RESUMO: Este trabalho científico é resultado de uma pesquisa investigativa que teve como objetivo precípuo estudar sobre a nova tendência que vem surgindo acerca da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. Utilizaram-se como fontes de informação livros, legiferação brasileira, jurisprudência dos tribunais de segundo grau e superior, artigos publicados em revistas e periódicos acadêmicos, textos e estudos disponíveis na internet. Portanto, este trabalho é “fruto” de uma pesquisa bibliográfica. Esta monografia é constituída de três capítulos. De início, fez-se um estudo acerca da evolução do controle de constitucionalidade no Brasil. Na segunda etapa, fez-se uma breve análise sobre o controle difuso-incidental. Por fim, na terceira etapa, analisaram-se os entendimentos favoráveis e contrários a teoria da abstrativização do controle difuso.
Palavras-chave: controle de constitucionalidade, difuso, art. 52, X abstrativização.
ABSTRACT: This scientific work is a result of investigative research that had as main objective to study on the new trend that is emerging about abstractiveness the diffuse control of constitutionality. Were used as sources of information books, lawmaking Brazilian jurisprudence of courts of appeal and superior articles published in magazines and journals, texts and studies available on the internet. Therefore, this work is the "fruit" of a literature search. This thesis consists of three chapters. Initially, it was a study on the evolution of constitutional control in Brazil. In the second stage, it was a brief analysis of the fuzzy control-incident. Finally, in the third step, we analyzed the understandings for and against the theory of fuzzy control abstractiveness.
Keywords: control of constitutionality, diffuse, art. 52, X, abstractiveness.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição de um Estado representa a norma de validade de todos os demais atos normativos, já que a Constituição está no mais alto escalão da relação hierárquica das leis. Assim, qualquer norma infraconstitucional que seja criada em desconformidade com o que preconiza a Constituição será considerada inválida.
Não obstante, não raras vezes o sistema jurídico constitucional é desrespeitado, fazendo com que necessite de algum instrumento capaz de fiscalizar se as normas infraconstitucionais estão sendo criadas em consonância com a Carta da República.
Nesse sentido, é que surge o denominado controle de constitucionalidade, o qual caracteriza por ser o mecanismo que viabiliza a verificação da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo, isto é, se existe alguma mácula a ensejar a sua retirada do mundo jurídico, de modo a assegurar a força suprema da Constituição Federal.
Esse controle exercido pelo Poder Judiciário poderá ser de forma concentrada ou difusa. O controle será difuso quando realizado por qualquer órgão do Poder Judiciário e concentrado quando efetivado exclusivamente pelo STF e, no âmbito estadual pelos respectivos Tribunais de Justiça.
Às decisões no âmbito do controle concentrado, como regra, atribui efeito vinculante e erga omnes quando declarado a inconstitucionalidade do ato normativo, ao passo que em sede de controle difuso produz efeito, de forma geral, somente para as partes envolvidas na lide.
É sabido que as decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso somente poderá ter eficácia erga omnes quando o Senado Federal edite resolução suspendendo a execução da lei declarada inconstitucional, consoante dispõe o art. 52, X, da Constituição da República.
Todavia, vem surgindo uma tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido de aproximar os efeitos típicos das decisões proferidas pelo STF em sede de controle concentrado para as decisões proferidas em sede de controle difuso, fazendo-se uma reinterpretação do dispositivo acima mencionado.
A questão posta encontra-se bastante controvertida tanto na Corte Máxima, quanto na doutrina especializada, razão pela qual, dependendo do entendimento adotado, trará a produção de efeitos diversos.
Nesse viés, o presente trabalho tem como escopo fazer uma breve análise histórica do controle de constitucionalidade no Brasil, chegando-se até o momento atual da abstrativização do controle difuso.
Desta feita, no primeiro capítulo abordaremos brevemente acerca da evolução do controle de constitucionalidade no Brasil.
No segundo capítulo faremos uma breve análise acerca do controle difuso-incidental.
Por fim, no último capítulo, analisaremos essa nova tendência das decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso ter eficácia erga omnes, sem necessitar o Senado Federal editar resolução. Buscou-se discutir se é cabível ou não uma nova interpretação do artigo 52, X, da CF, trazendo a tona os entendimentos favoráveis e contrários, bem como se posicionando a respeito da temática.
2. BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Inicialmente, antes de adentrar, efetivamente, no tema proposto, imperioso se faz realizar uma análise, ainda que sucinta, sobre a evolução do controle de constitucionalidade no direito brasileiro, de modo a demonstrar como surgiu esse importante instrumento fiscalizador da constitucionalidade das leis e dos atos normativos no ordenamento jurídico pátrio.
A Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824, não inseriu qualquer sistema de controle de constitucionalidade. Indubitavelmente, isso se deu pelo fato de ter o ordenamento jurídico brasileiro sofrido grande influência do direito francês (ideia da separação rígida dos poderes), bem como do direito inglês (supremacia do Parlamento).
Em razão da supremacia parlamentar que vigorava, havia o entendimento de que somente o Poder Legislativo sabia o real significado das leis. Nesse sentido, o art. 15, incisos VIII e IX da Constituição Imperial preconizava como atribuições do Parlamento “fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las e velar na guarda da Constituição”.
