RESUMO: Esse artigo apresenta breves considerações a respeito da Eutanásia. Dessa forma, serão analisados assuntos correlatos com o tema central, os quais abrem espaço para novas discussões. Assim, será ressaltada a autonomia do paciente terminal em relação a Eutanásia levando em conta os princípios da Bioética e a Legislação Penal Brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: EUTANÁSIA. DIREITO À VIDA. AUTONOMIA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PACIENTE TERMINAL. BIOÉTICA. LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA.
INTRODUÇÃO
A Morte, trata-se de um termo bastante subjetivo quando se leva em consideração a ideia de vida que cada ser humano tem.
É importante mencionar que conceitos, crenças religiosas e até mesmo costumes são levados em conta para que se possa definir o verdadeiro significado de Morte e de Vida digna. Para uns, basta a vida em si, sem que se leve em conta critérios de saúde, felicidade e de dignidade. Para outras, trata-se a morte, de uma oportunidade de nova vida e até mesmo de libertação.
O presente artigo, levando-se em consideração os critérios pontuados nos parágrafos anteriores, faz uma breve análise em relação a Morte e a Vida digna em relação a Eutanásia.
Partindo-se do tema central, passa-se pela análise da autonomia do paciente terminal segundo os princípios da Bioética e ainda faz uma correlação com a Legislação Penal Brasileira.
1 PACIENTE TERMINAL
1.1 Conceito
Por definição, paciente terminal é aquele cuja condição é irreversível, independentemente de ser tratado ou não, e que apresenta uma alta probabilidade de morrer num período relativamente curto de tempo (SANTORO, 2010), restando apenas os cuidados para propiciar-lhe o máximo de bem estar.
1.2 Relação entre Paciente Terminal e o Médico
A morte, em si, possui significados diferentes para diferentes pessoas e varia ainda ao longo da vida de cada uma delas, dependendo da cultura e das experiências. Em nossa cultura, a morte é percebida como perda, fracasso e, assim sendo, provoca sentimentos de tristeza, medo, insegurança. Frente a ameaça da perda, a pessoa pode experimentar emoções e sentimentos que alternam-se entre todas as nuances de esperança e angústia, podendo dificultar o entendimento da situação e prejudicando a capacidade de tomar decisões coerentes. O médico pode favorecer o paciente e a família a alcançarem o ponto de equilíbrio, construindo uma relação baseada na confiança e diálogo, pois a relação médico-paciente ultrapassa o limite simplesmente biológico da intervenção médica e se aprofunda em relação terapêutica (ALELUIA, 2002).
A relação médico-paciente estabelece entre ambos um vínculo, de obrigações de resultados ou obrigações de meios. O que se percebe é um conjunto de direitos que se reserva ao Paciente terminal e que deve ser observado pela equipe médica e pelos familiares quando da tomada de decisões, sendo o primeiro deles o direito à verdade, diretamente relacionado à obtenção do consentimento informado.
O direito à informação é constitucionalmente assegurado (art. 5º, XIV, CF), e os pacientes têm o direito de saber o que se passa com eles, estando ao lado deste mencionado direito, o direito ao consentimento.
Diante do exposto, verifica-se que somente em casos extremos, em atenção às condições psíquicas do doente, será lícito ocultar-lhe informações, pois, embora não seja mais possível curar, subsiste ainda a obrigação ética de cuidar. Contudo, o profissional da Medicina deve sempre buscar cautela e ponderação, não se esquecendo de que assume o papel de Juiz que sentencia e marca a data da execução, de senhor da vida e da morte (SÁ, 2001).
Ademais, o diálogo, entre médico-paciente para informações do estado real do enfermo, inclui o respeito à dignidade do paciente, expressando também o reconhecimento da autonomia, da liberdade do sujeito que se afirma sobre a sua fragilidade.
1.3 A Autonomia do Paciente Terminal
A autonomia é o direito pelo qual se podem realizar as escolhas mais fundamentais da existência de um indivíduo. Na constituição Federal de 1988, ela aparece sob a forma do direito à liberdade, englobando liberdade de consciência, de crença e assim por diante. Na verdade, a autonomia proporciona que seu titular desenvolva a sua personalidade do modo que lhe pareça mais pertinente. Aliás, Ronald DWORKIN complementa “diz respeito à capacidade mais geral e difusa que descrevi: a capacidade de agir com base em preferências genuínas, na percepção das coisas, nas convicções pessoais ou no sentido da própria identidade” (DWORKIN, 2009).
