RESUMO: O artigo tem como objetivo abordar a temática da assistência internacional na troca de informações tributárias e analisá-la em detrimento do direito fundamental ao sigilo de dados, em especial o sigilo bancário. Para tanto, busca-se expor o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca dos institutos a serem analisados.
PALAVRAS-CHAVE: assistência internacional, troca de informações, direitos fundamentais, sigilo de dados, sigilo bancário.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A assistência internacional na troca de informações tributárias. 3. O direito fundamental ao sigilo bancário no Brasil. 4. Considerações acerca da assistência internacional na troca de informações tributárias em confronto com o direito fundamental ao sigilo bancário. 5. Conclusões. 6. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Preliminarmente, antes de adentrar a temática que será abordada neste trabalho, cumpre ressaltar alguns aspectos introdutórios que são relevantes para o escorreito desenvolvimento do assunto.
O Direito Tributário Internacional costuma ser visualizado pelo seu objeto, isto é, em função das diversas situações que englobam a vida tributária internacional. O referido objeto tem por característica a homogeneidade, mas também possui caracteres de heterogeneidade.[1]
Nesse ponto, frise-se que a heterogeneidade é verificada no tocante à fonte normativa, à matéria e à natureza das normas de Direito Tributário Internacional.[2]
Sem dúvida, no que se refere à fonte do Direito Tributário Internacional, os tratados internacionais constituem os instrumentos de maior relevância, sendo neles previstas, em especial, as normas que tratam da dupla tributação e da evasão fiscal internacional, bem como a temática da colaboração administrativa em matéria de tributos.[3]
Mais especificamente no que concerne à colaboração administrativa em matéria de tributos, importante salientar o instituto da troca internacional de informações tributárias.
2. A ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL NA TROCA DE INFORMAÇÕES TRIBUTÁRIAS
A assistência internacional na troca de informações tributárias tem como objetivo propiciar o acesso de Estados estrangeiros a elementos informativos que não poderiam ser por eles visualizados sem que houvesse violação à soberania estatal do Estado fornecedor das informações requisitadas.[4]
Outrossim, a troca de informações goza de grande eficácia no que se refere à prevenção de fraudes e da evasão fiscal internacional, sendo considerada um instituto de grande relevância para o desenvolvimento da cooperação internacional.[5]
Por oportuno, há de se ressaltar que, diante da ausência de instrumentos de coercibilidade hábeis a fazer com que o indivíduo forneça informações ao Estado estrangeiro que as requisita, torna-se necessária uma postura ativa do Estado em que se localiza a informação no sentido de fornecer os elementos requisitados.[6]
Igualmente, importa expor que a expressão “troca” não representa uma troca propriamente dita, o que ocorreria com uma prestação mediante o adimplemento de uma contraprestação, mas sim a existência de um acordo internacional que permite o fornecimento de informações relativas ao interesse tributário dos Estados estrangeiros que firmaram o pacto.[7]
A assistência internacional na troca de informações dar-se-á por intermédio de instrumentos administrativos, isto é, não judiciais, uma vez que para estes seria necessária a homologação de sentenças estrangeiras ou o cumprimento de cartas rogatórias, expedientes que não seriam ágeis e eficazes na busca das informações tributárias requisitadas.
No ensejo, ainda no que pertine à assistência administrativa, ressalta-se a existência de convenção multilateral elaborada pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico – OCDE e pelo Conselho Europeu, cujo objetivo é justamente estimular a cooperação internacional sem desprezar o respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos.[8]
Vale mencionar, ainda, que a troca de informações fiscais pode ocorrer por intermédio das três modalidades desse instituto: a troca de informações por requisições ou a pedido; a troca de informações automática; e a troca de informações espontânea.
A troca de informações por requisição ou a pedido consiste na conduta de o Estado solicitante, diante de suspeita de fraude ou ilegalidade levadas a efeito por determinado contribuinte, requisitar informações ao outro Estado para que, de posse dos elementos fornecidos, possa verificar se houve ou não a ocorrência da ilegalidade.