Ademais, tal impossibilidade da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade, se deu também pelo fato de que o Imperador detinha a função de solucionar os conflitos que envolvesse os poderes e não o Poder Judiciário (CLEVE, 1995 apud LENZA, 2013, p. 264-265).
O eminente professor Lênio Luiz Streck ressalta que:
embora a ideia de controle de constitucionalidade já estivesse estampada na exposição de motivos do Decreto nº 848, sob nítida inspiração no judicial review norte-americano, somente com a Constituição de 1891 a tese republicana ganha forma e estrutura, a partir da designação de um órgão de cúpula do Poder Judiciário, que seria encarregado de realizar esse controle. Por isso, é possível afirmar que a teoria constitucional brasileira nasce com a Constituição e a República de 1891 (STRECK, 2004, p. 425).
Assim, foi através da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891 que passou a prevê o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, nos moldes de um sistema concreto, difuso, pela via incidental, sob a influência do direito norte-americano.
Foi a partir desse período que surgiu a possibilidade de fiscalização das leis e atos normativos pelo Poder Judiciário pela via incidental, grande avanço que, inclusive, existe até hoje.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934, conforme dito acima, manteve o sistema difuso, no entanto, houve diversos avanços, dentre os quais podemos citar a ação direita de inconstitucionalidade interventiva, a necessidade de quórum de maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade, além da competência do Senado para, quando comunicado pelo Procurador Geral da República, suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato que tenha sido declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário.
Ao contrário da anterior, a Constituição ditatorial de 1937, não realizou mudanças significativas em prol do aperfeiçoamento do controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário. Ao revés, houve um retrocesso, na medida em que o Presidente da República poderia deliberar, quando entendesse oportuno e conveniente, no sentido de ser submetida - a lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário – ao reexame pelo Parlamento, podendo este Poder tornar sem efeito a decisão proferida pelo Tribunal.
Todavia, com o surgimento da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946, houve o restabelecimento da autoridade suprema do Poder Judiciário em relação ao controle de constitucionalidade, nascendo, ademais, uma nova modalidade de ação direta de constitucionalidade, consoante ensinamentos do ilustre professor Pedro Lenza, ipsis litteris:
A constituição de 1946, fruto do movimento de redemocratização e reconstitucionalização instaurado no País, flexibilizou a hipertrofia do Executivo, restaurando a tradição do sistema de controle de constitucionalidade. Através da EC n.16, de 26.11.1965, criou-se no Brasil uma nova modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, de competência originária do STF, para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual, a ser proposta, exclusivamente, pelo Procurador Geral da República (LENZA, 2013, p. 266).
Vale frisar que essa nova modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, além de ter a competência originária do STF para processar e julgar, somente o Procurador Geral da República detinha legitimidade para representar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual.
Assim, nesse período já se encontrava instalado o modelo misto ou eclético de controle jurisdicional de constitucionalidade, ou seja, passou a existir não só o controle difuso-incidental, mas também o concentrado-principal, in verbis:
Destarte, já aqui se encontrava perfeitamente definido um modelo misto ou eclético de controle judicial de constitucionalidade, que combinava os sistemas difuso-incidental, de competência de todos os juízes e tribunais nos casos concretos sujeitos às suas apreciações, e concentrado-principal, de competência exclusivamente do Supremo Tribunal Federal das leis e atos normativos estatuais e federais em face da Constituição Federal, e dos Tribunais de Justiça das leis e atos normativos municipais em face das Constituições Estaduais (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 286).
Por último, vale trazer a baila, que havia previsão constitucional viabilizando o estabelecimento de processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de município, em conflito com a Constituição do Estado, ou seja, criou-se a possibilidade de controle concentrado em âmbito estadual.
No entanto, com o advento da Constituição de 1967, foi retirado do texto constitucional a aludida disposição, conquanto a Emenda Constitucional de 1969 tenha restabelecido o referido instituto, todavia, com uma forma mais restrita, uma vez que só possibilitou para fins de intervenção de município, cujas leis necessariamente deveriam observar os princípios previstos na Constituição Estadual (COELHO e BRANCO, 2010).
Na Constituição do Brasil de 24 de janeiro de 1967, basicamente fora mantida as disposições das Constituições pretéritas, com algumas poucas novidades.
Vale ressaltar, todavia, uma grande inovação advinda da EC n. 7/77 que viabilizou a concessão de cautelar a ser conferida nas representações genéricas de inconstitucionalidade (PICOLIN, 2013).
Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, além de ter sido mantida as disposições atinente ao sistema de controle de constitucionalidade até então existente, houve um aperfeiçoamento, sobretudo no âmbito do controle concentrado.
A primeira inovação refere-se à ampliação do rol de legitimados para a representação de inconstitucionalidade em âmbito federal, antes monopolizado, uma vez que somente tinha legitimidade o Procurador Geral da República, conforme dito alhures. Democratizando, passou-se, a partir da Carta Magna de 1988, nos termos do art. 103, a ter legitimidade: Presidente da República; Mesa do Senado Federal; Mesa da Câmara dos Deputados; Mesa de Assembléia Legislativa ou a mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal; Governador de Estado ou o Governador do Distrito Federal; Procurador-Geral da República; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Houve a inclusão, ainda, da figura da inconstitucionalidade por omissão, tanto na forma concentrada (ADO, nos moldes do art. 103, §2°), como pelo controle difuso (mandado de injunção, art. 5°, LXXI), instrumentos que tem como escopo precípuo combater omissões do legislativo.
