Resumo: O presente trabalho tem como foco principal analisar a tese da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro bem como a sua aceitação por alguns ministros da suprema corte brasileira e a necessidade de reforma constitucional para a sua implementação. Para tanto, será analisado o surgimento do controle difuso de constitucionalidade, bem como o seu tratamento pelo direito brasileiro. Ademais, será detalhado como os tribunais podem exercer o controle difuso de constitucionalidade e o respeito que devem ter à regra da reserva de plenário, indicada na Constituição Federal de 1988, bosquejando, posteriormente, exceções à regra encampadas pela doutrina e pela jurisprudência da Suprema Corte. Por fim, será analisada a tese da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, englobando seu significado e a impossibilidade de sua aplicação através de mera interpretação de mutação constitucional, sendo essencial, para que tal tese seja aplicada, que haja reforma constitucional, haja vista a necessidade de observância da cláusula pétrea de separação dos poderes indicadas na nossa carta maior.
Palavras-chave: Controle difuso; Abstrativização; Reserva de Plenário.
Abstract:The present work has as main focus to analyze the thesis of the abstractivization of the diffuse control of constitutionality in Brazilian law as well as its acceptance by some ministers of the supreme Brazilian court and the necessity of constitutional reform for its implementation. In order to do so, it will be analyzed the emergence of the diffuse control of constitutionality, as well as its treatment under Brazilian law. In addition, it will be detailed how the courts can exercise diffuse control of constitutionality and the respect that they should have to the reservation rule of the plenary, indicated in the Federal Constitution of 1988, later sketching exceptions to the rule prevailing by the doctrine and the jurisprudence of the Supreme Court . Finally, the thesis of the abstraction of the diffuse control of constitutionality, encompassing its meaning and the impossibility of its application through a mere interpretation of constitutional mutation, will be analyzed, and it is essential, for such a thesis to be applied, that there be constitutional reform, in view of the Need to comply with the staleness clause of the powers indicated in our larger letter.
Keywords: Diffuse control; Abstractivization; Plenary reservation.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O surgimento do controle difuso e seu tratamento no direito brasileiro; 3 O papel dos tribunais no controle difuso de constitucionalidade; 4. A tese da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. Introdução
O presente trabalho visa elucidar pontos acerca da teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro, bem como a sua utilização e a necessidade de reforma constitucional para que tal tese seja efetivamente aceita.
O artigo foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, será abordado de forma sucinta o surgimento do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro, bem como o tratamento dado ao mesmo pela Constituição Federal de 1988. No segundo capítulo, será abordada a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade pelos tribunais, abarcando a necessidade da observância da cláusula de reserva de plenário bem como a jurisprudência da Suprema Corte sobre o assunto, cristalizada em súmula vinculante, além de exceções à regra da full bench previstas pela doutrine a pela jurisprudência dos tribunais superiores. Por fim, no terceiro capítulo, será abordado o tema da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade e seu significado, indicando o papel do Senado Federal nos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal, bem como a tendência doutrinária de interpretar o papel do Senado no sentido de dar meramente publicidade à decisão da suprema corte, indicando, ao final, a impossibilidade de mutação constitucional e de aderência à tese da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, salvo reforma constitucional.
2. O SURGIMENTO DO CONTROLE DIFUSO E SEU TRATAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO.
O controle de constitucionalidade é um mecanismo de controle das leis em conformidade com a Constituição Federal, que privilegia o princípio da supremacia da constituição federal. Para que seja possível a utilização de tal mecanismo de controle, é necessário que o país disponha de uma constituição rígida, bem como de um órgão capaz de exercer o controle. Conforme Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2016, p. 705):
Nos países dotados de Constituições escritas do tipo rígidas, a alteração do texto constitucional exige um procedimento especial, estabelecido pelo próprio constituinte originário, mais difícil do que o exigido para a produção do direito ordinário (subconstitucional). A primeira consequência - sobremaneira relevante - dessa exigência de formalidades especiais para a reforma da Carta Política é que nos ordenamentos de Constituição ógida vigora o princípio da supremacia formal da Constituição. Vale dizer, nesses sistemas jurídicos que adotam Constituição do tipo rígida, as normas elaboradas pelo poder constituinte originário são colocadas acima de todas as outras manifestações de direito.
