DANIELLI GADENZ (orientadora): Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria/RS. Professor do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel.
Resumo: A maioria das relações atualmente envolvem as tecnologias de computação e internet, onde guardamos informações particulares que focam interligadas ao mundo, onde surgiu o comércio eletrônico passando a ser explorado de forma ampla gerando comodidade aos compradores e competitividade entre as empresas, são exemplos dentre tantas outras funcionalidades desenvolvidas neste meio. Toda esta interligação expõe as pessoas a riscos devido à frequência e facilidade com que seus dados podem ser usurpados de seu controle, atingindo limites inestimáveis. Assim, o direito e a informática estreitaram suas relações para tratar da proteção aos usuários da rede, sendo que em 2014, surgiu a Lei 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet, elencando previsões legais para responsabilizar no âmbito civil o provedor garantindo um complexo de segurança jurídica ante a privacidade lesada, dando o respaldo jurídico necessário para a garantia deste direito.
O presente trabalho analisou as hipóteses de responsabilização do provedor nos casos de violação da privacidade alheia onde não ocorre a identificação do ofensor, e concluiu que o Marco Civil concedeu ao ordenamento jurídico uma importante ferramenta para garantia de direitos, ao prever a responsabilização de terceiro, no caso o provedor, dando desta forma a certeza ao usuário de que seu direito será preservado. Concluindo-se que este instrumento é de grande valia para garantia dos direitos referentes aos usuários quando este se encontra na internet e tem sua privacidade violada, a previsão de responsabilidade subsidiária do provedor é um instrumento relevante da codificação, uma vez que ele denota a segurança jurídica pela qual se criou a referida lei.
Palavras-chave: Marco Civil. Responsabilidade Civil. Internet. Provedor.
ABSTRACT: Most relationships currently involve computing and internet technologies, where we keep private information focusing interconnected the world where e-commerce going to be exploited broadly generating convenience to buyers and competitiveness arose between companies, are examples among many others features developed in this medium. All this interconnection exposes people to risks because of the frequency and ease with which your data can be usurped their control, reaching invaluable limits. Thus, law and computer science narrowed its relations to address the protection to network users, and in 2014 came the Law 12,965, known as Marco Civil Internet, listing legal provisions to blame the civil context the
provider ensuring complex legal certainty before the injured privacy, giving the legal support necessary to guarantee this right.
This study examined the hypothesis in the case of violation of privacy provider accountability others where no identification of the offender is, and concluded that the Civil Marco granted the legal system an important tool to guarantee rights, by providing the third party liability, if the provider, thus giving the user the assurance that their rights will be preserved. Concluding that this instrument is of great value to guarantee the duties relating to users when it is on the internet and have their privacy infringed, predicting subsidiary of provider responsibility is a relevant coding tool, since it denotes the security legal for which he created this law.
KEYWORDS: Marco Civil. Civil Responsability. Internet, Providor.
1 INTRODUÇÃO
Vivenciamos a evolução tecnológica a partir da qual as relações comerciais, a administração pública e a sociedade como um todo passaram a depender da tecnologia, especificamente da sua eficiência e segurança na disseminação de informações. Todas as relações passaram a ter uma sujeitar-se a computação e internet, locais onde guardamos informações particulares confidenciais, onde empresas desenvolvem suas atividades por comércio eletrônico, local onde encontramos todo tipo de documentos, notícias e arquivos infinitos que podem se usados em nosso cotidiano.
Assim, nos encontramos em uma sociedade globalizada digital, que se desenvolveu juntamente com a tecnologia, e desta forma nos trouxe uma dependência tecnológica, pois tudo se encontra de alguma forma vinculado e com acesso fácil, que interliga regiões do globo com simples cliques e que fornece qualquer tipo de informação em segundos. Tudo está abarcado pela tecnologia, conseguimos acesso a dados de pessoas, empresas e até mesmo de governos de qualquer parte do mundo instantaneamente.
Toda esta interligação, porém, expôs o mundo a riscos eminentes devido a grande frequência com que a privacidade de informações é violada.
Desta forma, o direito e a informática tiveram que estreitar suas relações para tratar da proteção aos usuários da rede, visando coibir a prática de delitos informáticos elencando previsões legais para responsabilização no âmbito civil visando assegurar ao ofendido recurso para reparação do dano sofrido.
O direito à privacidade assumiu grande relevância com o implemento das novas tecnologias de comunicação, que expõem constantemente as pessoas. Nesta sistemática, no ano de 2014, como forma de tornar mais efetiva à tutela jurídica estatal nas relações virtuais, surgiu a Lei 12.965/2014 (Marco Civil na Internet), lei de referência mundial para a consolidação de políticas de segurança na rede, ao estabelecer direitos e garantias ao uso da internet como um todo, trazendo-nos preceitos quanto à navegação na internet, envolvendo e elencando várias obrigações quanto aos provedores de internet a fim de resguardar a privacidade das informações dos usuários da rede.
O Marco Civil abarcou a responsabilidade civil das empresas envolvidas nas prestações de serviços de internet, sobre tudo quanto ao seu dever de preservar o sigilo e guardar informações coletadas, garantindo-se o direito do ofendido de buscar a exclusão do conteúdo que reputar danoso, reafirmando a tutela da privacidade a todos os tipos de conteúdo.
Neste âmbito, o Marco Civil vem a ser um importante instrumento para regular as relações informáticas entres os usuários, principalmente ao tornar-se o ponto inicial para a busca e regulamentação dos crimes praticados no âmbito da internet, principalmente os crimes envolvendo a violação à privacidade.
O presente artigo, utilizando-se do método dedutivo, partindo de parâmetros evidenciados pelas doutrinas e jurisprudências, visa uma análise da responsabilidade dos provedores em relação à conteúdos divulgados na internet por terceiros, que venham a violar direito alheio, principalmente a privacidade no âmbito virtual, recaindo um estudo sobre as formas de provocar o provedor a retirar conteúdo danoso da rede e fazer cessar a violação sofrida.