Ademais, foi através da CF/88 que possibilitou ser criada a ação de descumprimento de preceito fundamental, conforme preconiza o art. 102, vindo a ser regulamentada pela Lei 9.882/99.[1]
Outrossim, com o advento da EC 3/93, surgiu a possibilidade do ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade (ADC). Segundo Barroso (2009, p. 230) é por meio desse instituto que se busca “o reconhecimento expresso da compatibilidade entre determinada norma infraconstitucional e a Constituição, em hipóteses nas quais esse ponto tenha se tornado objeto de interpretações judiciais conflitantes”. Saliente-se, ademais, que a EC 45/2004 ampliou os legitimados para a ADC, coincidindo com aqueles da ADI.
Frise-se, por fim, que houve também previsão constitucional, viabilizando aos Estados a instituição no âmbito dos Estados-Membros, da representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, consoante dicção do art. 125, da CF.
Sobre o controle de constitucionalidade na CF/88, assim ensina Gilmar Mendes, in verbis:
A Constituição preservou a representação interventiva, destinada à aferição da compatibilidade de direito estadual com os chamados princípios sensíveis (CF, art. 34, VII, c/c o art. 36, III). Esse processo constitui pressuposto da intervenção federal, que, nos termos do art. 36, III, e § 1º, da Constituição, há de ser executada pelo Presidente da República. Tradicionalmente, é o Supremo Tribunal Federal competente para conhecer as causas e conflitos entre a União e os Estados, entre a União e o Distrito Federal ou entre os Estados entre si (art. 102, I, f). Tal como os outros países da América Latina, não dispõe a ordem jurídica brasileira de instrumento único para defesa de direitos subjetivos públicos (MENDES, 2010, p. 1211).
Portanto, vê-se, pois, que o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, vem evoluindo paulatinamente, visando a fazer com que as seja obedecida a força normativa da Constituição, isto é, que todas as demais normas sejam criadas em estrita conformidade com as regras e princípios constitucionais.
Evidenciou-se, ab initio, pela inexistência de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e atos normativos. Posteriormente, constatou-se que houve uma transição de um sistema integralmente difuso para um sistema misto, onde passou a possibilitar o controle concentrado.
Feita essas brevíssimas considerações atinentes à evolução histórica do controle de constitucionalidade no Brasil, impende tecer, também, em apertada síntese, algumas considerações a respeito do controle difuso-incidental.
3. ASPECTOS GERAIS ACERCA DO CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE
3.1. Considerações iniciais
Conforme explicitado alhures, esse modelo de controle foi consagrado a partir da Constituição de 1891, mantendo-se em todas as outras Constituições, inclusive até os dias atuais, nos termos do art. 102, III, da Carta Magna.
Diz-se que o controle difuso é incidental pelo fato de que é realizado diante de um caso concreto, incidentalmente, como uma questão prejudicial ao mérito. Por isso que se afirma que o controle de constitucionalidade em tela tem natureza jurídica de questão prejudicial.
Com precisão, assim ensina Dirley da Cunha Jr., in verbis:
À vista desse modelo, o controle de constitucionalidade dos atos ou omissões do poder público é realizado no curso de uma demanda judicial concreta, e como incidente dela, por qualquer juiz ou tribunal. Daí afirmar-se que o controle difuso é um controle incidental. É uma combinação necessária. Vale dizer, o exame de constitucionalidade da conduta estatal pode ser agitado, incidenter tantum, por qualquer das partes envolvidas numa controvérsia judicial (...). No controle em tela, questão constitucional, consistente na inconstitucionalidade dos atos ou omissões do Estado, ostenta a natureza de questão prejudicial (pré = antes; judicial = de julgar), na medida em que deve ser decidida pelo juiz ou tribunal antes de julgar a própria controvérsia e para poder, até mesmo, resolvê-la definitivamente. É um antecedente lógico e uma conditio sine qua non da resolução do conflito (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 298-299).
Em suma, constata-se o controle difuso quando o Poder Judiciário, diante de um caso concreto, verifica a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo que esteja relacionado à lide, afastando ou não sua incidência naquela relação jurídica processual, não produzindo, portanto, efeitos para fora do processo.
3.2. Legitimidade ativa e a competência para realizar o controle difuso de constitucionalidade
A legitimidade para provocar esse modelo de controle de constitucionalidade é de todos aqueles, que de algum modo, façam parte de uma relação jurídica processual.
O ilustre professor Dirley da Cunha Jr. (2008, p. 300), com base nas lições de Canotilho, ressalta que também poderá reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo em sede de controle difuso-incidental, o juiz ou tribunal, de ofício, nos processos que estejam submetidos a sua análise. No entanto, a nossa Suprema Corte, nos dias hodiernos não vem admitindo a declaração de inconstitucionalidade da lei na hipótese estrita de recurso extraordinário, uma vez que há a necessidade de prequestionamento.
Portanto, em síntese, poderá requerer a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo via controle difuso-incidental: as partes do processo, os terceiros interessados, o Ministério Público, quando oficie no processo, e o juiz ou tribunal, de ofício, com exceção, conforme dito acima, em relação ao STF no recurso extraordinário (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 300).
