Prof° Mestre: Rodrigo Soncini de Oliveira Guena
(orientador)[1]
RESUMO: Diante da busca pela igualdade de direitos entre jovens e idosos, a fim de que se possa exercer o direito civil de forma plena, o presente artigo visa debater a restrição imposta pelo Código Civil, que constrange às pessoas com mais de setenta anos com regime legal de separação de bens. O legislador entendeu estar protegendo o idoso ao tomar essa medida, porém tal proteção tem cunho essencialmente patrimonialista. A problemática tratada neste tema é justamente se a terceira idade pode ser considerada um fator que gera incapacidade para os atos da vida civil plena, se é justamente por ter uma idade avançada que a pessoa deve ter seus direitos suprimidos quando quiser se casar. Um dos pontos que também serão tratados neste artigo é a identificação do idoso na sociedade.
Palavras-chave: Idoso, casamento, proteção, liberdade e idade.
ABSTRACT: Faced with the search for equal rights between young and old, in order to fully exercise civil law, this article aims to discuss the restriction imposed by the Civil Code, which constrains people over seventy years old with legal status of separation of assets. The legislator understood to be protecting the elderly in taking this measure, but such protection is essentially patrimonialist. The problem dealt with in this topic is precisely whether the third age can be considered a factor that generates incapacity for the acts of full civilian life, if it is precisely because of the advanced age that the person should have his rights suppressed when he wants to marry. One of the points that will also be addressed in this article is the identification of the elderly in society.
Keywords: Elderly, marriage, protection, freedom and age.
INTRODUÇÃO
O interesse pela temática escolhida ocorreu com o fito de abordar e esclarecer dúvidas acerca da disposição de lei que traz obrigatoriamente o regime de separação total dos bens entre pessoas com mais de setenta anos que atinge não somente o direito dos idosos, como também fere os direitos inerentes à pessoa humana.
Um dos aspectos que incentivaram o estudo pelo tema é o fato de que o país logo será um país de idosos e, sendo assim, essa imposição constrangerá o direito da maior parte da população, o que de certa forma trará instabilidade econômica e jurídica.
Este artigo científico teve por base pesquisas em sites e em livros da área jurídica e em códigos que regulamentam os procedimentos adequados da jurisdição, como forma de trazer o que há de novo na atualidade.
Assim, faz-se urgente o aprofundamento neste tema, visto que as mudanças já estão acontecendo, sendo que tal proteção que a lei prevê, em curto prazo, será excessiva demais, ao interferir no direito dos idosos, desrespeitando sua autonomia, o que é direito inerente ao ser humano.
1. REGIME DE BENS: CÓDIGO CIVIL DE 2002
O Código Civil trata do patrimônio das pessoas ao regular o regime de bens entre os cônjuges e, sendo assim, ao tratar de pessoas com mais de setenta anos foi imposto o regime de separação total de bens.
Dessa maneira, tal medida gerou várias discussões a respeito do tema e um dos fundamentos dessa proteção excessiva é a de que o Código Civil protege somente o patrimônio das pessoas, assim como reza o artigo 1.641, do referido Código:
Art. 1.641. É obrigatório o regime de separação de bens no casamento: I- das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento II- da pessoa maior de setenta anos e III- de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Quanto a essa imposição, Paulo Lôbo afirma que:
O regime obrigatório de bens é tipicamente um ônus: a pessoa, incluída em alguma das três hipóteses legais, escolhe entre casar ou não casar; se prefere casar, deverá suportar o ônus do regime obrigatório de bens. (2017, página 305)
Conforme Paulo Lôbo é imposto um ônus ao casal que desrespeitar as causas suspensivas, como um meio indireto de punição, que será, no caso, a imposição do regime de bens.
Observa-se que essa tese confirma que o direito visa proteger o patrimônio das pessoas, uma vez que em seu conceito fica muito claro que o direito se preocupa com os bens do cidadão, pois assim garante a economia e o preserva de uma possível fraude ou prejuízo maior contra terceiros.
