RESUMO: O presente estudo volta-se à análise da guarda compartilhada disciplinada inicialmente pela lei 11.698/2008 e pela recente lei 13.058/2014, que alteraram os artigos 1583, 1584, 1585 e 1634 do Código Civil. A família conforme estabelecido pela Constituição Federal é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado. Na esteira constitucional o Código Civil ao disciplinar a dissolução do vínculo conjugal preleciona regras de proteção à pessoa dos filhos, assim como para o exercício do poder familiar, que tem a guarda como um de seus desdobramentos. A guarda compartilhada muito embora tenha passado a ter disciplina normativa somente a partir de 2008, já vinha sendo aplicada pelo Poder Judiciário em casos de ausência de litígio entre os genitores e com amparo em estudo multidisciplinar. Com o advento da lei 11.698/2008 a guarda compartilhada passou a ter assento no Código Civil, e atualmente com a lei 13.058/2014 abriu-se a possibilidade de seu estabelecimento, mesmo em situações em que não haja consenso entre os genitores, desde que esses estejam aptos ao exercício do poder parental. Dessa forma busca-se no presente estudo a análise da guarda compartilha em consonância com a disciplina legal vigente e com os ditames constitucionais, sem perder de vista o princípio da proteção integral trazido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
PALAVRAS-CHAVE: Família. Poder Familiar. Guarda Compartilhada.
SUMÁRIO: 1.Introdução. 2.O Direito de Família no Ordenamento Jurídico Pátrio. 2.1 A Guarda no Direito de Família. 3.A Guarda Compartilhada. 4.Considerações Finais. 5.Referências.
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INTRODUÇÃO
A Constituição Federal ao tratar da Ordem Social dedica um capítulo à família, à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso, estabelecendo a família como a base da sociedade e detentora de especial proteção do Estado.
Nesse diapasão o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), preleciona inúmeras garantias às crianças e aos adolescentes, além do princípio da proteção integral, que serve como diretriz para a solução dos conflitos de guarda decorrentes do rompimento do vínculo conjugal.
O Código Civil ao disciplinar a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal trata da proteção da pessoa dos filhos, disciplinando também o poder familiar, entendido como dever-poder dos pais desenvolverem todas as aptidões dos filhos, com vistas a seu desenvolvimento integral.
A disciplina do poder familiar insculpida pelo Código Civil tem natureza solidária, conferindo a ambos os pais sua titularidade durante o casamento e a união estável, bem como a possibilidade do acionamento do Poder Judiciário em caso de divergência em seu exercício.
Contudo diante do rompimento da sociedade conjugal, normalmente permeado por fortes conflitos de convivência entre os genitores, inicia-se a discussão da guarda dos filhos menores, que se constitui como um dos desdobramentos do poder familiar e se caracteriza como um conjunto de direitos e obrigações de assistência material e moral em face da criança ou adolescente.
A legislação pátria elenca embora de forma não taxativa a existência da guarda unilateral ou compartilhada, que trazem como traço diferenciador a exclusividade ou não de seu exercício.
Por longos anos a guarda unilateral foi a mais prestigiada em nosso país, certamente por influência da já superada busca da culpa pelo rompimento da sociedade conjugal, que conforme os ditames da lei 6.515/77 atribuía a guarda dos filhos ao cônjuge não culpado pelo rompimento do vínculo conjugal.
Já a guarda compartilhada disciplinada inicialmente pela lei 11.698/08, com modificação trazida pela lei 13.058/14, que alterou os artigos 1583, 1584. 1585 e 1634 do Código Civil, já estava sendo aplicada mesmo antes de sua normatização, e funda-se na coparticipação parental na vida e educação dos filhos, trazendo um marcante escopo social em seu fundamento.
Da atenta análise da disciplina legal da guarda vislumbra-se que a guarda compartilhada foi o modelo prioritário adotado pelo legislador notadamente nas hipóteses em que ambos os genitores se apresentarem em iguais condições de seu exercício, ainda que diante de discordância entre esses.
Dessa forma ainda que considerado que o poder familiar não se altera em razão da modificação conjugalidade dos genitores, tem-se que a guarda unilateral se apresenta como uma fragmentação dos direitos dos pais em relação aos filhos, razão pela qual a guarda compartilhada passou a ser a opção adotada pelo ordenamento jurídico com vistas ao exercício conjunto da autoridade decorrente do poder parental.
