THALITA TOFFOLI PÁEZ BERTOLO
(Orientadora)[1].
RESUMO: O presente artigo tem por escopo abordar o direito ao esquecimento, em seu conceito, fundamentação legal, aplicabilidade em casos concretos nacionais e internacionais, e análise de colisão entre direitos fundamentais, notoriamente entre a liberdade midiática e o direito de ser esquecido. Para tanto, o estudo utilizou-se da análise de artigos acerca do tema, jurisprudências, entendimentos doutrinários, além da legislação pátria, visando, ao final, abordar a melhor forma de intervenção do Poder Judiciário.
Palavras-chave: Fundamentação Legal; Direitos Fundamentais; Liberdade Midiática; Casos Concretos Nacionais e Internacionais.
ABSTRACT: The purpose of this article is to address the right to forget, in its concept, legal basis, applicability in national and international concrete cases, and analysis of collision between fundamental rights, notably between media freedom and the right to be forgotten. In order to do so, the study was based on the analysis of articles on the subject, jurisprudence, doctrinal understandings, besides the national legislation, aiming, in the end, to approach the best form of intervention of the Judiciary Power.
Keywords: Legal substantiation; Fundamental rights; Media freedom; National and International Concrete Cases.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Conceito e Fundamento. 1.1 Casos Históricos. 2. Confronto de Direito Fundamentais. 2.1 Direito à privacidade x Direito à informação. 3. Lei do Direito ao esquecimento. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal Brasileira de 1988 proíbe penas de caráter perpétuo, de modo que, toda penalidade ou medida assecuratória imputada a pessoa humana, deve ter um prazo determinado para sua execução. Pode então, dentro de uma sociedade com esses ditames jurídicos, uma pessoa sofrer por tempo indeterminado em razão de atos cometidos no passado? É digna uma punição eterna por erros anteriores, dentro da seara de uma sociedade que não permite nem mesmo que os mais severos criminosos paguem eternamente pelo crime cometido?
Nesse ínterim, o direito ao esquecimento apresenta-se como a possibilidade de se manter em sigilo fatos ocorridos no passado de uma pessoa, os quais, se voltarem à tona, causariam graves danos a sua vida atual e constrangimentos desnecessários. Esse instituto permite não só a não divulgação de tais fatos como também a exclusão de informações publicados na mídia impressa, televisiva e internet.
Estando, portanto, entre o rol dos direitos da personalidade, o direito ao esquecimento está estritamente ligado à dignidade da pessoa humana, de forma que nenhuma pessoa deve ser condenada às lembranças eternas de um erro passado, tampouco a mercê de situações constrangedoras trazidas novamente à tona sempre que sobrevier o esquecimento da sociedade. Logo, o princípio da dignidade da pessoa é a base para a existência do direito ao esquecimento, sendo um direito de personalidade garantido pela constituição e com o mesmo valor e relevância de outros direitos fundamentais garantidos constitucionalmente.
Vale lembrar, ainda, que o direito ao esquecimento pode ser extraído não apenas da Carta Magna do Brasil, mas também de legislações infraconstitucionais, como o Código Civil de 2002, o que torna patente o seu reconhecimento em nosso ordenamento, ainda que sem previsão expressa.
Por outro lado, o direito à informação também é assegurado pela Constituição Federal e tido como um direito fundamental, sendo comum que em alguns casos concretos haja choque entre tais preceitos, o que intensifica a importância de previsão de formas de resoluções de conflitos entre normas constitucionais, tendo em vista que as formas de resoluções para conflitos legais infraconstitucionais não podem ser aplicadas em artigos previstos na constituição, dada a ausência de hierarquia entre eles.
Desta forma, a presente pesquisa discorrerá sobre o campo de conceitos e fundamentos do direito em comento, casos históricos e as formas de resoluções entre o choque de valores e direitos, todos acolhidos pelo mais alto diploma do ordenamento jurídico. Não obstante, discorreremos ainda sobre como os tribunais têm decidido e as dificuldades de se garantir o direito a intimidade com o avanço tecnológico e a consequente facilidade de acesso à informação e compartilhamento em massa.