2 O DIREITO À PRIVACIDADE
Com a evolução jurídica, cada vez mais se intentou o reconhecimento dos direitos da personalidade, que vem a surgir a partir da própria razão de ser no direito natural. Estes direitos são dotados de uma essencialidade, de uma relação vitalícia e intransmissível, visando a proteção dos valores naturais do indivíduo ao proteger algo que a pessoa carrega como particularidade por toda sua jornada, um valor nato e originário, valores como a vida, a honra, a identidade, o segredo e a liberdade (BITTAR, 1993).
Assim, ao exercer este poder de essencialidade, tem-se que determinadas manifestações das pessoas visam a conservação de informações que se pretende tornar inacessíveis ao conhecimento de terceiros, informações de cunho particular ao qual a divulgação poderá causar embaraço, revelar segredo ou qualquer outra forma de causar um dano a pessoa com o intuito de prejudicá-la, intentando na lesão de seu direito à privacidade (BITTAR, 1993).
O direito brasileiro prevê na Constituição Federal de 1988, mais especificamente em seu artigo 5º, a tutela dos direitos fundamentais para a melhora e manutenção de uma vida digna.
Toda via, elenca-nos o art. 5º, X:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X. São invioláveis a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988).
Diante do artigo exposto, de acordo com Leonardi (2012, p.82) a Constituição Federal não elencou de um modo genérico o direito a privacidade, trouxe-nos também a exposição da proteção à intimidade denotando-se a autonomia de cada instituto. Tais direitos, por hora, confundem-se pela linha tênue que a definição de ambos institui.
O Poder Judiciário e o legislador não demonstram uma conceituação específica para cada um dos direitos supracitados, cabendo à doutrina traçar uma conceituação diferenciada para cada um dos institutos.
Assim, nas palavras de Luis Roberto Barroso (2005, p. 96):
A intimidade e a vida privada estariam representadas em esferas distintas, compreendida no mesmo conceito mais amplo de direito de privacidade, sendo a intimidade um círculo mais restrito de fatos relacionados exclusivamente ao indivíduo, ao passo que a vida privada diria respeito a um espaço mais amplo e abrangente das relações sociais.
Desta forma, evidencia-se que tanto intimidade quanto vida privada são ramos que compõe um direito maior e mais amplo, o direito à privacidade como um todo. No que se diz respeito à intimidade, busca-e uma proteção ao indivíduo dos olhares alheios e da interferência na sua esfera mais íntima por meio de matérias ou fatos obtidos de forma ilícita desta, visando resguardar a dignidade e integridade da pessoa humana, em suma é o direito de “ser deixado em paz[1]” (LOPES, 2013).
Neste prisma, temos que a vida privada seria a liberdade que o indivíduo tem de se relacionar com quem bem entender, de viver uma vida social na sua plenitude sem que terceiros interfiram em tal vivência no intuito de prejudicar o indivíduo.
Salienta-se as palavras de José Afonso da Silva (2005, p. 188) que subtrai o conceito uno e bem específico para cada instituto, remetendo-nos que a intimidade integra a esfera íntima da pessoa, os seus pensamentos, desejos e convicções enquanto a vida privada significa o direito do indivíduo de ser e viver a própria vida, relacionando-se com quem bem entender e a Carta Magna, ao proteger a vida privada, se refere a vida interior, “como conjunto do modo de ser e viver, como direito de não viver a vida exterior, que envolve as pessoas nas relações sociais e nas atividades públicas.
Por mais que seja recorrente a dúvida entre as conceituações, cada uma denota a um momento específico na vida da pessoas, recaindo ao direito à privacidade, abarcando ambos os conceitos e sendo este o objeto fundamental para a proteção integral da pessoas na coibição de ilícitos decorrentes de condutas de terceiros.
Segundo Paesani (2014, p. 34), o direito à privacidade tem como fundamento a defesa da personalidade humana contra invasões ou injunções de terceiros, de modo a resguardar ao indivíduo a liberalidade e o controle sobre suas informações, eminentemente confundindo-se com um resguardo ao anonimato garantindo-lhe de certa forma um espaço onde o mesmo possa recolher-se, refletir e emergir suas particularidades sem que se tenha a interrupção inapropriada e muito menos que lhe induzam a um comportamento socialmente esperado.
Desta forma, ainda segundo Paesani (2014, p.34) em um primeiro momento o direito à privacidade pauta-se na defesa a não intervenção por parte de terceiros e até mesmo do Estado na vida íntima das pessoas, bem como determina um respeito de liberdade pessoal, como forma de não se impedir que uma pessoa leve sua vida privada conforme sua própria liberalidade existencial desde que não interfira em direito de terceiro.
Denota-se ainda, nas palavras de Sarlet (2013, p. 405), um dever de proteção estatal que emana da codificação, trazendo-nos garantias para levar- a vida privada da forma que bem lhe convir, emanando ainda a eficácia nas relações privadas ante ao poder do estado em regrá-las.
Por mais que em um primeiro momento a interpretação é que o direito à privacidade é um direito ilimitado e sem restrição, assim como os demais direitos fundamentais, este também não se revela como direito imune a intervenções visando limitar sua aplicação, que não foi elencado com uma reserva legal.
No sentido dos limites impostos ao direito de privacidade, expõe-nos Paesani (2014, p. 34) que em determinadas situações, dado o alto grau de importância disseminado na proteção deste direito, poderá ser imposta, uma restrição que será aplicável apenas em casos extremos aos quais a continuidade da proteção importará em prejuízo aos direitos fundamentais de outros ou ainda nos casos de bens constitucionais relevantes, como por exemplo, no caso de restrição que a própria Constituição Federal detém que se revele.
Podem ainda impor limitações à privacidade ao atingirem-se interesses coletivos diferentes do direito a informação e de maior relevância numa avaliação conjunta do interesse desta coletividade atingida. Resguarda-se, todavia, que esta preponderância do interesse coletivo sob o individual requer-se pela verificação do alcance respectivo de seu direito em relação aos outros, uma vez que sacrificar o direito individual da pessoa acarretará em importante prejuízo se este não for fundado em interesse maior.
