RESUMO: O presente artigo tem por finalidade a análise do dano moral indenizável e seus contornos doutrinários e jurisprudenciais. Objetiva, ainda que de forma breve, analisar o instituto da responsabilidade civil e a constitucionalização do Direito Civil.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Dano moral. Reparabilidade. Direitos da personalidade. Dignidade da pessoa humana.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. BREVES NOTAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DANO MORAL. 2 O RECONHECIMENTO DO DANO MORAL INDENIZÁVEL NO ÂMBITO JURISPRUDENCIAL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objeto a análise doutrinária e jurisprudencial acerca da ocorrência de dano moral indenizável. Serão apontadas breves notas acerca dos institutos da responsabilidade civil e do dano moral. Posteriormente, analisar-se-á jurisprudência aplicada ao tema, bem como pontuais entendimentos doutrinários.
Não se pode admitir que haja a banalização do instituto do dano moral. São inúmeras as demandas em que se pleiteia indenização por danos morais e que, no mais das vezes, versam sobre acontecimentos corriqueiros do dia-a-dia.
Dessa forma, faz-se necessária a análise dos requisitos que autorizam a ocorrência de dano moral indenizável. Deve-se evitar que o Poder Judiciário seja instrumento de banalização de instituto tão relevante.
1 BREVES NOTAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DANO MORAL
O dano moral, geralmente, está relacionado à violação dos direitos de personalidade, que, por sua vez, podem ser conceituados como direitos atinentes à tutela da dignidade da pessoa humana, considerados essenciais à sua integridade[1]. O dano moral ou extrapatrimonial, por seu turno, pode ser definido como:
Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.[2]
Para Arnaldo Rizzardo[3], o dano moral pode ser dividido em quatro espécies. A primeira delas compreende o dano causado em decorrência de uma privação ou diminuição de um valor precípuo da vida, revelando-se ofensa à paz, à tranquilidade de espírito, à liberdade individual. O segundo grupo alcança a parte social do patrimônio moral, qual seja a personalidade, ou a posição íntima da pessoa consigo mesma, como a honra, a consideração, a reputação. O dano moral da terceira espécie atinge o lado afetivo, consubstanciado na dor, na tristeza e no sentimento. Por derradeiro, o quarto grupo se refere aos gravames de ordem estética que envolvem a conceituação íntima relacionada ao aspecto ou à postura física externa.
No âmbito da responsabilidade civil, há uma interação constante entre o direito público e privado. Essa integração decorre do fenômeno da “constitucionalização” do direito civil. O Direito Constitucional passa a ter ação também no campo privado, resguardando, principalmente, os direitos de personalidade dos indivíduos. O dano moral está intimamente relacionado, portanto, à violação à dignidade da pessoa humana, por exemplo.
Sobre o tema, cumpre citar o entendimento de TARTUCE:
Pelo Direito Civil Constitucional, há, assim, não uma invasão do direito constitucional sobre o civil, mas sim uma interação simbiótica entre eles, funcionando ambos para melhor servir o todo Estado/Sociedade, dando as garantias para o desenvolvimento econômico, social e político, mas respeitadas determinadas premissas que nos identificam como seres coletivos. Existe, portanto, uma superação parcial, da velha dicotomia público x privado.[4]
Dessa forma, princípios e regras constitucionalmente previstos ou implícitos passam a ter aplicação no âmbito do Direito Privado, especificamente no campo da responsabilidade extracontratual e do dano moral.
Com a promulgação da Constituição de 1988, surge, então, a possibilidade de reparação de danos imateriais. Entende TARTUCE que “antes disso, era tido como impossível aceitar a reparação do dano moral, eis que doutrina e jurisprudência tinham dificuldades na visualização da sua determinação e quantificação”[5].
Posicionado de forma privilegiada ao início da Carta Política, demonstrando a importância que quis dar o Constituinte ao dispositivo, o artigo 5º traz as seguintes disposições acerca da reparabilidade do dano moral:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Cumpre esclarecer que a indenização por dano moral não pode dar azo a acréscimo patrimonial desarrazoado e desproporcional. A reparação material dos danos extrapatrimoniais deve ser baseada na compensação pelos males suportados pela vítima[6].