No que concerne à competência para efetivar o controle difuso-incidental, tem-se que sua concretização poderá ser realizada em qualquer processo posto a apreciação pelos juízes, tribunais, inclusive, os superiores.
Em relação aos tribunais, vale frisar que há a necessidade de ser respeitado um quórum para ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo via controle difuso-incidental, consoante previsão do art. 97 da Constituição Federal, “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. Trata-se, pois, da denominada cláusula da reserva do plenário.
Explicitando sobre a temática, ensina o ilustre professor Alexandre de Moraes:
Esta verdadeira cláusula de reserva de plenário atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, aplicando-se para todos os tribunais, via difusa, e para o Supremo Tribunal Federal, também no controle concentrado. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado que a desconsideração do princípio em causa gera, como inevitável efeito conseqüencial, a nulidade absoluta da decisão judicial colegiada que, emanando de órgão meramente fracionário, haja declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal (MORAES, 1999, p. 542).
Desta feita, em se tratando de tribunais, estes somente poderão declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, mediante o voto da maioria dos seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial[2]. Trata-se, assim, de condição para que a decisão tenha eficácia no mundo jurídico.
Nessa esteira, vale destacar a súmula vinculante n°. 10 do STF: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
Nesse viés, assim sintetiza o eminente Ministro Celso de Mello, in verbis:
A inconstitucionalidade de leis ou de outros atos estatais somente pode ser declarada, quer em sede de fiscalização abstrata (método concentrado), quer em sede de controle incidental (método difuso), pelo voto da maioria absoluta dos membros integrantes do Tribunal, reunidos em sessão plenária ou, onde houver, no respectivo órgão especial. Precedentes. Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal, em consequência, dispõe de competência, no sistema jurídico brasileiro, para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público. Essa magna prerrogativa jurisdicional foi atribuída, em grau de absoluta exclusividade, ao plenário dos Tribunais ou, onde houver, ao respectivo órgão especial. Essa extraordinária competência dos Tribunais é regida pelo princípio da reserva de plenário inscrito no art. 97 da Constituição da República. Suscitada a questão prejudicial de constitucionalidade perante órgão meramente fracionário de Tribunal (Câmaras, Grupos, Turmas ou Seções), a este competirá, em acolhendo a alegação, submeter a controvérsia jurídica ao Tribunal Pleno. (...)[3]
Não obstante, tem-se visto um abrandamento pela Suprema Corte no que toca a cláusula da reserva do plenário, entendendo que só é imprescindível quando for a primeira vez que estiver analisando e declarando a inconstitucionalidade da lei.
Confirmando a linha de raciocínio até então firmada pela Suprema Corte, é que surge a Lei 9.756/1998, inserindo no art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. Tal previsão foi mantida pelo Novo CPC/2015, consoante dispõe o art. 949, parágrafo único.
Assim, em atenção aos princípios da economia processual, bem como da segurança jurídica, vê-se, pois, que tornou-se prescindível o deslocamento do incidente para órgão especial ou pleno, quando já existir decisão do órgão especial ou pleno do tribunal, ou do STF, que já tenha declarado a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do ato normativo, o que, indubitavelmente, caracteriza uma atenuação ao que dispõe o artigo 97 da Carta Magna.
3.3. Efeitos da decisão
Quanto aos efeitos da decisão em sede de controle difuso-incidental de constitucionalidade, a regra, é que seja inter partes e ex tunc. Ou seja, somente produz efeitos para aqueles, que de algum modo, façam parte da relação jurídica processual, bem como há uma retroação para atingir todas as relações jurídicas que tenham sido fundadas com base nesse ato.
Não obstante, conquanto a regra seja no sentido de retroagir, há o entendimento consolidado, no sentido de atribuir a denominada modulação dos efeitos da decisão, de modo a limitar os efeitos dessa decisão para o futuro, ou a partir de uma determinada data.
Com efeito, vaticina o art. 27, da Lei 9.869/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF,ipsis litteris:
Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Assim, em que pese o aludido dispositivo referir-se ao controle concentrado, a doutrina especializada, majoritariamente, bem como a Suprema Corte[4], entendem pela sua aplicabilidade junto controle difuso-incidental (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 306).
No que toca ao efeito inter partes, importante destacar que, nos termos do artigo 52, X, da Constituição Federal, poderá o Senado Federal “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
Desse modo, vê-se, pois, que em sede controle difuso-incidental, poderá a decisão ter eficácia erga omnes, necessitando, no entanto, que o Senado Federal edite resolução.
Desta feita, uma vez o STF declare a inconstitucionalidade da lei, difusamente, após o trânsito em julgado da decisão, encaminhará para o Senado Federal, a fim de que suspenda a decisão.[5]
É de bom alvitre frisar que a aludida casa do Congresso Nacional não está vinculada a decisão do STF, ou seja, não está obrigado a suspender a execução da lei declarada inconstitucional. Trata-se, pois, de decisão política, discricionária.[6]
Saliente-se, por fim, que há um movimento doutrinário e jurisprudencial, no sentido de dar uma nova compreensão a regra insculpida no art. 52, X, da CF, por meio da denominada mutação constitucional, consoante será visto abaixo.
4. A TENDÊNCIA DE ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE
4.1. Argumentos favoráveis para adoção da Teoria da Abstrativização do Controle Difuso
Consoante vimos acima, os efeitos da decisão em sede de controle difuso é inter partes, ou seja, somente se aplicam as partes envolvidas na lide.
