RESUMO: O controle de constitucionalidade é tema bastante controverso na doutrina quanto à amplitude e técnicas aplicáveis. O presente artigo limitar-se-á a analisar o fenômeno da inconstitucionalidade progressiva e a sua forma de aplicação pelo Supremo Tribunal Federal. Para uma melhor compreensão serão dados exemplos concretos de aplicação do aludido instituto.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Definição. 3. Estudo de caso I. 4. Estudo de caso II. 5. Conclusão.
1. Introdução
Com o propósito de melhor elucidar a questão abordada, cabe, inicialmente, tecer o conceito de controle de constitucionalidade. Controle de constitucionalidade consiste na fiscalização de compatibilidade entre condutas (comissivas ou omissivas) dos poderes públicos e os ditames constitucionais, visando assegurar a Supremacia da Constituição.
Nessa esteira, pode-se afirmar que ato inconstitucional é aquele criado pelo poder público em descompasso com os preceitos constitucionais, incorrendo, portanto, em sanção- de nulidade ou anulabilidade.
Com a declaração de inconstitucionalidade de uma lei, ocorre a plena restauração da eficácia da legislação anterior, que havia sido revogada pela lei inconstitucional.
Como a declaração de inconstitucionalidade resulta na nulidade da lei, são considerados inválidos todos os efeitos que a lei impugnada já produziu no passado, inclusive o efeito de ter revogado a legislação anterior que com ela se mostrou incompatível.
Com isso, entende-se que a esta legislação anterior é plenamente restaurada, passando a reger todo o período em que a lei inconstitucional esteve em vigor.
2. Definição
A inconstitucionalidade progressiva, também chamada pela doutrina pátria de “normas ainda constitucionais”, “inconstitucionalidade temporária” ou ainda “declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade”, por sua vez, como bem anota o ilustre autor Marcelo Novelino[1], “são situações constitucionais imperfeitas que se situam em estágio intermediário entre a constitucionalidade plena e a inconstitucionalidade absoluta”, nas quais as circunstâncias vigentes naquele momento justificam a manutenção da norma dentro do Ordenamento Jurídico.
Da teoria da inconstitucionalidade progressiva, portanto, depreende-se que uma norma, embora, incompatível com a Lei Maior, pode ser ainda considerada constitucional, enquanto não sobrevierem as circunstâncias que venham a concretizar seu caráter inconstitucional[2].
Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, seguindo orientação da Corte Constitucional Alemã, vem adotando a teoria da inconstitucionalidade progressiva em importantes decisões, o que demonstra a nítida intenção de “salvar” determinado dispositivo legal de eventual inconstitucionalidade. Destacam-se, pois, os seguintes casos em que a referida técnica foi utilizada pelo Tribunal Constitucional: art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 e art. 68 do Código de Processo Penal (CPP).
3. Estudo de caso I
Nos termos do art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950, o Defensor Público goza da prerrogativa da intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, assim como do prazo em dobro para se manifestar nos autos.
Com fundamento nos princípios da isonomia e do devido processo legal, O Supremo Tribunal Federal foi questionado sobre a constitucionalidade da referida regra na seara do processo penal, na medida em que o Ministério Público, órgão acusatório, não detém tal prerrogativa.
Ao analisar o tema, a Suprema Corte, aplicando a teoria da “inconstitucionalidade progressiva”, no Habeas Corpus nº 70.514/SP, sustentou que o prazo maior concedido à Defensoria Pública justifica-se em razão desta não estar regulamente organizada como o Ministério Público. Dessa forma, assim que a Defensoria Pública estiver devidamente aperfeiçoada e aparelhada, dar-se á a inconstitucionalidade da norma em apreço.
Nesse sentido, trazemos à baila a ementa do aresto do HC, na parte que nos interessa, in verbis:
“Direito Constitucional e Processual Penal. Defensores Públicos: prazo em dobro para interposição de recursos (§ 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989). Constitucionalidade. "Habeas Corpus". Nulidades. Intimação pessoal dos Defensores Públicos e prazo em dobro para interposição de recursos. 1. Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública. (...) "Habeas Corpus" deferido para tais fins, devendo o novo julgamento se realizar com prévia intimação pessoal do Defensor Público, afastada a questão da tempestividade da apelação do réu, interposto dentro do prazo em dobro.” (grifou-se)
4. Estudo de caso II
Outra questão de suma importância enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal está relacionada à ação civil ex delicto.
