RESUMO: Este artigo se propõe, após breves elucidações acerca dos sistemas de jurisdição constitucional concentrada e difusa, a estudar a plausibilidade dos instrumentos e teoria aptos, no ordenamento jurídico pátrio, a igualar a eficácia subjetiva das decisões proferidas em ambas vias de controle de constitucionalidade.
Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade. Eficácia subjetiva das decisões.
ABSTRACT: This article proposes, after brief elucidations about the systems of concentrated and diffuse constitutional jurisdiction, to study the plausibility of the instruments and theory capable, in the juridical legal order, to equate the subjective efficacy of the decisions pronounced in both ways of judicial review.
Keywords: Judicial review. Subjective efficacy of decisions.
1. INTRODUÇÃO
O modelo pátrio de controle de constitucionalidade, isto é, a análise de verificação da adequação vertical existente entre as normas infraconstitucionais e a Constituição brasileira[1], é o chamado misto ou híbrido, o qual alberga duas espécies: controle abstrato, concentrado ou reservado e controle concreto, difuso ou aberto.
O sistema de jurisdição concentrada surgiu na Áustria, em meados de 1920, por influência do jurista Hans Kelsen, o qual defendia que a fiscalização da constitucionalidade das leis consistia em tarefa especial, razão pela qual a competência para realizar o controle de constitucionalidade, neste modelo, é outorgada somente a um órgão jurisdicional. No caso brasileiro, tal missão se concentra nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). Por outro lado, o sistema de jurisdição constitucional difusa surgiu nos Estados Unidos, em 1803, a partir do caso Marbury x Madison, no qual a Suprema Corte Americana entendeu que era possível que o Poder Judiciário, como um todo, deixasse de aplicar uma lei na análise do caso concreto a ele submetido por considerar essa incompatível com a Constituição.[2] Em outras palavras, o controle difuso pode ser realizado por qualquer juízo ou tribunal na análise de um caso concreto. Tal verificação não constitui o objeto principal da lide, mas sim uma questão incidente, prejudicial ao julgamento do mérito.
No que toca aos seus efeitos, o controle abstrato difere do controle concentrado pelo fato de que a inconstitucionalidade apontada pelo primeiro é de observância de todos (erga omnes), enquanto que a eficácia das decisões deste último fica restrita apenas às partes litigantes do processo (inter partes), fazendo coisa julgada material tão somente o dispositivo da sentença, mas não a parte da fundamentação que reputa lei ou ato normativo inconstitucional. Desse modo, o presente estudo se destina a averiguar sobre as mais variadas formas os instrumentos aptos a realizar a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, ou seja, pesquisar-se-á a possibilidade de igualar os efeitos jurídicos das decisões em sede de controle abstrato e de controle concreto.
2. DESENVOLVIMENTO
No direito pátrio, existem três institutos passíveis de atingir a abstrativização do controle difuso.[3] São eles: a edição de resolução pelo Senado Federal (art. 52, X, CF); a edição de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal (art. 103-A, CF); e a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença do controle difuso, sendo este último alvo de grande divergência jurisprudencial e doutrinária.
É facultado ao Senado Federal, desde a Constituição brasileira de 1934, a possibilidade de suspender a execução de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF em decisão definitiva. Trata-se de uma deliberação do Senado sobre a sujeição de pessoas fora daquela lide à declaração de inconstitucionalidade em um caso concreto. É uma forma de evitar a propositura de ações repetidas no Judiciário, além de privilegiar a segurança jurídica e a supremacia da Carta Maior, pois se a norma é inconstitucional para um, que o seja para todos. Consiste em uma discricionariedade política, baseada em um juízo de oportunidade e conveniência, não estando, dessa feita, o Senado Federal obrigado a conceder eficácia genérica à lide, sob pena de afronta ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º, CF).