Prossegue Sarlet (2013, p.412) ressaltando que o direito à privacidade está intimamente ligado ao indivíduo do qual utiliza de suas particularidades na vida diária, e tal direito visa a proteção de seus direitos fundamentais para que determinadas informações pessoais não venham a tornarem-se públicas sem o consentimento da pessoa ou até mesmo tendo-se o consentimento mais importando em algum vício ou forma e coação que o Judiciário tenha o devido respaldo para reverter tal situação.
Prevê uma liberalidade para que terceiros não adquiram de forma ilimitada qualquer tipo de informação que possa ser prejudicial à pessoa, regra a exposição a qualquer tipo de abuso e garante um direito necessário para toda e qualquer pessoa em manter em seu poder suas confidencialidades e particularidades sem que seja importunado e, se o for, visa garantir o respaldo jurídico necessário com intuito de que o ofensor seja responsabilizado pelo ato praticado.
Ainda, remete-nos Paesani (2014, p. 35), o legado da privacidade em países da Europa também esbarra na dificuldade de uma conceituação, que abarque todos as infrações contra a privacidade: a Inglaterra é reconhecidamente uma das primeiras nações a expor em lei orgânica a proteção à privacidade, sendo que na atualidade, não tem-se mais uma tutela específica e exaurida sobre o assunto, passou-se a utilizar-se remédios singulares para tratar do assunto sendo empregado um estudo caso a caso para efetivo emprego de norma punitiva.
Por outro lado, também nas palavras de Paesani (2014, p. 36), em países como a França existe uma lei mais severa em relação ao assunto, adotada pela codificação civil e penal do país, trazendo previsões para impor-se o respeito à vida privada, visando garantir este direito pessoal que o indivíduo detém.
O direito a privacidade ainda não é determinado por um conceito uno no Brasil, sendo constantemente aplicado sob as perspectivas de caso a caso. O que cabe salientar é o avanço das tecnologias de comunicação, fato ao qual cada vez mais este direito está sendo violado no ambiente virtual, evidenciando a grande necessidade de tratar a temática com determinado apreço quando referir-se diretamente ao direito da privacidade na internet.
2.1 DIREITO À PRIVACIDADE NO AMBIENTE VIRTUAL
A sociedade segue rumo à globalização, e este é um fator significativo denotado na revolução tecnológica e no avanço nas comunicações, que acabam por universalizar hábitos, culturas, meios de produção e consumo. Neste sentido, cada vez mais as pessoas estão interligada e demonstram uma dependência tecnológica para manter a vida, seja desenvolvendo diariamente seu trabalho, seja usufruindo dela no momento de lazer, estamos em um momento histórico de avanço tecnológico sem precedentes.
Assim, o mundo virtual está em destaque, evidenciando uma necessidade cada vez maior de proteção adequada à privacidade das pessoas quanto às violações decorrentes do uso da sua ciência, a fim de garantir a segurança necessária e para que possamos aproveitar ao máximo os benefícios que este ramo tem a nos oferecer.
Nas palavras de Leonardi (2012, p. 113), no que se refere à privacidade na internet, temos uma grande dificuldade em se determinar o foco inicial do problema quando temos a disseminação de determinada informação, dado ou imagem privada. Na rede, os dados são disseminados rapidamente em amplitude mundial, sendo desta forma difícil a identificar o indivíduo que viola a privacidade de um terceiro, sendo muitas vezes os fatos divulgados a partir de países que, por não dispor de legislação para esta questão específica, não punirão a ocorrência, dando um caráter de impunidade à atitude delituosa.
Os desafios da manutenção do direito à privacidade em relação à internet esbarram na evolução tecnológica desenvolvida, cada vez utilizamo-nos de instrumentos modernos para nos conectarmos a rede, sendo esta rede com acesso cada vez mais facilitada e irrestrita, e que também é empregada em velocidades igualmente condizentes para propagação de conteúdos, onde uma informação chega ao mundo todo em questão de segundos, basta uma simples pesquisa em mecanismos de busca para a ruptura dos direitos de privacidade dos indivíduos ser configurada.
Neste sentido, reflete José Afonso da Silva (2005, p. 212):
O intenso desenvolvimento da complexa rede de fichários eletrônicos, especialmente sobre dados pessoais, constitui poderosa ameaça à privacidade das pessoas. O amplo sistema de informações computadorizadas era um processo de enquadrinhamento das pessoas que ficam com sua individualidade inteiramente devassada. O perigo é tão maior quanto mais a utilização da informática facilita a intercomunicação de fichários com a possibilidade de formar grandes bancos de dados que desvendem a vida dos indivíduos, sem a sua autorização e até sem o seu conhecimento.
A internet possui um grande potencial de risco em relação aos atentados contra os direitos da personalidade devido à facilidade de expor dados na rede e também a velocidade de propagação destes.
Embora se reconheça o imperativo do avanço tecnológico, compete ao operador do direito e a toda a comunidade jurídica adotar uma postura crítico-construtiva sobre as questões que envolvem a informática, sem que com isso, se queira afastar os benefícios dela decorrentes (VIEIRA, 202, p. 71).
De acordo com Crespo (2011, p. 35), a informação sempre é objeto de grande desejo da sociedade em geral, onde corporações, governos, pesquisadores e demais setores da sociedade buscam obter dados a fim de aprimorar seus conhecimentos e alcançar resultados. A informação é chave para decisões de cunho político, social e negociais.Detendo o conhecimento acerca de determinado grupo de consumidores, empresas podem estar sempre a frente da concorrência no setor de produtos, governos podem combater focos ou manifestações contrárias ao seu legado, enfim, com o poder de informações diversificadas à sua disposição, diversas atitudes podem ser tomadas e modificadas buscando o lucro ou silêncio de determinadas pessoas.
Denota-se que as várias leis que tratam da temática da privacidade ficaram exauridas diante da agressividade apresentada pelo mercado, como por exemplo na ação de empresas para obtenção de informações pessoais com o intuito de prevalecer sobre as demais. Assim, evidencia-se que o ordenamento necessita de leis cada vez mais específicas e condizentes com a realidade ao tratar do caso de privacidade na internet.
