Resumo: O presente artigo visa conceituar obrigação natural, bem como a decisão do Superior Tribunal de Justiça (Resp 1.406.487-SP), no que se refere a inexigibilidade de dívida contraída em casa de bingo, ainda que seu funcionamento tenha sido autorizado pelo Poder Judiciário. Por fim, o presente artigo abordará a competência para legislar sobre bingos e loterias.
Palavras-chave: Obrigação Natural. Dívida de Jogo. Inexigibilidade. Funcionamento da casa de bingo autorizado pelo Poder Judiciário. Súmula Vinculante. Competência para legislar sobre bingos e loterias.
Sumário: Resumo. 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda uma grande discussão no mundo jurídico em relação ao direito das obrigações, isto é, irá analisar e abordar o conceito de obrigação natural e se é possível sua exigibilidade no Poder Judiciário. Nesse contexto, será abordada a decisão do Superior Tribunal de Justiça, publicada no informativo 566, no que se refere à inexigibilidade de dívida de jogo contraída em casa de bingo, ainda que esta casa de bingo tenha seu funcionamento autorizado pelo Poder Judiciário. Ato contínuo, será abordada a incompetência de leis e atos normativos Estaduais para legislar sobre bingos e loterias e, consequentemente, a competência da União e o entendimento do Supremo Tribunal Federal e a súmula vinculante de nº 02.
2. DESENVOLVIMENTO
A obrigação natural é aquela desprovida de exigibilidade jurídica, isto é, não pode ser exigida em juízo, temos como exemplo uma dívida prescrita ou dívida de jogo. Trata-se de uma obrigação de “honra”, a qual não pode ser cobrada judicialmente.
Em primeiro momento é de suma importância mencionar se é possível no Brasil o funcionamento de casas de bingos, bem como a competência para legislar sobre este assunto.
Nesse sentido, Pedro Lenza (2014, p. 1308 e 1309):
“Os bingos foram previstos, entre outras normas, pela Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé). Por sua vez, a Lei n. 9.981/2000 revogou a autorização de bingos a partir de 31.12.2001. Assim, todas as casas de bingos deixaram de ter autorização legal para continuar em funcionamento. Em razão dessa realidade, muitas leis estaduais passaram a disciplinar o assunto. Entendeu o STF, contudo, que é competência privativa da União legislar sobre bingos, nos termos do art. 22, XX, que dispõe sobre sistemas de consórcios e sorteios. Para o STF, a expressão sorteios abrange os jogos de azar, loterias e similares, e, assim, os Estados-Membros, o DF e os Municípios não poderiam legislar sobre bingos, ainda que de maneira concorrente. Todas as casas de bingo perderam o sustentáculo legal para continuar abertas, e, até que a União legisle sobre o assunto, a tendência é o fechamento daquelas que estiverem funcionando exclusivamente com base em lei estadual, distrital ou municipal.”
Nesse contexto, o STF editou a Súmula Vinculante nº 2: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias” (Sessão Plenária de 30.05.2007).
Vale lembrar, que as súmulas vinculantes a partir de sua publicação, terão efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal (art. 103-A da CRFB/88).
Por outro lado, a vinculação não atinge o Poder Legislativo no seu exercício típico de legislar, nem o Poder executivo na sua função atípica normativa, quando, por exemplo, edita medida provisória, entendimento de forma diversa configuraria o fenômeno conhecido por “Fossilização da Constituição”.
Ressalta-se que, o ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula vinculante ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso a súmula vinculante caso não seja cumprida (art. 103-A, §3º da CRFB/88).
Neste momento, demonstrada a incompetência de atos normativos e leis estatuais para regular sobre bingos e sorteios, bem como a competência privativa da união (art. 22, inciso XX da CRFB/88 e Súmula vinculante nº 02), vamos abordar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, prevista no informativo nº 566 do Superior Tribunal de Justiça [1]. Podemos sintetizar o caso, com o seguinte exemplo do Professor Márcio André do blog Dizer o Direito [2]:
“Maria era jogadora compulsiva de bingo. Durante o ano de 2006, durante praticamente todos os dias ela foi até a casa de bingo "Las Pedras", onde passava a noite jogando. Vale ressaltar que o "Las Pedras" somente ainda estava funcionando por força de uma decisão judicial liminar, considerando que o bingo já estava proibido pela legislação federal. Determinado dia, ela perdeu cerca de R$ 100 mil no jogo. A fim de cobrir os débitos, ela emitiu um cheque "pré-datado". No dia previsto na cártula, a casa de bingo fez a apresentação do cheque, mas este não tinha fundos. Diante disso, o bingo ajuizou ação de execução cobrando o valor previsto no cheque.”
No exemplo acima exposto, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça, a cobrança não terá êxito, uma vez que a dívida de jogo contraída na casa de bingo é inexigível, tendo em vista que bingo não era na época, assim como não é nos dias atuais, uma atividade legalmente permitida, sendo, portanto a dívida exemplo de obrigação natural. Ato contínuo, mesmo que exista uma decisão liminar concedida pelo Poder Judiciário, autorizando o funcionamento do bingo ou casa similar, ainda assim a dívida é inexigível. Isso porque, a norma exige autorização legal, não basta apenas a aparência de licitude.
Por outro lado, apesar das obrigações naturais não poderem ser exigidas judicialmente, caso o devedor efetue o pagamento por livre e espontânea vontade, admite-se o efeito jurídico da SOLUTI RETENTIO (RETENÇÃO DO PAGAMENTO), ou seja, caso o devedor pague a dívida, este não poderá exigir devolução (art. 882 do Código Civil Brasileiro de 2002).
CONCLUSÃO
Em primeiro momento, conceituamos o que é uma obrigação natural e, consequentemente, a dívida de bingo como uma de suas espécies. Abordamos, a competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias, conforme previsão na Constituição Federal de 1988 e entendimento vinculante do Supremo Tribunal Federal. Por fim, analisamos a decisão do Superior Tribunal de Justiça prevista no informativo nº 566, a qual ratificou o entendimento de que a dívida de bingo é inexigível, ainda que exista decisão liminar Judicial autorizando o funcionamento da casa de bingo. Isso porque, para uma dívida ser exigível, não basta aparência de licitude, ela deve ser autorizada por meio da lei, sob pena de ser desprovida de eficácia judicial, por se tratar de obrigação natural. Por fim, abordamos que, apesar de desprovida de eficácia judicial, a obrigação natural admite a retenção do pagamento pelo credor nos termos do art. 882 do Código Civil Brasileiro de 2002.
REFERÊNCIAS
TARTUCE. Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 6. Ed. Ver., atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2016.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 18. Ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2014.
[1] REsp 1.406.487-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/8/2015, DJe 13/8/2015. Disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&[email protected]
=%270566%27>. Acesso em: 09 de janeiro de 2017.
[2] Disponível em https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2015/10/info-566-stj.pdf
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