Estabelece o art. 68 do CPP: “Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1o e 2o), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.”
Da simples leitura do mencionado dispositivo, percebe-se que a ação civil ex delicto é atribuição do Ministério Público. Não obstante, com a promulgação da CF/88, mais precisamente em seu art. 134, essa responsabilidade foi transferida para a Defensoria Pública, cabendo-lhe a missão constitucional de defesa dos necessitados na forma da lei.
Convocado para resolver a celeuma, o Tribunal Constitucional, utilizando-se novamente da “inconstitucionalidade progressiva”, entendeu que o art. 68 do CPP permanecerá constitucional, sendo, destarte, legítima a atuação do Parquet até que as Defensorias Públicas dos Estados da Federação sejam efetiva e eficazmente instaladas. Caso contrário, os hipossuficientes seriam os maiores prejudicados vez que ficariam sem a assistência devida.
Confira o seguinte precedente, in verbis:
“RE 341717/ AgR/SP – Ag. Reg. no Recurso Extraordinário
Relator: Min. Celso de Mello Órgão Julgador: Segunda Turma
Julgamento: 05/08/2003 (DJe-040, publicado em 05/03/2010)
Agte.: Estado de São Paulo
Agdo.: Ministério Público Estadual
EMENTA: Ministério Público. Ação civil ex delicto. Código de Processo Penal, art. 68. Norma ainda constitucional. Estágio intermediário, de caráter transitório, entre a situação de constitucionalidade e o estado de inconstitucionalidade. A questão das
situações constitucionais imperfeitas. Subsistência, no Estado de São Paulo, do art. 68 do CPP, até que seja instituída e regularmente organizada a defensoria pública local. Recurso de agravo improvido.”
Impende destacar que, em outra oportunidade, no julgamento do RE nº 147.776/SP, a Corte Constitucional, na mesma linha de raciocínio, reforçou o julgamento acima esboçado.
5. Conclusão
Diante das razões acima esposadas, é imperioso concluir que a teoria da inconstitucionalidade progressiva vem sendo adotada, de forma acertada, pelo Supremo Tribunal Federal em suas decisões, com o objetivo precípuo de adequar a nova Ordem Constitucional à realidade vivenciada no Brasil, na medida em que o avanço do Estado Democrático de Direito é um fato que ocorre gradativamente. Assim, a interpretação dada pela Suprema Corte ao artigo 5º, §5º, da lei 1.060/90, bem como ao art. 68 do Código de Processo Penal retrata que, enquanto a Defensoria Pública dos Estados Brasileiros não for efetivamente instalada nos moldes do art. 134 da CF, o Ministério Público continuará atuando em prol do desenvolvimento de nossa justiça.
Referências
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1996.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2009.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, São Paulo: Método, 2010.
STF. Supremo Tribunal Federal. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 25 de junho de 2010.
[1] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, São Paulo: Método, 2010, p.238.
[2]Sobre esse mesmo assunto, Gilmar Ferreira Mendes leciona que a nossa Corte Suprema deu um passo significativo rumo à flexibilização das técnicas de decisão no juízo de controle de constitucionalidade, introduzindo, ao lado da declaração de inconstitucionalidade, o reconhecimento de um estado imperfeito, insuficiente para justificar a declaração de ilegitimidade da lei. (in MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 35.)
Graduado em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió - CESMAC (2008), Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Candido Mendes - UCAMPROMINAS (2016/2017), Ex-Advogado (2009), Ex-Agente Federal de Execução Penal (Agente Penitenciário Federal) do DEPEN/MJ (2010-2012), aprovado e nomeado em concurso para Delegado de Polícia Judiciária Civil do Estado do Mato Grosso (2012), aprovado no II concurso para Defensor Público do Estado do Rio Grande do Norte (2016), aprovado no concurso para Delegado de Polícia Judiciária Civil do Estado de Pernambuco (2017 - concurso na fase de títulos), atualmente Técnico Judiciário na Justiça Federal em Alagoas desempenhando a função de Assessor (Oficial de Gabinete do Juízo Federal Titular) na 5ª. Vara Federal (2012-2017).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: IGOR ANDRADE MORONI VALENçA, . A inconstitucionalidade progressiva à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49199/a-inconstitucionalidade-progressiva-a-luz-do-entendimento-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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