A metodologia utilizada foi a análise desenvolvida através de pesquisas bibliográficas, julgados e textos científicos.
1. CONCEITO E FUNDAMENTO
Originariamente concebido na doutrina americana através da alcunha “right to be let alone”, o direito ao esquecimento acabou sendo vastamente tratado pela doutrina nacional, a ponto de se lastrear por diversas situações. O termo foi proposto pelos norte-americanos Samuel Warren e Louis Brandeis, e pode ser livremente traduzido para “direito de ser deixado em paz” e “direito de estar só”, ou, como preferiu o Brasil, direito ao esquecimento.
Proveniente da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, Constituição Federal), tem em sua última instância a proteção da personalidade, impedindo que determinados fatos, ainda que verídicos, sejam eternizados, causando sofrimento e ofensa à honra do (s) ofendido (s). Importante frisar, no entanto, que esse direito não permite que o indivíduo reescreva sua história (“apagando os erros”), mas que delibere sobre o que será feito com os dados pessoais, de modo a não ser fadado a pagar eternamente por um fato passado. Na lição de Greco:
Não somente a divulgação de fatos inéditos pode atingir o direito de intimidade das pessoas. Muitas vezes, mesmo os fatos já conhecidos publicamente, se reiteradamente divulgados, ou se voltarem a ser divulgados, relembrando acontecimentos passados, podem ferir o direito à intimidade. Fala-se, nesses casos, no chamado direito ao esquecimento. (2013, p. 761).
No Brasil, o direito ao esquecimento ganhou proteção jurídica em várias disposições normativas, tais como no Código de Defesa do Consumidor, na Constituição Federal, no Código Civil e no Código de Processo Penal.
Os artigos 43 e 44, do Código de Defesa do Consumidor, tratam da previsão legal na qual dispõe sobre o direito ao esquecimento, ao estabelecer sobre os bancos de dados e cadastros. Nesse aspecto, é determinado o prazo de cinco anos para utilização dessas informações negativas, sendo proibida à utilização das mesmas com a finalidade de impedir o consequente acesso ao crédito.
A Constituição Federal de 1988, por sua vez, garante a privacidade, a intimidade e a honra: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (artigo 5º, X, da Constituição Federal de 1988), além da dignidade humana.
A principal regulamentação do objeto em estudo, porém, veio com a VI Jornada de Direito Civil ocorrida em março de 2013, através do enunciado 531, que reconheceu o direito ao esquecimento como uma das formas de expressão do princípio da dignidade da pessoa humana: “ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.
Tal enunciado faz referência ao artigo 11 do Código Civil, que trata sobre os direitos da personalidade: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. A justificativa dada ao enunciado baseou-se na discussão de como são utilizados os fatos pretéritos de determinado indivíduo, mais precisamente quanto ao modo e finalidade com que são lembrados. Sobre o tema, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Rogério Fialho Moreira, coordenador da Comissão de Trabalho da Parte Geral na VI Jornada, afirma:
Não é qualquer informação negativa que será eliminada do mundo virtual. É apenas uma garantia contra o que a doutrina tem chamado de ‘superinformacionismo’. O enunciado contribui, e muito, para a discussão do tema, mas ainda há muito espaço para o amadurecimento do assunto, de modo a serem fixados os parâmetros para que seja acolhido o ‘esquecimento’ de determinado fato, com a decretação judicial da sua eliminação das mídias eletrônicas. Tudo orientado pela ponderação de valores, de modo razoável e proporcional, entre os direitos fundamentais e as regras do Código Civil de proteção à intimidade e à imagem, de um lado, e do outro, as regras constitucionais de vedação à censura e da garantia à livre manifestação do pensamento.
Em seguida, na VII Jornada de Direito Civil, houve a aprovação do Enunciado 576, dispondo que “o direito ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial inibitória”, concernente ao artigo 21 do Código Civil, que assegura que a vida privada da pessoa natural é inviolável, cabendo ao juiz, a requerimento do interessado, adotar as medidas necessárias para impedir ou fazer cessar atos contrários a tal garantia.
