípio da função social para resolver lides.
1. A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL
APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO DE CONTRATO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.
A teoria do adimplemento substancial consiste na impossibilidade da resolução do contrato nas ocasiões em que o pacto já esteja com uma considerável quantidade de parcelas quitadas, estando tal teoria consubstanciada nos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos, bem como da vedação ao enriquecimento sem causa. No caso, cerca de 70% da contratação já foi adimplida, razão pela qual não há falar na rescisão do pacto. Precedentes da Corte.
Verba honorária redimensionada.
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DOS AUTORES E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE RÉ. UNÂNIME.
APELAÇÃO CÍVEL. VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL. Nº 70057449951 (N° CNJ: 0469622-43.2013.8.21.7000) COMARCA DE RIO GRANDE RITA FREITAS CHAVES APELANTE/APELADO JÚLIO CÉZAR XAVIER DA TRINDADE APELANTE/APELADO ELENITA SANTOS DA TRINDADE APELANTE/APELADO
A ementa acima trata, brevemente, de processos que foram reconvencionados pelas partes: Rita de Freitas Chaves contra Júlio e Elenita da Trindade (ora autores, ora réus). Rita recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pois sua causa foi julgada improcedente em primeira instância. Essa requeria a modificação da verba honorária, referindo que essa deveria ser fixada entre 10% e 20% sobre o valor da causa.
Em via recursal, os autores Júlio e Elenita pleiteavam o desfazimento do contrato, alegando que a ré havia descumprido com as suas obrigações, além de demonstram desinteresse em quitar os valores em aberto. Pelo motivo exposto, pediram provimento da demanda.
De forma conjunta, o Tribunal julgou os recursos sobre o contrato de promessa de compra e venda de um imóvel que foi firmado entre as partes, cuja ré se comprometeu ao pagamento total de R$80.000,00, sendo tal valor dividido em vinte e sete notas promissórias, além de assumir um financiamento junto à Caixa Econômica Federal e os débitos pendentes com a Corsan e o município.
Os proprietários do imóvel referido alegam que a demandada não teria quitado todas as obrigações acordadas, assim, pedindo o desfazimento do negócio jurídico em um dos recursos analisados.
Alegando o adimplemento substancial (70% do total), vê-se impossível a resolução do contrato já que foi praticamente todo quitado, estando essa teoria de acordo com os princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos, bem como da vedação ao enriquecimento sem causa.
Os Desembargadores entenderam que a teoria do adimplemento substancial é a mais adequada para ambas às partes e para o interesse público, uma vez que o laudo pericial realmente comprova a quitação de 70% do total devedor, razão pela qual não convém a rescisão de contrato estabelecido pelas partes.
Sobre o outro recurso decidiram que a verba honorária deve ser fixada em valor monetário, conforme os dispositivos do Código de Processo Civil (art. 20, § 4º). Porém, averba majorada de R$600 para R$1.500,00 foi provida, uma vez que condiz com os parâmetros adotados pelo Tribunal.
Diante do exposto, o Tribunal votou pela negação do pedido dos autores (rescisão contratual) e dá parcial provimento ao apelo da ré, apenas para majorar a verba honorária.
Percebe-se, através desse caso analisado, que o Tribunal de Justiça analisa o princípio da função social de uma maneira que priorize o que é mais benéfico para ambas as partes e para a sociedade como um todo. O Código Civil de 2002, à luz da Constituição Federal de 1988, adota o princípio da sociabilidade, em que prevalecem os valores coletivos sobre os individuais, garantindo o papel fundamental da pessoa humana. O sentido social é uma das características mais marcantes do “novo” diploma civil. A função social do contrato está relacionada com a função social da propriedade, prevista na CF/88, tendo como objetivo a realização da justiça, de modo a igualar substancialmente as partes.
2. A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
A função social do contrato é um princípio moderno que deve ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos, tornando-se um dos pilares da teoria contratual. Essa função social serve como limitação dos princípios tradicionais, especialmente da autonomia da vontade. Em situações de conflito entre autonomia privada e interesse social, deve prevalecer esse último, mesmo que essa restrição atinja a própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório.
Segundo Gonçalves, o art. 421 do Código Civil
“subordina a liberdade contratual à sua função social, com prevalência dos princípios condizentes com a ordem pública. Considerando que o direito de propriedade, que deve ser exercido em conformidade com a função social, proclamada na Constituição Federal, se viabiliza por meio dos contratos, o novo Código estabelece que a liberdade contratual não pode afastar-se daquela função”. (2012, p. 52).
A aplicabilidade da função social está condicionada a dois aspectos: um, individual, que diz respeito à satisfação dos interesses dos contratantes; e outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato.
De acordo com Gonçalves, “a função social do contrato somente estará cumprida quando a sua finalidade – distribuição de riquezas – for atingida de forma justa, ou seja, quando contrato representar uma fonte de equilíbrio social”. (2012, p. 26).
É importante ressaltar que a função social do contrato é uma cláusula geral, bem como a que exige um comportamento condizente com a probidade e boa-fé objetiva. Caberá ao juiz utilizar como recurso valores jurídicos, sociais, econômicos e morais para solucionar no caso concreto. Conforme Nery Junior, sendo “normas de ordem pública, o juiz pode aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação judicial, independente de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir ex officio”. (2003, p. 416-417).
Para Araken de Assis, o contrato cumprirá a sua função social “respeitando sua função econômica, que é a de promover a circulação de riquezas, ou a manutenção das trocas econômicas, na qual o elemento ganho ou lucro jamais poderá ser desprezado, tolhido ou ignorado, tratando-se de uma economia de mercado”. (2007, p. 85-86).
Com isso, percebe-se que todo contrato que inibe o “movimento natural do comércio jurídico” e que prejudica os demais integrantes a sociedade na obtenção dos seus bens descumpre sua função social.
Venosa ainda ressalta que “a função social do contrato que norteia a liberdade de contratar, segundo o art. 421, está a indicar uma norma aberta ou genérica, a ser preenchida pelo julgador no caso concreto”. (2013, p. 397). Esse ainda explica que na Modernidade, a chamada liberdade de contratar tinha um viés burguês, pois buscava fazer com o contrato permitisse a aquisição da propriedade. Já na contemporaneidade, essa autonomia da vontade é substituída pela autonomia privada, oriunda da própria modificação de conceitos sobre a propriedade.
CONCLUSÃO
A ordem jurídica brasileira que vem se transformando ao longo dos anos proporciona vários avanços na construção de um direito menos individual e mais coletivo, perceptível a partir de análises doutrinária e jurisprudencial. Por mais que o princípio da função social seja novo no ordenamento pátrio, nota-se a sua essencialidade para a concretização de uma justiça mais efetiva, bem como para a implementação da equidade e do desenvolvimento da sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Araken de. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Volume V. Coord. De Arruda Alvim e Thereza Alvim. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume III: Contratos e Atos Unilaterais. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2012.
NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil – Apontamento gerais. In: O novo Código Civil: Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. Coord. de Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo: LTr, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume II – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2013.
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VELASCO, Liziane Bainy. A função social dos contratos e a sua aplicabilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47668/a-funcao-social-dos-contratos-e-a-sua-aplicabilidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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