Contudo, muito embora a existência de previsão legal prioritária da guarda compartilhada, mostra-se necessária a análise de cada caso concreto com vistas à garantia do melhor interesse do filho, em atendimento ao princípio da proteção integral previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Destarte merece destaque que a guarda compartilhada não implica uma divisão do tempo do filho com os pais e sim a efetiva participação de ambos os genitores na vida e formação dos filhos, cooperando mutuamente no cuidado e crescimento desses.
Dessa feita o presente estudo volta-se à análise sistemática da disciplina legal da guarda compartilhada inserida no ordenamento jurídico pátrio pela lei 11.698/08, posteriormente alterada pela lei 13.058/2014, de forma conjunta com os ditames trazidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e a do Adolescente.
Pontofinalizando observa-se que na maioria dos casos de guarda submetidos ao Poder Judiciário muito ressentimento se encontra entre os genitores o que demanda uma cautelosa atuação do Magistrado e demais profissionais envolvidos com vistas a manter o foco da relação processual na preservação dos interesses da criança ou adolescente envolvido.
1 – O DIREITO DE FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO
No ordenamento jurídico pátrio a família tem disciplina legal fixada na Constituição Federal em capítulo específico inserido dentro do título referente à ordem social, assim como no livro IV da parte especial do Código Civil.
Da análise da disciplina legal reservada à família denota-se a existência de duas categorias de família, a constitucional e a não constitucional. Segundo esse entendimento a família constitucional abarca o elenco trazido pelo artigo 226 da Carta Magna, consistente na instituída pelo casamento, pela união estável do homem e da mulher e pela família monoparental, formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Já as famílias não constitucionais incluem as constituídas pela parceria entre pessoas do mesmo sexo e as não monogâmicas. Porém em termos legais o traço legal diferencial entre as famílias constitucionais e não constitucionais consiste apenas na possibilidade de a lei ordinária estabelecer restrições quanto aos direitos decorrentes de sua constituição, sem que se possa aventar eventual inconstitucionalidade, haja vista que não têm assento no texto constitucional.
Considerando que a família é a primeira comunidade em que o homem se integra, tem-se que o Direito de Família volta-se ao estudo e a disciplina das relações humanas decorrentes da constituição das famílias, que na atualidade se fundam em sua maioria em vínculos afetivos. O Direito de Família como ramo do direito público interno se apresenta como de primordial importância para o Estado na medida em que se bem regulamentadas as famílias a sociedade se mostrará mais organizada, eficiente e apta a seu pleno desenvolvimento.
Ao tratar das famílias na atualidade vislumbra-se que não há meios para classificar um modelo de uniforme de família dada a evolução pela qual essa tem passado ao longo da história, merecendo destacar que a família deixou de ser a base do núcleo econômico e reprodutivo do cidadão, passando a ter seu foco nas relações de amor e afeto.
Muito embora sem precisão técnica pode-se afirmar que a família inicialmente se originou pela necessidade de regulação das relações sexuais entre os membros das comunidades, com vistas ao aprimoramento genético mediante a vedação do incesto.
Na Antiguidade o estudo das famílias romanas mostra que essas possuíam diversas funções hoje totalmente desvinculadas das famílias modernas, a exemplo da função biológica, educacional, econômica, assistencial, espiritual e afetiva. Dessa forma observa-se que a família voltava-se a propiciar a seus membros, além da regulação das relações sexuais, trabalho, educação, cuidados especiais de saúde e reprodução, assistência espiritual e religiosa, podendo-se a afirmar que o indivíduo desenvolvia todas as suas relações dentro do seio da própria família.
Contudo ao longo dos anos e certamente diante da organização da Igreja e do Estado a família foi perdendo diversas dessas funções notadamente a econômica e a religiosa, ao passo que cada vez mais se aprofunda na função afetiva com vistas a garantir o desenvolvimento psicológico sadio de seus membros através do crescimento das relações de afeto e incentivo ao fortalecimento da autoestima e identidade.