Todavia, com vistas a evitar que haja proliferação de ações na justiça, a fim de obter decisões no mesmo sentido, o constituinte estabeleceu uma forma de estender os efeitos da decisão de inconstitucionalidade. Trata-se, pois, da regra insculpida no art. 52, X, da CF.
Com efeito, vaticina o art. 52, X, da Constituição Federal, ipsis litteris:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
Conforme dito alhures, essa competência surgiu em 1934, permanecendo até os dias atuais, de sorte que “se concebeu ao Senado Federal a missão de garantidor da observância do princípio da separação dos poderes” (FAUSTINO e BASTOS, 2008).
Assim, a decisão que, ab initio, teria eficácia inter partes, com a edição de resolução pelo Senado Federal, passa a ter eficácia erga omnes.
Vale frisar que a suspensão pelo Senado Federal poderá ocorrer em relação tanto as leis federais, quanto as estaduais, distritais e municipais que tenham sido declaradas inconstitucionais, por decisão definitiva, pelo Supremo Tribunal Federal, obviamente, em sede de controle difuso.
Não obstante, vem surgindo uma tendência doutrinária no sentido de dispensar a edição de resolução pelo Senado Federal, a fim de que a decisão tenha eficácia erga omnes.
Esse movimento, dentro do STF, vem sendo liderado pelo eminente Ministro Gilmar Ferreira Mendes, o qual propõe que as decisões de inconstitucionalidades em sede de controle difuso tenham eficácia erga omnes, sem que haja a necessidade de interferência do Senado Federal. Propõe, outrossim, que essa casa do Congresso Nacional tenha apenas a função de dar publicidade a decisão proferida pela Excelsa Corte.
Nesse prisma, em brilhante estudo sobre a temática, assim explicitou o supracitado Ministro, ipsis litteris:
Como se vê, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle incidental acabam por ter eficácia que transcende o âmbito da decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura constante do art. 52, X, da Constituição de 1988, que, como já observado, reproduz disposição estabelecida, inicialmente, na Constituição de 1934 (art. 91, IV) e repetida nos textos de 1946 (art. 64) de 1967/69 (art. 42, VIII). Portanto, é outro o contexto normativo que se coloca para a suspensão da execução do Senado Federal no âmbito da Constituição de 1988. (...). É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto (FERRAZ, 1986, p. 64 et seq, 102 et seq; JELLINEK, 1991, p. 15-35; HSÜ, 1998, p. 68 et seq.). Em verdade, a aplicação que o Supremo Tribunal Federal vem conferindo ao disposto no art. 52, X , CF, indica que o referido instituto mereceu uma significativa reinterpretação a partir da Constituição de 1988. É possível que a configuração emprestada ao controle abstrato pela nova Constituição,com ênfase no modelo abstrato, tenha sido decisiva para a mudança verificada, uma vez que as decisões com eficácia erga omnes passaram a se generalizar.(...) Assim, parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, esta decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. (MENDES, 2004, p. 164-165).
Assim, para o professor Gilmar Mendes, estar-se-ia configurada uma verdadeira mutação constitucional, necessitando, portanto, realizar uma releitura do disposto no art. 52, X, da CF.
Segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, ipsis litteris:
“(...) a mutação constitucional consiste em uma alteração do significado de determinada norma da Constituição, sem observância do mecanismo constitucionalmente previsto para as emendas e, além disso, sem que tenha havido qualquer modificação de seu texto. Esse novo sentido ou alcance do mandamento constitucional pode decorrer de uma mudança na realidade fática ou de uma nova percepção do Direito, uma releitura do que deve ser considerado ético ou justo. Para que seja legítima, a mutação precisa ter lastro democrático, isto é, deve corresponder a uma demanda social efetiva por parte da coletividade, estando respaldada, portanto, pela soberania popular (BARROSO, 2010, p. 126-127).
Desta feita, mutação constitucional são as modificações interpretativas feitas pelo exegeta, modificando o sentido do texto, sem, contudo, alterá-lo materialmente, de forma perceptível.
Assim, ao adotar esse posicionamento, dar-se-ia nova interpretação ao art. 52, X, da Carta Magna, de sorte que passaria o Senado Federal a ter uma função meramente publicista, porquanto ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em sede de controle difuso caberia a própria Suprema Corte atribuir efeito vinculante e eficácia erga omnes.
Nesse mesmo diapasão, assim enuncia Renata Maria Capela Lopes, in verbis:
A reinterpretação do dispositivo retromencionado redefine a sistemática procedimental na suspensão da eficácia da lei, atribuindo-se ao Senado Federal uma atuação mais restrita e limitada à mera publicação da decisão do STF e não mais a suspensão da eficácia da Lei. (...) Não se pode olvidar que a atribuição de um viés determinantemente discricionário à atuação senatorial implicaria no comprometimento da função precípua da guarda da Constituição atribuída ao Pretório Excelso, consubstanciada no art. 102 caput da Carta Magna (LOPES, 2013).