Ademais, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2016, p. 706):
Esse ponto constitui a segunda consequência importante da rigidez constitucional (e mais diretamente do princípio da supremacia da Constituição): somente nos ordenamentos de Constituição escrita e rígida é possível a realização do controle de constitucionalidade das leis da forma como o conhecemos e estudamos. Unicamente nesses sistemas jurídicos podemos falar, propriamente, em normas infraconstitucionais que, como tais, devem respeitar a Constituição.
No direito brasileiro, o controle de constitucionalidade pode ser feito de modo concentrado ou difuso. Destarte, adota-se, no Brasil, um modelo misto de controle de constitucionalidade. Conforme Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2013, p. 1063):
Ao final dos anos oitenta, conviviam no sistema de controle de constitucionalidade elementos do sistema difuso e do sistema concentrado de constitucionalidade, ensejando-se um modelo híbrido ou misto de conteole. Não obstante, o monopólio da ação direta exercido pelo Procurador-Geral da República, que, em grande medida, realizava a ideia de designação de um advogado da Constituição, defendida por Kelsen em 1928, não produziu alteração substancial em todo o sistema de controle. A ação direta subsistiu como elemento acidental no âmbito de um sistema difuso predominante.
Nesse mesmo sentido, Pedro Lenza (2016, p. 306-307):
O sistema de controle jurisdicional dos atos normativos é realizado pelo Poder Judiciário, tanto por um único órgão (controle concentrado) – no caso do direito brasileiro, pelo STF e pelo TJ – como por qualquer juiz ou tribunal (controle difuso), admitindo, naturalmente, o seu exercício por juízes, em estágio probatório, ou seja, sem terem sido vitaliciados, bem como por juízes dos juizados especiais. O Brasil adotou o sistema jurisdicional misto, porque realizado pelo Poder Judiciário – daí ser jurisdicional – , tanto de forma concentrada (controle concentrado) como por qualquer juiz ou tribunal (controle difuso).
O surgimento do controle difuso se deu no direito norte-americano, por intermédio do famoso caso envolvendo Willian Marbury e James Madison. Jhon Adams, então presidente dos Estados Unidos no início do século 19, foi derrotado nas eleições presidenciais por Thomas Jefferson, decidindo, antes da sua derrota, nomer diversas pessoas para o judiciário, haja vista ter perdido apoio no legislativo e no executivo. Tal evento, inclusive, ficou conhecido como The Midnight Judges.
Entre os nomeados para exercer o cargo de juiz, estava Willian Marbury, que, todavia, não conseguiu a nomeação, pois, no momento da posse de Thomas Jefferson, seu Secretário de Estado, James Madison, cassou as cartas de nomeação ainda não entregues, e, entre elas, a de Willian Marbury. Diante do ocorrido, Willian Marbury acionou a Suprema Corte americana, através de mandado de segurança, pedindo a sua nomeação. Jhon Marshall, que havia inclusive sido nomeado por ato de comissão de Jhon Adams, analisando o mandamus impetrado por Marbury, entendeu que a Suprema Corte não tinha competência para analisar o mandado de segurança, declarando inconstitucional a seção 13 do Judiciary Act de 1789, que ampliava os poderes da Suprema Corte além dos previstos na Constituição. Conforme Pedro Lenza (2016, p. 314):
Pode-se, assim, afirmar que a noção e ideia de controle difuso de constitucionalidade, historicamente, deve-se ao famoso caso julgado pelo Juiz Jhon Marshall da Su prema Corte norte-americana, que, apreciando o caso Marbury v. Madison, em 1803, decidiu que, havendo conflito entre a aplicação de uma lei em um caso concreto e a Constituição, deve prevalecer a Constituição, por ser hierarquicamente superior.
Pode-se notar que, pela primeira vez, diante de um caso concreto envolvendo a nomeação de um juiz, um tribunal declarou, de maneira incidental, a inconstitucionalidade de uma lei, surgindo, por consequência, o controle difuso de constitucionalidade. Tal modelo de controle, ademais, foi adotado na Constituição Brasileira de 1891, conforme se pode observar nos artigos 59,§1º, a e b (2017, online):
Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: § 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.
Ademais, conforme Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 1035):
Iniciada a República, desde a sua primeira Constituição (1891), o Brasil passou a adotar o modelo difuso de controle da constitucionalidade, buscando fundamentos no modelo norte-americano, reconhecendo a competência do Supremo Tribunal Federal para rever as sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, quando se questionasse a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão do Tribunal fosse contra ela, ou quando se contestasse a validade de leis ou de atos dos governos locais, em face da Constituição ou das leis federais, e a decisão do Tribunal considerasse válidos esses atos ou leis impugnadas (art. 59, §1º, a e b).
