Janaína dos Reis Guimarães[1]
RESUMO: Embora a Constituição brasileira assegure igualdade entre sexos, ainda há vestígios de desigualdade no que tange à área profissional, o que facilita o preconceito e o assédio moral à mulher. A metodologia aplicada desenvolveu o método dedutivo e histórico, com pesquisa não empírica. A pesquisa iniciou-se com uma breve síntese sobre a Constituição de 1988 e outros estudos relacionados aos direitos dos trabalhadores, especialmente aos direitos da mulher, com foco no assédio moral à mulher no mercado de trabalho. Comentou-se como a mulher foi tratada de forma preconceituosa no transcorrer da história, predominando vestígios de desigualdade até os dias atuais. Enfatizou como a mulher é assediada moralmente no trabalho e as consequências que isso lhe pode causar por toda sua vida, extrapolando a esfera profissional. Os resultados da pesquisa trouxeram conclusões de estudos sobre o assunto, bem como apontaram uma opinião pessoal e alternativas para amenizar tal crime.
Palavras-Chave: Constituição, mulher, proteção, ambiente de trabalho, assédio moral.
ABSTRACT: Although the Brazilian Constitution ensures gender equality, there are still traces of inequality regarding to the professional area, which facilitates the prejudice and woman bullying. The methodology developed to this research was the deductive and historical methods, with no empirical research. The research began with a brief overview of the 1988 Constitution and other studies related to the rights of workers, especially women's rights, focusing on moral harassment of women in the labor market. It was said how the woman was treated with prejudice along the course of history, predominantly focusing traces of inequality to the present day. It emphasized how the woman is morally harassed at work and the consequences this could cause her along all her life, going beyond the professional sphere. The results of the research brought findings of studies on the subject and pointed a personal opinion and alternatives to mitigate such a crime.
Keywords: Constitution, woman, protection, workplace, bullying.
1 INTRODUÇÃO
Assédio Moral a mulher no mercado de trabalho é um tema que ganhou força no decorrer dos últimos anos. Nota-se que o assédio moral a mulher existe desde os primórdios, porém, as diversas mudanças na estrutura de trabalho, culminadas com as mudanças sociais, alavancaram e trouxeram à tona esse problema.
O assédio moral constitui-se em uma humilhação, constrangimento, exposição de forma ridícula do ser humano, no intuito de diminuí-la e tirar inteiramente sua paz e controle emocional, de afrontá-lo, no caso do estudo em questão tendo integridade da mulher como escopo.
O estudo do tema proposto – assédio moral à mulher no mercado de trabalho – pretende focar uma questão outrora camuflada e que, no presente, vem sendo objeto de estudos para muitos e visto no âmbito empresarial, público ou privado, com repúdio necessário para um mundo moderno que luta por questões justas e contra preconceitos.
Por outro lado, hodiernamente, em um mundo globalizado onde afloram tantas questões preconceituosas, as quais são objetos de estudos e discussões, ainda persistem vestígios do mundo patriarcal, onde a mulher sempre foi colocada de forma desprestigiada em relação ao sexo masculino e onde a mulher era vista apenas como reprodutora e sexo frágil sem capacidade intelectual o suficiente para estar em grau de competividade com o homem ensejando possibilidades de assédio moral à mulher.
Esta pesquisa, realizou uma estudo bibliográfico, empregando o método dedutivo com aporte não empírico. Visou levantar conceitos sobre o assédio moral contra a mulher no trabalho, bem como propor algumas formas alternativas para redução desse tipo crime.
2 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
A Constituição é a lei máxima do país, contém normas fundamentais do Estado que devem ser rigorosamente seguidas. A supremacia da Constituição decorre de sua própria origem, porque provém de um poder constituinte originário, de natureza absoluta, de caráter pautado na rigidez, sobrepondo-se às demais normas jurídicas.
Antes de adentrar na questão da supremacia, primeiramente é de relevante importância que seja definido o que é Constituição.
Segundo Araújo e Nunes Junior (2005, p. 3):
Pode-se definir a Constituição como organização sistemática dos elementos constitutivos do Estado, através da qual se definem a forma e a estrutura deste, o sistema de governo, a divisão e o funcionamento dos poderes, o modelo econômico e os direitos, deveres e garantias fundamentais, sendo que qualquer outra matéria que for agregada a ela será considerada formalmente constitucional.
Em relação às concepções das constituições, pode-se afirmar que existem três concepções: a socióloga, a política e a jurídica. No que tange ao conteúdo, existem as materiais ou substanciais e as formais. Relativamente à forma, pode ser escrita e não escrita. Na origem, podem ser populares, democráticas, promulgadas ou votadas e as outorgadas. Quanto à estabilidade, mutabilidade, consistência, existem constituições rígidas, flexíveis, semirrígidas ou semiflexíveis, imutáveis ou utópicas. As dogmáticas ou ideológicas compõem as ortodoxas ou simples e as ecléticas, complexas ou compromissórias. Na concordância com a realidade, as constituições podem ser normativas, nominais e semânticas.
Pode-se afirmar que a Constituição brasileira vigente, segundo Pinho (2013, p. 33), é de natureza formal no conteúdo, escrita na forma, dogmática no modo de elaboração, democrática na origem e rígida na estabilidade, rígida; quanto ao modelo, dirigente, e analítica no tamanho; e por fim, é eclética na dogmática.
Nesta seção, que trata das diversas constituições, é necessário que seja enfatizada a questão da supremacia da Constituição e trazida ao tema proposto para que seja feita uma autoanálise, pois, se a Constituição é a lei máxima de um país, por que constantemente é afrontada com questões que usurpam os direitos da mulher em detrimento do princípio da igualdade? Por tais motivos, necessita-se reafirmar a questão da superioridade a fim de ficar consignado que os direitos conquistados são invioláveis diante da supremacia constitucional (LENZA, 2012).
Portanto, a mulher tem de ser tratada de forma igualitária ao homem, com os mesmos direitos e obrigações. O julgado Processo: RR-120-46.2012.5.09.0002, de 19/03/2014, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, e publicação pelo DEJT, em 21/03/2014, prevê:
Ementa:
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. O Tribunal Pleno desta Corte, ao julgar o IIN - RR - 1.540/2005-046-12-00.5, decidiu rejeitar o Incidente de Inconstitucionalidade do art. 384 da CLT, ao fundamento de que o princípio da isonomia, segundo o qual os desiguais devem ser tratados desigualmente na medida de suas desigualdades, possibilita tratamento privilegiado às mulheres, no tocante aos intervalos para descanso. Nesse contexto, a informação de pagamento de horas extras, sem o registro de concessão do intervalo de 15 minutos que deveria anteceder o período de sobrejornada ou do pagamento correspondente, evidencia que, no caso concreto, não se observou o disposto no art. 384 da CLT. Não se justifica, contudo, a limitação imposta em sua apuração pelo órgão julgador regional, no sentido de que esta apenas ocorreria nos dias em que o labor extraordinário fosse igual ou superior a trinta minutos diários, pelo que devido o pagamento do período previsto no art. 384 da CLT sempre que houver excessos na jornada da Obreira. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido.