Deste modo, embora ainda não haja uma regulamentação legal acerca do tema, esse direito vem ganhando espaço no cenário nacional através da interpretação constitucional, da criação de enunciados e de julgamentos.
1.1 CASOS HISTÓRICOS
A discussão acerca do direito ao esquecimento tomou maior proporção a partir do caso “Lebach”, julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão. O fato se deu em 1969, quando quatro soldados alemães foram cruelmente assassinados em uma pequena cidade da Alemanha, de nome Lebach. Após o processo, três réus foram condenados, sendo dois à prisão perpétua e o terceiro a seis anos de reclusão. Esse último condenado cumpriu integralmente sua pena e, dias antes de deixar a prisão, soube que uma emissora de televisão iria exibir um documentário especial relembrando o fato criminoso, inclusive, com a exibição de fotos dos então condenados.
Ao tomar conhecimento da transmissão, o detento pleiteou uma tutela liminar para que o canal fosse proibido de exibir o programa, alegando que somente desta forma seria possível impedir os prejuízos que a exibição lhe causaria, fundamentando seu pedido na inconveniência de serem relembrados fatos pretéritos sobre os quais já não há repercussão, apenas comprometendo sua vivência e reintrodução na sociedade. O programa de televisão foi então proibido de vincular o documentário, uma vez que o Tribunal Constitucional Alemão entendeu que o direito ao esquecimento estava de fato sendo ferido e que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e a sua vida privada.
No Brasil, a 4ª Turma do Supremo Tribunal de Justiça enfrentou o tema em dois recursos ajuizados em razão de reportagens exibidas pela TV Globo Ltda. (Globo Comunicações e Participações S/A): O episódio da “Chacina da Candelária” (REsp 1.334.097-RJ) e o caso “Aída Curi” (REsp 1.335.153-RJ).
A Chacina da Candelária, como ficou conhecido este episódio histórico e sangrento, foi uma chacina ocorrida no dia 23 de julho de 1993, próximo à Igreja Nossa Senhora da Candelária, localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro. Na ocasião, oito menores que dormiam nas escadarias da igreja foram assassinados e outros tantos ficaram feridos. Realizadas investigações, vários policiais militares e um serralheiro, de nome Jurandir, foram acusados pela prática do crime, no entanto, este último, foi posteriormente inocentado por unanimidade pelo Tribunal de Justiça Carioca.
A Rede Globo de televisão, por sua vez, no ano de 2006, entrou em contato com Jurandir objetivando entrevistá-lo no programa televisivo Linha Direta Justiça, cujo pedido foi recusado. Não obstante sua expressa negativa, foi ao ar, em junho daquele mesmo ano, um especial sobre a chacina, tendo sido Jurandir apontado como um dos envolvidos no caso, trazendo à tona, desnecessariamente, todo o sofrimento outrora vivenciado pelo serralheiro.
Desta forma, entendendo ter tido seu direito ao esquecimento violado, o homem ingressou na Justiça com um pedido de reparação de danos morais em face da emissora de televisão e sustentou, em síntese, que a exploração à sua imagem na condição de co-autor/partícipe da barbárie, prejudicou sobremaneira sua vida profissional, familiar e social, vez que reacendeu na comunidade onde residia a imagem de chacinador e a revolta dos moradores, obrigando-o, inclusive, a deixar a comunidade para preservar sua segurança e de seus familiares.
O Tribunal, portanto, entendeu que, muito embora a Chacina da Candelária tenha se tornado um episódio histórico em nosso país, o direito à liberdade de imprensa não seria tolhido, tampouco a honra do autor maculada, caso o nome e a fisionomia deste tivessem sido ocultados, o que, ainda assim, possibilitaria que a história fosse contada de forma fidedigna. Ao final, a emissora foi condenada ao pagamento no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de indenização pelos danos morais causados ao autor.