Atualmente, o controle difuso de constitucionalidade é o exercido por qualquer juiz ou tribunal, no qual, analisando um caso concreto, julga inconstitucional determinada norma. Nesse caso, os efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade se dá de maneira inter partes e ex tunc. Contudo, é possível que haja modulação dos efeitos do dontrole difuso de constitucionalidade, a ser unicamente realizado pelo Supremo Tribunal Federal, momento no qual os efeitos do controle serão pro futuro. Conforme Pedro Lenza (2016, p. 322):
No momento que a sentença declara ser a lei inconstitucional (controle difuso
realizado incidentalmente), produz efeitos pretéritos, atingindo a lei desde a sua edição, tornando-a nula de pleno direito. Produz, portanto, efeitos retroativos. Assim, no controle difuso, para as partes os efeitos serão: a) inter partes e b) ex tunc. Cabe alertar que o STF já entendeu que, mesmo no controle difuso, poder-se-á dar efeito ex nunc ou pro futuro.
3. O PAPEL DOS TRIBUNAIS NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE
Com relação ao exercício do controle difuso nos tribunais, a Constituição de 1988 prevê uma importante regra, que deve ser observada por todos os tribunais ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Conforme o artigo 97 da CRFB (2017, online) “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.
Tal norma consagra a cláusula de reserva de plenário. Logo, sempre que o tribunal for declarar uma lei ou ato normativo inconstitucional, seja em controle difuso ou controle concentrado, a declaração deverá se dar pelo pleno ou pelo órgão especial, e pelo voto da maioria absoluta dos membros.
Diante disso, não é possível um órgão fracionário, como uma turma ou câmara, declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, inclusive afastando a incidência da norma. Nesse sentido, a Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal nos ensina (2017, online) que “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”.
Todavia, em alguns casos, a doutrina e a jurisprudência entendem que é possível o órgão fracionário declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Conforme Pedro Lenza (2016, p. 317):
A mitigação da cláusula de reserva de plenário vem sendo observada em outras situações. Conveniente, portanto, esquematizar a matéria. Assim, não há a necessidade de se observar a regra do art. 97, CF/88: • na citada hipótese do art. 481 do CPC/73, acima (art. 949, parágrafo único, CPC/2015); • se Tribunal mantiver a constitucionalidade do ato normativo, ou seja, não afastar a sua presunção de validade (o art. 97 determina a observância do full bench para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público); • nos casos de normas pré-constitucionais, porque a análise do direito editado no ordenamento jurídico anterior em relação à nova Constituição não se funda na teoria da inconstitucionalidade, mas, como já estudado, em sua recepção ou revogação;75 • quando o Tribunal utilizar a técnica da interpretação conforme a Const,tuição, pois não haverá deClaração de inconstitucionalidade;76 . • nas hipóteses de decisão em sede de medida cautelar, já que não se trata de decisão definitiva.''
Ademais, recentemente, o Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que não violaria a cláusula de reserva de plenário à decisão do órgão fracionário que declara inconstitucional decreto legislativo que se refira a uma situação individual e concreta. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
Ementa: CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. RESERVA DE PLENÁRIO. DECRETO LEGISLATIVO EDITADO POR ASSEMBLEIA LEGISLATIVA SUSTANDO AÇÃO PENAL CONTRA RÉU DEPUTADO ESTADUAL. OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 10. INOCORRÊNCIA. 1. O princípio da reserva de plenário previsto no art. 97 da Constituição (e a que se refere a Súmula Vinculante n. 10) diz respeito à declaração de “inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. 2. Atos normativos têm como características essenciais a abstração, a generalidade e a impessoalidade dos comandos neles contidos. São, portanto, expedidos sem destinatários determinados e com finalidade normativa, alcançando todos os sujeitos que se encontram na mesma situação de fato abrangida por seus preceitos. 3. O decreto legislativo que estabelece a suspensão do andamento de uma certa ação penal movida contra determinado deputado estadual não possui qualquer predicado de ato normativo. O que se tem é ato individual e concreto, com todas as características de ato administrativo de efeitos subjetivos limitados a um destinatário determinado. Atos dessa natureza não se submetem, em princípio, à norma do art. 97 da CF/88, nem estão, portanto, subordinados à orientação da Súmula Vinculante 10. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
Desta feita, para que o tribunal declare inconstitucional uma lei ou ato normativo do poder público, é essencial o respeito à cláusula de reserva de plenário, sendo essa dispensada somente em situações pontuais, acima explicitadas, e nas que envolvam situações individuais e concretas, conforme bosquejado pela jurisprudência da Suprema Corte.