Vale salientar outro julgado no mesmo sentido: Processo: RR - 1699-93.2012.5.02.0464, com julgamento em 12/03/2014, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, e Publicação DEJT 21/03/2014.
Ementa:
RECURSO DE REVISTA. PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER - PERÍODO DE DESCANSO - INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT. Esta Corte, em sua composição plena, ao apreciar o IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, afastou a inconstitucionalidade do artigo 384 da CLT, tendo por fundamento o princípio da isonomia real, segundo o qual devem ser tratados de forma igual os iguais, e desigual os desiguais, julgando, assim, que o referido dispositivo deletério é dirigido, exclusivamente, às trabalhadoras. Recurso de revista conhecido e provido.
O princípio da igualdade formal permite que as pessoas, cada qual com seus próprios meios e condições, construam as oportunidades de crescimento, seja ele pessoal, profissional ou financeiro, uma vez que todos nascem iguais, são humanos e dotados do mesmo potencial e condições. Frisa-se que o Estado não deve intervir na sociedade.
2.1 Períodos constitucionais marcantes na história
O Brasil foi um país recheado de Constituições, sendo a de 1988 a mais eficaz aos direitos humanos e principalmente aos direitos da mulher. Embora o foco da pesquisa proposta tenha sido a Constituição de 1988, vale destacar que existiram outras constituições, que ora proviam direitos à mulher, ora os tiravam do texto (ARRUDA; PILETTI, 2007).
Como o tema abordado faz referências ao direito do trabalho e direito constitucional, é oportuno lembrar, mesmo que superficialmente, as diversas constituições existentes na história da Nação brasileira.
Primeiramente, para inaugurar o início da República em 1824, a Constituição estabeleceu um governo monárquico, hereditário e representativo. A seguir, a Constituição de 1934 trouxe novas alterações no que tange à proteção não somente às mulheres, mas para todos os trabalhadores. Instituiu a jornada de trabalho de oito horas diárias, salário mínimo, descanso semanal não remunerado, férias anuais remuneradas, indenização por dispensa sem justa causa, convênio médico e sanitário e a instituição da previdência social.
Segundo Araújo e Nunes Júnior (2007, p. 3), “seu traço característico, no entanto, reside na declaração dos direitos e garantias individuais”, pois, ao lado dos direitos clássicos, inscreveu um título sobre ordem econômica social, sobre a família, a educação e a cultura. Todos esses benefícios eram fiscalizados pelos trabalhadores, representados por sindicatos.
Mas o principal, que é objeto desta pesquisa, é que a Constituição de 1946 reiterou os direitos constitucionais para os trabalhadores que faziam ou viessem a fazer o mesmo trabalho; esse direito havia sido abolido com a carta de 1937.
Nessa época, diante do golpe de Estado, o cidadão não tinha força para lutar pelos seus direitos, e mesmo os que lutavam por tais direitos eram massacrados pela tirania dos poderosos. Contudo, veio a carta de 1946, que sedimentou e acrescentou à Constituição de 1934 mais ênfase aos direitos trabalhistas e proteção à mulher.
Com o golpe militar de1964, procedeu-se, em 1967, a um novo texto constitucional, o que culminou em um grande golpe para os direitos individuais, pois havia a possibilidade de suspensão dos direitos políticos conquistados pela mulher em 1932.
2.2 Proteção ao trabalho da mulher
A mulher sempre esteve em situação desprivilegiada em relação ao homem (SAFFIOTI, 1976), embora a luta pelos seus direitos no âmbito nacional e principalmente internacional venha de longa data.
Há de se lembrar, ainda, que a mulher sempre foi vista como sexo frágil, entretanto, ao longo dos anos, e principalmente nos dias atuais em muitas famílias, é a mulher que ocupa a função de “chefe do lar”. Segundo pesquisas do IBGE (2002), “35% das famílias são sustentadas especificamente pelas mulheres”.
Analisando essa crescente transformação na estrutura trabalhista, percebeu-se a necessidade de ser criada uma proteção ao trabalho da mulher, porque, no período da Revolução Industrial, as mulheres trabalhavam 14, 17 horas por dia para ganhar como o homem que trabalhava muito menos.
A partir daí, houve necessidade mundial de proteger o trabalho feminino, pois a mulher trabalhava muito, não era reconhecida, seu salário estava muito aquém daquele do sexo masculino nem havia qualquer proteção ao trabalho feminino. Ela trabalhava em minas, subterrâneos e ambientes insalubres, em tarefas penosas e perigosas. Não existia lei protetora no que tange aos trabalhos da mulher.
Segundo Nascimento (1988, p. 556),
[...] em 1842, a Inglaterra proibiu o trabalho das mulheres em subterrâneos. Em 1844, foi limitada a sua jornada de trabalho a 10 horas e meia, devendo aos sábados terminar antes das 16:30 horas. Na França em 1848, surgiram leis de proteção ao trabalho feminino; na Alemanha, o código de 1891 também se ocupou de problemas, fixando algumas normas mínimas. Uma das mais expressivas regulamentações é o tratado de Versalhes, que estabelece o princípio da igualdade salarial entre homens e mulheres, inserido em algumas constituições, dentre as quais a do Brasil e destinado a proibir a exploração do trabalho da mulher.
Vale lembrar que alguns doutrinadores, dentre eles destacando-se Nascimento (1988), apontam dois fundamentos para justificar a intervenção no direito à proteção à mulher. Primeiramente, cita o fundamento fisiológico, que alega que “a mulher não é dotada da mesma resistência do homem e a sua constituição é mais frágil de modo a exigir do direito uma atitude diferente e mais compatível ao seu estado” (NASCIMENTO, 1989, p. 556).