O Direito de Família ou Direito das Famílias se apresenta como o ramo mais aberto a mudanças constante do Direito Civil pátrio haja vista a dinâmica das relações sociais em que se encontra envolto, sendo objeto de constantes atualizações ou inovações legislativas, notadamente fundadas no acervo principiológico que o acompanha aliado à evolução social.
Em que pese a ausência de consenso doutrinário pode-se afirmar que os pilares do Direito de Família se encontram enraizados em três princípios básicos, quais sejam: dignidade da pessoa humana, igualdade e vedação ao retrocesso.
O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, tratado na Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e visa ao respeito à plena existência do indivíduo e sob enfoque do Direito de Família pode-se afirmar que garante a existência de outros núcleos familiares independente de prévia normatização legal, a exemplo da união homoafetiva.
Já o princípio da igualdade, também com assento constitucional como direito fundamental do cidadão, se traduz no âmbito do Direito de Família na igualdade ou isonomia entre homens e mulheres, além de assegurar a inexistência de distinção entre filiação legítima ou ilegítima e assegurar o reconhecimento da união homoafetiva, assim como do estabelecimento como modelo prioritário da guarda compartilhada.
O princípio da vedação ao retrocesso também umbilicalmente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana volta-se no Direito de Família à não supressão de direitos garantidos por normas anteriores, constituindo em pressuposto negativo para a revogação ou alteração de direitos fundamentais por normas posteriores.
Além dos três princípios gerais acima apresentados o Direito de Família também apresenta outras regras basilares mais específicas podendo-se relacionar, de forma não taxativa, o princípio da afetividade, princípio da solidariedade familiar, princípio da proteção ao idoso, princípio da função social família, princípio da proteção da criança e do adolescente, princípio da convivência familiar e princípio da intervenção mínima do Estado no Direito de Família, porém, dada a brevidade deste trabalho, limita-se apenas à essa breve menção, sem contudo desprezar sua importância para o tema em estudo, que sofrerá ainda a intervenção de outros princípios que se mostrarem alinhados ao estudo das famílias, notadamente com fundamento no princípio maior da dignidade da pessoa humana.
Pontofinalizando tem-se que o Direito de Família ou Direito das Famílias mostra-se com um sistema jurídico aberto e sujeito a modificações em decorrência da dinâmica das relações sociais que envolvem a constituição e o reconhecimento das famílias. Enfatizando-se que atualmente as relações familiares fundam-se prioritariamente na afetividade, diante do esvaziamento das demais funções anteriormente exercidas pela família.
Ademais com foco no tripé da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da vedação ao retrocesso muito ainda há de ser conquistado pelas novas famílias que outrora não eram sequer reconhecidas, atentando-se sempre para a importância do Direito de Família no desenvolvimento sadio da sociedade.
1.1 A Guarda no Direito de Família
O rompimento ou dissolução da relação conjugal é um período espinhoso da vida de muitas famílias e repleto de desavenças, dentre elas a que envolve a guarda dos filhos menores.
Como é sabido a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem o princípio da proteção integral ou do melhor interesse da criança e do adolescente, assim como o Código Civil disciplina a proteção dos filhos em caso de dissolução da sociedade conjugal e regulamenta o poder familiar.
Anteriormente ao fortalecimento do modelo de guarda compartilhada o estabelecimento da guarda da pessoa dos filhos volta-se apenas ao atendimento dos interesses dos cônjuges quando da dissolução do vínculo e, em caso discordância entre esses, a guarda era atribuída exclusivamente a um dos genitores, normalmente o não culpado pela separação.
Para o doutor em Direito Civil Jorge Shiguemitsu Fujita a guarda apresenta o seguinte conceito:
A guarda é o direito-dever que cabe aos pais, ou a quem de direito, de prover as necessidades vitais de alimentação, vestuário, higiene, moradia, assistência médica e odontológica, de educação e de lazer de seus filhos, ou daqueles que se encontrem sob sua proteção. (COLTRO & DELGADO, 2015, p. 192).
A guarda não se confunde com o poder familiar uma vez que o integra, se constituindo em um elemento constitutivo deste. Assim mesmo que dissolvido o vínculo conjugal os genitores permanecem titulares do poder da familiar, muito embora a guarda possa ser deferida a somente um deles ou até mesmo a terceira pessoa.