4. A TESE DA ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle difuso de constitucionalidade, conforme visto anteriormente, pode ser feito por qualquer juiz ou tribunal, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, sendo que somente a Suprema Corte poderá modular os efeitos da decisão em controle difuso no tocante ao aspecto temporal.
Quanto ao aspecto subjetivo, ou seja, aos sujeitos que serão afetados pela decisão da suprema corte em controle de constitucionalidade difuso, é cediço que os efeitos se darão somente entre as partes, não alcançando toda a coletividade. Conforme Nathália Masson (2016, p. 1080-1081):
Tendo em vista que o intuito do controle difuso é solucionar uma controvérsia concreta, que coloca em risco direitos subjetivos, sendo a questão de constitucionalidade um mero incidente processual ou mesmo o fundamento do pedido, deve-se reconhecer sua aptidão para produzir decisões cujos efeitos somente serão sentidos pelas partes que naquele processo estejam envolvidas. A decisão prolatada no controle difuso, portanto, opera efeitos inter partes, não atingindo terceiros que não participaram daquela específica relação processual. Vale destacar que mesmo que a decisão tenha sido proferida pelo STF em recurso extraordinário (ou no exercício de alguma competência originária) os efeitos se manterão adscritos
às partes.
Contudo, é possível, conforme disposto na Constituição Federal de 1988, a decisão do Supremo Tribunal Federal produzir efeitos erga omnes, alcançando, por consequência, toda a coletividade. Nesse sentido, o artigo 52, X da Constituição Federal nos diz que compete ao Senado Federal “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. Ademais, conforme Nathália Masson (2016, p. 1081):
Há, contudo, uma especificidade no sistema brasileiro, decorrente da previsão constitucional inserida no are. 52, X, CF/88, que autoriza o Senado Federal, por meio da edição de uma resolução, a suspender a execução da lei (ou de outro ato normativo) declarada definitivamente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no controle difuso, o que ampliará os efeitos da decisão de modo a alcançar terceiros não integrantes da relação processual originária. Vê-se, pois, que a decisão de inconstitucionalidade, por força do comando judicial emanado do STF, só produzia efeitos meramente inter partes, mas, em virtude da participação do Senado, passará a produzir efeitos erga omnes.
Logo, somente por decisão do Senado Federal, suspendendo a execução da lei declara inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, seria possível que a decisão do Supremo Tribunal Federal em controle difuso alcançasse toda a coletividade, sendo tal decisão do Senado discricionária.
A tese da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade surgiu justamente para enfrentar o papel discricionário do Senado Federal no tocante à suspensão da lei e a consequente prospecção da decisão do Supremo Tribunal Federal. Os que defendem tal teoria, afirmam que o artigo 52, X da CRFB sofreu uma mutação constitucional, não sendo possível entender que o papel do Senado Federal seja discricionário, mas sim vinculado, possuindo a câmara alta apenas um papel de dar publicidade à decisão da Suprema Corte. Conforme Gilmar Ferreira Mendes (apud Nathalia Masson 2016, p. 1084):
A suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa Legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. (Grifo nosso).
Ademais, continuando o raciocínio supracitado, Nathalia Masson (2016,p. 1084) ensina:
Vê-se, pois, que segundo o Ministro Gil mar, a própria decisão do Supremo contém força normativa suficiente o bastante para suspender a execução da lei declarada inconstitucional. A justificativa que permeia essa renovação interpretativa é a necessidade constante de adequação da Constituição às mudanças sociais, o que exige uma releitura do texto constitucional e esta releitura, na hipótese, indica ao Ministro Gilmar ter havido uma autêntica mutação constitucional do dispositivo em comento (art. 52, X, CF/88).
Somente o assunto em comento, Pedro Lenza dá importante contribuição ao mencionar (2016, p. 327):
Na doutrina, em importante estudo, Gilmar Mendes afirma ser " ... possível,
sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988.
Embora a tese da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade tenha muitos adeptos na doutrina e na jurisprudência, a mesma não merece prosperar. Pelo que se observa da leitura da Constituição Federal, em nenhum momento a nossa Carta Magna prevê, em seus dispositivos, a possibilidade de mudança de interpretação da própria competência do Senado Federal.