Bem verdade é que, levando-se em consideração o século XVIII e o século XXI, chega-se à conclusão de que houve grande transformação na estrutura feminina, tendo em vista que, no século XVIII, as mulheres eram tidas como mais frágeis. Na contemporaneidade, embora persistam as concepções de Nascimento (1988) e Zainachi (2002), acredita-se na existência de uma relevante mudança nas funções do gênero feminino. Basta olhar as inúmeras profissões que, outrora, eram ocupadas apenas por homens e, hoje, já são desempenhadas por mulheres, de que são exemplos as construtoras civis, motoristas, soldadoras, tratoristas, pilotos de avião, eletricistas, mecânicas e outras profissões que não alimentavam o cenário feminino.
Importante tecer comentários de que, no Brasil, os questionamentos quanto à proteção ao trabalho da mulher começam a aflorar na Constituição de 1934, embora essa proteção esteja muito aquém da Constituição de 1988; entretanto, aqueles questionamentos representam uma fração significativa para a conquista dos direitos da mulher.
Tais direitos foram-se ampliando no decorrer dos anos, embora entre a Constituição de 1934 e a de 1988, houvesse constituições que retinham os direitos já anteriormente conquistados. Contudo, a Constituição de 1988 pôs um fim aos procedimentos de “dar e tirar direitos”. Esta foi preponderante para a conquista terminante da proteção ao trabalho da mulher, aliada à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) (BRASIL, 1943).
Os direitos trabalhistas relativos à proteção à mulher estão também elencados nos artigos 372 a 401 da CLT. Muitos homens questionam por que as mulheres lutam por igualdade, entretanto são privilegiadas com proteção. Muitos questionam por que, também, não recebem proteção ao trabalho masculino.
Ora, não existe a proteção ao trabalho masculino porque os direitos masculinos não lhe foram usurpados. Além do mais, a estrutura feminina é diferente da estrutura masculina, não se esquecendo de grande números de mulheres que, atualmente, demonstram ter mais força do que o homem, embora isto não seja regra, mas exceção.
Insta relatar que só há a necessidade da intervenção da lei quando existe ameaça de alguma forma. Nesse caso, a mulher, na história mundial, sempre foi desrespeitada, tratada com descaso, como sexo frágil, inconstante, desprovida de capacidade intelectual. Daí, a necessidade de proteger o trabalho feminino, pelo princípio óbvio da igualdade.
O Tratado de Versalhes dispõe que, para igual trabalho, igual valor. A CLT, dessa forma, protege, categoricamente, os direitos da mulher no que tange à igualdade dos salários. Prescreve o Artigo 461 da CLT: “sendo idêntica a função a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade” (BRASIL, 1943).
A CLT, no seu artigo 372 (BRASIL, 1943), prescreve: “os preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho feminino naquilo que não colidirem com a proteção especial instituída por este capítulo”.
Percebe-se que este artigo estabelece a igualdade da prestação dos serviços entre os gêneros, ressalvados aqueles casos em que a CLT protege a mulher devido ao seu estado físico. O artigo 373 da CLT prevê: “A duração normal de trabalho da mulher será de 8 horas diárias, exceto nos casos para as quais for fixada duração inferior” (BRASIL, 1943).
O artigo 373 e 373 A e incisos discorrem acerca das vedações entre o trabalho da mulher e do homem. Há de se ressaltar o artigo 373 A, inciso II: “recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão ao sexo, à idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível” (BRASIL, 1943). O artigo estabelece a proibição à discriminação entre trabalho masculino e feminino e repudia qualquer vedação de promoção do trabalho da mulher por questões preconceituosas e discriminatórias. Há de se notar que, outrora, isto ocorria, e mulheres competentes deixavam de ser promovidas puramente por questões preconceituosas que, sabidamente, se sustentam em pré-julgamento falacioso.
Essa questão tem avançado no decorrer dos anos, já que, anteriormente, jamais a mulher podia ocupar cargos que prescreviam requisitos apenas para o sexo masculino. Um exemplo fático sobre esse assunto é o caso do cargo máximo da Nação brasileira, o de Presidente da República, ocupado por uma mulher a partir de 2008 – fato impensável nas décadas de 40, 50, 60, quando poderia parecer uma forma anarquista, feminista. Embora a Constituição de 1934 trouxesse êxitos nos direitos femininos, jamais se podia pensar em direitos iguais; se, eventualmente, a temática dos direitos femininos fosse abordada em lei, estava muito distante de isso ocorrer na prática.
O artigo 382 da CLT prevê que, “quanto aos intervalos entre duas jornadas de trabalho, serão no mínimo 11 horas consecutivas” e o artigo 384 diz que, “caso sejam exigidas horas de compensação do trabalho ou motivo de força maior, será obrigatório o intervalo de 15 minutos entre o fim da jornada normal e a hora do início das horas suplementares” (BRASIL, 1943).
Esses artigos são enfatizados justamente para evitar o desgaste acentuado da mulher na era da Revolução Industrial, quando mulheres trabalhavam demasiadamente por 14, 15 16 horas diárias sem intervalo de descanso. Na CLT (Art. 386), porém, em havendo trabalhos aos domingos, é organizada uma escala de revezamento quinzenal, favorecendo o repouso dominical (BRASIL, 1943).
Nesse sentido, têm-se o julgado Processo: RR - 1149-04.2010.5.04.0015, de 14/11/2012, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, 7ª Turma, publicado em DEJT 19/11/2012 (MARTINS FILHO, 2012).
Ementa:
PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER - HORAS EXTRAS - INTERVALO PARA DESCANSO ANTES DO INÍCIO DA JORNADA EXTRAORDINÁRIA - ART. 384 DA CLT - CONSTITUCIONALIDADE - DECISÃO DO PLENO DO TST.
1. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que versa sobre a proteção do trabalho da mulher e que, referindo-se ao intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST). 2. Por outro lado, o Pleno desta Corte Superior, apreciando incidente de inconstitucionalidade suscitado nos autos de recurso de revista (cfr. TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5), entendeu ter o art. 384 da CLT sido recepcionado pela Constituição de 1988, dadas as diferenças fisiológicas entre homem e mulher, em que pese sua igualdade intelectual, de forma que não há como afastar a sua aplicação. 3. Assim, a decisão regional que condenou o Reclamado ao pagamento de quinze minutos, como extras, em razão da ausência de concessão do intervalo a que se refere o art. 384 da CLT, merece ser mantida. Recurso de revista não conhecido.
Vale lembrar que ainda persistem, em muitos países, principalmente os localizados no Oriente, a discriminação e total desrespeito ao trabalho da mulher, não havendo proteção ao trabalho feminino.
Outrossim, o Brasil faz parte dos países que estabeleceram lei de proteção ao trabalho da mulher, entretanto, mesmo assim, sempre existem pessoas que tendem a minar os direitos já conquistados.