Lado outro, súmulas vinculantes são originadas por reiteradas decisões, ainda que não unânimes, do STF sobre determinada matéria, após o consentimento de 2/3 de seus membros e consequente publicação, tornando-se de observância obrigatória, pelos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública em geral. Não vinculam, portanto, o Poder Legislativo. As súmulas vinculantes retratam orientação pacífica do tribunal, embora não tenham caráter permanente. Tem como pressupostos a existência de grave insegurança jurídica sobre determinada matéria e relevante multiplicação de processos. Dessa maneira, se presta a abstrativizar o controle concreto à medida que certa decisão sobre inconstitucionalidade vale do mesmo modo para todos, restabelecendo a segurança jurídica.[4]
Por fim, a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença propõe que, no julgamento, pelo STF, de caso concreto em sede de controle difuso de constitucionalidade, haja uma ampliação do aspecto objetivo da coisa julgada, fazendo, portanto, transcender para outros processos os motivos os quais embasaram a questão constitucional na apreciação do incidente do processo original. Pelos ditames dessa corrente teórico-jurisprudencial, a declaração de inconstitucionalidade proferida incidentalmente tem, per si, eficácia vinculante sobre os demais órgãos do Poder Judiciário (erga omnes), tornando dispensável a edição da resolução senatorial acima explicada.[5]
Essa corrente surge em decorrência da paralisia do Senado Federal em promover a ampliação dos efeitos subjetivos das decisões de inconstitucionalidade prolatadas pelo STF em sede de controle concreto ou difuso, uma vez que a última resolução editada com tal fim data do ano de 1996. Dessa monta, devido ao fato do órgão não ter executado, nesse ínterim, com empenho e dedicação a atribuição que lhe foi concedida, a finalidade constitucional do instituto não tem sido alcançada[6], razão pela qual, aparentemente, não se justifica a sua manutenção no ordenamento jurídico pátrio.
Nessa esteira, os defensores alegam que a teoria da transcendência dos motivos determinantes enseja economia processual, celeridade, isonomia entre os jurisdicionados por meio de decisões semelhantes, garantia de eficácia das decisões judiciais e plenitude na efetivação da dignidade da pessoa humana. Para eles, a prescindibilidade da observância do previsto no art. 52, X, CF se justifica pelo fato de ter havido mutação constitucional nesse excerto, ou seja, uma reinterpretação do dispositivo sem que para isso tenha existido alteração no texto. Tal corrente se baseia na plasticidade das normas constitucionais e na necessidade da adaptação do texto constitucional à realidade, uma vez que o instituto da resolução senatorial tem caráter histórico, tendo sido criado quando não existia mecanismos de controle concentrado, suprindo a lacuna existente à época.
Desse modo, tais doutrinadores defendem que há um movimento legislativo tendente a conferir eficácia vinculante a precedentes do STF, o qual foi responsável, por exemplo, por criar as súmulas vinculantes (EC nº 45/2004). Assim, se independentemente da forma de controle utilizada, a lei a ser analisada é a mesma e o tribunal é o mesmo, por que no controle abstrato a inconstitucionalidade pode ter efeitos erga omnes per si e no concreto não? A natureza idêntica das espécies de controle, marcantemente no que se refere à finalidade, não legitimaria a distinção quanto aos efeitos, portanto.
Em contrapartida, os críticos à teoria da transcendência dos motivos determinantes alegam que, nesse caso, ela extrapola os limites da mutação constitucional, pois não é uma possibilidade semântica existente no texto constitucional caber ao Senado Federal apenas dar publicidade à decisão de inconstitucionalidade. O entendimento em prol da teoria despreza princípios tais quais o da máxima efetividade da norma constitucional, o da unidade da Constituição, o da força normativa da Constituição, o da razoabilidade e o da separação dos poderes, por desconsiderar competência discricionária do Senado Federal. Além disso, não há, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação.[7]
Da mesma forma que a doutrina, o STF não tem entendimento pacífico acerca da plausibilidade da teoria da transcendência dos motivos determinantes. No julgado de “Mira Estrela” (RE 197.917/SP), apontou-se para uma nova interpretação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso pelo STF, havendo embate entre os ministros favoráveis à concessão dos efeitos erga omnes pelo próprio STF e os temerários de tal ativismo judicial. Por outro lado, nos mandados de injunção coletivos que versavam sobre o direito de greve dos servidores públicos (MI 670/708/712), o STF concedeu, per si, efeito erga omnes à decisão proferida em controle difuso. Por outro lado, no julgamento de uma emblemática reclamação constitucional (Rcl 4335/AC), muito embora o STF não tenha acolhido a teoria da abstrativização, os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau se revelaram árduos defensores da teoria, enunciando que houve, de fato, uma mutação constitucional no art. 52, X, CF, no sentido de que o papel incumbido ao Senado Federal é o de apenas dar publicidade às decisões do STF em sede de controle concreto. Não obstante, prevaleceu a tese, nas palavras do Ministro Teori Zavascki, de que as decisões do plenário do STF proferidas no controle difuso possuem força expansiva, mas não, em regra, eficácia erga omnes.