Nessa modalidade, o pedido encaminhado pelo Estado solicitante deve indicar precisamente os dados e fatos concretos, bem com as informações que deseja receber.[9]
Por outro lado, na modalidade de troca de informações automática, os elementos informativos são repassados automaticamente de um Estado para o outro no desenvolvimento regular de suas atividades administrativo-tributárias, isto é, de forma rotineira.[10]
Em outro vértice, no que tange à modalidade de troca de informações espontânea, esta se verifica pelo repasse de informações de um Estado a outro sem qualquer solicitação, em decorrência de trabalho fiscalizatório realizado pela Administração Tributária local.[11]
Por fim, frise-se que a resistência ou a negativa de um determinado Estado em prestar as informações requisitadas por outro Estado pode ensejar a violação ao tratado que estabeleceu a norma de assistência e, consequentemente, a sua denúncia, sem prejuízo de responsabilização internacional.[12]
Não obstante, há hipóteses que ensejam a recusa legítima no fornecimento de informações. Nessa linha, leciona Xavier:
[...] São essencialmente quatro os motivos de recusa legítima da prestação de informações pelo Estado requerido: (i) a tributação a que a informação respeita ser contrária à convenção contra a dupla tributação (§ 1º in fine); (ii) a informação supor medidas administrativas não previstas na lei na prática quer do Estado requerido, quer do Estado requerente; (iii) a informação não ser suscetível de obtenção à sombra das leis ou da prática administrativa tanto do Estado requerido, quanto do Estado requerente; (iv) a informação poder revelar qualquer segredo negocial, empresarial, industrial, comercial, ou profissional ou ainda um processo comercial; e (v) a revelação da informação ser contrária à ordem pública (§3º). [...][13]
A partir da lição acima transcrita, percebe-se que a exigência de fornecimento de informações em face de determinado Estado não é ilimitada, havendo motivos hábeis a justificar a recusa em prestar tais elementos informativos, dos quais se destaca a possibilidade de recusa de informações quando a sua obtenção for contrária ao ordenamento jurídico.
Assim sendo, surge a necessidade de se analisar a temática relativa ao direito fundamental ao sigilo bancário, que é previsto em nosso ordenamento jurídico e, portanto, passível de obstar, justificadamente, o fornecimento de informações por parte do Estado requerido.
3 O DIREITO FUNDAMENTAL AO SIGILO BANCÁRIO NO BRASIL
De início, cumpre ressaltar que, malgrado a constante renovação dos direitos fundamentais fazer crer que essa temática é recente nos estudos do Direito, noticia-se que o conteúdo dos direitos fundamentais possui origem na concepção do direito natural e do homem nos seculares estudos da filosofia cristã.[14]
Modernamente, entende-se que o avanço do Direito Constitucional encontra sedimentação na própria evolução dos direitos fundamentais, notadamente no que se refere à explanação de tais direitos na Carta Constitucional e no âmbito de proteção que circunda a dignidade da pessoa humana.[15]
No mesmo vértice, sustenta-se que os direitos fundamentais passam a encontrar posição de destaque no âmbito social a partir do momento em que a relação tradicional entre o Estado e o indivíduo se inverte, o que enseja o reconhecimento de direitos e, depois, dos deveres que o sujeito possui para com o Estado.[16]
Lado outro, há grande discussão se os direitos fundamentais seriam sinônimos dos intitulados direitos humanos. No entanto, prevalece na melhor doutrina o entendimento que as classes supracitadas se separam no plano de positivação. Enquanto os direitos fundamentais são exigíveis no plano interno do Estado, os direitos humanos são positivados nos instrumentos internacionais.[17]
A título de conceituação, importante destacar que os direitos fundamentais são direitos público-subjetivos dos indivíduos que, a partir do texto constitucional, possuem a função de limitar o poder estatal exercido em face da liberdade individual.[18]
Lembre-se, ainda, que, segundo a doutrina moderna, há falar também em eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, a qual recebe a denominação de eficácia horizontal ou privada dos direitos fundamentais.[19] Entretanto, essa visão não será abordada neste artigo.
Não obstante, uma das questões mais importantes a serem destacadas sobre o tema é aquela relativa às dimensões ou funções subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais.
A função ou dimensão subjetiva dos direitos fundamentais guarda íntima relação com a posição abstencionista do Estado, isto é, com o direito de o indivíduo se contrapor ao interesse intervencionista estatal. Trata-se, claramente, de dimensão com raízes na teoria liberal dos direitos fundamentais.[20]
Outrossim, frise-se que a função subjetiva também está, por vezes, ligada à atuação positiva do Estado, notadamente quando o indivíduo adquire determinado direito que pressupõe ação estatal, do que decorre a proibição de omissão do Estado.[21]
A dimensão objetiva dos direitos fundamentais, por sua vez, tem como característica principal ser efetivada aos titulares independentemente da vontade deles.[22] No que se refere a essa dimensão (ou função) objetiva dos direitos fundamentais, impende verificar alguns aspectos importantes.