2.3 Princípio da igualdade
A Constituição Federal (CF) prescreve:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (BRASIL, 1988)
A Carta de 1988 dispõe, em seu artigo 5º, caput, sobre o princípio constitucional da igualdade perante a lei: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes, nos seguintes termos” (BRASIL, 1988).
O princípio da igualdade prevê a igualdade de aptidões e de possibilidades virtuais de os cidadãos gozarem de tratamento isonômico. Por esse princípio, são vedadas as diferenciações arbitrárias, não justificáveis pelos valores constitucionais. O princípio da igualdade encontra-se representado, exemplificativamente, no artigo 4º, inciso VIII, que dispõe sobre a igualdade racial, e no artigo 5º, I, que trata da igualdade entre os gêneros. (BRASIL, 1988).
Esse princípio atua em duas vertentes perante a lei e na lei. Por igualdade perante a lei compreende-se o dever de aplicar o direito no caso concreto; a igualdade na lei pressupõe que as normas jurídicas não devem conhecer distinções, exceto as constitucionalmente autorizadas.
O princípio da igualdade opera em duas fases distintas. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situação idêntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social. (MORAES, 2001, p. 63)
Não cabe ao legislador editar normas incompatíveis com o princípio da igualdade; se assim agir, estará produzindo um flagrante de inconstitucionalidade. Tanto o intérprete quanto a autoridade política não têm competência de aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos, criando ou aumentando desigualdades. Ademais, ao particular é vedado pautar suas condutas em atos fundados em discriminação, preconceito, racismo ou gêneros.
Bulos (2002, p. 77-78) leciona:
O Pretório Excelso apontou o tríplice objetivo do pórtico da isonomia: limitar o legislador, o intérprete (autoridade pública) e o particular [...] Realmente, a diretriz da igualdade limita a atividade legislativa, aqui tomada no seu sentido amplo. O legislador não poderá criar normas veiculadoras de desequipar ações abusivas, ilícitas, arbitrárias, contrárias à manifestação constituinte de primeiro grau. A autoridade pública, por sua vez, também está sujeita ao ditame da isonomia. Um magistrado, e.g., não poderá aplicar atos normativos que virem situações de desigualdade. Cumpre-lhe, ao invés, banir arbitrariedades ao exercer a jurisdição no caso litigioso concreto. Daí a existência dos mecanismos de uniformização da jurisprudência, tanto na órbita constitucional (recursos extraordinário e ordinário) como no campo infraconstitucional (legislação processual). O particular, enfim, não poderá direcionar a sua conduta no sentido de discriminar os seus semelhantes, através de preconceitos, racismos ou maledicências diversas, sob pena de ser responsabilizado civil e penalmente, com base na Constituição e nas leis em vigor.
Segundo Araújo e Nunes Júnior (2005, p. 119):
A Constituição da República instituiu o princípio da igualdade como um dos seus pilares estruturais. Por outras palavras, aponta que o legislador e aplicador da lei devem dispensar tratamento igualitário a todos os indivíduos, sem distinção de qualquer natureza. Assim o princípio da isonomia deve constituir preocupação tanto do legislador como do aplicador da lei.
Araújo e Nunes Júnior (2005, p. 119) vão além quando asseveram que “igualdade aos iguais, desigual ao desiguais na medida dessa desigualdade”. Essas citações corroboram a afirmação de que a Constituição, lei máxima do País, repudia qualquer tratamento desigual dentre os iguais.
É ilegal, desumano qualquer tratamento desigual deferido à mulher em detrimento dos princípios constitucionais (BARROSO, 2001). Enfatiza-se, no decorrer desta pesquisa, que a igualdade é ponto preponderante para evitar eventuais assédios morais e preconceitos em face da mulher.
O artigo 5º, inciso I, da Constituição afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988), entretanto, faz-se necessário citar o julgado onde se ferem os direitos da mulher segue:
Ementa:
RECURSO DE REVISTA. TRABALHO DA MULHER. PRORROGAÇÃO DE JORNADA. INTERVALO PARA DESCANSO. ARTIGO 384 DA CLT. I - Conquanto homens e mulheres, à luz do inciso I do artigo 5º da Constituição, sejam iguais em direitos e obrigações, é forçoso reconhecer que elas se distinguem dos homens, sobretudo em relação às condições de trabalho, pela sua peculiar identidade biossocial. II - Inspirado nela é que o legislador, no artigo 384 da CLT, concedeu às mulheres, no caso de prorrogação da jornada normal, um intervalo de quinze minutos antes do início do período de sobre trabalho, cujo sentido protetivo, claramente discernível na ratio legis da norma consolidada, afasta, a um só tempo, a pretensa agressão ao princípio da isonomia e a avantajada ideia de capitis deminutio em relação às mulheres. III - Aliás, a se levar às últimas consequências o que prescreve o inciso I do artigo 5º da Constituição, a conclusão então deveria ser no sentido de se estender aos homens o mesmo direito reconhecido às mulheres, considerando a penosidade inerente ao sobre trabalho, comum a ambos os sexos, e não a que preconizam aqui e acolá o princípio da isonomia, expresso também no tratamento desigual dos desiguais na medida das respectivas desigualdades, prestar-se como fundamento para a extinção do direito consagrado no artigo 384 da CLT. IV - Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência desta Corte, no julgamento do Processo nº TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, ocorrido na sessão do Pleno do dia 17.11.2008, em acórdão da relatoria do Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho. V - Recurso provido.
Processo: RR - 42400-97.2009.5.04.0221 Data de Julgamento: 01/12/2010, Relator Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/12/2010.
Embora o texto reconheça que se deve dar diferente tratamento à condição de trabalho da mulher pela sua peculiaridade biossocial, não se lhe pode exigir trabalho desigual, mas apenas um sentido protetivo à sua condição feminina. Por essa via se quebram diferenciações outras entre os gêneros.
2.4 Princípio da dignidade humana
A Constituição Federal de 1988 é respaldada por alguns princípios, dentre eles se destaca o princípio da isonomia (BRASIL, 1988, Art. 1º, inciso III), da igualdade e da dignidade humana: “A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito federal constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:[...] III- a dignidade da pessoa humana”.
Faz-se necessário abordar tal princípio, tendo em vista que o assédio moral à mulher, que é objeto deste estudo, é afetado diretamente, uma vez que, em situação de risco, a mulher tem seu nível psicológico atingido, seu profissionalismo é diretamente afrontado e principalmente, maculado o princípio da dignidade humana (CAPELARI, 2016).