Em outras palavras, o direito possui um controle nos bens dos casais para que esses bens não fiquem sem titular, ficando assim, passível de fraude, o que em parte explica a preocupação do legislador com o patrimônio dos idosos.
Percebe-se que o fato de o idoso não poder escolher o regime de bens é uma medida que inibe os desejos dos nubentes, pois estão sujeitos a uma sanção patrimonial, uma vez que o legislador entendeu que em tais casos não é aconselhável o casamento e, por tal razão, tornou obrigatório o regime de separação total de bens para os idosos.
2. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O direito de família é baseado em princípios norteadores, que são aqueles que estruturam e fundamentam o direito, pois a Lei não poderia solucionar todos os casos sem nenhum apoio, seja ele por meio de jurisprudência, doutrina ou princípios.
E, sendo assim, um dos princípios norteadores do Direito de Família é o da dignidade da pessoa humana, que é aquele que protege o ser humano, conferindo-lhe extensa proteção e que está previsto na Constituição Federal. Assim, como melhor descreve Dimas Messias de Carvalho:
Ao conferir valor maior à proteção da pessoa humana, a Constituição federal, elegeu os valores sociais dominantes, como fundamentais, exigindo a aplicação dos princípios aos casos concretos para viabilizar o alcance da dignidade humana nas relações jurídicas, ultrapassando as concepções estritamente positivistas. (2017, página 62)
O princípio da dignidade da pessoa humana é, então, um princípio fundamental que faz o intérprete da lei compreender os direitos do ser humano além do que está na própria lei.
Então, para a maioria dos doutrinadores, a referida imposição ofende o princípio da dignidade humana. Assim como leciona Carlos Roberto Gonçalves (2017, página 639): “A imposição do regime da separação legal, nesses casos, é de duvidosa constitucionalidade, por ofender o princípio da dignidade humana”.
O princípio da dignidade da pessoa humana tem um grande impacto jurídico, pois é o que impede qualquer tipo de discriminação em relação ao ser humano, e quanto aos idosos, obviamente, não seria diferente.
2.1. AUTONOMIA PRIVADA
O princípio da autonomia privada consiste em dar poderes aos particulares, no intuito de lhes preservar o direito de exercer a própria vontade, de acordo com cada situação jurídica. É expresso na Constituição Federal, especificamente no princípio da liberdade da iniciativa econômica e na liberdade contratual.
A autonomia privada concede o poder de modificar, extinguir ou criar situações jurídicas próprias ou de terceiros desde que observando os limites que o poder jurídico estabelece.
É evidente que não se tem disposição de ordem pública que torne o maior de setenta anos como incapaz de cuidar de seu próprio patrimônio nem norma que o torne incapaz simplesmente pela idade, mesmo assim sua autonomia privada é restringida no momento da escolha do regime de bens, já que não importa a sua vontade.
2.2. PRINCÍPIO DA LIBERDADE
O princípio da liberdade é fundamental, pois é o que dá total liberdade, como o próprio nome denuncia, de constituir família da forma que desejar, ou seja, ele confere total liberdade para se planejar a formação da família, sem qualquer restrição, apenas fundado na faculdade de escolha do casal. Conforme bem fundamenta Dimas Messias de Carvalho:
A liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar, fundada no afeto, na solidariedade, no companheirismo entre seus membros, descentralizada da figura única do casamento, valoriza o relacionamento afetivo e a felicidade das pessoas. (2017, página 68)
Para esse princípio, o mais importante é o afeto, o desejo de construírem uma família, ou seja, a prioridade é a felicidade das pessoas.
A doutrina em peso refuta a justificativa do legislador que, ao impor essa restrição, entendeu estar protegendo os idosos, sendo que essa decisão na verdade tira a liberdade de expressão e vontade dos idosos.
No mesmo sentido, afirma Paulo Lôbo:
A norma que impede aos maiores de 70 anos liberdade de escolha do regime de bens cria, indiretamente, uma incapacidade, de exercício de direito, sem o devido processo legal. (2017, página 306)
Existe um atrito entre o princípio da autonomia privada, que nada mais é do que a representação da liberdade, com o dispositivo que restringe a liberdade dos idosos, bem como se pode observar que tal dispositivo também se opõe ao Estatuto do idoso, que também lhe confere proteção e dignidade.