Admitir a interpretação pela Suprema Corte no sentido de o papel do Senado Federal ser meramente vinculado, de dar publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal, seria afrontar a separação dos poderes, cláusula pétrea prevista no artigo 60, §4º, III da Constituição Federal. Conforme Pedro Lenza (2016, p. 330):
Embora a tese da transcendência decorrente do controle difuso pareça bastante sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual, de efetividade do processo, de celeridade processual (art. 5.0 , LXXVIII - Reforma do Judiciário) e de implementação do princípio da força normativa da Constituição (Konrad Hesse), afigura-se faltar, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras constitucionais, para a sua implementação (...) Admitir que o STF interprete no sentido de ter havido mutação do art. 52, X, e, assim, transformar o Senado Federal em órgão para simples publicidade da decisão concreta é sustentar inadmitida mutação inconstitucional. Ao STF, não foi dado o poder de reforma.
A única maneira possível de se admitir a tese da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade seria por meio de reforma na própria constituição, que alterasse o artigo 52, X da Constituição Federal, bem como o artigo 97. A reforma, nesse ponto, se daria pelo próprio parlamento, e não por uma interpretação da Suprema Corte. Nesse sentido, Pedro Lenza (2016, p. 332):
Reconhecemos e admitimos, retomando esse ponto, uma inegável expansividade das decisões mesmo quando tomadas em controvérsias individuais, bem como uma dita objetivação do processo subjetivo (nesse sentido, o voto do Min. Teori na Rei 4.335 é bastante profundo). Contudo, a mudança pretendida em relação ao art. 52, X, que, aliás, parece ser uma tendência, necessariamente, depende de formal reforma constitucional.
5. Conclusão
Pelo exposto, percebe-se que o controle difuso de constitucionalidade teve seu surgimento no direito norte-americano, com o famoso caso envolvendo Willian Marbury e James Madison, vindo a se incorporar no direito brasileiro com a Constituição de 1891. Ademais, tal controle é previsto no ordenamento jurídico brasileiro, podendo, doravante, ser exercido por qualquer juiz ou tribunal, sendo os seus efeitos inter partes e ex tunc, podendo, todavia, se exercido pelo STF, produzir efeitos ex nunc caso a Suprema Corte decida utilizar o instituto da modulação.
Quanto ao seu exercício pelo tribunal, ressalte-se a observância da cláusula de reserva de plenário, prevista o artigo 97 da CRFB, somente podendo ser uma norma declarada inconstitucional pelo tribunal se tal declaração for feita pelo pleno ou pelo órgão especial, e desde que haja quórum de maioria absoluta. Contudo, a doutrina e a jurisprudência excepcionam tal cláusula em alguns casos, entre eles o juízo de recepção da norma, bem como em casos envolvendo medida cautelar. Ademais, em se tratando de ato normativo que se aplique a uma situação individual e concreta, não é óbice em sua declaração de inconstitucionalidade, conforme decidiu o STF sobre o assunto.
Por fim, para que a decisão em controle difuso possa produzir efeitos erga omnes, envolvendo toda a coletividade, é imprescindível a participação do Senado Federal, pois só este tem competência para suspender a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF em decisão definitiva, na forma do artigo 52, X da CRFB. Nesse diapasão, surge a teoria da abstrativização do controle difuso, pregando que a atividade do Senado Federal deveria ser interpretada como uma atividade meramente vinculada, de dar publicidade à decisão do STF, haja vista a regra contida no artigo 52, X da CRFB ter sofrido uma mutação constitucional.
Tal tese é defendida pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, bem como por alguns juristas e doutrinadores. Contudo, não se pode concordar com a tese da mutação constitucional, pois tal possibilidade viola claramente a cláusula pétrea de separação dos poderes bem como seria uma indevida interpretação por parte da Suprema Corte.
Somente seria possível se falar na mudança da atividade do Senado Federal se houvesse, de fato, uma reforma na constituição, modificando o próprio artigo 52, X da CRFB.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 10. Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante>. Acesso em: 06 jun. 2017.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
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MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocência Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
VICENTE Paulo, ALEXANDRINO Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado- 15. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro: Forer.se; São Paulo: MÉTODO: 2016.
Advogado. Graduado pela Universidade de Fortaleza.Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza.<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEITE, André Diego de Lima. A abstrativização do controle difuso de constitucionalidade e a necessidade de reforma constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50286/a-abstrativizacao-do-controle-difuso-de-constitucionalidade-e-a-necessidade-de-reforma-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
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