É importante ressaltar que, quando qualquer princípio da Carta Magna é afetado, coloca-se em jogo a supremacia da Constituição, lembrando que esse princípio rege os demais princípios e é inerente, fundamental à vida humana.
Lima Júnior e Fermentão (2012, p. 1) ensinam que
O Direito à dignidade da pessoa humana é o princípio norteador do ordenamento jurídico. A Constituição Federal, ao garantir a dignidade como fundamento da republica, estabeleceu limites aos poderes constituinte, executivo e legislativo, bem como às atitudes da sociedade. Só foi possível positivar a dignidade da pessoa humana na Constituição brasileira devido às grandes atrocidades cometidas pelos governos anteriores. A dignidade da pessoa humana, hoje, ocupa papel fundamental para a garantia do Estado democrático de Direito. Por ser a principal proteção dos direitos fundamentais, cabe à dignidade da pessoa humana defender toda forma de vida humana existente. Para que a vida humana seja protegida na sua essência, no seu desenvolvimento físico, intelectual e psicológico, o Direito à dignidade humana precisa será aplicado, sua eficácia é o norteador da garantia Constitucional de vida digna.
Com isso, é compreendido que tal direito é de suma importância para o operador do direito, posto que, expresso na Carta Magna brasileira, é inerente ao respeito e à valorização da vida humana.
3 ASSÉDIO MORAL À MULHER NO AMBIENTE DE TRABALHO
É importante, de início, entender-se o que é assédio moral. Para Heloani e Capitão (2003, p. 5), assédio moral pode ser compreendido por “situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho” a que são expostos os trabalhadores e que “passam a ser mais desestabilizadoras”. Em decorrência, “as relações ficam mais desumanas e aéticas, nas quais predominam os desmandos, a manipulação do medo”, a deterioração do ambiente de trabalho.
Marie-France Hirigoyen (apud CAPELARI, 2016, p. 1) define o assédio moral no trabalho como “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”.
Dessa forma, o assédio moral se configura pelo ataque sistemático e intencional contra a dignidade da pessoa, por período prolongado. Seu objetivo é desqualificar o trabalhador profissionalmente e desestabilizar seu lado emocional.
O assédio moral ou violência moral no trabalho não é um fenômeno novo. Pode-se dizer que ele é tão antigo quanto o modo de produção baseado na exploração. A novidade consiste justamente na banalização do funcionário. O assédio moral não é uma questão individual, mas ativa nos locais de trabalho e expõe os trabalhadores de uma forma humilhante, prolongada e repetitiva.
Como exemplo, apresenta-se um recurso de revista sobre indenização por danos morais provocados pelo assédio moral em ambiente de trabalho, configurado pela exploração de métodos, técnicas e práticas de desempenho e cobrança sobre os funcionários:
RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL. TRATAMENTO VEXATÓRIO E HUMILHANTE. Embora a livre iniciativa seja reconhecida pela Constituição (art. 1º, IV, in fine; art. 5º, XXIII; art. 170, caput, II e IV, CF/88), os instrumentos para alcance de melhor e maior produtividade do trabalho têm como limites os princípios e regras constitucionais tutelares da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III; 170, caput, CF/88), da valorização do trabalho e do emprego (art. 1º, IV, ab initio; art. 170, caput e VIII, CF/88), da segurança e do bem estar (Preâmbulo da Constituição; 3º, IV, ab initio, art. 5º, caput; art. 5º, III, in fine; art. 6º; art. 193, CF/88) e da saúde da pessoa humana trabalhadora (art. 5º, caput; art. 6º; art. 7º, XXII, CF/88). A adoção de métodos, técnicas e práticas de fixação de desempenho e de realização de cobranças tem de se compatibilizar com os princípios e regras constitucionais prevalecentes, sob pena de causar dano, que se torna reparável na forma prevista na ordem jurídica (art. 5º, V e X, CF/88; art. 186, CCB/2002). Na hipótese, o Tribunal Regional consignou que os trabalhadores da Reclamada, inclusive os Reclamantes, eram pressionados para que as paradas do carro forte fossem mais rápidas. Quando não conseguiam cumprir a rota no tempo estipulado pela empresa, eram tratados de forma desabonadora pela Reclamada, que se utilizava de expressões ofensivas. Ademais, tal exigência vulnerou sobremaneira a segurança dos próprios empregados, uma vez que, para serem mais rápidos durante as paradas, passaram a andar com o cofre aberto, procedimento esse que, apesar de sabidamente contrariar as normas de segurança da empresa, era realizado sob o conhecimento da Reclamada. Não há dúvida, portanto, de que a atuação do poder diretivo patronal extrapolou os limites constitucionais que amparam a dignidade do ser humano. Recurso de revista não conhecido, no aspecto. 2. INTERVALO. ART. 384 DA CLT. EXTENSÃO AO TRABALHADOR DO SEXO MASCULINO. INVIABILIDADE. O Tribunal Pleno desta Corte, por força da Súmula Vinculante nº 10 do E. STF, na apreciação da inconstitucionalidade do art. 384 da CLT, conforme Incidente de Inconstitucionalidade em Recurso de Revista, consagrou a tese de que a norma, ao garantir o descanso apenas à mulher, não ofende o princípio da igualdade, em face das diferenças inerentes à jornada da trabalhadora em relação à do trabalhador. Precedentes da SBDI-1 desta Corte. De tal modo, não tem direito o trabalhador do sexo masculino à fruição do intervalo em questão, não cabendo realizar interpretação extensiva ou aplicação analógica da norma especial de tutela do trabalho da mulher. Recurso de revista conhecido e provido, no aspecto. 3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE DE CABIMENTO. SÚMULA 219 DO TST. Consoante orientação contida na Súmula 219/TST, interpretativa da Lei 5.584/70, para o deferimento de honorários advocatícios, nas lides oriundas de relação de emprego, é necessário que, além da sucumbência, haja o atendimento de dois requisitos, a saber: a assistência sindical e a comprovação da percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, ou que o empregado se encontre em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. Com efeito, se os obreiros não estão assistidos por sindicato de sua categoria, é indevida a condenação ao pagamento da verba honorária. Recurso de revista conhecido e provido, no aspecto.
Processo: RR - 38300-10.2011.5.17.0014 Data de Julgamento: 13/08/2013, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/08/2013.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela Organização das Nações Unidas de 1948, traz em seu artigo 1º: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, daí se concluir que os titulares dos direitos fundamentais são “todos os homens”, indistintamente (PINHO, 2013).