A autonomia constitui um dos princípios da bioética, o qual orienta a relação médico-paciente. Disso resulta que é o paciente quem efetua as escolhas mais fundamentais no tocante ao seu tratamento, podendo, inclusive, renunciá-lo, desde que seu médico tenha prestado as devidas informações a respeito do quadro clínico do enfermo.
Conforme estabelece Kant, a autonomia é uma característica fundamental e necessária do agente racional “a autonomia é, portanto, o solo indispensável da dignidade da natureza humana ou de qualquer natureza racional”, que, no entanto, só seria verdadeira, se estivesse em conformidade com o imperativo categórico da consciência moral (KANT, 2003).
Muitas questões polêmicas emergem do princípio da autonomia, como o questionamento de qual seria a vontade de um paciente sem condições de expressar sua vontade. Mais além, é possível questionar se a vontade inicial do paciente de não prolongar excessivamente uma vida sem qualidade (quando ainda estava consciente) permanece no momento em que o mesmo se encontra inconsciente e em fase terminal.
Por isso, a decisão de prolongar ou não o processo de morrer de pacientes em fase terminal (em especial daqueles que não podem expressar sua vontade) deve respeitar a compreensão do enfermo sobre como a sua vida deveria ser conduzida. Dessa forma, não é difícil perceber que essa decisão não pode ser universalizada. É digno mencionar que
O fato de estar ou não entre os direitos fundamentais de uma pessoa ter um final de vida de um jeito ou de outro depende de tantas outras coisas que lhe são essenciais - a forma e o caráter de sua vida, seu senso de integridade e seus interesses críticos - que não se pode esperar que uma decisão coletiva uniforme sirva a todos da mesma maneira (DWORKIN, 2009, p.301).
Acredito que a autonomia permite que a vida de pacientes terminais não seja prolongada de maneira tal que gerem sofrimentos incessantes ao indivíduo, desde que suas concepções, valores e entendimento de vida se mostrem contrárias ao prolongamento excessivo de uma vida sem qualidade.
Sendo assim, o direito do ser humano à autonomia da vontade gera a obrigação dos demais de respeitá-lo, acatando a decisão tomada pelo titular do direito sobre seu plano de vida e ação. Esse respeito à autodeterminação fundamenta-se no principio da dignidade da natureza humana.
2 BIOÉTICA
Da necessidade de se disciplinar o comportamento do homem diante das novas tecnologias e avanços nos conhecimentos científicos, surgiu a bioética.
A palavra Bioética foi utilizada pela primeira vez, em 1970, pelo prof. Van Renssealer POTTER (CARNEIRO, 2013), que equiparou a ética a uma ponte para o futuro, estabelecendo uma conexão entre a ciência e a humanidade, concretizando-se em uma ciência que buscaria auxílio às ciências biológicas, com o fito de aprimorar a qualidade da vida humana.
Entende-se de bioética como o estudo dos problemas e implicações morais despertados pelas pesquisas científicas em medicina e biologia. O adjetivo moral, nesse caso, atua como sinônimo de ética. Em outras palavras, a Bioética dedica-se a estudar as questões éticas suscitadas pelas novas descobertas científicas; novos poderes da ciência significam novos deveres do homem (ALMEIDA, 2004).
A positivação das normas bioéticas consiste na disciplina chamada de Biodireito, uma vez que esta tem como finalidade a proteção da integridade humana sob o prisma da dignidade da pessoa humana frente aos avanços científicos aplicados à Medicina.
Assim, a palavra Bioética significa ética da vida, tendo como principal característica o fato de ser uma ciência interdisciplinar; podendo ser conceituada como o estudo interdisciplinar dos problemas criados pelo progresso biomédico, sua repercussão na sociedade e seu sistema de valores (DIAS, 2004).
Por fim, a Bioética vem mediar o complexo relacionamento entre ciência e ética, sendo um ramo do conhecimento humano, que se apoia mais na razão e no bom juízo moral de seus investidores do que em alguma corrente filosófica ou autoridade religiosa.