Já os princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, que são previstos expressamente na Constituição Federal, também são bases que refutam a restrição do Código Civil.
Em se tratando de direitos e garantias essenciais, a Constituição traz no caput do art. 5° que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e assegura inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Já o artigo 1°, III, da Constituição, prevê como um dos Fundamentos da República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana e, no artigo 3°, estabelece como um dos objetivos fundamentais a promoção do bem a todas as pessoas, sem qualquer seleção.
Sendo assim, quando um dispositivo de lei confrontar com os princípios e os ditames constitucionais, não deve ser recepcionado, uma vez que não deve vigorar diante da afronta à lei maior.
Assim, vê-se que, no caso de imposição do regime de separação total de bens em razão da idade, há uma grave ofensa aos princípios constitucionais, na medida em que suprimem da pessoa maior de setenta anos a opção, autonomia e a livre opção para determinar o regime de bens que reputar mais adequado para fundar seu casamento, tratando-a como se fosse incapaz, ainda que não esteja em nenhuma das hipóteses de incapacidade civil.
O Supremo Tribunal Federal editou uma súmula a respeito do regime de separação total de bens, em que diz:
Súmula 377: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.
Essa súmula gerou várias discussões na doutrina, em relação à sua aplicabilidade no caso concreto, vez que muitos entendem estar revogada. Mas o que a súmula traz é que somente os bens adquiridos no casamento é que serão partilhados com o cônjuge, ou seja, todos os bens adquiridos durante o matrimônio presumem-se adquiridos pelo comum esforço.
No mesmo sentido aduz Carlos Roberto Gonçalves:
No princípio essa súmula foi aplicada com amplitude. Posteriormente, no entanto, a sua aplicação ficou restrita aos bens adquiridos pelo esforço comum dos cônjuges, reconhecendo-se a existência de uma verdadeira sociedade de fato. (2017, página 653)
Os tribunais também vêm se mostrando contra essa imposição, mais especificamente em casos que o casamento é precedido de união estável, conforme jurisprudência a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL - PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - MODIFICAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS - SENTENÇA QUE DECLAROU EXTINTO O PROCESSO POR AUSÊNCIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO - LEGITIMIDADE E INTERESSE PARA PLEITEAR A RESPECTIVA ALTERAÇÃO, QUE ENCONTRARIA RESPALDO NO ART. 1.639, § 2º, DO CC - MATRIMÔNIO CONTRAÍDO QUANDO OS INSURGENTES POSSUÍAM MAIS DE 60 (SESSENTA) ANOS DE IDADE - SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS - PRETENDIDA MODIFICAÇÃO PARA O REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO CÓDIGO CIVIL E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CONCLUSÃO DE QUE A IMPOSIÇÃO DE REGIME DE BENS AOS IDOSOS SE REVELA INCONSTITUCIONAL - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - LEGISLAÇÃO QUE, CONQUANTO REVESTIDA DE ALEGADO CARÁTER PROTECIONISTA, MOSTRA-SE DISCRIMINATÓRIA - TRATAMENTO DIFERENCIADO EM RAZÃO DE IDADE - MATURIDADE QUE, PER SE, NÃO ACARRETA PRESUNÇÃO DA AUSÊNCIA DE DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DOS ATOS DA VIDA CIVIL - NUBENTES PLENAMENTE CAPAZES PARA DISPOR DE SEU PATRIMÔNIO COMUM E PARTICULAR, ASSIM COMO PARA ELEGER O REGIME DE BENS QUE MELHOR ATENDER AOS INTERESSES POSTOS - NECESSIDADE DE INTERPRETAR A LEI DE MODO MAIS JUSTO E HUMANO, DE ACORDO COM OS ANSEIOS DA MODERNA SOCIEDADE, QUE NÃO MAIS SE IDENTIFICA COM O ARCAICO RIGORISMO QUE PREVALECIA POR OCASIÃO DA VIGÊNCIA DO CC/1916, QUE AUTOMATICAMENTE LIMITAVA A VONTADE DOS NUBENTES SEXAGENÁRIOS E DAS NOIVAS QUINQUAGENÁRIAS - ENUNCIADO Nº 261, APROVADO NA III JORNADA DE DIREITO CIVIL, QUE ESTABELECE QUE A OBRIGATORIEDADE DO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS NÃO SE APLICA QUANDO O CASAMENTO É PRECEDIDO DE UNIÃO ESTÁVEL INICIADA ANTES DE OS