Na Europa, as instituições iniciaram movimentos e trataram em convenções, como por exemplo a Convenção de Estrasburgo, já em 1977, para tratar da temática da informática, uma tecnologia a qual ainda não se instituía um limite por não se saber ao certo ainda seus reais propósitos, porém que já denotava um certa preocupação governamental. Desde cedo tratou-se da temática e mesmo assim a dificuldade existe em se coibir a prática delituosa na internet ao se agredir a privacidade alheia (PAESANI, 2014, p. 42).
Por mais que seja totalmente abarcada por codificações, existe uma grande dificuldade, mesmo nestes casos, em se manter a segurança dos usuários da rede, pois nela as informações permanecem por tempo ilimitado, o acesso é irrestrito, sem contar que inexiste um ponto único para o controle de tudo o que circula.
Neste sentido, remete-nos Leonardi (2012, p. 338): “Percebe-se que o principal desafio que se apresenta para a obtenção de tutela específica nestes casos é encontrar medidas técnicas que sejam plenamente eficientes e, ao mesmo tempo, estejam equiparadas com a regra da proporcionalidade”
Ainda segundo Leonardi (2012, p. 339), a grande dificuldade encontrada para obter o controle da privacidade na internet está ligado o fato de não termos à disposição mecanismos igualmente efetivos para buscar a responsabilização do ofensor, o a própria forma com que a internet foi inicialmente projetada para o compartilhamento irrestrito de informações hoje impôs a dificuldade na tutela necessária a segurança dos usuários. Esbarramos em problemas como a dificuldade encontrada pelo anonimato dos usuários e consequentemente com a sua identificação. Por mais que se criem mecanismos para punir o ofensor, sempre uma “facilidade” arquitetada pela própria rede para dificultar a punição.
Diante do exposto, cabe salientar as palavras de Leonardi (2012, p. 368) dizendo que é preciso reconhecer os limites do direito. Não é possível pretender tutelar todas as situações envolvendo problemas de privacidade na internet, principalmente quando os próprios indivíduos parecem desprezar seu direito a ela”.
Assim, havia a necessidade de criação de uma legislação específica sobre a temática internet e sua relação com a privacidade das pessoas, principalmente ante o grande fator de exposição neste ambiente, como forma de resguardar os direitos dos indivíduos que a utilizam e que necessitam de um respaldo jurídico para sua proteção.
3 O MARCO CIVIL DA INTERNET E AS OFENSAS À PRIVACIDADE NO AMBIENTE VIRTUAL
A Lei 12.965/2014, chamada como Marco Civil na internet, tornou-se uma lei reconhecida em âmbito mundial, por tratar especificamente sobre a temática de responsabilização no ambiente virtual.
O Marco Civil estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres dos usuários e provedores no que tange aos crimes informáticos, bem como norteou a União, os Estados e os Municípios sobre as diretrizes para sua atuação.
Esclarece Paesani (2014. p. 85) que o Marco Civil da internet visa estabelecer que sejam respeitados princípios como a liberdade de expressão, pluralidade, diversidade, abertura, colaboração, exercício de cidadania, proteção à privacidade e dados pessoais, livre iniciativa, livre concorrência e a busca em defender o consumidor.
De acordo com Moraes (2015, p.88), emana do Marco Civil o princípio da privacidade, garantindo a inviolabilidade e sigilo das comunicações. Tal direito será resguardado pela regulamentação do monitoramento, filtro, análise e fiscalização de conteúdo para garantir o direito à privacidade.
No que se refere aos princípios, expõe-nos Martins (2014), a lei emana o princípio da neutralidade da rede, que visa impedir que os provedores de rede cobrem valores dos usuários em relação ao conteúdo por este acessado, mas sim que seja feita uma cobrança pela velocidade de conexão, princípio da liberdade de expressão, elencada no artigo 19 da lei, garante que todos tenham um direito igual para difundir informações e opiniões na rede e, por fim, o princípio da privacidade, determinando que provedores e sites não usem os dados dos usuários para fins comerciais, que tais dados devem ficar guardados por no mínimo seis meses e por fim, obrigou as empresas estrangeiras a serem submetidas à legislação brasileira no que se refere à segurança à informação, mesmo que seus centros de armazenamento de dados seja fora do país.
Ainda de acordo com Martins (2014), além dos direitos considerados princípios da internet no Brasil, outros foram estabelecidos pelo Marco Civil, como a inviolabilidade da intimidade e da vida privada e indenização em caso de violação, a não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização, a manutenção da qualidade contratada da conexão à internet são alguns exemplos dos direitos adquiridos pelos usuários.
No que tange à privacidade, cabe salientar o art. 10 da Lei 12.965/2014:
Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.
§ 1o O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7o.
§ 2o O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7o.
§ 3o O disposto no caput não impede o acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição.
§ 4o As medidas e os procedimentos de segurança e de sigilo devem ser informados pelo responsável pela provisão de serviços de forma clara e atender a padrões definidos em regulamento, respeitado seu direito de confidencialidade quanto a segredos empresariais (BRASIL, 2014).
O artigo supra citado refere-se a segurança que o provedor deverá repassar ao usuário, uma vez que, respeitando o direito à privacidade, o provedor não poderá violar tal preceito com a divulgação de conteúdos. Somente por meio de ordens judiciais para fins de investigação criminal será possível acessar determinados conteúdos divulgados pelos usuários.
Ainda, a ressalva à privacidade recaiu também no artigo 13, elencando que na conexão à internet caberá ao administrador do sistema autônomo o dever de manter os registros da conexão (conjunto de informações referente à hora e data de início e término da conexão, sua duração, informação do IP) pelo prazo de um ano, mantendo-os em ambiente controlado e de segurança, bem como foi exposto, e claramente, no artigo 7º da codificação, garantindo ao usuário a proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação deste direito da personalidade.
Nesse sentido remete-nos José Afonso da Silva (1997, p. 202):
A esfera de inviolabilidade, assim, é ampla, abrange o modo de vida doméstica, nas relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, local, nome, imagem, pensamentos, segredos, e, bem assim, as origens e planos futuros do indivíduo.