Diferentemente do posicionamento acima, no julgamento relativo ao caso “Aída Curi”, onde os familiares da vítima, morta no ano de 1958, após ter sido violentada e atirada do topo de um edifício localizado no bairro de Copacabana, ingressaram contra a TV Globo Ltda. (Globo Comunicações e Participações S/A) pleiteando reparação de danos morais, materiais e à imagem após a transmissão do caso, décadas depois, no programa Linha Direta Justiça, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o direito ao esquecimento não alcançava o caso, vez que o acontecimento havia entrado para o domínio público e seria impossível que a imprensa retratasse o caso Aída Curi, sem Aída Curi.
Não obstante isso, frisou-se em tal decisão que o direito ao esquecimento não se aplica apenas aos condenados que cumpriram pena e aos absolvidos que se envolveram em processo crime, mas também as vítimas de crimes e seus familiares – se assim desejarem –, impossibilitando, deste modo, que os canais de informação se enriqueçam mediante a indefinida exploração das desgraças privadas pelas quais passaram.
Esses foram, portanto, três momentos na história em que o direito ao esquecimento foi amplamente discutido, cada qual com seu entendimento: caso Lebach e Chacina da Candelária prevaleceu o entendimento de que os indivíduos devem ter assegurado o direito ao esquecimento, como corolário da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais à privacidade, à intimidade e à honra, enquanto que no caso Aída Curi entendeu-se indispensável a ponderação de valores, vez que o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização aos familiares da vítima, consubstanciaria desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança com a exibição da reportagem cinquenta anos após a morte da vítima.
2. CONFRONTO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Tratando-se de um Estado Democrático de Direito, não é raro que as normas constitucionais entrem em rota de colisão, já que refletem uma diversidade ideológica potencialmente diferente. Ocorre, no entanto, que, na prática, esse conflito entre direitos fundamentais não se resolve tão facilmente, uma vez que quando o exercício de um direito garantido constitucionalmente implica na quebra de outro direito fundamental, abre-se um leque complexo de correntes e posicionamentos que devem ser cuidadosamente analisados, caso a caso.
Os casos de colisão de direitos fundamentais são muitos e exemplo disso é o que comumente ocorre com o direito à liberdade de imprensa versus o direito à privacidade e o direito à informação versus o direito à intimidade. Tais conflitos surgem em razão dos direcionamentos opostos de cada um desses princípios; enquanto os direitos da personalidade seguem o caminho da tranquilidade, do sigilo e da não exposição, o direito à informação e à liberdade de expressão orientam-se pelo caminho da transparência e da livre circulação de informação.
A solução para tais choques se mostra possível através das técnicas de ponderação, que, por sua vez, se operacionaliza por meio do princípio da proporcionalidade. “A essência e a destinação do princípio da proporcionalidade é a preservação dos direitos fundamentais”, afirma Guerra Filho (2006, p. 103).
Dentro do direito Constitucional, portanto, o princípio da proporcionalidade ganhou posição de destaque, vez que tem considerável aplicação no judiciário para se garantir a efetividade dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos no Texto Maior. Para verificação da presença da proporcionalidade no caso concreto, deve ser analisado se o benefício alcançado com a adoção da medida sacrificou direitos fundamentais mais importantes do que os que a medida buscou preservar, isso porque a proporcionalidade exige uma análise das vantagens e desvantagens que a medida trará.
Assim, para se alcançar uma solução constitucionalmente justa, embasada em uma argumentação firme, coerente e convincente, deverá ser analisado o peso de cada elemento do caso, bem como, quais normas deverão ser ponderadas. Ademais, deverá ser analisada também a intensidade com a qual uma determinada norma deve prevalecer sobre a outra, de forma que a solução encontrada seja a mais adequada possível àquele determinado caso.
2.1 DIREITO À PRIVACIDADE X DIREITO À INFORMAÇÃO
Até que ponto seria uma violação ao direito à privacidade o pleno exercício do direito à informação? Pode, nesse passo, haver limitação de um direito fundamental garantido constitucionalmente em virtude da violação de outro? Temos em discussão dois direitos fundamentais de igual valor e relevância. De um lado, o direito à informação, que garante a lisura dentro da administração pública e cumpre com o seu fim social de interesse público, enquanto de outro, a privacidade e o direito ao esquecimento, que garantem ao cidadão que fatos sobre sua vida, pregressa e atual, não sejam expostas ao público de forma a prejudicar sua vivência atual e futura.