CÔNJUGES COMPLETAREM 60 (SESSENTA) ANOS DE IDADE - HIPÓTESE DOS AUTOS - APELANTES QUE CONVIVERAM COMO SE CASADOS FOSSEM NO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE 1964 E 2006, QUANDO CONTRAÍRAM MATRIMÔNIO - CONSORTES MENTALMENTE SADIOS - PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DE SE ADMITIR A PRETENDIDA ALTERAÇÃO - SENTENÇA OBJURGADA QUE, ALÉM DE DENEGAR INDEVIDAMENTE A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, REVELA-SE IMPEDITIVA DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA - DECISUM CASSADO - REGIME DE BENS MODIFICADO PARA O DE COMUNHÃO UNIVERSAL - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
No caso narrado, o Tribunal decidiu brilhantemente com uma interpretação sistemática e uma visão futurista o caso concreto, sendo certo que a decisão de um tribunal dá um grande impacto e causa várias indagações, o que chama atenção para essa inconstitucionalidade.
Contudo, diante dessa nova fase social, todos, sem exceção, têm o direito de escolher como quer formar a sua família, pois a Constituição abarca todas as famílias, sem discriminação.
3. POSSÍVEL REVOGAÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇÃO
O Poder Judiciário tem se mostrado contrário ao regime de separação de bens, bem como a doutrina também se posiciona contra tal norma, pois viola os princípios que são pilares de nossa Constituição.
Pode-se dizer que alguns tribunais brasileiros vêm adotando e acolhendo a tese da inconstitucionalidade do regime legal de separação de bens fundado na idade. E, no mesmo sentido, o Conselho da Justiça Federal, por meio da I Jornada de Direito Civil, enunciado n° 125, propôs a revogação do dispositivo, mediante a seguinte justificativa:
A norma que torna obrigatório o regime de separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração a alteração da expectativa de vida com qualidade, que se tem alterado drasticamente nos últimos anos.
Assim, é possível vislumbrar as perspectivas de revogação do referido regime de bens, com vistas a extinguir do nosso ordenamento jurídico tal restrição que, na verdade, é discriminatória e seletiva. Isso porque é como se indicasse quem pode ou não casar e com quem se deve casar, o que se mostra um retrocesso no ordenamento jurídico, que de certa forma precisa ser mudado.
Entende-se que sob o argumento de proteção ao maior de setenta anos, a regra imposta pela lei parte do pressuposto de que a idade, por si só, diminui o discernimento da pessoa, tornando-a facilmente suscetível de ser enganada.
No entanto, nem sempre foi de setenta anos a idade imposta para o regime de separação total. No Código de 1916, seu artigo 258, II, já previa a obrigatoriedade de separação de bens por causa da idade para as mulheres com mais de 50 e para os homens com mais de 60, porém não foi recepcionado pelo novo código de 2002, pois refletia o cunho patrimonialista e machista de tal imposição.
Porém, o legislador optou em refazer o dispositivo não recepcionado pela Constituição no Código Civil de 2002, apenas modificando a idade de sessenta para setenta anos, tanto para o homem quanto para a mulher, esquecendo que a sociedade está envelhecendo, e com isso, estão se cuidando mais, conforme os dizeres de Dimas Messias de Carvalho:
O aumento nos cuidados com a saúde e com a expectativa de vida dos brasileiros permite que pessoas com mais de 60 anos exerçam na plenitude suas atividades profissionais, sociais e afetivas, ao contrário do que ocorria no século passado, quando eram consideradas velhas e se recolhiam. (2017, página 205)
E, com a atenção voltada para os cuidados essenciais a saúde, acrescenta Dimas Messias de Carvalho:
O exercício de atividades diversas possibilita que os sessentões e sessentonas se relacionem, trabalhem, namorem, viagem e pratiquem esportes, interagindo com outras pessoas e afastando-se da solidão e da dependência da família. (2017, página 205)
Isto quer dizer que com a evolução da ideologia da sociedade, da forma de se cuidar e com o possível aumento no número de idosos no país, essa imposição será reformada.