Em primeiro lugar, tem-se que os direitos fundamentais, em sua função objetiva, apresentam normas de competência negativa, ou seja, as liberdades do sujeito são extraídas do âmbito do Estado independentemente de qualquer provocação por parte do indivíduo. Veja que, embora tal caráter pareça aproximar essa função daquela de cunho subjetivo, não faz com que ela perca a sua natureza.[23]
Em segundo, extrai-se da dimensão objetiva dos direitos fundamentais importante critério de interpretação e configuração do direito infraconstitucional, segundo o qual as normas inferiores àquelas previstas no Texto Constitucional devem com estas guardar compatibilidade, constituindo o que se conhece como eficácia irradiante dos direitos fundamentais.[24]
Por outro lado, em terceiro plano, tem-se que a dimensão objetiva permite que os titulares dos direitos fundamentais limitem os próprios direitos quando isso for de seu interesse, o que ocorreria mediante intervenção estatal fundamentada no fato de que o sujeito do direito ficará mais bem protegido se não o exercer naquelas circunstâncias.[25]
Em último lugar, vislumbra-se a partir da dimensão objetiva dos direitos fundamentais o dever estatal de tutela dos direitos fundamentais.[26]
Nesse sentido, diante das características apresentadas, percebe-se que os direitos fundamentais não devem ser visualizados apenas como garantias negativas (abstencionistas) ou de prestações positivas para o exercício das liberdades. A dimensão objetiva serve de verdadeiro vetor a ser observado pelo Poder Público e pelos particulares, atuando como reforço de juridicidade dos direitos fundamentais.[27]
Ultrapassada essa digressão teórica acerca dos direitos fundamentais, a qual demonstra as principais características dos referidos direitos, vale ressaltar especificamente o direito fundamental ao sigilo bancário. Nesse ínterim, imperioso ressaltar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XII, estabelece que:
Art. 5º. [...]
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
A partir do dispositivo acima transcrito, percebe-se que a Constituição buscou proteger os dados do indivíduo (bancários, inclusive) no tocante a qualquer violação ou ameaça de violação. No entanto, assim como os demais direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, essa inviolabilidade não é absoluta, podendo ser afastada, em regra, por decisão judicial.
Dessa forma, percebe-se que, embora a Constituição guarneça o sigilo bancário de eventuais violações, é possível que ele, em determinadas situações, seja afastado. Ademais, é possível que o sigilo bancário seja relativizado inclusive por instrumentos outros que não as decisões judiciais.
Sobre o tema, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é assente no tocante à possibilidade de a Comissão Parlamentar de Inquérito, no exercício de poderes de investigação próprios de autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário:
[...] A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita a investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique, com apoio em base empírica idônea, a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária. [...][28]
No mesmo sentido, o STF já decidiu que, apesar de o Ministério Público não poder, em regra, quebrar o sigilo bancário, poderá, excepcionalmente, ter acesso a dados bancários quando se tratar de caso envolvendo verbas públicas:
[...] 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6. No caso concreto, os empréstimos concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os realizou na condição de executor da política creditícia e financeira do Governo Federal, que deliberou sobre sua concessão e ainda se comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica ao setor produtivo, de acordo com a Lei nº 8.427/1992. [...][29]
Não obstante, a discussão mais importante a respeito do sigilo bancário engloba a edição da Lei Complementar nº 105/2001, a qual permite, em seu art. 6º, que as autoridades tributárias procedam ao exame de registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósito e aplicações financeiras dos contribuintes.
Dessa feita, sobre a constitucionalidade, ou não, do art. 6º da LC 105/2001, o STF modificou sua jurisprudência no sentido de reconhecer que esse repasse de informações dos bancos para o Fisco não pode ser considerado “quebra de sigilo bancário”. Até porque, permanece o sigilo nas informações passadas, já que não ocorre uma devassa a terceiros, configurando, tão logo, mera “transferência de sigilo” dos bancos ao Fisco:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01. 1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo. 2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira. 3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo. 4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. 5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional. 6. Fixação de tese em relação ao item “a” do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: “O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”. 7. Fixação de tese em relação ao item “b” do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: “A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN”. 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.[30]
Assim, verifica-se que estando o direito ao sigilo bancário alçado à condição de direito fundamental, isto é, direito público-subjetivo dos indivíduos com função de limitar o poder estatal, somente poderá ser afastado em situações excepcionais, como, por exemplo, naquelas reconhecidas pela legislação e pela jurisprudência.
