Resumo: Tema dos mais relevante na ótica consumerista é o relativa ao direito de arrependimento nos contratos de consumo consagrado no Código de Defesa do Consumidor. O presente artigo tem por escopo analisar o referido direito, suas razões práticas, assim como os principais tópicos acerca do assunto, tais como prazo de exercício, natureza, hipóteses de incidência, (ir) renunciabilidade do direito, necessidade de motivação, entre outros.
Palavras – chave: Direito do consumidor. Direito de arrependimento. Prazo de reflexão. Estabelecimento comercial.
Sumário: 1.Introdução. 2. Razões práticas da norma. 3. Análise do artigo 49 CDC. 4. Conclusão 5. Referências Bibliográficas
1. Introdução
O direito de arrependimento no Código de Defesa do Consumidor é um tema moderno, típico das relações de consumo e que rompe a lógica contratual clássica. É também chamado prazo de reflexão e incide quando a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio[1].
Trata-se de uma norma protetiva do consumidor sempre que a compra se der fora do estabelecimento comercial. Sergio Cavalieri Filho[2] observa que a referência a telefone ou a domicílio é meramente exemplificativa, uma vez que o texto faz uso do advérbio especialmente, de sorte que a norma tem abrangência ampla, alcançando todos os sistemas de vendas externas, isto é: vendas a domicílio, vendas por telemarketing, ou por telefone; por correspondência (mala – direta, carta – resposta ou correio); pela TV; Internet ou qualquer outro meio eletrônico.
Como sabido, na sociedade de consumo contemporânea, a contratação fora do estabelecimento comercial e, muito principalmente, aquela feita mediante comércio eletrônico, é muito usual, favorecendo os consumidores que assim contratam de forma mais cômoda e rápida (na sua própria residência, por exemplo), mas que, por outro lado, assim o fazem por impulsividade, sem a devida reflexão, diante do marketing agressivo que lhes é ofertado, dia a dia.
Em razão disso, há o direito de arrependimento (prazo de reflexão), que faculta ao consumidor rescindir a compra, independente de qualquer vício do produto ou do serviço e de qualquer motivação.
2. Razões práticas da norma
A razão prática da norma é, sem dúvida, o fato de que na contratação fora do estabelecimento comercial, e, muito especialmente no comércio eletrônico confere diversos atrativos especiais, tais como rapidez e comodidade, mas, por outro lado traz perigos concretos, na medida em que o consumidor não vê o produto de perto e, portanto, não o toca, não o sente e, assim, não o conhece ao vivo, haja vista que o produto é avistável ou no site da empresa (loja virtual) ou no impresso da revista, de resto envolto em belos desenhos e cores. E, assim, por impulsividade, sem a devida reflexão, o consumidor adquire o produto ou serviço, mas, ao recebê-lo de fato, constata que não era aquilo que realmente ansiava.
Segundo Felipe Peixoto Braga Netto[3], o direito de arrependimento “objetiva resguardar o consumidor das agressivas estratégias de vendas, perante as quais fixa esvaziada a capacidade do consumidor de meditar acerca da conveniência do ajuste. Muitas vezes o consumidor se deixa levar pelo impulso, ou mesmo se mostra incapaz de dizer não à insistência habilidosa do vendedor, e termina por adquirir um produto ou serviço que não precisava, ou pior, que não terá como pagar sem grava sacrifício pessoal”.
Importante frisar, ainda, que o direito de arrependimento somente existe no caso de aquisição do produto ou serviço fora do estabelecimento comercial, de modo que as lojas físicas não estão obrigadas a adotar essa prática caso o produto/serviço tenha sido adquirido dentro do estabelecimento. Trata-se, nesse caso, de mera liberalidade do fornecedor.