Dentre as espécies de guarda pode-se apontar a guarda individual e a guarda conjunta. Na guarda individual atribui-se a uma única pessoa o poder-dever de guardião, estando abrigada nesta espécie a guarda unilateral ou exclusiva e a guarda alternada.
A guarda conjunta se caracteriza pela atribuição do exercício da guarda a duas pessoas, normalmente aos genitores. Nesta espécie encontram-se a guarda simultânea ou compartilhada. Destaca-se que a guarda simultânea é desempenhada por duas pessoas de forma conjunta e concomitante, a exemplo dos genitores na constância da sociedade conjugal. Já a guarda compartilhada pressupõe a dissolução do matrimônio ou união estável e garante a ambos os genitores a titularidade e o exercício da guarda dos filhos de forma corresponsável e flexível.
É inegável que mesmo diante da intervenção mínima do Estado na esfera familiar o instituto da guarda sofreu expressiva evolução notadamente com o advento da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que se voltaram à proteção do ente mais fragilizado da família de modo a afastar da relação de filiação os reflexos do conflito conjugal.
Assim de acordo com o aprimoramento legislativo a guarda compartilhada, muito embora regularmente normatizada a partir do ano de 2008, já estava sendo aplicada pela Justiça pátria, e atualmente se apresenta como modelo prioritário, com vistas ao exercício conjunto pelos genitores da autoridade parental.
O abandono da busca da culpa pelo rompimento da conjugalidade e, via de consequência, da guarda unilateral tem como ponto de partida a manutenção da relação afetiva entre pais e filhos, objetivando amenizar os danos causados ao desenvolvimento psíquico da criança ou adolescente em formação nos casos de rompimento do vínculo conjugal e afastamento dos genitores.
Como bem apontado pela doutrina o modelo da guarda compartilhada é uma conquista dos filhos por não romper ou impedir o vínculo afetivo com um dos pais, sendo certo que muitas vezes dentro da sociedade atual há situações em que os genitores sequer chegaram a formar vínculo conjugal. Assim a guarda compartilhada em muito atende aos anseios do pleno desenvolvimento da personalidade e do caráter da criança, que poderá desfrutar da convivência com ambos os genitores.
2 – A GUARDA COMPARTILHADA
Historicamente a família do direito romano era organizada segundo o princípio da autoridade, com destaque para a total subordinação da mulher à autoridade marital.
No período da Idade Média o direito canônico disciplinava as relações de família e reconhecia somente o casamento religioso como válido, ainda sob influência do direito romano e também do direito germânico.
Do conceito da família brasileira se observam fortes traços do direito canônico, notadamente em decorrência da colonização portuguesa, ainda que presentes diversas normas originadas da família germânica e romana. Contudo diante das transformações sociais, culturais e históricas atualmente o ordenamento jurídico brasileiro contempla a família mais adaptada à realidade, com enfoque na natureza contratualista do casamento.
O Código Civil de 1916 ateve-se à regulamentação da família constituída unicamente pelo casamento, com adoção do modelo hierarquizado e patriarcal. Contudo durante sua vigência a doutrina e jurisprudência já vinham caminhando no sentido de reconhecer novos elementos para composição das relações familiares, com nítida priorização da família socioafetiva.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, calçada no princípio da dignidade da pessoa humana, houve grandes inovações no Direito de Família, que passou a reconhecer diversas formas de constituição da entidade familiar, abandonando o modelo único de casamento trazido pelo Código Civil revogado, bem como proibiu designações discriminatórias decorrentes da filiação fora do casamento, abolindo a conhecida designação de filho ilegítimo, e consagrou em definitivo o princípio da igualdade de gêneros, garantido os mesmos direitos aos homens e mulheres.
Diante das inovações constitucionais que derrogaram centenas de artigo do Código Civil de 1916 restou promulgado, em 2002, o códex vigente que traz a ideia da paternidade responsável e o reconhecimento da entidade familiar também a partir de vínculos socioafetivos e nenhuma discriminação da filiação, fundando-se na corresponsabilidade no exercício do poder familiar e reconhecimento da família monoparental.
As inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 têm origem no reconhecimento da função social da família pelo direito pátrio e na igualdade entre cônjuges e filhos, se alinhando às disposições constitucionais. No que tange especificamente à guarda ressalta-se a concessão ao juiz do poder de decidir de acordo com os interesses da criança e adolescente, que também tiveram garantidos seus direitos através do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) que, dentre outras disposições, institui o princípio da proteção integral.
A guarda desde a promulgação do Código Civil de 2002 e das lei 11.698/2008 e 13.058/14 passou por grandes transformações tendo o direito brasileiro atualmente passado a adotar a guarda compartilhada como modelo prioritário.
Anteriormente à promulgação da lei 11.698/2008 a aplicação da guarda compartilhada era objeto de controvérsia entre julgadores, sendo conferida em percentual inferior a 3% dos casos em 2002, ano em que entrou em vigência o Código Civil.
Contudo diante das mudanças conferidas à sociedade notadamente pelo avanço das mulheres no mercado de trabalho seguida pela maior presença nos homens nos cuidados domésticos e com os filhos, a guarda unilateral foi cedendo espaço paulatinamente à guarda compartilhada.
Dessa forma antes da promulgação da lei 11.698/08 a guarda compartilhada tinha por fundamento somente as disposições constitucionais que prelecionam a igualdade entre o homem e a mulher, notadamente dentro das relações familiares, assim como o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, da efetividade e da convivência familiar.
A partir da promulgação da lei 11.698/08 restou portanto positivada de forma infraconstitucional a guarda compartilhada, alterando de maneira substancial os artigos 1583 e 1584 do Código Civil. Destaca-se que a principal inovação trazida pela norma em comento foi encerrar legalmente o monopólio da guarda unilateral no ordenamento jurídico, prelecionando expressamente sobre a guarda compartilhada e ainda delineando seu conceito.
Depreende-se que diante do novo quadro apresentado pela lei 11.698/08 passou-se a adotar um sistema dual no qual a guarda compartilhada passou a existir paralelamente à guarda unilateral, passando à análise do caso concreto, com supedâneo no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, a escolha de um ou outro modelo.
Ainda a lei 11.698/08 extirpou de vez a idéia de concessão da guarda unilateral ao cônjuge não culpado pela dissolução da sociedade conjugal assim como ao que apresentasse melhores econômicas ou financeiras, estabelecendo a preferência, em caso de guarda unilateral, ao pai e ou à mãe detentor maior relação de afetividade com a criança e com o adolescente de forma a garantir melhores condições de saúde e segurança ao filho e fomentar seu desenvolvimento moral, social e psicológico.
Fruto da constante evolução legislativa envolvendo a guarda compartilhada, em 2014, foi promulgado a lei 13.058, que alterou os artigos 1583, 1584, 1585 e 1634 do Código Civil. Insta ressaltar que o novel legislador não contrariou o espírito das normas anteriores trazidas pela lei 11.698/98, mas sim estabeleceu algumas mudanças voltadas ao fortalecimento da guarda compartilhada, em atendimento à evolução social e ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Dessa forma o ponto de destaque da lei 13.058/14, sem sombra de dúvida, é a positivação da guarda compartilhada como modelo prioritário de guarda do sistema de direito civil brasileiro, passando atualmente a guarda unilateral a ser adotada somente como exceção, conforme se vislumbra do parágrafo segundo do artigo 1583 do diploma civil.
Conforme se observa nestes quatorze anos de vigência do Código Civil a guarda sofreu mudanças substanciais com o objetivo de se alinhar aos ditames constitucionais regentes do Direito de Família, que consagram o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e a igualdade de diretos entre o homem e a mulher, e também a todo o arcabouço de garantias estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim dentro da disciplina legal vigente a guarda compartilhada será estabelecida de forma preferencial, sempre que possível dentro das peculiaridades do caso concreto, ressaltando que o local ou cidade de moradia dos filhos será aquele melhor a atender a seus interesses. Infere-se, portanto, a inexistência de regime de visitação dentro da guarda compartilhada e sim uma divisão de modo equilibrado do tempo de convívio e comunicação dos filhos com ambos os pais, devendo sempre ser observada a prevalência dos interesses da criança ou do adolescente em relação aos dos genitores.