Vale a pena transcrever parte do voto do eminente Ministro Teori Zavaski, filiando-se no mesmo diapasão, in verbis:
A inconstitucionalidade é vício que acarreta a nulidade ex tunc do ato normativo, que, por isso mesmo, é desprovido de aptidão para incidir eficazmente sobre os fatos jurídicos desde então verificados, situação que não pode deixar de ser considerada. Também não pode ser desconsiderada a decisão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade. Embora tomada em controle difuso, é decisão de incontestável e natural vocação expansiva, com eficácia imediatamente vinculante para os demais tribunais, inclusive o STJ (CPC, art. 481, único: " Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão "), e com força de inibir a execução de sentenças judiciais contrárias, que se tornam inexigíveis (CPC, art. 741, único; art. 475-L, 1º, redação da Lei 11.232/05: “ Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal ”). Sob esse enfoque, há idêntica força de autoridade nas decisões do STF em ação direta quanto nas proferidas em via recursal. Merece aplausos essa aproximação, cada vez mais evidente, do sistema de controle difuso de constitucionalidade ao do concentrado, que se generaliza também em outros países (SOTELO, José Luiz Vasquez. “A jurisprudência vinculante na" common law "e na" civil law "”, in Temas Atuais de Direito Processual Ibero-Americano, Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 374; SEGADO, Francisco Fernandez. La obsolescência de la bipolaridad"modelo americano-modelo europeo kelseniano"como critério nalitico del control de constitucionalidad y la búsqueda de una nueva tipología explicativa”, apud Parlamento y Constitución, Universida de Castilla-La Mancha, Anuario (separata), nº 6, p. 1-53). No atual estágio de nossa legislação, de que são exemplos esclarecedores os dispositivos acima transcritos, é inevitável que se passe a atribuir simples efeito de publicidade às resoluções do Senado previstas no art. 52, X, da Constituição.[7]
Ressalte-se, outrossim, que essa tendência da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade pode ser observada em alguns julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, dentre eles podemos citar o caso de Mira Estrela[8] e a controvérsia acerca da constitucionalidade da progressão de regime constante na lei dos crimes hediondos[9].
Em suma, os adeptos dessa teoria afirmam que é por meio da adoção da teoria da abstrativização do controle difuso que poderá conferir força normativa a Constituição.
Outrossim, presta-se a atender ao jurisdicionado, trazendo celeridade processual, bem como descongestionando o Poder Judiciário, consoante conclusão de João Carlos Navarro de Almeida, ipsis litteris:
A abstrativização do controle de constitucionalidade no caso concreto ou controle difuso abstrativizado, segundo Fredie Didier Júnior, presta-se a atender, a um só tempo, ao jurisdiciona do e ao Judiciário brasileiro. O primeiro vê atendida, ainda que de forma diminuta, o seu direito constitucional à celeridade processual, positivado no inciso LXXVIII do art. 5º pela Emenda Constitucional nº 45/04, a chamada Reforma do Judiciário. Com efeito, o cidadão pode obter para si o benefício da declaração de inconstitucionalidade de um regramento em processo de terceiro, sem a necessidade de também dirigir-se ao Tribunal Maior ou aguardar o vetusto, burocrático e pouco ocorrente expediente de edição de resolução pelo Senado Federal, suspendendo os efeitos da lei declarada inconstitucional, como reza o inciso X do art. 52 da mesma Carta Republicana. Já o Judiciário, em especial o próprio colendo Supremo Tribunal Federal, pode se ver livre de milhares de expedientes de cunho idêntico, racionalizando o seu serviço, de sorte a abolir a ilógica necessidade de prolatar a mesma decisão em cada processo, o que transforma os onze ministros, representantes da cúpula judicante nacional, em despachantes judiciais ou carimbadores oficiais. Em suma, o Pacto de Estado por um Judiciário mais Rápido e Republicano, firmado entre os três Poderes e o Ministério Público, poderá, ao menos na Corte Maior, começar a sair do papel (PRADO, 2007).
Resumindo acerca dos principais argumentos justificadores para aplicar a aludida teoria, o eminente professor Pedro Lenza assim sintetiza, in verbis:
Os principais argumentos a justificar esse novo posicionamento podem ser assim resumidos: força normativa da Constituição; princípio da supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; o STF enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo; dimensão política das decisões do STF (LENZA, 2013, p. 299).
Desta feita, vê-se, pois, que a abstrativização do controle difuso é uma tendência que vem ganhando força, malgrado exista divergência, consoante se demonstrará abaixo.
4.2. Críticas à Teoria da Abstrativização
Por seu turno, há doutrinadores contrários a teoria da abstrativização, afirmando, em linhas gerais, que é imprescindível, em sede de controle difuso (concreto), que o Senado Federal edite resolução, a fim de que possa produzir efeito vinculante e eficácia erga omnes.
Os Ilustres professores Lênio Streck, Marcelo Oliveira, Martonio Lima trazem severas críticas a essa aproximação do controle difuso e concentrado, in verbis:
Mas o modelo de participação democrática no controle difuso também se dá, de forma indireta, pela atribuição constitucional deixada ao Senado Federal. Excluir a competência do Senado Federal – ou conferir-lhe apenas um caráter de tornar público o entendimento do Supremo Tribunal Federal – significa reduzir as atribuições do Senado Federal à de uma secretaria de divulgação intra-legistativa das decisões do Supremo Tribunal Federal; significa, por fim, retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de1988. Como se não bastasse reduzir a competência do Senado Federal à de um órgão de imprensa, há também uma conseqüência grave para o sistema de direitos e de garantias fundamentais. Dito de outro modo, atribuir eficácia erga onmes e efeito vinculante às decisões do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade é ferir os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5.º, LIV e LV, da Constituição da República), pois assim se pretende atingir aqueles que não tiveram garantido o seu direito constitucional de participação nos processos de tomada da decisão que os afetará. Não estamos em sede de controle concentrado! Tal decisão aqui terá, na verdade, efeitos avocatórios. Afinal, não é à toa que se construiu ao longo do século que os efeitos da retirada pelo Senado Federal do quadro das leis aquela definitivamente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal são efeitos ex nunc e não ex tunc. Eis, portanto, um problema central: a lesão a direitos fundamentais. (STRECK, OLIVEIRA e LIMA, p. 7).