Nesse contexto, informa a doutrina especializada, segundo magistério de Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves[4] que “nas situações em que o produto ou serviço é adquirido no estabelecimento, não há o direito de arrependimento. Todavia, na prática, há um costume saudável de as empresas trocarem produtos, em especial quando o consumidor diz não estar satisfeito com eles; ou ainda porque o bem de consumo não lhe serviu. Os fornecedores assim os fazem para não perderem a clientela, mantendo um bom relacionamento com a coletividade consumerista”.
3. Análise do artigo 49 CDC
O direito de arrependimento é um direito protestativo – aquele ao qual não corresponde um dever, mas um estado de sujeição[5] - constituindo-se um direito unilateral do consumidor brasileiro que pode ser exercido de forma inteiramente imotivada, isto é, o consumidor não precisa descrever as razões pelas quais quer retornar o produto ou serviço.
Nesse sentido a jurisprudência:
EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. ART. 49 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DESFAZIMENTO DO CONTRATO. DIREITO POTESTATIVO DO CONSUMIDOR. EXERCÍCIO DENTRO DO PRAZO DE REFLEXÃO. PROVA. EXISTÊNCIA. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLÊNCIA. DANO MORAL CARACTERIZADO. MANUTENÇÃO DO VOTO MAJORITÁRIO. RECURSO DESPROVIDO.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONSUMIDOR QUE COMPRA BENS NO ESTABELECIMENTO DO FORNECEDOR POR MEIO DE CATÁLOGO DE PRODUTOS Equiparação da venda realizada por catálogo, em que não se tem contato visual com o produto final, à chamada "venda à distância", passível, portanto, de aplicação da regra insculpida no artigo 49, do Código de Defesa do Consumidor Direito ao arrependimento exercido dentro do prazo legal de 07 dias Astreintes compatíveis com o transtorno causado ao consumidor pela fornecedora, tendo em vista o atraso na entrega dos bens e a recusa de recebê-los quando do exercício do direito potestativo ao arrependimento - RECURSO PROVIDO EM PARTE.(TJ-SP - AI: 20592581920148260000 SP 2059258-19.2014.8.26.0000, Relator: Ana Catarina Strauch, Data de Julgamento: 22/07/2014, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/07/2014) (TJ-SC - EI: 20100417725 SC 2010.041772-5 (Acórdão), Relator: Salim Schead dos Santos, Data de Julgamento: 13/08/2013, Grupo de Câmaras de Drto. Comercial Julgado)
Ademais, o direito de arrependimento é irrenunciável de sorte que qualquer cláusula prevendo a renúncia do prazo de reflexão é tida como nula de pleno direito, pois o Código de Defesa do Consumidor é uma lei principiológica[6]. Na verdade, tal direito se constitui em uma denúncia vazia do contrato de consumo e que se aplica tanto à aquisição de produto como à aquisição de serviço.
O prazo para o exercício do direito de arrependimento é de no máximo 7 (sete dias) , de natureza decadencial, pois não se suspense e não se interrompe, e que deve ser contado da seguinte forma:
a)Da assinatura do contrato, quando não se tratar de contrato que não importa em entrega posterior do produto ou do serviço, como, por exemplo, contratação de serviços de TV a cabo feita por vendendo em domicílio; a aquisição de seguros em geral e planos de saúde feitas em domicílio; assinatura de revistas e jornais.
b)Do efetivo recebimento do produto ou serviço, quando se tratar de aquisição de produtos ou serviços, cuja emprega é posterior à celebração do contrato.
A manifestação da desistência, no prazo legal, pode ser feita por qualquer meio idôneo, mas o consumidor deve ter a cautela de poder prová-la, utilizando-se dos mesmos meios que usou para a compra.
Registre-se que, uma vez exercido o direito de arrependimento, a compra torna-se rescindida e as partes voltam ao status a quo ante, vez que a desistência tem efeitos ex tunc, devendo assim ser restituídas de imediato eventuais quantias pagas pelo consumidor, a qualquer título, devidamente corrigidas, nos termos do parágrafo único, art. 49 do CDC.