4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL NA TROCA DE INFORMAÇÕES TRIBUTÁRIAS EM CONFRONTO COM O DIREITO FUNDAMENTAL AO SIGILO BANCÁRIO
De acordo com o que já foi exposto neste trabalho, a assistência internacional na troca de informações tributárias busca propiciar o acesso de Estados estrangeiros a elementos que estejam, em razão da soberania estatal, com alcance restrito ao Estado requerido. Isso ocorre com vistas a evitar fraudes e evasão fiscal internacional.
Não obstante, entende-se que o fornecimento de informações não pode ser irrestrito, sobretudo quando a prática puder ensejar violação ao ordenamento jurídico do Estado requerido.
Nesse ínterim, verifica-se a importância da questão do direito fundamental ao sigilo bancário, pois, conforme já frisado, esse direito revela importante limitação ao exercício do poder estatal, podendo ser afastado somente em situações excepcionais, dentre as quais certamente não está o interesse do Estado estrangeiro em coibir possível evasão tributária praticada em seu desfavor.
Com efeito, no ano de 2005 houve a inclusão do §5º no art. 26 da Convenção Modelo da OCDE, por meio do qual se determinou a vedação de o Estado requerido deixar de prestar informações sob o fundamento de estar o elemento de informação protegido pelo sigilo bancário resguardado em legislação interna. Ocorre que essa inovação não foi incluída nos tratados firmados pelo Brasil, embora haja grande pressão da OCDE no sentido de que os países adaptem as suas leis internas para resguardar a aplicação de tal mandamento.[31]
Por outro lado, importante precedente acerca do tema ora em debate relaciona-se com o “Acordo Brasil - Estados Unidos para o intercâmbio de informações relativas a tributos”.
Durante o processo de internalização do referido acordo, mais precisamente na fase de análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, o relator ofertou parecer contrário ao texto, porquanto vislumbrou inconstitucionalidade formal e material da norma analisada.
No que se refere ao conteúdo do acordo, asseverou o relator:
[...] O sigilo de correspondências, comunicações telegráficas e de dados, bem como das comunicações telefônicas é igualmente assegurado, salvo este último caso para fins de investigação criminal (Incs. X e XII do Art. 5º da CF), e desde que antecedido de autorização judicial. De se recordar que o Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou sobre a extensão do sigilo bancário à luz da ordem constitucional, mais uma razão pela qual as autoridades fazendárias brasileiras não poderiam comprometer o Brasil a cumprir obrigações, no TIEA, que possivelmente lhe são vedadas. [...][32]
Não obstante o parecer contrário, a Comissão aprovou o texto do citado acordo de troca de informações relativas a tributos. Como se observa do julgamento do RE 601.314/SP e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2390, 2386, 2397 e 2859, a Suprema Corte firmou a constitucionalidade do art. 6º da LC 105/2001, resguardando o poder conferido ao Fisco de obter informações sobre movimentações financeiras, sem autorização judicial.
Em que à superação jurisprudencial operada com o julgamento das ações constitucionais e do recurso referidos, a situação ora em exame vai além do que foi decidido pelo STF. Ora, no caso julgado pelo Tribunal pátrio, não ficou acertado ser legítima a conduta de repassar informações bancárias a Estados Estrangeiros por intermédio das Autoridades Tributárias locais. Ao contrário, o que se admitiu foi a transferência desse sigilo entre os bancos e o Fisco brasileiro, não se cogita que com o julgamento referido tenha-se agasalhado o entendimento favorável aos Estados estrangeiros.
Ao se analisarem os acordos que tratam da troca de informações, é facilmente percebida a violação à supremacia da Constituição e o desrespeito à regra da eficácia irradiante dos direitos fundamentais, pois se acaba por amesquinhar o direito fundamental ao sigilo de dados, tendo em vista que o acesso a dados bancários do indivíduo, o que somente seria admissível, repise-se, em situações excepcionais, passa a ser a regra no sistema positivado.