No mesmo diapasão, o multicitado doutrinador Pedro Lenza, analisando sobre a temática da tendência da abstrativização do controle difuso, ressalta que “na medida em que a análise da constitucionalidade da lei no controle difuso pelo STF não produz efeito vinculante, parece que, somente mediante necessária reforma constitucional, seria possível assegurar essa tendência” (LENZA, 2013, p. 301).
Ora, com devida vênia das opiniões em contrário, não há como acolher a tese de que as decisões do STF em sede de controle difuso possa produzir efeito erga omnes, passando o Senado Federal apenas a ter um papel secundário, qual seja, de apenas publicar as decisões proferidas pelo STF. Isso porque a Constituição Federal é clara ao estatuir expressamente a competência Senatorial para suspender, no todo ou em parte, as decisões da Suprema Corte, em sede de controle difuso.
Desse modo, a regra preconizada no art. 52, X, da Carta da República, além de resguardar a vontade do legislador, que, frise-se, desde 1934, faz com que seja preservada a Separação dos Poderes.
Seguindo na mesma linha, assim ensina Sérgio Resende de Barros, ipsis litteris:
A intervenção do Senado no controle difuso é um engenhoso meio jurídico-político de atender ao princípio da separação de poderes, entre cujos corolários está o de que só lei pode revogar lei. Esse princípio tem de ser mantido no controle difuso, pois faz parte de sua lógica. A lógica do controle concentrado é outra: admite a corte constitucional como legislador negativo, o que é inaceitável no controle difuso. Cada modo de controle deve manter sua lógica para conviver em harmonia. Se não, o misto se torna confuso. Exatamente para manter a lógica do controle difuso, coerente com a separação de poderes, é que se teoriza que o Senado subtraí exiqüibilidade à lei, porém não a revoga(...) (BARROS, 2003, p. 236).
Outrossim, não deve prosperar a ideia de mutação constitucional do art. 52, X, de modo a atribuir ao Senado apenas a função de dar publicidade. Isso porque, conforme ensinamentos do professor e atual ministro do STF, Luis Roberto Barroso, “a mutação constitucional há de estancar diante de dois limites: a) as possibilidades semânticas do relato da norma, vale dizer, os sentidos possíveis do texto que está sendo interpretado; e b) a preservação dos princípios fundamentais que dão identidade àquela específica Constituição” (BARROSO, p. 126).
Nesse sentido, esclarecendo sobre a temática, assim ensina Dalton Santos Morais, ipsis litteris:
(...) não se pode interpretar como atualmente inaplicável o art. 52, X da Constituição, sob o argumento da mutação constitucional - ainda que tal idéia a princípio pareça contemporaneamente apaixonante, como o é -, salvo se, através de emenda constitucional, o referido dispositivo constitucional for extraído da Carta vigente ou se tiver sua finalidade limitada, ainda que parcialmente, para conferir à atuação senatorial, no controle concreto e difuso de constitucionalidade, o caráter de mera publicidade propugnado pela corrente doutrinária ora contestada. Sim, porque a mutação constitucional propugnada pela doutrina ora criticada para nulificar o art. 52, X da Constituição vigente não pode conduzir o intérprete a suplantar os limites que a própria disposição constitucional lhe oferece, pois o rompimento com as disposições constitucionais não é admitido nem mesmo pelo maior defensor da mutação constitucional (MORAIS, 2013).
Ademais, não se pode olvidar que existe a denominada súmula vinculante, a qual propicia a produção de efeito erga omnes. Trata-se, pois, de um instrumento muito mais eficaz, legítimo, e, sobretudo, garantidor da segurança jurídica, já que para sua aprovação imperioso se faz que ocorra reiteradas decisões sobre a matéria, bem como de um quórum de 2/3 (dois terços) para sua aprovação.[10]
Nesse sentido, propõe Livia Pitelli Zamarian e Vidal Serrano Nunes Jr.:
A abstrativização pode sim ser benéfica, mas não pode ser imposta em desrespeito à norma constitucional. Não se despreza a imprescindibilidade de respeito e prevalência às decisões, qualquer delas, da mais alta Corte do país. Mas não se pode admitir, contudo, que o Supremo crie um procedimento próprio, restringindo a análise de recursos e impondo uma única decisão a várias outras demandas, sem que esta seja a vontade do legislador constituinte. A saída proposta é a edição de súmulas vinculantes toda vez que se os Ministros entenderem necessária a extensão de uma decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade pelo STF. A decisão do processo subjetivo deverá ser remetida ao Plenário, e lá aprovada por 2/3 dos Ministros, para que então, se preenchendo todos os demais requisitos do art.103-A, CF, operar efeito erga omnes e vinculante (ZAMARIAN, 2012, p. 133).