3. CONCLUSÃO
Os argumentos expostos ao longo deste trabalho, sejam eles favoráveis ou não à abstrativização do controle concreto, tem grande relevo jurídico. Os expoentes que defendem a teoria da abstrativização do controle difuso o fazem por patrocinar, entre outros princípios, a força normativa da Constituição, a sua supremacia e a sua interpretação uniforme a todos os cidadãos, valores caros em uma sociedade política modernamente organizada.
Entretanto, é aventureiro buscar solucionar uma ausência do Senado Federal em suas incumbências, no que se refere à edição de resoluções, a partir de um desrespeito à literalidade do texto constitucional. A rigidez da Constituição é o que possibilita sua supremacia e o controle de constitucionalidade das leis, razão pela qual devem ser respeitados os processos de modificação de seu texto previsto pelo constituinte, seja ele originário ou reformador, nos termos do art. 60, CF.
Em um Estado Democrático de Direito, não se pode conceber que o órgão guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, desconsidere os ditames do texto constitucional e lhes dê sentido diverso, sob pena de afronta ao princípio da separação dos Poderes e ao ordenamento jurídico como um todo.
Além disso, como explicado no decorrer do presente, o STF já dispõe de instrumento apto a dar eficácia erga omnes a alguns de seus posicionamentos, qual seja a súmula vinculante, motivo pela qual resta assegurada a autonomia de suas decisões.
Ex positis, conclui-se que, embora seja deveras sedutora a teoria da abstrativização do controle difuso no que se refere à transcendência dos motivos determinantes da sentença, essa não merece guarida no cenário jurídico brasileiro por não encontrar respaldo constitucional. Contudo, entende-se plenamente cabível a utilização dos institutos da resolução senatorial e da súmula vinculante, haja vista esses terem sido previstos pelo constituinte pátrio.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAVALCANTE, Márcio A. L. STF não admite a teoria da abstrativização do controle difuso e o art. 52, X, da CF/88 não sofreu mutação constitucional: entendendo a Rcl 4335/AC. Disponível em Acesso em 11 jan 2017.
GOMES, Anderson R. Crítica à tese da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade. Disponível em: Acesso em 11 jan 2017.
GUTIERREZ SOBRINHO, Emílio. Instrumentos de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. In: Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 108, jan 2013. Disponível em: . Acesso em 11 jan 2017.
LENZA, Pedro. O Senado Federal é um “ mero menino de recado”? Disponível em Acesso em 11 jan 2017.
MASSON, Nathália. Manual de Direito Constitucional. 4ª ed. Salvador: ed. Juspodivm, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: ed. Saraiva, 2012.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: ed. Método, 2012
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 15ª ed. Rio de Janeiro: ed. Forense; São Paulo: ed. Método, 2016
PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkimin. Direito constitucional em perguntas e respostas. Belo Horizonte: ed. Del Rey, 2007.
[1] PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkimin. Direito constitucional em perguntas e respostas. Belo Horizonte: ed. Del Rey, 2007. P. 86.
[2] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 15ª ed. Rio de Janeiro: ed. Forense; São Paulo: ed. Método, 2016. P. 722.
[3] GUTIERREZ SOBRINHO, Emílio. Instrumentos de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 108, jan 2013. Disponível em: . Acesso em 11 jan 2017.
[4] AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: ed. Forense, 2008. P. 498/499.
[5] GOMES, Anderson R. Crítica à tese da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade. Disponível em: Acesso em 11 jan 2017. P. 3/4.
[6] MASSON, Nathália. Manual de Direito Constitucional. 4ª ed. Salvador: ed. Juspodivm, 2016. P. 1084.
[7] LENZA, Pedro. O Senado Federal é um “ mero menino de recado”? Disponível em Acesso em 11 jan 2017.
Conciliadora no Tribunal de Justiça de Pernambuco. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2016). Pós-graduanda em Direito Constitucional pelo Instituto Elpídio Donizetti (2017).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEMOS, Milena Tenório de. Abstrativização (Objetivação) do controle concreto de constitucionalidade: atual cenário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 fev 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49288/abstrativizacao-objetivacao-do-controle-concreto-de-constitucionalidade-atual-cenario-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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