Ainda dentro da disciplina legal do artigo 1583 do Código Civil o novel legislador trouxe apenas a readequação do dever-poder de supervisão garantido ao genitor não guardião, em caso de guarda unilateral, podendo para seu exercício proceder à solicitação de informações e/ou prestação de contas em situações que envolvam a saúde física e psicológica e a educação dos filhos.
Na disciplina do artigo 1584 observa-se que a lei 13.058/14 alterou a redação de alguns parágrafos, assim como acrescentou o parágrafo sexto ao seu elenco. Assim merece destaque o parágrafo segundo, que dentro da nova roupagem legal, trouxe a principal inovação introduzida pela norma legal em comento, consistente na priorização da aplicação da guarda compartilhada quando ausente acordo entre os genitores e estando ambos em pleno exercício do poder familiar, ressalvada a possibilidade de um dos genitores declarar expressamente que não deseja exercer a guarda de seu filho.
Assim vislumbra-se que a lei 13.058/14 trata a guarda unilateral como exceção assim como reduz a discricionariedade judicial na aplicação de outro modelo de guarda que não a compartilhada. Porém no parágrafo terceiro do artigo em comento restou estabelecido que cabe ao magistrado fixar as atribuições dos genitores e os períodos de convivência sob a guarda compartilhada, podendo para tanto contar com o auxílio de profissionais especializados para a equilibrada divisão do tempo, a exemplo de assistentes sociais e psicólogos.
No que tange ao parágrafo quarto do artigo 1584 a lei 13.058/14 suprimiu a expressão referentes à redução do número de horas de convivência outrora estabelecida pela norma anterior, no caso a lei 11.698/08, com vistas a assegurar a não ocorrência de prejuízo aos interesses da criança ou do adolescente, mantendo a previsão de redução de prerrogativas atribuídas ao guardião que alterar ou descumprir, sem autorização ou desmotivadamente, as cláusulas da guarda unilateral ou compartilhada.
Quanto ao parágrafo quinto do artigo em ilustração a lei 13.058/14 preservou a sua essência abrindo a possibilidade de deferimento da guarda a terceira pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, com preferência para o grau de parentesco e relações de afinidade ou afetividade, em caso em que não se recomendem a manutenção com qualquer um dos genitores.
Outra novidade do artigo em estudo trazida pela lei 13.058/2014 é a inserção do parágrafo sexto que prevê a possibilidade de multa a estabelecimento público ou privado em caso de recusa ao fornecimento de informações aos genitores sobre seus filhos.
Quanto ao artigo 1585 a lei 13.058/14 não trouxe modificações em relação à sua antecessora, a lei 11.698/08, mas apenas uma atualização no tocante à possibilidade de requerimento de tutela de urgência envolvendo a guarda provisória em ação de conhecimento e ação cautelar de guarda.
Contudo, em que pese a ausência de modificação no artigo em comento, nota-se que a lei 13.058/2014 estabeleceu a necessidade de prévia oitiva das partes para a prolação da decisão referente à guarda, ressalvada a hipótese de situação de urgência em que o interesse da criança ou do adolescente não comporte tal medida, aplicando sempre as disposições do artigo 1584.
Por fim no que se refere ao artigo 1684 também com nova disciplina trazida pela lei 13.058/14 foram acrescentadas mais duas atribuições ao poder familiar inseridas nos incisos IV e V, consistentes na competência para concessão de autorização para viagem ao exterior e para mudança da residência permanente para outro município.
Neste particular o Estado Brasileiro passou a adotar o mesmo posicionamento de outros países estrangeiros, também signatários da Convenção de Haia (1980), que prevê como prática ilícita a transferência da criança de um país para o outro sem o consentimento do outro genitor. Dessa forma, ainda em caso de guarda unilateral, ambos os pais deverão consentir com mudança de residência permanente da criança ou adolescente e sobre viagens ao exterior.
A lei 13.058/14 também introduziu duas modificações no artigo 1684 sendo uma delas no inciso II, que apenas atualizou o dispositivo para fazer menção à guarda compartilhada e seu alinhamento aos novos ditames do artigo 1584.