Por se tratar do mesmo bem juridicamente protegido, os direitos fundamentais em comento estão posicionados em uma linha muito tênue, de forma que o amplo exercício de um deles muito provavelmente acabará por prejudicar o exercício do outro. Assim, têm-se que a ampla divulgação de informações acerca de determinado fato afetará diretamente o direito à intimidade dos envolvidos no caso, no entanto, de outra banda, o sigilo total dos fatos prejudica o direito coletivo da sociedade à informação.
Como forma de resolução desse embate, tem-se observado que quando a informação não possui uma natureza informativa à fim de proporcionar algum bem a sociedade, como um alerta de segurança ou ações de cunho governamentais, e, ainda, que tal informação prejudique a honra e a intimidade de um particular, prevalece o direito ao esquecimento e tal informação é censurada. Nesse sentido, a doutrina de Gilmar Mendes:
Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária. (2007, p. 374).
Vale ressaltar, também, que no caso de pessoas consideradas públicas em virtude de seu trabalho, seja artístico ou político, não se deve esquecer que mesmo sendo tidas como pessoas públicas, a proteção aos seus direitos da personalidade permanece garantido pela constituição, ao passo que devem ser estabelecidos limites no momento da divulgação de notícias, sobretudo, pela imprensa em geral. No que tange aos agentes públicos, a questão deve sempre ser analisada à luz do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Assim preconiza Robert Alexy:
Na análise da questão, convém ressaltar ainda que os agentes públicos podem ter um âmbito de privacidade menor que aquele conferido aos demais cidadãos, precisamente em decorrência da atividade que desempenham. Isso resulta da primazia do interesse público sobre o privado: o direito de informação pertence à sociedade como um todo ao passo que os direitos da personalidade interessam ao seu titular, normalmente uma pessoa, e o benefício coletivo tem particular força quando revela atos da ação governamental em geral. Desse modo, uma notícia que invada a privacidade de um agente público pode desagradar a este, mas, dada sua condição de figura pública, ser proveitosa à sociedade. (1999, p. 76).
Portanto, há sim formas de resolver o conflito entre o direito à informação e o direito ao esquecimento e a vida privada, cabendo ao judiciário estabelecer, conforme visto anteriormente, formas de equilibrar o exercício destes dois direitos.
3. LEI DO DIREITO AO ESQUECIMENTO
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, em outubro de 2015, o projeto de lei apelidado como lei do esquecimento, de autoria do ex-presidente da câmara e ex-deputado Eduardo Cunha. A proposta pretende dar o direito a qualquer pessoa de requerer a retirada de informações pessoais dispostas em todos os meios de comunicação (mídia impressa, televisiva e internet), que o ligue a um fato difamatório, injurioso, calunioso ou a um crime de que tenha sido processado e inocentado ou de que já tenha cumprido a pena imposta pelo Estado.
A lei do esquecimento já existe na Europa, no entanto, a proposta brasileira se difere daquela, já que permite que pessoas públicas também invoquem o direito ao esquecimento, além de garantir a desindexação, ou seja, pesquisas realizadas em sites de buscas não mais associará o nome da pessoa ao fato praticado.
Os deputados contrários à proposta criticam a mesma em virtude da dificuldade de se excluir informações de jornais já impressos e distribuídos, além de afirmarem que tal medida vai de encontro aos princípios fundamentais da memória e a informação. O projeto de lei ainda aguarda aprovação no Senado e posteriormente segue para sanção ou veto do Presidente da República, de forma que, por enquanto, se trata apenas de um projeto de lei.