Com base na privacidade na web, os internautas se sentirão mais seguros para navegar, pois possuem a garantia de que ao terem seus dados usurpados e consequentemente repassados para terceiros não autorizados, e principalmente quando estes forem expostos, sem o consentimento do usuário pode ele ingressar com ação de indenização contra o provedor que mantém o conteúdo, caso não se identifique o usuário ofensor.
Assim, a privacidade na internet encontrou no Marco Civil o respaldo necessário para manter a segurança dos usuários ao tratar das responsabilidades, tanto dos próprios usuários da rede, bem como aos provedores de internet, delimitando deveres e direitos, situações específicas e bem claras de obtenção de informações.
O importante é salientar, que o conteúdo na web tende a ficar exposto ao mundo, sendo assim a privacidade deve ser primeiramente observada pelo próprio usuário:
A própria pessoa determina o que é de interesse público e o que será devidamente privado no que diz respeito a sua vida íntima e particular, não devendo ser ofendido este direito de escolha nem pelo Estado e nem por terceiros. Esta lição fica especialmente clara quando se pensa, na era digital, as próprias pessoas são responsáveis pelas maiores exibições de suas vidas íntimas nas redes sociais (SAVEGNAGO, 2015).
Por fim destaca-se que a privacidade deve em um primeiro momento recair sobre quem busca sua exposição de forma irrestrita na rede, o próprio usuário deve demonstrar um interesse em manter este direito assegurado, uma vez que a grande dificuldade para prevenção e futura punição dos delitos informáticos esbarram, em sua grande maioria, no anonimato dos ofensores.
3.1 AS DIFICULDADES NA IDENTIFICAÇÃO DO OFENSOR E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR NA INTERNET
Ao expor ferramentas diretas para o emprego do direito na sociedade disponibilizando um instituto para punir e coibir a prática de determinada infração Marco Civil mostrou-se um dispositivo amplo e abrangente para situações ligadas à internet. Todavia, da mesma forma como tantas outras diplomações legais, esbarra em um problema específico ao ramo que trata: a dificuldade que têm-se para identificação do ofensor diante do elevado nível de anonimato que este meio de comunicação detém.
Assim, de acordo com Leonardi (2012, p. 157) “a arquitetura original da Internet não contém, isoladamente informações que possibilitam o reconhecimento de elementos de identidade: exceção no mundo físico, o anonimato é a regra no âmbito da Rede”.
Este preceito evidencia-se também nas palavras de Elis Monteiro (2013):
Redes como Facebook são alvo preferencial de criminosos que passam a agir sob o véu do anonimato. Tranquilo em sua posição de anônimos, continuam atuando na encolha, trocando material de pedofilia, enviando spams, promovendo badernas virtuais, invadindo perfis pessoais, denegrindo pessoas e incomodando, e muito o próximo.
Desta forma, essa aparência de anonimato e a facilidade na ocorrência de abusos deixam evidente uma sensação de impunidade, que no outro viés também motiva a prática de atos ilícitos utilizando a rede. O implemento de mecanismos eficientes para identificação e localização do autor do ato ilícito, servirá como fator para desestímulo da prática.
Neste sentido, o grande problema a ser superado pela Lei 12.965/2014 está focado na dificuldade de identificação do ofensor que pratica o ato ilícito, sendo que o Marco Civil trouxe uma alternativa para superar esta barreira, de forma subsidiária, ao estabelecer as responsabilidades dos provedores de conteúdo ante a violação praticada por terceiro, fornecendo um mínimo de segurança ao usuário da rede de que terá sua necessidade atendida, com amparo legal.
A responsabilidade civil, nas palavras de José de Aguiar Dias (2006), é resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face do dever ou da obrigação, fazendo surgir situação jurídica em que aquele que violou dever jurídico, causando dano a outrem, tem a obrigação de recompor o dano ou, não sendo possível, indenizar o ofendido.
Assim, consta-nos exposto no Código Civil, mais especificamente no artigo 927, a obrigação de indenizar onde estão implícitas as hipóteses de responsabilidade civil.
Deste modo, expõe-nos De Souza (2006, p.10), que a responsabilidade civil existe também no mundo virtual, pois as relações desenvolvidas na Internet nada mais são do que relações humanas.
De acordo com Araújo e Reis (2015), cabe a todos os provedores de serviço de internet, em modo geral, o cumprimento de deveres na execução de suas atividades, tais como desenvolver a atividade com tecnologia apropriada, manter o conhecimento e o zelo pelo sigilo dos dados dos usuários, manter as informações por tempo determinado, sendo-lhe vedado monitorar os dados e conexões em seus servidores, bem como vedar a censura, sendo obrigado a informar eventuais ilícitos cometidos por usuários.
Desta forma, fica evidenciado o entendimento nas palavras Moraes (2015, p.88) que apesar de reconhecer as teorias subjetivas e objetivas da responsabilidade civil, o Código Civil de 2002 não foi capaz de trazer previsões que pudessem dirimir questões relativas ao comércio eletrônico e à responsabilidade no meio virtual. Neste prisma, a doutrina e a jurisprudência têm solucionado tais questões uso de analogia.
Todavia, pelos fatos acima evidenciados, Delgado (2010) cita-nos as teorias de responsabilidade de contrato e da responsabilidade pressuposta, sendo que a primeira não encontra fundamento nem na culpa nem no risco, mas tão somente no contato mantido pelo agente do dano e a relevância deste prejuízo sendo todos os envolvidos responsabilizados solidariamente pela reparação pelo simples contato entre eles, enquanto a segunda fundamenta-se na aplicação da teoria da responsabilidade objetiva com fundamento na teoria do risco integral, também permitindo a responsabilização solidária, porém agora de todos os envolvidos na cadeia de prestação de serviços. Ao certo, o que se perdura, nas palavras de Moraes (2015, p. 89), a responsabilização que parece trazer o retorno mais imediato ao ofendido é a responsabilização objetiva, respondendo até mesmo por sites por ele armazenados.
Cabe aqui, salientar o caso da atriz Daniella Cicarelli que teve cenas íntimas de relação sexual com seu namorado divulgadas no Youtube. O caso resultou na apelação cível n° 556.090.4/4-00 (TJSP), na qual o provedor alegava não ter conhecimento de sua responsabilidade na transmissão do vídeo e que determinadas situações ofensivas a direito da personalidade, ganham licitude quando conhecidas.
