Introdução
É certo que liberdade e igualdade são conceitos chave para a compreensão do que vem a ser um modelo político de democracia, e se esta seria apenas um modelo político ou ainda, uma forma da vida social.
Uma das grandes e mais polêmicas questões se trata de como conceber liberdade e igualdade como categorias não contraditórias de um mesmo todo. A discussão é antiga e remonta aos primórdios tanto da Filosofia quanto da Ciência Política. Pensadores como Aristóteles, Stuart Mill, Maquiavel, Espinosa e Marx, de uma forma ou de outra, discutiram e trataram do tema em suas obras.
Desenvolvimento
Para Aristóteles, a Cidade democrática não se definiria pela igualdade, mas pela liberdade, pois os homens são tidos como iguais para participar do poder porque são livres, assim como numa aristocracia o valor que define a igualdade de participação é a nobreza e, na oligarquia, a riqueza.
Espinosa, por sua vez, entende que a democracia é livre porque é igualitária: o poder de cada um depende da potência do poder coletivo, da proporção entre o poder da potência soberana e o poder das potências individuais. A Cidade é tanto mais livre quanto mais o poder, sendo de todos, não possa ser de ninguém. A tirania constituiria uma forma política na qual o detentor do poder se identifica com o próprio poder. Na democracia, no entanto, ninguém poderia se identificar com o poder.
Tocqueville, ao analisar a recém-construída república norte-americana - para ele, um modelo pelo qual as repúblicas poderiam se pautar, “a imagem da democracia em si mesma” – identificou como fator primitivo e edificador da democracia a igualdade de condições. Na América estariam presentes os pressupostos da existência da democracia, quais sejam, o equilíbrio entre poderes, a liberdade, o respeito ao direito e, principalmente, a soberania popular, reconhecida nos costumes e proclamada pelas leis.
O grande problema para Tocqueville é que, enquanto a igualdade aparece naturalmente para a sociedade e pode ser sentida por todos, sem esforços, a conquista da liberdade exige sacrifícios e aparece apenas com o tempo. Assim, apesar de os povos democráticos gostarem da liberdade, presam pela igualdade – desejam a igualdade na liberdade, mas se não puderem obtê-la, irão deseja-la até na escravidão. A igualdade , assim, não implica necessariamente em instituições livres.
O grande medo de Toqueville? A tirania da maioria. O remédio? A liberdade de associação. Tanto na obra de Toqueville quanto nas de diversos outros autores, há uma grande valorização do sistema representativo eleitoral, como se este fosse suficiente para garantir o “governo do povo”. A concepção liberal de democracia se manifestaria apenas no processo eleitoral e sobretudo em caráter de representatividade.
Daí a grande importância que se dá aos partidos como forma de associação política livre do poder coletivo do indivíduo: pessoas com a mesma opinião unem-se em colégios eleitorais e nomeiam mandatários para representá-los com o objetivo de fazer prevalecer a sua doutrina.
Na prática, sabemos que a questão dos partidos não é simples assim, e, como bem aponta Marilena Chauí, tem de se levar em conta que o partido em si é uma espécie de microcosmo da sociedade. Isso quer dizer que dentro do próprio partido há aqueles que tem voz, e aqueles cuja voz é suprimida, de modo a homogeneizar um ponto de vista – muita vezes não há uma democracia interna no partido.
Por isso é que Chauí entende não ser suficiente discutir a democracia apenas como um sistema político, restringindo-se ao debate da liberdade e da igualdade. Para a autora, enquanto não levarmos em conta a questão da alienação, da divisão das classes para e pela exploração da mais-valia pelo Estado, não trataremos do Poder em si e, portanto, não passaremos à percepção da democracia como forma da vida social.
Mas porque se diz que a ênfase na igualdade conduziu ao socialismo e a ênfase dada à liberdade conduziu à social-democracia? Será que socialismo e democracia devem ser considerados separadamente? Chauí aponta para o perigo de, separando-se esses dois conceitos, cair na redução do processo histórico a um encadeamento linear de acontecimentos, aquilo que ela chama de “a visão linear da história”. Nesse sentido, a história seria apenas sucessão entre passado presente e futuro, unindo ou separando a democracia e o socialismo conforme as circunstâncias permitissem ou não.
Conclusão
A compreensão da história deve se dar como resultado do trabalho interno que a sociedade efetua sobre si. Dessa forma, o homem, nos moldes da dialética marxista, passa ser visto e se ver como um sujeito histórico e transformador, capaz de, criticamente, conformar suas ideias ao mundo e refletir a prática social da democracia. Assim, também, não se fará necessário separar a democracia e o socialismo, podendo-se entendê-los como a concretização um do outro, instados na liberdade e na igualdade.
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