Em recente decisão (Rcl. n° 4335-5/AC, DJE 22.10.2014), a Suprema Corte consolidou o entendimento quanto à inadmissão da teoria da abstrativização do controle difuso, entendendo que não houve mutação constitucional ao disposto no art. 52, X, da CF/88. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau.
O professor Márcio André Lopes Cavalcante (2014) explica acerca de uma perspectiva interessante trazida pelo Ministro Teori Zavascki, que merece uma análise aprofundada em outro momento, no sentido de atribuir “eficácia expansiva” no tocante algumas decisões proferidas pela Corte Suprema, aludindo que o Brasil está se aproximando da cultura do stare decisis (sistema commom law). Assim, seria possível, em algumas situações restritas, o ajuizamento de reclamação constitucional, ainda que inexistente súmula vinculante, tão somente pela parte da relação processual em que foi proferida a decisão cuja eficácia se busca preservar. A legitimação ativa mais ampla da reclamação somente será cabível nas hipóteses em que a lei ou a CF/88 expressamente prever como sendo de efeitos vinculantes e erga omnes. É o caso, por exemplo, das súmulas vinculantes.
Entendemos que se a nossa Corte Excelsa quiser dar efeito erga omnes as suas decisões proferidas em sede de controle difuso, necessário se faz que seja editado uma súmula vinculante ou que remeta ao Senado Federal para que essa casa do Congresso Nacional edite resolução, suspendendo, no todo ou em parte, a lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, nos moldes do art. 52, X, da Carta Magna.
CONCLUSÃO
É cediço que o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil é misto, isto é, poderá ser concretizado tanto de forma concentrada como difusamente.
Sabe-se, outrossim, que o controle concentrado somente poderá ser realizado por órgão específico e que suas decisões terão eficácia erga omnes, ao passo que o difuso é atribuído a qualquer juiz ou tribunal e seu efeito será para as partes envolvidas, podendo, no entanto, estender para todos, desde que o Senado edite resolução, consoante disposto no art. 52, X, da Carta Maior.
Não obstante, surgiu uma tendência jurisprudencial e doutrinária, no sentido de atribuir as decisões do STF em sede de controle difuso eficácia erga omnes, tornando, nesse prisma, desnecessário a edição de resolução Senatorial para tal fim. Trata-se, pois, da teoria denominada de abstrativização do controle difuso.
Em que pese a consistência dos argumentos favoráveis a aludida teoria, seguimos na linha contrária a esse entendimento.
Nesse passo, defende-se que não haja aplicação da teoria da abstrativização do controle difuso, uma vez que a Constituição Federal estabelece disposição expressa no sentido atribuir ao Senado Federal a competência para conferir eficácia erga omnes às decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso.
Assim, ante o expendido, conclui-se que retirar essa atribuição dessa Casa do Congresso Nacional, inexoravelmente, trará uma inquestionável insegurança jurídica, além de suprimir a sua função de garantir a Separação dos Poderes.
Ademais, não se pode olvidar que, hodiernamente, existe a denominada súmula vinculante, a qual poderá ser aprovada pela Suprema Corte, desde que obedecidos determinados requisitos, constituindo, assim, uma forma mais legítima de extensão da decisão proferida em controle de difuso de constitucionalidade pelo STF.
Por fim, propugnamos que se a Suprema Corte quiser dar efeito erga omnes a sua decisão proferida em sede de controle difuso, terá dois caminhos: ou edita súmula vinculante, ou observa a regra insculpida no art. 52, X, da Constituição Federal
REFERÊNCIAS
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[1] Art. 102, § 1.º, da Constituição Federal. A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93).
[2] Naqueles tribunais que tenham órgão especial, nos termos do art. 93, XI: “nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
[3] Precedentes do STF. AI 591.373- AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-9-2007, Segunda Turma, DJ de 11-10-2007.) No mesmo sentido: AI 577.771-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-9-2007, Segunda Turma, DJE de 16-5-2008; RE 509.849- AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-12-2007, Segunda Turma, DJE de1º-2-2008.
[4] Nesse diapasão, RE 197917/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 24.3.2004.
[5] Art. 178, do Regimento Interno do STF. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII (atual art. 52, X), da Constituição.
[6] Vale salientar que há autores que rechaçam tal linha de raciocínio, entendendo tratar-se de um dever constitucional. VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 57-58. BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Constitucional, 1975, pág. 59.
[7] REsp 828.106/SP, Rel. Teori Albino Zavaski, 1ª Turma, j. 02.05.2006, DJ de 15.05.2006, p. 186.
[8] RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 06.06.2002.
[9] HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 23.02.2006. Nesse caso, conquanto o caso em deslinde se referisse a um controle concreto, o STF, em sua decisão, aparentemente conferiu eficácia erga omnes, declarando inconstitucional §1°, do art. 2°, da Lei 8.072/90, dando eficácia retroativa.
[10] Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei
Advogado. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBERTO JORGE SOARES DOS SANTOS JúNIOR, . Nova tendência do controle de constitucionalidade abstrativização do controle difuso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48201/nova-tendencia-do-controle-de-constitucionalidade-abstrativizacao-do-controle-difuso. Acesso em: 22 nov 2024.
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