O Desembargador Teixeira Leite (2008, p. 09) em seu voto destacou:
Ainda que testemunhemos a mediocridade e com ela nos resignemos, jamais poderemos admitir que o enfraquecimento dos costumes transforme o ilícito em assunto de rotina dos lares, o que anima escrever que a multiplicidade do replay do filme do casal não imuniza os infratores que teimam em divulgá-lo
Ante aos fatos, o tribunal considerou o Youtube pernicioso com a disputa, querendo limitar-se a excluir apenas os links do vídeo, negando-se a ser envolvido na buscar pelo usuário disseminador do conteúdo. O provedor não desenvolvera um programa capaz de rastrear os vídeos, omitindo-se como se não tivesse responsabilidade. O tribunal decidiu por fim, que em trinta dias o Youtube deveria remover todos os vídeos do casal devendo a partir daí identificar através do IP os usuários que acessam links de usuários que retornassem o vídeo para o site passando assim a incidir na responsabilidade dos usuários disseminadores do conteúdo na responsabilidade por tal ato.
Tal decisão demonstrou, de acordo com Moraes (2015, p.92) a mudança de justificativa de culpabilidade (responsabilidade subjetiva) para a teoria do risco (responsabilidade objetiva), seguindo o sentido da jurisprudência estrangeira, entendendo-se que o provedor só é responsável pelo conteúdo que hospeda se recusar a identificar o ofensor direto do ato ou se demonstrar negligência na adoção de providências para cessar os efeitos do ato.
Neste sentido salienta-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PROVEDOR. MENSAGEM DECONTEÚDO OFENSIVO. RETIRADA. REGISTRO DE NÚMERO DO IP. DANO MORAL.AUSÊNCIA. PROVIMENTO. 1.- No caso de mensagens moralmente ofensivas, inseridas no site de provedor de conteúdo por usuário, não incide a regra de responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do Cód. Civil/2002, pois não se configura risco inerente à atividade do provedor. Precedentes. 2.- É o provedor de conteúdo obrigado a retirar imediatamente o conteúdo ofensivo, pena de responsabilidade solidária com o autor direto do dano.3.- O provedor de conteúdo é obrigado a viabilizar a identificação de usuários, coibindo o anonimato; o registro do número de protocolo (IP) dos computadores utilizados para cadastramento de contas na internet constitui meio de rastreamento de usuários, que ao provedor compete, necessariamente, providenciar.4.- Recurso Especial provido. Ação de indenização por danos morais julgada improcedente.(STJ - REsp: 1306066 MT 2011/0127121-0, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 17/04/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/05/2012)
O caso emblemático de violação da privacidade foi o de Daniela Cicarelli, todavia com a propagação da internet e a facilidade no acesso surgiu vários casos que passaram a ser intitulados como pornografia de revanche ou sexting. Tal violação se faz quando conteúdo em vídeos ou imagens são divulgados na internet sem consentimento de todos os envolvidos a fim de se fazer vingança com divulgação de conotação sexual, contendo cenas de sexo ou imagens de nudez.
Esta forma de violação demonstra a necessidade de uma efetiva e rápida ação do judiciário para garantir o direito da privacidade do usuário, mesmo se necessário a responsabilização do provedor nos casos em que não se identifica o usuário ofensor, dado as dificuldades na identificação, para prestar com agilidade a segurança jurídica necessário à retirada do conteúdo danoso da rede e evitar assim uma maior propagação.
Assim, o Marco Civil mostrou-se uma importante ferramenta para a proteção da privacidade dos usuários da rede, uma vez que as ferramentas elencadas na referida lei dão o respaldo ao usuário, mesmo nos casos em que não se identifica o ofensor, recaindo a responsabilidade ao provedor subsidiariamente.
No tocante à efetiva retirada de fotos, vídeos e conteúdos que expõem a privacidade e de uma forma ampla a vida do indivíduo, o Marco Civil detém que apenas um pedido da vítima que foi exposta ou das demais pessoas que seja encaminhado diretamente ao provedor basta, para ficar obrigado a providenciar a retirada do conteúdo danoso da web.
Corroborando com a afirmação, expõe Ópice Blum, em reportagem ao portal G1, publicada em 11 de julho de 2012, que diz:
Hoje em dia, você manda um e-mail na hora que você tem o conhecimento do conteúdo prejudicial. O provedor recebe e retira, porque ele sabe que a jurisprudência diz que ele tem que agir assim que souber, ou pagará indenização. Se for necessário solicitar ordem judicial, na melhor das hipóteses, isso leva de dois a três dias Na internet, o conteúdo se espalha em poucos minutos.
Não obstante, remete-nos Cots (2014):
Antes ao Marco Civil, o provedor era colocado entre a cruz e a espada, ou seja, se retirasse o conteúdo, poderia responder perante o seu usuário se sua decisão não foi acertada. Se, por outro lado, não retirasse o conteúdo, poderia responder solidariamente com o infrator pelos danos causados à pessoa, se esta se socorresse do Poder Judiciário. Atualmente essa avaliação que o provedor do conteúdo precisava fazer se tornou praticamente desnecessária, vez que, em regra, somente terá a obrigação de retirar o conteúdo mediante ordem judicial. Não qualquer ordem, mas uma que “deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material” (parágrafo 1º, art. 19). A exceção, porém, é a seguinte: a retirada de material que contenha imagens, vídeos ou outros materiais com cenas de nudez ou de atos sexuais deve ocorrer também mediante mera notificação extrajudicial por parte do interessado, não havendo necessidade de ordem judicial.
Desta forma, em suma o provedor deverá retirar conteúdo que contém cenas de nudez ou atos sexuais com uma mera notificação extrajudicial (a doutrina elenca até mesmo um email enviado ao provedor) do usuário, este se obriga a retirar o conteúdo para evitar ação judicial na prática deste ato. Em um segundo momento, não correspondido o pedido do usuário, caberá ação judicial contra provedor, que então será requisitado a tomar as medidas cabíveis, e caso permaneça omisso, responderá subsidiariamente ao ofensor não identificado.