2.1 Princípios da Bioética
Em 1974, em um Congresso norte-americano, criou-se a Comissão Nacional para Proteção dos Seres Humanos sujeitos à Investigação Biomédica e do Comportamento para estabelecer os princípios éticos que deveriam nortear as pesquisas de experimentação com seres humanos. Após quatro anos, essa comissão publicou o Relatório Belmont, estabelecendo os três princípios norteadores: princípios da autonomia, beneficência e justiça (BARCHIFONTAINE,1996).
2.1.1 Princípio da Autonomia
O princípio da Autonomia diz respeito à capacidade da pessoa humana de autogoverna-se, podendo escolher, dividir e avaliar sem restrições, ou seja, é a capacidade do sujeito de deliberar sobre sua vontade e objetivo pessoal.
Trata-se de um princípio democrático, segundo o qual deve o médico, respeitar a vontade e o consentimento livre dos pacientes ou de seus representantes legais, permitindo que as pessoas se autogovernem e façam as suas escolhas pessoais, ainda que fundadas em crenças religiosas e valores morais, desde que aquela pessoa tenha pleno conhecimento da situação, e consciência daquilo que realmente quer, e desde que não venha trazer prejuízo para outrem (DIAS, 2010).
Os estudos sobre o principio da autonomia, também conhecido como princípio do respeito às pessoas, indicam que ele incorpora pelo menos duas convicções éticas: uma se referindo ao tratamento dos indivíduos como agentes autônomos; e outra, que as pessoas com a autonomia diminuída devem ser tratadas com maior proteção. Dessa forma, este princípio, ao respeitar a autonomia do paciente, concede primazia à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito.
2.1.2 Princípio da Beneficência
Este Princípio defende que a ação médica procura maximizar o bem e minimizar o mal, agindo sempre em benefício do paciente, sendo extremamente necessário levar em conta os desejos, necessidades e os direitos de outrem, ou seja, os profissionais da saúde têm como obrigação moral agir em beneficio dos outros, promovendo o bem-estar dos pacientes (ADONI, 2001).
2.1.3 Princípio da Justiça
O princípio da justiça está muito próximo do conceito de isonomia usado pelos juristas, pois sob o enfoque da bioética, revela a obrigatoriedade de garantia da distribuição dos bens e serviços médicos ou da área da saúde, de forma justa, universal e equitativa, visando com que todos tenham as mesmas condições de acesso a tratamentos e demais terapias pertinentes, assumindo uma perspectiva deontológica de igualdade e de imparcialidade. Todavia, este princípio assumiu novos contornos quando a saúde deixou de ser uma questão privada e tornou-se um problema público, exigindo, a partir daí, a distribuição dos encargos e benefícios de forma equitativa (CORRÊA, 2006).
3 A EUTANÁSIA NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA
O ordenamento jurídico brasileiro não previu a eutanásia claramente como um ato típico ou atípico. Os juristas procuraram encaixar o ato de matar alguém por motivo altruísta em tipos penais já existentes.
No Brasil a eutanásia classifica-se como Homicídio na forma privilegiada, ou seja, mesmo que se retire a vida de alguém que está passando por grande sofrimento, tal ato será considerado com eivado relevante valor moral, tendo a agente que praticou tal conduta sua pena reduzida de um sexto a um terço, sendo este o entendimento de parte dos doutrinadores (GOLDIM, 2013).
O código penal atual prevê o homicídio praticado por relevante valor moral, que diz respeito aos valores individuais, particulares do agente, entre eles sentimentos de piedade e compaixão em seu artigo 121, parágrafo primeiro:
Art. 121: Matar alguém:
Pena - reclusão de seis a vinte anos
Caso de diminuição de pena:
§1º Se o agente comente o crime impelido por relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço (BARROSO, 2013, p.593).
Dessa forma, é importante ressaltar que o código não reconhece a impunibilidade do homicídio eutanásico haja ou não o consentimento do ofendido, mas em consideração ao motivo, de relevante valor moral, permite a minoração da pena.
O privilégio neste caso tem unicamente a função de diminuir a pena, sem, contudo tirar a ilicitude do fato (SILVEIRA, 1993). Sendo assim, outra parte da doutrina entende que diante de uma morte tranquila, o que tem de haver é a exclusão da ilicitude, e não somente a diminuição de pena (GOLDIM, 2013).