Outrossim, as despesas de transporte para devolução da mercadoria à loja deverão ser arcadas pelo fornecedor e, em nenhuma hipótese, podem ser repassadas ao consumidor, mesmo que o contrato assim preveja, consoante entendimento firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, noticiado no Informativo 582[7], vejamos:
ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. ART. 49 DO CDC. RESPONSABILIDADE PELO VALOR DO SERVIÇO POSTAL DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO DO PRODUTO. CONDUTA ABUSIVA. LEGALIDADE DA MULTA APLICADA PELO PROCON.
1. No presente caso, trata-se da legalidade de multa imposta à TV SKY SHOP (SHOPTIME) em razão do apurado em processos administrativos, por decorrência de reclamações realizadas pelos consumidores, no sentido de que havia cláusula contratual responsabilizando o consumidor pelas despesas com o serviço postal decorrente da devolução do produto do qual pretende-se desistir.
2. O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que, quando o contrato de consumo for concluído fora do estabelecimento comercial, o consumidor tem o direito de desistir do negócio em 7 dias ("período de reflexão"), sem qualquer motivação. Trata-se do direito de arrependimento, que assegura o consumidor a realização de uma compra consciente, equilibrando as relações de consumo.
3. Exercido o direito de arrependimento, o parágrafo único do art. 49 do CDC especifica que o consumidor terá de volta, imediatamente e monetariamente atualizados, todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, entendendo-se incluídos nestes valores todas as despesas com o serviço postal para a devolução do produto, quantia esta que não pode ser repassada ao consumidor.
4. Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor neste tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial (internet, telefone, domicílio). Aceitar o contrário é criar limitação ao direito de arrependimento legalmente não previsto, além de desestimular tal tipo de comércio tão comum nos dias atuais.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1340604/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013)
Por fim, importante ressaltar que o direito de arrependimento foi regulamentado pelo Decreto nº 7.962/2013, no que se refere ao comércio eletrônico.
4. Conclusão
Conclui-se, assim, que o direito de arrependimento é um importante instrumento consagrado no ordenamento jurídico pátrio em favor do consumidor. Poderá ser utilizado sempre que a compra se der fora do estabelecimento comercial, desde que aquele desista do negócio em um prazo máximo de 7 (sete) dias corridos, contados da assinatura do contrato ou do recebimento do produto/serviço.
O direito em estudo pode ser exercido de forma absolutamente imotivada, assim como a renúncia prévia ao prazo de reflexão prevista contratualmente deve ser considerada nula de pleno direito.
Ademais, uma vez exercido o direito de arrependimento, a compra torna-se rescindida e as partes voltam ao status a quo ante, cabendo ao fornecedor restituir eventuais quantias pagas pelo consumidor e arcar com as despesas de transporte para devolução da mercadoria ao estabelecimento.
5. Referências Bibliográficas
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Direito de arrependimento: ônus de pagar as despesas postais é do fornecedor. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/8f7d807e1f53eff5f9efbe5cb81090fb>. Acesso em: 19/06/2017
NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manual de Direito do Consumidor. 10ª ed. Bahia: Ed. JusPodivm. 2015.
TARTUCE, Flavio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. Direito Material e Processual. 6ª ed. São Paulo: Método, 2017
[1] Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
[2] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p.133.
[3] NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manual de Direito do Consumidor. 10ª ed. Bahia: Ed. JusPodivm. 2015, p. 381.
[4] TARTUCE, Flavio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. Direito Material e Processual. 6ª ed. São Paulo: Método, 2017, p. 348
[5] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p.134.
[6] Art. 1º CDC - O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
[7] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Direito de arrependimento: ônus de pagar as despesas postais é do fornecedor. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/8f7d807e1f53eff5f9efbe5cb81090fb>. Acesso em: 19/06/2017
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito do Estado pela Faculdade Guanambi.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HORA, Maria Tereza Targino. O Direito de Arrependimento no Código de Defesa do Consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50346/o-direito-de-arrependimento-no-codigo-de-defesa-do-consumidor. Acesso em: 22 nov 2024.
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