3.1 Formas de manifestações do assédio moral
De acordo com Capelari (2016), existem duas espécies de assédio moral: assédio vertical e horizontal. O primeiro é praticado pelo funcionário de nível hierárquico superior para com os seus subordinados, como no exemplo clássico em que o patrão, ou superior hierárquico, pressiona, por razões as mais diversas (mostrar poder ou falsa liderança, promoção pessoal, coação simples ou revide, dentre outros), seus funcionários ou subordinados; o segundo é praticado entre colegas do mesmo nível profissional, quando a vítima se vê diante de circunstâncias em que seus pares são os agressores, pelos mais variados motivos (busca de uma promoção, intolerância religiosa, ética, política, discriminação sexual, dentre outros).
O assédio moral propõe discriminação e não respeito pelas diferenças, podendo haver manipulação para se chegar ou se manter no poder. A vítima é hostilizada, ridicularizada e inferiorizada pelo superior (assédio vertical) ou pelos seus pares (assédio horizontal), o que pode levá-la a um isolamento causado pelo medo; em cadeia, outros colegas, eventualmente, passam igualmente a sentir-se na possibilidade de sofrer hostilidades (CAPELARI, 2002).
Existem algumas atitudes caracterizadoras por parte de quem pratica o assédio moral: normalmente, apresentam os mesmos métodos e atitudes, dentre elas algumas já bem conhecidas daqueles que já sofreram esse tipo de agressão à sua dignidade como trabalhador e como pessoa humana:
Retirar a autonomia da vítima e isolá-la do grupo. Não transmitir informações úteis para a realização das tarefas. Contestar sistematicamente todas as suas opiniões e ideias. Criticar seu trabalho de forma injusta, exagerada e inapropriada. Privar o trabalhador ao acesso aos instrumentos de trabalho. Retirar e substituir as tarefas que correspondem à natureza da função exercida. Exagerar nas quantidades de tarefas atribuídas ou deliberar instruções impossíveis de serem realizadas. Pressionar para que não faça valer os seus direitos, como por exemplo, dificultar o gozo de férias, licenças, faltas abandonadas, entre outros. Determinar que a vítima execute trabalhos perigosos ou incompatíveis à sua saúde. Não respeitar as indicações médicas restritivas ao tipo de atividade. Fazer com que os funcionários se sintam culpados pelo não cumprimento das tarefas atribuídas, causando-lhes um sentimento de incompetência. Práticas de zombaria que envolvem características pessoais da vítima ou de sua vida privada. Provocações quanto às suas crenças religiosas ou convicções políticas. (POETA, 2013, p. 7)
Observa-se, pois, que o assédio não referencia apenas um ataque direto contra a vítima, mas envolve qualquer tipo de agressão, mesmo que de forma velada ou dissimulada. Assediar é insistir, repetitivamente, em um comportamento reprovável. Sua caracterização não se dá apenas no âmbito sexual, quando a abordagem, não desejada pelo outro, veicula conteúdo ou intenção sexual, ou insistência inoportuna de alguém que ocupe posição privilegiada a fim obter vantagem ou favores sexuais de subalternos ou dependentes. Ele se dá, também, no aspecto moral, quando, por exemplo, causa constrangimento que faz prevalecer uma condição de superior hierárquico ou ascendência no exercício de emprego, cargo ou função, impedindo, injustamente, a que o funcionário desempenhe suas atividades livremente. Nesse diapasão, criticar o funcionário indevidamente, dificultar o acesso a ferramentas ou utensílios de trabalho ou o acesso aos direitos do trabalhador, inibir ou restringir o desempenho de uma tarefa se constituem assédio.
3.2 Estrutura dos Tribunais de Justiça do País
A estrutura hierarquizada dos Tribunais de Justiça propicia a prática do assédio moral. Normalmente, nessas organizações, há constantes pressões e desmandos, com excesso de trabalho, excesso de normas e regras elaboradas sem a participação dos empregados (POETA, 2013).
O assédio moral se instala tanto nas empresas privadas como nas empresas públicas, entretanto, é mais frequente em empresas públicas, principalmente naquelas que têm uma estrutura muito hierarquizada e em que prevalecem as relações autoritárias exercidas pelos superiores hierárquicos, como a estrutura dos Tribunais de Justiça e outros tribunais com estrutura semelhante.
O processo de uma estrutura hierárquica favorece a alienação dos trabalhadores e tem origem no próprio modo de produção. Além do mais, os órgãos públicos, em sua maioria, são comedidos pela falta de funcionários e sobrecarga de trabalho, ausência de funcionários ao trabalho, aposentadorias frequentes, reivindicações salariais.
Com frequência, os funcionários convivem com péssimas condições físicas de trabalho, prédios com instalações precárias, falta de higiene, claridade, ventilação, espaço, mobiliário, entre outros (POETA, 2013). Computadores, programas e demais equipamentos são, muitas vezes, insuficientes e ultrapassados. Tal quadro potencializa a insatisfação dos servidores do judiciário, o que pode aumentar os casos de doenças ou adoecimentos ligados ao trabalho, motivando pedidos de afastamento, e mesmo férias são utilizadas para tratamentos de saúde, quando deveriam servir para descanso e lazer.
Um dos exemplos de adoecimento no trabalho, quer devido à imersão no labor, quer devido ao assédio, é a existência da síndrome de burn-out (do inglês to burn out, queimar por completo) ou do esgotamento profissional entre os trabalhadores das repartições públicas. O funcionário não consegue responder aos apelos ou à demanda prolongada de estressores emocionais e vê adoecer-se após um longo e gradativo período de estresse e pressões excessivas (POETA, 2013; HELOANI; CAPITÃO, 2003). É um transtorno típico que mescla esgotamento e desencanto pelo esforço exagerado não reconhecido e, muitas vezes, criticado pela “ineficiência” (assédio moral); o indivíduo se vê injustiçado, inutilizado, sente um esvaziamento emocional e profissional.
3.3 Consequências do assédio moral
O assédio moral ataca a vítima de forma a provocar-lhe graves transtornos pessoais/profissionais e acentuadas consequências.
Para Poeta (2013, p. 8):
A depressão, crises de competência, crises de choro, mal-estar físico, mental dores generalizadas. Cansaço exagerado, irritação constante, alterações no sono, como insônia e pesadelos, diminuição na capacidade de concentração e memorização. Isolamento, tristeza, redução da capacidade de fazer amizades, Falta de esperança no futuro. Mudança de personalidade, reproduzindo as condutas de violência moral. Mudança de personalidade, passando a praticar a violência na família. Aumento de peso ou emagrecimento exagerado. Distúrbios digestivos, aumento da pressão arterial, tremores, palpitações e dores de cabeça. Alcoolismo e outras dependências. Em nível mais alto ideação e projetos suicidas.