Corroborando ao exposto, temos o julgado do Tribunal de Justiça do Maranhão:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INIBITÓRIA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E PEDIDO LIMINAR. DIREITO À PRIVACIDADE. IMAGENS, COM CONOTAÇÃO SEXUAL, PUBLICADAS NA WEB SEM AUTORIZAÇÃO. SITES DE TERCEIROS. ABSOLUTA AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO NA DIVULGAÇÃO. OBRIGATORIEDADE DOS PROVEDORES DE PESQUISA DE INTERNET DE INDISPONIBILIZAREM O ACESSO PÚBLICO A CONTEÚDOS ILÍCITOS, DEPOIS DE CIENTIFICADOS. DANOS CERTOS À PRIVACIDADE E INTIMIDADE. RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR DE PESQUISA SOMENTE APÓS SUA NOTIFICAÇÃO COM PRAZO RAZOÁVEL AO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. MARCO CIVIL DA INTERNET. JURISPRUDÊNCIA DO STJ DIVERGENTE ENTRE 3ª e 4ª TURMAS. FUNDAMENTAÇÃO EM CONSONÂNCIA COM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. DECISÃO CONFORME LEADING CASE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPÉIA. (...) - Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar no prazo máximo estipulado pela decisão judicial, sob pena de responder subsidiariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. V - Acaso a parte prejudicada não acione diretamente o provedor de busca de internet para relatar qualquer ilicitude com o uso de sua imagem, ao contrário, prefere buscar o Poder Judiciário para fazer cessar a atividade de pesquisa/busca em sites de terceiros por uso de imagem não autorizada, tal fato somente passa a caracterizar a culpa in omittendo do provedor de pesquisa depois de devidamente notificado da ordem judicial, sob pena de configurar-se responsabilidade objetiva. VI - Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, ou mesmo das páginas que disponibiliza como meio de consulta do público em geral, mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet. (...)
(TJ-MA - AI: 0396512014 MA 0008173-72.2014.8.10.0000, Relator: MARCELO CARVALHO SILVA, Data de Julgamento: 16/12/2014, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/12/2014)
Também nos remete o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
RESPONSABILIDADE CIVIL - INTERNET – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – COMENTÁRIO OFENSIVO POSTADO EM COMUNIDADE DO 'ORKUT' – NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL – INÉRCIA DO PROVEDOR – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA CARACTERIZADA. SENTENÇA MANTIDA. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo publicadas em sites de relacionamento não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, razão pela qual, não se aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002. O provedor de internet, contudo, responde solidariamente com o autor direto do dano quando, ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem tem conteúdo ilícito, por ser ofensivo, não atua de forma ágil, retirando o material do ar imediatamente, em virtude da omissão em que incide. As expressões "pilantra" e "ladrão" ofendem claramente a honra e a imagem do apelado, despiciendo, portanto, qualquer exame mais profundo em juízo de valor para retirada imediata das mensagens, após a notificação extrajudicial. Sentença mantida. RECURSO ADESIVO DO AUTOR – PRETENSÃO À MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – INADMISSIBILIDADE. Montante fixado pela r. sentença (R$ 6.780,00) que deve ser mantido, pois atende a finalidade da indenização, em consonância com os padrões observados nesta Câmara e com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Sentença mantida. RESULTADO: apelação principal e apelação adesiva desprovidas.
Ao pleitear-se judicialmente a retirada de conteúdo ofensivo, a jurisprudência está consolidada no sentido de conceder a obrigatoriedade do provedor em dar o respaldo ao usuário na preservação de sua privacidade nos casos em que não se identifique o ofensor, assegurando-lhe que o provedor irá ser responsabilizado em relação ao conteúdo divulgado, ainda buscando sempre uma melhoria na condição da identificação dos mesmos, como nos casos supracitados, em que se visa a segurança jurídica e de alguma forma, o usuário que teve direito violado, terá o benefício do judiciário para resguardar seus direitos.
4 CONCLUSÃO
A presente pesquisa destaca primazia exposta pela elaboração da lei 12.965/2014 (Marco Civil) para melhor aparelhar o Judiciário na busca pela tutela dos direitos, principalmente no que se refere ao direito à privacidade na rede, antes aplicando normas análogas de conteúdo vago que não davam a segurança jurídica necessária ao usuário, uma vez que é difícil a identificação do ofensor e que não se detinha lei trazendo uma alternativa para garantia do direito.
O direito à privacidade encontra a previsão legal na Constituição Federal, todavia ao passo do desenvolvimento tecnológico, necessitou-se de adequações para uma melhor definição e segurança jurídica no que diz respeito ao uso da internet e ao ambiente virtual como um todo, dando embasamento ao judiciário para garantir-se de qualquer forma ao usuário que teve direito à privacidade violado uma efetiva ferramenta para ter o conteúdo divulgado retirado de circulação e pleitear danos morais.
O Marco Civil foi um importante instrumento criado para proteção da navegação na rede, e de certa forma, marcou um tempo para novas regulamentações ao evidenciar a necessidade que os usuários tem de navegarem livremente, sem atentar contra terceiros, e ao mesmo tempo saber que existem direitos assegurados no simples fato de o mesmo estar expondo-se na rede.
Não obstante, evidenciou-se nos casos supra-apresentados, que a jurisprudência aplica em um primeiro momento a responsabilidade ao ofensor, e como na maioria dos casos tal fato não se consumava pela dificuldade na identificação deste, responde o provedor pela prática do delito, de forma subsidiária, garantindo-se a retirada do conteúdo danoso da internet.
Assim, é claro que o grande problema enfrentado pela Lei 12.965/2014 encontra seu respaldo no fato do anonimato desempenhado por muitos usuários na rede, toda via ao mesmo tempo em que podemos incorrer no risco de não localizar o ofensor para tratar da sua responsabilização ao dano causado, subsidiariamente, conforme preceitua o artigo 21 da lei, o legislador tratou da hipótese de não identificação ao prever que, neste caso, poderá o próprio provedor, que detém as informações dos usuários, ser responsabilizado por delito praticado, no caso de não retirar conteúdo da rede e permitir que informações continuem circulando.