Além da Legislação Penal, existe o Código de Ética Médica que seguindo a linha de pensamento do juramento de Hipócrates que menciona que: “A ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem conselho para induzir a perdição”, no entanto expõe o artigo 57 que: O médico não pode contribuir, direta ou indiretamente, para apressar a morte do doente (DAMÁSIO, 1993), sendo assim seguindo esta linha de pensamento podemos verificar que ao médico é vedado a pratica de qualquer meio que abrevie a vida de um individuo, sendo diretamente ou indiretamente.
3.1 A Responsabilidade do Médico na Eutanásia
O médico que hoje, de qualquer forma, concorrer para dar a morte a alguém, cometerá homicídio, devendo o julgador apurar para que seja feita a verificação do móvel desse profissional e em razão dessa motivação, escolher se tal conduta, embora criminosa, tenha sido contemplada com forma mais benevolente de tratamento penal, reconhecendo-se o homicídio privilegiado ou, ao contrário, se revelado motivo que justifique tratamento mais severo, qualificando o homicídio, desencadeando uma pena ainda mais severa (BIZATTO, 2000).
O agente da eutanásia poderá ter verificado seu crime pela forma comissiva (conduta passiva), ou pela forma omissiva (não conduta), agindo ou deixando de agir quando deveria, todavia resultando na mesma pena, se verificado o móvel do agente.
3.2 A Tipificação da Eutanásia no Projeto de Lei 236/2012 do Senado Federal (novo Código Penal)
O projeto de lei nº 236 apresentado ao Senado Federal em 07 de julho de 2012, visa à instituição de um novo código penal brasileiro, certamente, traz grandes inovações para o âmbito do direito penal, principalmente no que tange a certas matérias cuja opinião pública ainda é bastante controvertida.
Entre as inovações trazidas pelo referido projeto de lei encontra-se a tipificação da eutanásia, que está prevista como uma modalidade nova e autônoma de crime, distinto do crime de homicídio. A sua descrição consta no art. 122 do possível novo diploma
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave:
Pena – prisão, de dois a quatro anos (MENDES, 2012, p.01).
A proteção ao bem jurídico vida, a qual se busca dar à partir da tipificação da eutanásia conforme o projeto de lei, parte ainda do pressuposto de que à vida é um bem jurídico indisponível, o que vem a reforçar o antigo dogma de “absolutibilidade” desse direito.
Para a grande parte da doutrina brasileira esse direito continua ser um direito fundamental quase absoluto, em que a relatividade se verifica apenas em casos extremamente excepcionais, os quais devem ser expressamente previstos em lei, ou até mesmo na própria constituição. Entretanto, o STF por mais de uma vez já teve a oportunidade de manifestar no sentido de que não há direitos absolutos, quaisquer que sejam eles (SILVA, 2002).
A prática da eutanásia é um fato social que põe em cheque essa discussão a respeito da relatividade do direito à vida, principalmente no tocante à possibilidade de seu titular dispor da mesma. Assim, a questão é saber até que ponto a criação de um novo tipo penal, incriminando a eutanásia, amplia ou não a proteção ao bem jurídico vida.
CONCLUSÃO
Ao desenvolver este trabalho, partiu-se da análise do conceito de Paciente Terminal levando-se em conta a sua relação com o médico e com a autonomia que cada ser humano tem de decidir a respeito da sua própria vida.
Os princípios norteadores da Bioética, tais como Autonomia e Beneficência, reconhecem a liberdade do paciente terminal a respeito de uma possível morte digna.
Fez-se uma análise do tema em relação a Legislação Penal Brasileira concluindo, portanto que a prática da Eutanásia é considerada crime no Brasil, sendo tipificada como Homicídio Privilegiado.
Tal prática será considerada como de eivado valor moral, tendo o agente que praticou a conduta sua pena reduzida.
Ainda nesse artigo, foi mencionado o Projeto de Lei 236/2012 do Senado Federal, o qual traz a Eutanásia como uma modalidade nova e autônoma, distinta do crime de homicídio.
REFERÊNCIAS
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BARCHIFONTAINE, C. P., PESSINI, L. Fundamentos da Bioética. São Paulo: Paulus, 1996.
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Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade Instituto Vianna Jr
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIDIGAL, Fernanda Costa. Eutanásia e o paciente terminal: um aspecto criminal e bioético. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48285/eutanasia-e-o-paciente-terminal-um-aspecto-criminal-e-bioetico. Acesso em: 22 nov 2024.
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