Resumo: Cinge-se a presente discussão em analisar os motivos pelo qual houve a determinação da imunidade do art. 150, IV, d da Constituição Federal aos livros eletrônicos.
1 Introdução
O cerne da controvérsia diz respeito ao alcance da imunidade prevista no art. 150, VI, d da Constituição Federal.
Em 1º de fevereiro de 1987, a Assembleia Nacional Constituinte foi instalada. Comumente, a doutrina recorda que o Instituto dos Advogados de São Paulo encaminhou carta à Constituinte propondo que a imunidade abrangesse “livros, jornais e periódicos e outros veículos de comunicação, inclusive audiovisuais, assim como papel e outros insumos, e atividades relacionadas com a produção e a circulação”. Esse texto não foi adotado.
Não obstante isso, em 1988 foi promulgada a Constituição cidadã, a qual dispôs sobre a imunidade nos seguintes termos:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.
Como se vê do citado dispositivo, o constituinte retirou do âmbito da competência tributária da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios determinados bens, em relação aos quais não se permite a instituição de impostos.
Ou seja, o constituinte não objetivou conferir um benefício a editoras ou a empresas jornalísticas, mas sim imunizar o bem utilizado como veículo do pensamento, da informação, da cultura e do conhecimento.
Isto é, a aplicação da imunidade independe da pessoa que os produza ou que os comercialize; ou seja, não importa se se está diante de uma editora, uma livraria, uma banca de jornal, um fabricante de papel, um vendedor de livros, do autor ou de uma gráfica, pois o que importa à imunidade é o objeto e não a pessoa.
Essa orientação foi muito recentemente reafirmada pelo Plenário da Corte sob o rito da repercussão geral, no julgamento do RE nº 628.122/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, conforme mostra a ementa que segue:
“Recurso extraordinário. Repercussão geral da questão constitucional reconhecida. 2. Direito Constitucional e Tributário. 3. FINSOCIAL. Natureza jurídica de imposto. Incidência sobre o faturamento. 4. Alcance da imunidade prevista no art. 150, VI, d, da Constituição Federal, sobre livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão. Imunidade objetiva. Incidência sobre o objeto tributado. Na hipótese, cuida-se de tributo de incidente sobre o faturamento. Natureza pessoal. Não alcançado pela imunidade objetiva prevista no art. 150, VI, d, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento” (DJe 30/9/13).
Assim, fica evidente que se trata de imunidade objetiva.
2- Da extensão da imunidade dos livros, jornais e periódicos e o papel aos livros eletrônicos:
Perceba-se que, conexa à meta da neutralidade da imunidade, segundo a qual não se deve fazer distinção entre grupos econômicos, políticos etc., está a questão do conteúdo do objeto abrangido pela imunidade.
Embora, em um primeiro momento, seja correto afirmar que o conteúdo do livro é irrelevante para efeito da imunidade, ao se invocar a interpretação finalística, se esse não constituir veículo de ideias, de transmissão de pensamentos, ainda que formalmente possa ser considerado como tal, será descabida a aplicação da imunidade.
No RE nº 221.239/SP, Segunda Turma, DJ de 6/8/04, a Relatora a Ministra Ellen Gracie constatou ter a imunidade o escopo de evitar embaraços à liberdade de expressão bem como de facilitar “o acesso da população à cultura, à informação e à educação, com a redução do preço final”. Sendo este o fim da norma, concluiu ser o álbum de figurinhas uma “maneira de estimular o público infantil a se familiarizar com meios de comunicação impressos, atendendo, em última análise, à finalidade do benefício tributário”.
Seguindo essa orientação: RE nº 178.863/SP, Decisões monocráticas dos Ministros da Corte, levando em consideração o caráter de utilidade pública da publicação, têm reconhecido a imunidade em tela aos mapas impressos ou atlas geográficos (nesse sentido: RE nº 471.022/RS, Relator o Ministro Carlos Britto, DJe de 21/11/08; AI nº 641.746/SP, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 9/9/08; AI nº 620.136/SP, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 5/12/07).
Em outras palavras, tem-se voltado o olhar para a finalidade da norma, de modo a maximizar seu potencial de efetividade. Assim o foi na decisão de se reconhecerem como imunes: a) as revistas técnicas, em razão da importância de suas publicações e da grande circulação (RE nº 77.867/SP); b) a lista telefônica, por seu caráter informativo e sua utilidade pública (RE nº 101.441/RS); c) as apostilas, por serem simplificações de livros e veicularem mensagens de comunicação e de pensamento em contexto de cultura (RE nº 183.403/SP); d) os álbuns de figurinha,por estimular o público infantil a se familiarizar com os meios de comunicação impressos (RE nº 221.239/SP); e) mapas impressos e atlas geográfico, em razão de sua utilidade pública (RE nº 471.022/RS). A contrario sensu, não foram reconhecidos como imunes os calendários, por não serem veículos de transmissão de ideias (RE nº 87.633/SP).
Como se vê, é de se invocar, ainda, a interpretação evolutiva, método interpretativo específico das normas constitucionais apontado em obra doutrinária pelo Ilustre Ministro Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição. Saraiva, 137):
“O que é mais relevante não é a occasio legis, a conjuntura em que editada a norma, mas a ratio legis, o fundamento racional que a acompanha ao longo de toda a sua vigência. Este é o fundamento da chamada interpretação evolutiva. As normas, ensina Miguel Reale, valem em razão da realidade de que participam, adquirindo novos sentidos ou significados, mesmo quando mantidas inalteradas as suas estruturas formais”.
De modo sintético, uma vez que os fundamentos racionais que levaram à edição do art. 150, VI, d, da CF/88 continuam a existir mesmo, também deve-se levar a interpretação para os livros eletrônicos (e-book), pois há inequívocas manifestações do avanço tecnológico que a cultura escrita tem experimentado. Consoante a interpretação evolutiva da norma, conclui-se que eles estão inseridos no âmbito dessa imunidade tributária.
3- Conclusão:
Face ao exposto, tendo em vista que as mudanças históricas e os fatores políticos e sociais presentes na atualidade, seja em razão do avanço tecnológico, seja em decorrência da preocupação ambiental, justificam a equiparação do “papel”, numa visão panorâmica da realidade e da norma, aos suportes utilizados para a publicação dos livros.
Nesse contexto moderno, contemporâneo, portanto, a teleologia da regra de imunidade igualmente alcança os aparelhos leitores de livros eletrônicos, não sendo desarrazoada a decisão do RE 330.817 julgada em 08/03/2017 pelo STF.
4- Referências:
https://jota.info/tributario/livros-eletronicos-e-e-books-sao-imunes-de-tributos-08032017
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=337857
http://www.conjur.com.br/2017-mar-08/livros-eletronicos-tambem-imunidade-tributaria-decide-supremo?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook
PONTIERI, Alexandre. RE 330.817 STF posição contrária à extensão da imunidade tributária dos livros eletrônicos. Disponível em http://www.lfg.com.br - 18 de março de 2011.
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