A outra modificação reside no caput do artigo com a inclusão das expressões situação conjugal e pleno exercício do poder familiar. Tal referência vem de encontro à consolidada orientação doutrinária e jurisprudencial voltada ao reconhecimento de que as atribuições envolvendo o poder familiar independem da situação conjugal ou existência de vínculo conjugal entre os pais, não havendo necessidade de casamento ou união estável para que ambos os genitores assumam as atribuições do poder familiar elencadas no dispositivo legal em exame.
Dessa forma ambos os genitores têm, independente de sua situação conjugal ou vínculo afetivo, o pleno exercício do poder familiar, ressalvada as hipóteses de suspensão ou destituição, previstas no parágrafo quarto do artigo 1584, que serão objeto de apreciação e decisão judicial.
Ultrapassada a análise do arcabouço legislativo recentemente introduzido no ordenamento jurídico brasileiro observa-se que muito embora tenha havido um louvável aprimoramento da disciplina legal a realidade forense ainda se mostra muito distante da simples aplicação do modelo da guarda compartilhada de forma prioritária, principalmente diante da ausência de consenso entre os genitores.
Dessa forma é forçoso admitir que a aplicação da guarda compartilhada pressupõe a existência de um ambiente de total compreensão, colaboração e coesão dos genitores, exigindo um juízo de ponderação e objetivo comum de priorizar apenas os interesses dos filhos.
Assim ainda que a lei 13.058/14 busque a adoção preferencial da guarda compartilhada em razão de esta ser o modelo que mais atenda aos interesses da criança e do adolescente é imperioso o reconhecimento de que genitores que não mantêm diálogo e uma relação espontânea de entendimento serão incapazes de exercê-la, o que acarretará sua revisão e transformação em guarda unilateral ou até a atribuição da guarda a terceiro que se mostre mais apto a atender aos interesses do menor.
Destarte merece destaque que a implementação da guarda compartilhada em nada interfere na obrigação alimentar uma vez que são institutos distintos, sendo certo que a guarda compartilhada tem por objetivo a custódia afetiva, emocional, pedagógica e psicológica dos filhos, que têm direito de serem educados por ambos os pais, enquanto a obrigação alimentar volta-se à manutenção material da prole.
Pontofinalizando reconhece-se a extrema importância da evolução legislativa trazidas para o Direito de Família com o advento da lei 11.698/08 e da lei 13.058/14, que em muito avançaram na proteção dos direitos da criança e do adolescente, notadamente pela abertura da possibilidade da convivência e educação do infante por ambos os genitores, contudo infelizmente é notório que a realidade fática em envolve o rompimento conjugal muitas vezes torna inviável sua aplicação.
Dessa forma cabe ao magistrado na análise do caso concreto atuar com muita cautela, valendo-se do auxílio de profissionais especializados, conforme também apontado pela lei, e decidir ou não pela guarda compartilhada, mesmo sendo essa o modelo legalmente adotado pela legislação, haja vista a flagrante possibilidade de que sua aplicação indevida em decisão restritamente legalista possa acarretar mais transtornos e prejuízos ao desenvolvimento da criança ou do adolescente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da parentalidade e da filiação assim como suas inter-relações jurídicas e psíquicas são institutos fundamentais do Direito de Família, e implicam o direito da criança e do adolescente a ter uma família, muito embora haja separação e ruptura de vínculos entre seus genitores.
A guarda conforme já apontado se apresenta como um dos desdobramentos do poder familiar e em muitos casos tem se mostrado um modo privilegiado de seu exercício diante do constante conflito travado entre os genitores. Dessa forma é forçoso admitir que muitas situações que envolvem a guarda dos filhos pressupõe-se o exercício disfuncional e desequilibrado do poder familiar.
No sistema jurídico civil brasileiro o primeiro registro de positivação da guarda compartilhada ocorreu com a lei 11.698/2008, seguida pela lei 13.058/2014, que mudaram os paradigmas das relações familiares, notadamente em seus aspectos complementares.
Da análise do arcabouço legal disciplinador da guarda compartilhada observa-se que essa é o modelo primordial de guarda adotado pela legislação brasileira restando clara suas vantagens em relação à guarda unilateral em razão da possibilidade flexibilização de seu exercício, notadamente diante da capacidade de comunicação entre os genitores e do julgamento prudente das necessidades dos filhos e da família com um todo.