O assédio moral afeta diretamente a autoestima do funcionário que, normalmente, se sente incapaz diante da profunda pressão psicológica que enfrenta constantemente. A pessoa assediada moralmente não consegue entregar-se completamente ao seu objetivo maior – “a execução satisfatória do trabalho”. Sente-se, constantemente, perseguida e, na maioria das vezes, o assediador faz com que ela se sinta inteiramente culpada pela imensidão de problemas que tem de enfrentar diariamente.
Normalmente, as pessoas, alheias ao problema, não conseguem entender a situação, e a vítima frequentemente é mais criticada, mal compreendida pelos colegas, pela família e por todos que com ela convivem.
Para a vítima, tudo é desesperador, o que potencializa o problema; sente-se tão mal compreendida, sufocada, ilhada, que extravasa a dor de alguma forma para sobreviver no trabalho ou no convívio social: chorando, reclamando com os colegas, prejudicando seu próprio corpo com tanta tensão.
Para qualquer indivíduo, no trabalho a máxima eficiência exige concentração, empenho, porém, quando assediado, sente minar suas forças e as possibilidades de ascensão: vê-se incapaz, desvalorizado não apenas pelo seu superior, mas pelos seus colegas ou pares. Dificilmente, alheios aos problemas, os parceiros no trabalho conseguem visualizar o problema. Acrescente-se a tudo isso, o medo maior da expectativa do desemprego em função do próprio adoecimento de que chega a ser acometido.
3.4 Preconceito
Desde os primórdios, sempre existiu o preconceito em todas as suas facetas, quer seja etnia, cor, gênero, religião.
Hoje, a temática da homofobia, embora não seja objeto deste estudo, está presente em debates. Como se apresenta, então, a situação de mulheres que disputam o mercado de trabalho e são, constantemente, avassaladas no cotidiano pela humilhação? Nota-se presente o fato de que superiores, ante o receio de perderem seus cargos ou por outras razões, as ridicularizam, diluindo sua autoestima e inferiorizando-as. Muito se fala sobre direitos humanos, proteção aos presos, aos homossexuais, porém, pouco se questiona quando a mulher é atacada emocionalmente.
Sobre preconceito, Dallari (2002, p. 12) conceitua:
Do ponto de vista de sua origem, de sua etimologia, a palavra a preconceito significa prejulgamento, ou seja, ter ideia formada sobre alguma coisa que ainda não se conhece, ter um conclusão antes de qualquer análise imparcial e cuidadosa. Na prática, a palavra preconceito foi consagrada como prejulgamento negativo a respeito da pessoa ou alguma coisa.
Muitas mulheres, em busca de afirmação profissional, têm sua trajetória profissional interrompida por preconceito: simplesmente por serem mulheres. O preconceito emite uma pensamento falho, infundado, estabelecido como pré-julgamento negativo. Inclui o gênero feminino sob o estigma de estereótipos, tais como incompetentes, frágeis, ineficientes, além do fato de serem assediadas moralmente, veladamente; daí constituir-se um sofrimento que só é sentido por quem passa pela dor e o estigma de ser por ele atingido.
Diz-se que do preconceito, que afeta profunda e negativamente a natureza humana, nasce o assédio. O assediador, por mais humilhe e inocente que se faça parecer, constrange intencionalmente a vítima perante todos, insiste em mostrá-la como incapaz, incompetente, neurótica, exagerada. O constrangedor se passa por carismático, é objetivo em suas ofensas e em seu comportamento agressivo, busca atingir unicamente a pessoa alvo, ridicularizando-a, confrontando sua dignidade.
Em contrapartida, a vítima tende a sofrer calada e isolar-se, expressar comportamento introspectivo, impassível, incapaz de reagir. Como consequência, tem seu nível emocional desestabilizado e, como recurso imediato, pode recorrer à ingestão excessiva de remédios, ao psiquiatra ou psicólogo, contrai crises de pânico e, como derradeiro recurso, pode procurar, nas drogas ilícitas ou lícitas, a única válvula de escape que lhe parece viável. Em casos mais drásticos ou extremos, o assediado recorre ao suicídio (CAPELARI, 2016; DALARI, 2009).
O preconceito e o assédio deixam marcas profundas. Dalari (2013) lembra alguns efeitos danosos à vítima: perda do respeito pela pessoa, restrição à liberdade, estabelecimento da desigualdade entre os seres humanos, fomento à discriminação e à intolerância, construção da injustiça.
Assim, tanto o preconceito quanto o assédio não podem ter justificativa moral nem jurídica, além de essencialmente perniciosos ao ser humano. À medida que produzem desigualdades e sofrimentos às pessoas, sacrificam valores fundamentais, justificam agressões, inspiram a intolerância e a perversão moral.
No trabalho, o assédio pode estar infiltrado, por exemplo, na extensão opressiva da jornada de trabalho das mulheres. Reconhecidamente perniciosa a todos os funcionários, são as mulheres que recebem o maior desgaste decorrente da sobrejornada ou dupla jornada, acarretando-lhes nocividades nos planos físico, psicológico e social (DALARI, 2013).
Vê-se, a título de exemplificação, o julgado a seguir:
Ementa:
RECURSO DE REVISTA - HORAS EXTRAORDINÁRIAS - ART. 384 DA CLT - INTERVALO PARA DESCANSO DA MULHER ENTRE A JORNADA REGULAR E A EXTRAORDINÁRIA. A gênese do art. 384 da CLT, ao fixar o intervalo para descanso entre a jornada normal e a extraordinária, não concedeu direito desarrazoado às trabalhadoras, mas, ao contrário, objetivou preservar as mulheres do desgaste decorrente do labor em sobre jornada, que é reconhecidamente nocivo a todos os empregados. Considerou, para tanto, sua condição física, psíquica e até mesmo social, pois é público e notório que, apesar de as mulheres virem conquistando merecidamente e a duras penas sua colocação no mercado de trabalho, em sua grande maioria ainda são submetidas a uma dupla jornada, tendo de cuidar dos seus lares e de suas famílias. Daí ter o legislador ordinário, com total respaldo no novo ordenamento jurídico constitucional, vislumbrado a maior necessidade de recomposição das forças da mulher empregada que tem a sua jornada de trabalho elastecida, mediante o gozo de um intervalo mínimo de quinze minutos para esse fim. Entendimento consagrado pelo Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por meio do IIN-RR-1.540/2005-046-12-00 e precedentes.