4. ESTATUTO DO IDOSO
A lei n° 10.741/2003, conhecida como Estatuto do Idoso, traz direitos a serem protegidos pela nossa Constituição, ou seja, traz o idoso como sujeito de direitos e proteção, além disso, traz expressamente o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, conforme o artigo 10:
Artigo 10: É obrigação do estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
Nesse caso, há um preconceito, uma presunção de que os idosos possuem uma desorganização mental.
Os relacionamentos movidos por interesses patrimoniais podem existir em todas as fases da vida, pois é possível enganar-se independente da idade e não só com a terceira idade. Para tal hipótese o Código Civil prevê um instituto da interdição.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017, página 279) vão além ao lecionar sobre a imposição: “É uma violência escancarada ao princípio da isonomia, por conta do estabelecimento de uma velada forma de incapacidade parcial do idoso”.
No mesmo sentido afirma Dimas Messias de Carvalho ao tratar do assunto, conforme a visão dos doutrinadores em geral:
A maioria dos juristas são contrários à imposição da obrigação de casar-se com separação de bens após os 70 anos de idade, ocorrendo uma ingerência indevida do Estado na vida privada das pessoas, violando o princípio da liberdade e importando imposição discriminatória. (2017, página 206)
No caso concreto, tal regime não impede os casamentos por interesse, uma vez que toda e qualquer pessoa possui uma parte de seu patrimônio que é disponível e outra que é indisponível. A indisponível pertence aos herdeiros necessários, mas a disponível está livre para usar como quiser então o idoso pode fazer uso dessa parte em proveito do cônjuge.
O que se tem que entender é que realmente existem pessoas idosas que não tem discernimento, mas para isso é que existe a interdição. A incapacidade não pode ser presumida, principalmente sem admitir que o idoso prove o contrário.
Nestes casos, tal situação é levada ao Judiciário, onde é feito todo um procedimento de ampla defesa para o interditando, a fim de, só ao final, averiguar se realmente aquela pessoa carece dos sentidos e precisa de uma curatela.
Sendo assim, deve-se ter no mínimo um pouco de consideração para com os idosos e pelo menos dar oportunidade de contraprovas, ou seja, dar oportunidade a eles para provarem que possuem ou não capacidade para praticar todos os atos da vida civil.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, é notável que as coisas estejam tomando um rumo inovador e coerente com a nossa realidade, pois a tendência é de que o regime de separação total de bens logo não será mais imposto, ou seja, não será mais obrigatório e, portanto, não será mais uma medida preconceituosa e inconstitucional. Levará em consideração os direitos individuais de cada um, independente da idade, bem como obedecerá aos princípios fundamentais do direito.
Vale frisar que existem casos em que realmente o idoso é incapaz de realizar os atos da vida civil, mas nestes casos existe a curatela, que é disciplinada pelo Código Civil e, se for constatada a incapacidade, então poderá ter a imposição do regime de bens.
Ocorre que a imposição para todos dessa faixa etária não pode prevalecer, pois deve ser levado em consideração que os idosos de hoje não são mais aqueles que precisam de cuidados, pois estão cuidando mais da saúde e vivendo mais e melhor.
Então, tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana, da autonomia privada, e o da liberdade, os direitos dos idosos não devem ser suprimidos enquanto não houver a comprovada necessidade para tal medida, buscando-se assim um meio de o direito de hoje ser adequado para a sociedade de amanhã.
REFERÊNCIAS
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Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Gabriela Andrade. Interferência da Lei no casamento do idoso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50192/interferencia-da-lei-no-casamento-do-idoso. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
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