2 O RECONHECIMENTO DO DANO MORAL INDENIZÁVEL NO ÂMBITO JURISPRUDENCIAL
Os conceitos que circundam a responsabilidade civil são claros, porém surge a dúvida doutrinária e jurisprudencial acerca de quais situações ensejam o reconhecimento de indenização por dano moral. Cabe ao magistrado, na análise do caso concreto, verificar se a reparação pelo dano imaterial é cabível na hipótese.
Sobre o tema, vale trazer à baila o seguinte entendimento doutrinário:
Inicialmente, tanto doutrina como jurisprudência sinalizam para o fato de que os danos morais suportados por alguém não se confundem com os meros transtornos ou aborrecimentos que a pessoa sofre no dia a dia. Isso sob pena de colocar em descrédito a própria concepção da responsabilidade civil e do dano moral.[7]
Doutrina e a jurisprudência têm reiteradamente afirmado que a indenização por danos morais somente é possível em casos de constrangimentos, sofrimentos e humilhações que ultrapassem as angústias e dissabores do cotidiano e demonstrem violação à dignidade da pessoa humana.
Assim, não é todo e qualquer desgosto ou aflição que pode ensejar o pagamento de indenização por danos morais, mas apenas aquele que ultrapasse os limites dos acontecimentos rotineiros da vida humana.
É possível observar o entendimento acima, no seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DE VACINA VENCIDA. DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DO DANO MORAL INDENIZÁVEL. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Conforme o entendimento desta Corte, ainda que a responsabilidade seja objetiva, é imprescindível a comprovação do dano e do nexo de causalidade pelo consumidor para que haja a condenação a danos morais.
2. No caso em espécie, conforme consta do acórdão recorrido, apesar de terem sido aplicadas vacinas vencidas e ineficientes aos autores, o que configura defeito na prestação do serviço, os danos foram apenas presumidos. De outro lado, eles foram revacinados, assim que constatada a irregularidade, inclusive, sem nenhum custo adicional. Além disso, não foi retratado nenhum efeito colateral proveniente daquelas vacinas.
3. In casu, a aplicação de vacina vencida, por si só, não é capaz de ensejar a reparação por danos morais, uma vez que não foi constatada nenhuma intercorrência que pudesse abalar a honra dos autores ou causar-lhes situação de dor, sofrimento ou humilhação. Embora seja inquestionável o aborrecimento e dissabor por que passaram os ora recorrentes, estes não foram suficientes para atingir os direitos de personalidade, enquanto consumidores, a ponto de justificar o dever indenizatório.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AgInt no AREsp 869.188/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 21/03/2017)[8]
Ainda no âmbito da jurisprudência da Corte Cidadã, colaciona-se as seguintes ementas:
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. CURTO PERÍODO. MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DANO MORAL AFASTADO. ENTREGA DE IMÓVEL EM CONFORMAÇÃO DISTINTA ÀQUELA ADQUIRIDA. DANO MORAL MANTIDO. LUCROS CESSANTES. PRESUNÇÃO. CABIMENTO.
1. Ação ajuizada em 14/02/2014. Recurso especial concluso ao gabinete em 19/09/2016. Julgamento: CPC/73.
2. Cinge-se a controvérsia em determinar se o atraso das recorrentes na entrega de unidade imobiliária, objeto de contrato de compra e venda firmado entre as partes, bem como de entrega em conformação distinta àquela adquirida gera danos morais e materiais (lucros cessantes) aos recorridos.
3. Muito embora o entendimento de que o simples descumprimento contratual não provoca danos morais indenizáveis, tem-se que, na hipótese de atraso na entrega de unidade imobiliária, o STJ tem entendido que as circunstâncias do caso concreto podem configurar lesão extrapatrimonial.
4. Na hipótese dos autos, contudo, em razão de lapso temporal não considerável a ponto de se considerar afetado o âmago da personalidade do recorrido não há que se falar em abalo moral indenizável.
5. Quanto à entrega da unidade imobiliária em conformação distinta da contratada - já que as chaves entregues referiam-se à unidade sem vista para o mar e sem uma suíte - impossível não se reconhecer a existência de abalo moral compensável, pois ultrapassa o simples descumprimento contratual.