Recurso de revista conhecido e provido.
Processo: RR - 1177-50.2012.5.03.0040 Data de Julgamento: 23/10/2013, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/10/2013.
O Direito do Trabalho (DELGADO, 2009) prevê intervalos para descanso, com o objetivo de fazer com que o empregado possa recompor-se e evitar o cansaço excessivo, que lhe pode trazer possíveis prejuízos à saúde, ao seu bem-estar e à segurança.
3.5 A luta contra assédio moral
Em virtude de desmandos e opressões exercidos por superiores hierárquicos, especificamente no estado de São Paulo, foi promulgada a Lei 12.250/06 (SÃO PAULO, 2006), que veda o assédio moral no âmbito da administração pública direta, indireta e fundações públicas. Essa lei seria um avanço primordial contra o assédio moral nas repartições públicas, contudo, o governador José Serra assinou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de n. 3.980, em 23/10/2007, solicitando ao Supremo Tribunal Federal a suspensão, em sua integralidade, dos efeitos da Lei Estadual 12.250/2006, embora isso não seja motivo para que se desrespeite a mulher no ambiente de trabalho.
Na ADI n. 3.980/2007,
Segundo o governador, a lei promulgada pela Assembleia Legislativa de São Paulo afronta a Constituição Federal (art. 61) e a Carta estadual (art. 24). Ambas reservam ao Poder Executivo a prerrogativa de legislar sobre matérias pertinentes aos servidores públicos e o regime jurídico ao qual estão submetidos. Sustenta, ainda, que, por se tratar de questão relativa ao Estatuto dos Servidores Públicos, a matéria deveria ser fixada por meio de lei complementar. Assim, o governador José Serra requer a concessão de liminar para a suspensão imediata da lei, até o julgamento final da ação. Pede ainda a declaração de inconstitucionalidade, na totalidade, da lei estadual que proíbe o assédio moral no serviço público em São Paulo. (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=75227www.direitovivo.com.br>)
Embora pesem as alegações do governador, pode-se dizer que a ADI 3.980/2007 representou um retrocesso no que tange ao assédio nas repartições públicas, diante das transformações trabalhistas e maior integração e envolvimento da mulher no mercado de trabalho.
3 CONCLUSÃO
Esta pesquisa iniciou-se com uma introdução em que apresenta a temática abordada e, posteriormente, distribuída em seções que puseram em destaque o problema do assédio moral do gênero feminino no ambiente de trabalho, muitas vezes advindo de atitudes preconceituosas, que acarreta danos à mulher nas esferas psicológicas, físicas e sociais.
A primeira seção da pesquisa abordou a Constituição Federal, sua supremacia, alguns princípios como igualdade, dignidade humana e a proteção ao trabalho da mulher, com a apresentação de alguns julgados sobre esses aspectos. Abordou-se a questão da igualdade de direitos da mulher e a luta mundial para direitos iguais entre os gêneros.
Para a segunda seção, reservou-se espaço mais incisivo ao tema da pesquisa: o assédio moral, conceitos, vítimas mais comuns e agressores, comportamentos de ambos, os reflexos sentidos pelo gênero feminino, e diferentes vieses e atitudes de quem prática o assédio moral.
Destacou-se o Modelo Jus trabalhista autoritário como facilitador do assédio moral, citando a estrutura dos Tribunais de Justiça como exemplo desse modelo. Foram consideradas as consequências do assédio moral e do descaso como muitos tratam a mulher no mercado de trabalho.
A pesquisa enfatizou que a mulher passou a se descartar profissionalmente ao longo dos tempos principalmente após a Revolução Industrial, uma vez que passou a ocupar cargos que outrora eram ocupados eminentemente pelo gênero masculino. Além disso, as mulheres começaram a se intelectualizar mais, concluindo cursos de nível superior e especializações, mestrados e dourados. A mulher passou a ser chefe do lar, a ocupar cargos de direção em empresas públicas e privadas, privilégio apenas dos homens antes do século XX: um embate profissional que estabeleceu concorrência entre os gêneros propiciando o assédio moral.
Vale lembrar que o assédio moral não é somente praticado entre gêneros opostos, mas entre pessoas que ocupam cargos hierarquicamente diferentes indistintamente da identidade de gênero, entre um superior hierárquico (homem ou mulher) e um inferior, com destaque especial para a ridicularização da mulher, que é o objeto deste estudo. Ressalta-se, todavia, que, na maioria dos casos, o assédio ocorre entre gêneros opostos.
Com esta pesquisa, pretendeu-se focar os comportamentos de ambos os gêneros e mostrar como, ainda nos dias atuais, a mulher sofre no ambiente de trabalho, por preconceito ou por assédio moral.
É certo que o assédio moral – a ser tratado pela legislação com maior rigor – de qualquer forma é crime, mas também se entende que qualifica-lo como crime não é o suficiente para reduzi-lo ou eliminá-lo de qualquer ambiente. Tal crime, pela frequência com que existe no seio social, muitas vezes é encarado como algo banalizado, como desgaste de relacionamento entre chefe e subordinado, porque não costuma parecer como prejudicial à sociedade ou ao indivíduo.
O assédio moral deve, rigorosamente, ser banido da sociedade, quer coercitivamente pela aplicação de penas mais rígidas, quer pela conscientização da população, quer pela atuação ingente e forte dos órgãos públicos e empresas privadas. Apenas alertar subordinados e superiores quanto à ocorrência de tais crimes não basta; urgem ações prontas e eficientes a fim de debelar a atuação dos agressões que impõem às vítimas situações constrangedoras e deprimentes, sofrimento e dor.
É importante expor à sociedade o que é assédio moral por meio de palestras, seminários, reuniões direcionadas a grupos sociais, dentre outras ações. Ora, se existe a luta pela sociedade contra tantos preconceitos, por que também não lutar contra esse tipo de descriminação e preconceito – o assédio – que pode levar um ser humano a praticar o suicídio?
Trata-se de um tema cuja discussão se locupleta de suma relevância, posto que ataca diretamente o ser humano, ferindo direitos e sua dignidade e lhe retira até mesmo a perspectiva de vida e saúde.
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[1] Janaína dos Reis Guimarães é professora de Direito do Trabalho da Universidade Camilo Castelo Branco - Campus Fernandópolis e orientadora deste artigo.
Discente do curso de Direito da universidade Camilo Castelo Branco " UNICASTELO".
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Aniele Carolina Bueno de Oliveira. Assédio moral à mulher no mercado de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47684/assedio-moral-a-mulher-no-mercado-de-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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