Por fim, que a responsabilidade subsidiária do provedor é a ferramenta mais eficaz da Lei 12.965/2014, uma vez que o Marco Civil indica que ao usuário, cabe apenas uma manifestação extrajudicial ao provedor, preceito ainda constante no artigo 21 da referido codificação, para que este demonstre interesse em retirar o conteúdo ofensivo da rede como forma de se precaver de ação judicial, e em caso de negativa, caberá a ordem judicial para reparação do dano.
5 REFERÊNCIAS
AIRES, José Rover. Direito e Informática. Barueri: Manole, 2004.
BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional – tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos tribunais, 1993
BRASIL. Tribunal de Justiça do Maranhão. AI 0396512014. Relator: Marcelo Carvalho Silva. Data de Julgamento: 16/12/2014, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/12/2014.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. AC 1400990-8. Relator Luciano Carrasco Falavinha Souza. Data de Julgamento: 18/11/2015, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1701 01/12/2015)
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 1193764-SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 14 de dezembro de 2010
BRASIL. Novo Código Civil. Lei nº 10.403 de 10 de janeiro de 2002. Aprova o novo código civil brasileiro. Brasília, DF, 2002.
BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, Senado, 1988.
CABRAL, Bruno Fontenele. The right do be let alone: considerações sobre o direito ao esquecimento. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28362/the-right-to-be-let-alone-consideracoes-sobre-o-direito-ao-esquecimento. Acesso em 25 set 2016.
CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Crimes de Informática e Seus Aspectos Processuais. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003.
CASTRO, Luiz Fernando Martins. A informática e a Internet no Novo Código Civil. Disponível em: <http://oab-ms.jusbrasil.com.br/noticias/1645357/a-informatica-e-a-internet-no-novo-codigo-civil>. Acesso em: 09 abr. 2016.
CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. Crimes Digitais. São Paulo: Saraiva, 2011.
DIAS, José A. Da responsabilidade civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006
Direito e novas tecnologias [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFS; Coordenadores: José Renato Gaziero Cella, Aires Jose Rover, Valéria Ribas Do Nascimento – Florianópolis: CONPEDI, 2015. Disponível em:
http://www.conpedi.org.brpublicacoesc178h0tg/vwk790q7/v29Y2jXuZQ4XYUrM.pdf Acesso em 14 ago 2016
FROTA, Hidemberg Alves da. Direito à vida privada: direito fundamental ou direito da personalidade. Temáticas Jurídicas, texto publicado pelo autor. Disponível em:https://tematicasjuridicas.wordpress.com/2010/12/25/direito-a-vida-privada-direito-fundamental-ou-direito-da-personalidade/. Acesso em 14 ago 2016.
JUNIOR, Luis Martius Holanda Bezerra. Considerações sobre os direitos da personalidade e a liberdade de informar. Jus Navigandi, texto publicado pelo autor. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11668/consideracoes-sobre-os-direitos-da-personalidade-e-a-liberdade-de-informar. Acesso em 14 ago 2016
LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. São Paulo: Saraiva, 2012
MARTINS, Helena. Os três princípios do marco civil na internet. Disponível em:http://www.jcnet.com.br/Geral/2014/04/entenda-os-tres-principios-do-marco-civil-da-internet.html. Acesso em 22 ago 2016.
MORAES, Thiago Guimarães. Responsabilidade civil de provedores de conteúdo da internet. Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Civil. 2015.
PADRÃO, Vinicius Jorás. Direito ao esquecimento: comentários ao acórdão no REsp nº 1.335.153/RJ. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41089/direito-ao-esquecimento-comentarios-ao-acordao-no-resp-n-1-335-153-rj. Acesso em 25 set 2016
PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade de responsabilidade civil. 7 Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
PEREIRA, Leonardo. 5 Pontos Essenciais para Entender o Marco Civil da Internet. Disponível em: <http://olhardigital.uol.com.br/noticia/5-pontos-essenciais-para-entender-o-marco-civil-da-internet/41053>. Acesso em: 09 abr. 2016.
POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. Governança das Redes e o Marco Civil da Internet: Liberdades, privacidade e democracia. Belo Horizonte: UFMG, 2015.
QUEIROZ, Danilo Duarte de. Privacidade na Internet. In: REINALDO FILHO, Demócrito (coord.). Direito da Informática – temas polêmicos. ª Ed., Bauru: Edipro, 2002.
QUEIROZ, Iranilda Ulisses. Proteção à intimidade e à vida privada à luz da Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/
artigos/exibir2662/Protecao-a-intimidade-e-a-vida-privada-a-luz-da-Constituicao
-Federal-de-1988. Acesso em 22 ago 2016.
SAMPAIO, Fillipe Silva. Responsabilidade civil decorrente da violação do direito à privacidade na internet. Jus Navigandi, texto publicado pelo autor. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/39377/responsabilidade-civil-decorrente-da-violacao-do-direito-a-privacidade-na-internet>. Acesso em: 09 abr. 2016.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 25ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 188.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997.
STACCHINI, Fernando F. O Marco Civil como exemplo. Última Instância. Disponível:http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/colunas/70104/o+marco+civil+como+exemplo.shtm. Acesso em 22 ago 2016.
VIEIRA. Sônia Aguiar do Amaral. Inviolabilidade da Vida Privada e da Intimidade Pelos Meios Eletrônicos. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
[1] Cabe como exemplo o Resp. 1.334.097 que reconheceu o direito ao esquecimento para um homem inocentado da acusação de envolvimento na chacina da Candelária, que posteriormente foi retratado pelo Programa Linha Direta da TV Rede Globo. EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO
Acadêmico do Curso de Direito da UNIVEL - Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZIMMERMANN, Luiz Carlos. A tutela jurídica da privacidade na internet: análise da responsabilização civil do provedor a partir do marco civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 nov 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47776/a-tutela-juridica-da-privacidade-na-internet-analise-da-responsabilizacao-civil-do-provedor-a-partir-do-marco-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
Precisa estar logado para fazer comentários.