6. A ausência de entrega do imóvel na data acordada em contrato gera a presunção relativa da existência de danos materiais na modalidade lucros cessantes. Precedentes.
7. Recurso especial conhecido e não provido.
(REsp 1634751/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 16/02/2017)[9]
CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE VOO ADQUIRIDO EM PACOTE TURÍSTICO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. AUSENTES. DANOS MORAIS. SIMPLES INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. AUSÊNCIA.
- Cinge-se a controvérsia a definir se o cancelamento inesperado de voo componente de pacote turístico gerou danos materiais e morais aos recorrentes.
- Na ausência de contradição, omissão ou obscuridade, não existe violação ao art. 535, II, do CPC/73.
- Dano moral: agressão à dignidade da pessoa humana. Necessidade de reavaliação da sensibilidade ético-social comum na configuração do dano moral. Inadimplemento contratual não causa, por si, danos morais. Precedentes.
- A jurisprudência do STJ vem evoluindo para permitir que se observe o fato concreto e suas circunstâncias, afastando o caráter absoluto da presunção de existência de danos morais indenizáveis.
- Na hipótese dos autos, o mero inadimplemento contratual - resultado no cancelamento inesperado do voo - não causa, por si só, danos morais ao consumidor.
- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1595145/RO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 06/02/2017)[10]
Dessa forma, percebe-se que a jurisprudência pátria caminha no sentido da não banalização do instituto da responsabilidade civil e do dano moral. Apenas danos imateriais que ultrapassem os limites dos dissabores cotidianos ensejam reparação, como bem entende a jurisprudência majoritária.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, conclui-se que o caso concreto deve ser analisado de forma aprofundada, sob pena de ocorrer a banalização do dano moral e de sua reparação.
Desponta entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que apenas humilhações e sofrimentos capazes de abalar a honra da vítima são hábeis a ensejar indenização por danos morais.
O dano moral indenizável, portanto, apenas emerge em situações que ultrapassem os meros dissabores do dia-a-dia, sob pena de ocorrer a trivialização de tal instituto.
A jurisprudência pátria caminha no sentido de reconhecer a procedência dos pedidos da indenização por dano moral apenas nos casos em que a dor, o sofrimento e a humilhação ultrapassem as situações corriqueiras da vida humana.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12.junho.2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª. Turma). Recurso Especial nº 1595145/RO. Relatora: Min. NANCY ANDRIGHI. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 12.junho.2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª. Turma). Recurso Especial nº 1634751/SP. Relatora: Min. NANCY ANDRIGHI. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 12.junho.2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª. Turma). AgInt no AgInt no AREsp 869.188/RS. Relator: Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 12.junho.2017.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
DELGADO, Mário Luiz. Direitos de Personalidade nas Relações de Família. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. Atualidades do Direito de Família e Sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008.
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.
[1] DELGADO, Mário Luiz. Direitos de Personalidade nas Relações de Família. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. Atualidades do Direito de Família e Sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 297.
[2] CAHALI, Yussef Said. Dano moral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 22.
[3] RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 250.
[4] TARTUCE, Flávio. Direito Civil, vol. 2, Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 2014, P. 272.
[5] TARTUCE, Flávio. Direito Civil, vol. 2, Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 2014, P. 355.
[6] TARTUCE, Flávio. Direito Civil, vol. 2, Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 2014, P. 355.
[7] TARTUCE, Flávio. Direito Civil, vol. 2, Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 2014, P. 259.
[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª. Turma). AgInt no AgInt no AREsp 869.188/RS. Relator: Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Disponível em: . Acesso em: 12.junho.2017.
[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª. Turma). Recurso Especial nº 1634751/SP. Relatora: Min. NANCY ANDRIGHI. Disponível em: . Acesso em: 12.junho.2017.
[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª. Turma). Recurso Especial nº 1595145/RO. Relatora: Min. NANCY ANDRIGHI. Disponível em: . Acesso em: 12.junho.2017.
Advogada da União lotada na Procuradoria da União no Estado do Acre; Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BUENO, Luiza Zacouteguy. Do dano moral indenizável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50332/do-dano-moral-indenizavel. Acesso em: 22 nov 2024.
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