Introdução
É notável a força que os regimes presidencialistas vêm tomando, principalmente na América Latina, apoiados em mudanças nas próprias Constituições dos países, mudanças essas que muitas vezes reforçam excessivamente o poder do Executivo. O objetivo do presente estudo é analisar historicamente esse fenômeno e ainda identificar nos plebiscitos, apesar de seus pontos negativos, um mecanismo simples e democrático de participação popular como forma de conter, ao menos um pouco, esse avanço desenfreado.
Desenvolvimento
Jon Elster aponta três critérios que, segundo ele, distinguem a Constituição do restante das leis: o fato de grande parte dos países possuírem um conjunto de leis a que se atribui o nome Constituição; a regulação de assuntos tidos como fundamentais e os processos mais rigorosos para sua modificação. De acordo com o autor, o processo de formação de Constituições ocorre em ondas, tendo em vista a intrínseca relação entre crise e Constituição. Ou seja, circunstâncias excepcionais, como crises sociais e econômicas, revoluções, quedas de regime e descolonizações ensejam a criação de novas Constituições.
O período de ditaduras e governos autoritários entre as décadas de 1960 e 1980 foi um grande marco na história da América Latina. Os abusos e violações aos direitos humanos cometidos ensejaram uma tendência à valorização da democracia e do processo democrático, em consonância com uma tendência também global de aversão a intervenções militares e golpes de Estado. As novas constituições que foram sendo criadas nos países latino-americanos após a destituição dos regimes ditatoriais caracterizaram-se fortemente por um maior reconhecimento dos direitos sociais e civis, em resposta às experiências anteriores.
David Landau entende que, em meio a esse contexto de valorização democrática, governos com “pretensão” autocrática tem se utilizado de meios tidos como democráticos para fortalecer seu poder, ao que o autor denomina constitucionalismo abusivo. Na Venezuela, por exemplo, o Presidente Hugo Chavez, fundando-se no poder “original e constituinte do povo” convocou um referendo para determinar se deveriam ser convocadas eleições para uma Assembleia Constituinte, de forma a substituir a Constituição. O próprio Chavez determinou as regras de eleição da Assembleia, o que favoreceu o seu partido, e, por meio da nova Constituição, pôde intensificar o poder do Executivo e consolidar-se no poder. No Equador e na Bolívia, Rafael Correa e Evo Morales, respectivamente, utilizaram-se de táticas semelhantes de substituição de Constituição para minar o poder de outras instituições e prolongar-se no poder.
Nota-se paralelamente ao fenômeno do constitucionalismo abusivo, a exacerbação do presidencialismo e fortalecimento do Poder Executivo. Roberto Gargarella aponta que, contraditoriamente à valorização dos direitos humanos nos novos textos constitucionais, a organização dos poderes foi mantida. A concentração do poder nas mãos do Executivo tomou diversas formas, e um aspecto comum entre vários países da América Latina foi a flexibilização das reeleições presidenciais. A “sala de máquinas da Constituição” permaneceu intocada e o “motor” da Constituição, portanto, não foi alterado.
Em meio ao hiper-presidencialismo, é possível identificar nos plebiscitos e referendos tanto um mecanismo de ratificação para os governos cada vez mais autoritários quanto uma forma de controlar o poder crescente do Executivo, já que o Legislativo e o Judiciário tem perdido sua força. De fato, referendos e plebiscitos tem sido utilizados por governantes carismáticos e populistas para impor, sob um máscara democrática, comandos autoritários, como é o caso do exemplo apontado na Venezuela. Por outro lado, esses mecanismos podem providenciar respostas mais rápidas em relação às ações governamentais, sendo capazes de frear avanços autoritários com maior eficiência e simplicidade, além de protegerem interesses majoritários frente a interesses de classes dominantes.
Segundo o artigo 14 da nossa Constituição Federal "a soberania popular será exercida pelo voto direto e secreto, e também, nos termos da lei, pelo plebiscito, referendo e pela iniciativa popular." O artigo 49 do mesmo documento legal atribui ao Congresso Nacional a competência de decidir se uma questão de interesse nacional deve ser submetida ao mecanismo de plebiscito ou referendo. É certo que os plebiscitos e referendos não constituem mera manipulação governista. Pelo menos no Brasil, eles devem ser convocados pelo Legislativo, o que por si só já é um obstáculo ao Poder Executivo.
Conclusão:
Uma possibilidade de maior participação da população no processo de construção democrática não deve ser considerada, à primeira vista, uma ameaça. No entanto, é preciso que as perguntas sejam formuladas de maneira clara e que os temas em pauta sejam coerentes com a opção por esses mecanismos, além de que garantir que porção considerável da população tome participação. Assim como a internet, os plebiscitos e referendos tem maior potencial de serem utilizados em favor da democracia, e não contra ela.
Referências:
- ELSTER, Jon. Forces and Mechanisms in the Constitution-Making Process. Duke Law Journal, v. 45, p. 364, 1995.
- ALBERT, Richard. The Structure of Constitutional Amendment Rules. Wake Forest Law Review, v. 49, p. 913-975, 2014.
- LAW, David S.; VERSTEEG, Mila. Sham Constitutions. California Law Review, v. 101, p. 863-952, 2013.
- LANDAU, David. Abusive Constitutionalism. U.C.D. L. Rev, v. 47, n. 189, p. 189–260, 2013.
- GARGARELLA, Roberto. La Sala de Máquinas de la Constitución. Buenos Aires: Katz Editores, 2014 (Caps. 8, 9 e 10).
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