Contudo situação espinhosa reside na aplicação guarda compartilhada quando existente litígio entre os genitores, hipótese não rara na prática forense. Na verdade, em pese a firmeza da lei, cabe ao juiz avaliar cada caso concreto, valendo-se da ajuda de profissionais especializados para averiguar com cautela a possibilidade e as vantagens da guarda compartilhada para a prole.
Dessa forma entende-se que para a solidificação da guarda compartilhada mais do que uma conduta estritamente legalista do Poder Judiciário exige-se a conscientização dos genitores quanto aos seus deveres e obrigações e quanto a necessidade atendimento do melhor interesse da criança e do adolescente.
Sem sombra de dúvida o espírito das leis 11.698/08 e 13.058/2014 volta-se à positivação a guarda compartilhada alinhando-a aos dispositivos da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo certo que mesmo anteriormente ao advento das normas em exame a guarda compartilhada já vinha sendo aplicada pelos tribunais pátrios.
Ademais em que pese as dificuldades a serem enfrentadas para a aplicação da guarda compartilhada é notório que essa em muito vem coibir a lastimável prática da alienação parental que há muito vem ceifando o relacionamento entre pais e filhos e fomentando a existência de um sociedade cada vez mais doente emocionalmente.
Ao longo do presente estudo buscou-se analisar o conceito da instituição família e sua evolução histórica, assim como a proteção garantida pela Constituição Federal à entidade familiar e à criança e ao adolescente.
Destarte paralelamente às normas constitucionais foram analisadas as modificações ocorridas no Direito de Família com a positivação da guarda compartilhada que, conforme já apontado, se efetivou através das leis 11.698/08 e 13.058/14.
No curso do trabalho foram analisadas as alterações implementadas no Código Civil pelas normas legais supra apontadas, que diante do pouco tempo de vigência ainda se mostram de escassa análise judicial.
Contudo, em que pesem as dificuldades a serem enfrentadas é inegável que a guarda compartilhada representa um decisivo avanço no cenário jurídico e social do Brasil, notadamente pelo fato de se voltar prioritariamente aos interesses e direitos dos filhos, que vinham sendo olvidados ainda que dispostos constitucionalmente.
Segundo a análise doutrinária a guarda compartilhada apresenta como principal ponto negativo a constante troca de residência da criança ou adolescente acarretando a falta de um ponto referencial para sua conscientização como pessoa em desenvolvimento, porém pode-se afirmar que tal inconveniente é superado quando comparado à oportunidade do filho em desfrutar da companhia de ambos os genitores, podendo se sentir abrigado e protegido nos dois lares.
Outrossim estando presente o diálogo entre os genitores e prevalecendo os interesses do filho a flexibilização decorrente da guarda compartilhada não será obstáculo para a plenitude do bem estar e desenvolvimento dos infantes, merecendo destacar que compartilhar a guarda não significa dividir milimetricamente o tempo do filho entre os pais.
Pontofinalizando como bem apontado pelo Código Civil o auxílio de profissionais especializados em muito contribuirá para a correta aplicação da guarda compartilhada em razão de que uma equipe multidisciplinar em muito tem a favorecer a coesão e o entendimento familiar, notadamente através do auxílio dos profissionais de psicologia e assistência social.
Assim entende-se que a guarda compartilhada objetiva o resgate do poder familiar e o exercício complementar das responsabilidades dele decorrentes, afastando a incidência da alienação parental e aproximando a ciência do Direito à realidade das relações sócio-familiares.
Dessa forma ainda que não possa ser aplicada de imediato a todos os casos submetidos ao crivo judicial é certo que com o estabelecimento do entendimento entre os genitores a guarda compartilhada muitos benefícios trará aos filhos, assim como aos pais e reflexamente a todo a comunidade social, que abrigará indivíduos mais equilibrados e bem desenvolvidos emocionalmente.
REFERÊNCIAS
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Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC/BARBACENA. Oficiala de Justiça - TJMG 2003/2010. Analista do Ministério Público de Minas Gerais 2010.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Fernanda Iatarola Barbosa. Guarda compartilhada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 mar 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49701/guarda-compartilhada. Acesso em: 22 nov 2024.
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