CONCLUSÃO
O homem é fruto de sua vivência e o direito tem o dever de acompanhar as evoluções históricas e sociais que decorrem do processo contínuo de desenvolvimento da humanidade, visando atender, de forma justa, as demandas próprias de cada época. Assim é o que ocorre com as novas tecnologias e o alcance potencializado próprio desse cyberespaço, responsável por fazer com que o passado que antes quedava-se recolhido na memória daqueles que o viveram, passe a ser perenizado e vasculhado, por quem quer que seja, com apenas um click.
E é nesse cenário que surge o direito ao esquecimento como instrumento essencial para se garantir a dignidade da pessoa humana, de modo a impedir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento da vida de um indivíduo, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos desnecessários, sobretudo quando tal acontecimento não apresente qualquer relevância social.
O presente trabalho, portanto, se ateve à análise do conceito e fundamento de tal direito, com enfoque em sua aplicabilidade em casos históricos e a dificuldade de ponderação entre os direitos garantidos constitucionalmente, notadamente no que se refere ao choque entre o direito à informação e o direito à intimidade.
Nesse passo, viu-se que o direito à intimidade e a vida privada, dispostos no artigo 5º, X, da Constituição Federal de 1988, são tidos como um direito de personalidade, sendo estes rodeados de todas as formas de proteção possíveis contra sua violação, em razão de sua natureza e relevância. Em contrapartida, o direito à informação, revestido de igual importância e garantido constitucionalmente em seu artigo 5º, XIV, prevê o direito de acesso a informações de caráter pessoal, público ou geral, de modo a permitir um Estado justo, democrático e livre de abusos dos que operam a máquina pública.
O impasse, portanto, gira em torno da dificuldade de se estabelecer até que ponto o pleno exercício do direito à informação viola o direito à privacidade, bem como se pode haver limitação de um direito fundamental garantido constitucionalmente em virtude da violação de outro. A solução, conforme visto, se mostra possível através das técnicas de ponderação, que, por sua vez, se operacionalizam por meio do princípio da proporcionalidade, o qual exige uma análise das vantagens e desvantagens das medidas adotadas ao caso.
Assim, sempre que ocorrer um choque entre direitos fundamentais, fica a cargo do judiciário analisar, a fim de se alcançar uma solução constitucionalmente justa, embasada em uma argumentação firme, coerente e convincente, o peso de cada elemento do caso, bem como quais normas deverão ser ponderadas. Ademais, deverá ser analisada também a intensidade com a qual uma determinada norma deve prevalecer sobre a outra, de forma que a solução encontrada seja a mais adequada possível àquele determinado caso.
Não obstante, observou-se que quando a informação não possui uma natureza informativa apta a proporcionar algum bem a sociedade, como um alerta de segurança ou ações de cunho governamentais, o direito ao esquecimento prevalece e tal informação é censurada, evitando-se, assim, que os meios de comunicação associado a curiosidade desmedida e injustificada se sobreponha à vontade do indivíduo.
Deste modo, tem-se que o reconhecimento do direito ao esquecimento àqueles que cumpriram integralmente sua pena, aos que foram absolvidos em processo criminal, às vítimas e também aos seus familiares, sinaliza inquestionável evolução humanitária e cultural da sociedade, afirmando-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.
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[1] Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2005). Especialização em Direito Público, na Escola Paulista de Direito (2006). Especialização em Direito Tributário, no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (2008). Especialização em Direito Empresarial e Tributário, na Unitoledo/Araçatuba (2013). Especialização em Direito Civil, na Anhanguera/Uniderp (2013). Especialização em Direito Constitucional, na Anhanguera/Uniderp (2014). Mestrado Profissional em Ciências Ambientais, na Universidade Brasil, Campus Fernandópolis-SP (2016). Aluna Regular do Programa de Cursos para Doutorado, na Universidad de Buenos Aires. Advogada no escritório de advocacia Páez & Bertolo. Professora Universitária na Universidade Brasil, campus Fernandópolis-SP.
Bacharelanda pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Jéssica de Souza. O direito ao esquecimento em confronto com a liberdade de imprensa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50254/o-direito-ao-esquecimento-em-confronto-com-a-liberdade-de-imprensa. Acesso em: 22 nov 2024.
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