Como regra excepcional, deve-se interpretá-la restritivamente, não sendo admissível valer da modificação jurisprudencial para se legitimar prática que sequer foi albergada pela tese jurídica envolta nos julgados supracitados. Ademais, a República Federativa do Brasil tem como fundamento a soberania, de acordo com os precisos termos do art. 1º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, não se mostrando lícita que Estados Estrangeiros invadam a esfera de intimidade dos cidadãos brasileiros, sem lei que os embase ou entendimento jurisprudencial nesse sentido.
5. CONCLUSÕES
Os tratados internacionais constituem uma das mais importantes fontes do Direito Tributário Internacional. A partir desses instrumentos, verificam-se, por vezes, acordos que visam a assistência internacional na troca de informações relativas a tributos entre Estados estrangeiros, objetivando, notadamente, prevenir e reprimir eventuais fraudes e a evasão tributária internacional.
Com efeito, tais instrumentos são de grande relevância ao fim colimado. No entanto, é necessário verificar que a troca de informações e o interesse dos Estados em evitar a evasão de tributos não pode se sobrepor a determinados mandamentos constitucionais que estejam positivados no Estado requerido ou no Estado requerente.
Nessa linha, surge a discussão do direito fundamental ao sigilo bancário, que, no Brasil, encontra-se positivado no art. 5º, XII, da Constituição Federal de 1988.
O Supremo Tribunal Federal tem admitido, em hipóteses excepcionais, o afastamento do sigilo bancário, inclusive, com o julgamento do RE 601.314/SP, entendeu ser possível a relativização do referido sigilo pela autoridade tributária brasileira, ao declarar a constitucionalidade do art. 6º da LC 105/2011.
Em que pese tenha havido superação jurisprudencial nesse tocante, tem-se que a tese jurídica firmada no julgamento referido, em sede de repercussão geral, de maneira alguma agasalhou a possibilidade da troca internacional de informações tributárias quando houver a necessidade de quebra de sigilo bancário, pois ausente norma autorizativa que legitime essa prática, sendo certo que apenas se admite a transferência de sigilo entre os bancos e as Autoridades Tributárias locais.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 62.
[2] Ibidem, p. 62-63.
[3] Idem, 67.
[4] XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 661.
[5] CALDERÓN CARRERO, José Manuel. Intercambio de información y fraude fiscal internacional. Madrid: CEF, 2000, p. 31.
[6] XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 662.
[7] Ibidem, p. 663.
[8] TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 679.
[9] LIMA, Carlos Henrique Falcão de. As trocas de informações fiscais entre Estados estrangeiros na prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2011, p. 32.
[10] Ibidem, p. 33.
[11] Ibidem, p. 33.
[12] XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 663.
[13] XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 668.
[14] MARITAIN, Jacques. Los derechos del hombre. Madrid: Biblioteca Palavra, 2001, p. 69.
[15] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 153.
[16] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 155.
[17] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 30-31.
[18] DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 40.
[19] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 383.
[20] DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 110.
[21] DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 111.
[22] Ibidem, p. 111.
[23] Idem, p. 112.
[24] Idem, p. 112.
[25] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 266.
[26] DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 114.
[27] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 164-165.
[28] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 23.652. Impetrante: José Aleksandro da Silva. Impetrado: Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI do Narcotráfico). Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 22 de novembro de 2000. STF, Brasília, 2014. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86000>. Acesso em: 15 de junho de 2014.
[29] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 21.729. Impetrante: Banco do Brasil S/A. Impetrado: Procurador-Geral da República. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, DF, 5 de outubro de 1995. STF, Brasília, 2014. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub /paginador.jsp?docTP=AC&docID=85599>. Acesso em: 15 de junho de 2014.
[30] RE 601314, Relator: Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-198 Divulg 15-09-2016 Public 16-09-2016.
[31] XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 669.
[32] BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Projeto de Decreto Legislativo nº 413/2007. Relator: Deputado Regis de Oliveira. Brasília, DF, 3 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_ mostrarintegra?codteor=596614&filename=VTS++CCJC+%3D%3E+PDC+413/2007>. Acesso em: 15 de junho de 2014.
Ensino Superior Completo - Universidade de Brasília (UnB). Cargo de Técnico Judiciário Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIAU, Priscila Helena Soares. Troca internacional de informações tributários e o direito fundamental ao sigilo bancário: superação jurisprudencial limitada ao âmbito interno Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50185/troca-internacional-de-informacoes-tributarios-e-o-direito-fundamental-ao-sigilo-bancario-superacao-jurisprudencial-limitada-ao-ambito-interno. Acesso em: 22 nov 2024.
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