RESUMO: Trata-se o presente trabalho de fomentar a reflexão dos operadores do Direito acerca da dicotomia existente entre normais morais e normas jurídicas sob a ótica Kelseniana e Realiana. A distinção entre Moral e Direito não se trata de discussão ultrapassada, uma vez que a evolução social reavive os debates jurídicos acerca de tal temática. Desta forma, utilizou-se a obra de Hans Kelsen a fim de topicalizar os estudos, complementando tal estudo com as importantes observações feitas pelo saudoso Miguel Reale.
Palavras-chave: Hans Kelsen, direito, moral, Miguel Reale, normas morais, normas jurídicas.
SUMÁRIO: Introdução 1.As Normas Morais como Normas Sociais 2.A Moral como Regulamentação da Conduta Interior 3.A Moral como Ordem Positiva sem Caráter Coercitivo 4.O Direito como Parte da Moral 5.A Relatividade do Valor Moral 6.Separação do Direito e da Moral 7.Justificação do Direito pela Moral Considerações Finais Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Uma das problemáticas mais interessantes abordadas no âmbito jurídico abrange a questão do vínculo existente entre Direito e Moral, o que permite infinitos debates doutrinários acerca do assunto.
Nos tempos da Grécia Clássica, por exemplo, o filósofo Aristóteles desenvolveu suas considerações a respeito da ciência jurídica, denotando uma ausência de distinção entre esta e a Moral. Tal fato é fundamentado na visão helênica de que tudo teria uma finalidade predeterminada, e a Moral tenderia, por sua vez, a ser uma expressão do próprio Direito.
Entretanto, sendo esta uma ciência temporal e, portanto, mutável, as concepções e pensamentos vão diferindo de acordo com as mais variadas condições de tempo-espaço. Para o jurista Hans Kelsen, em cuja obra está todo o embasamento dos tópicos que virão a ser apresentados, a ideia de que a distinção entre Direito e Moral está na interioridade desta e na exterioridade daquela não é acertada. Sua crítica repousa no fato de que as duas ordens sociais podem ora regular condutas internas, ora regular as externas, sendo esse critério, por conseguinte, insustentável.
Antes mesmo de explanar os tópicos do texto, é imprescindível ressaltar que tais subdivisões visam a apresentação das mais variadas concepções tidas acerca do assunto em questão, mas que em seguida, serão devidamente rebatidas, a fim de se chegar a uma conclusão sobre o assunto.
“Ao homem afoito e de pouca cultura basta perceber uma diferença entre dois seres para, imediatamente, extremá-los um do outro, mas o mais experientes sabem a arte de distinguir sem separar, a não ser que haja razões essenciais que justifiquem a contraposição” [1]
1. As normas morais como normas sociais
Kelsen parte da premissa que, ao referir-se ao Direito como uma norma que se encontra no interior de uma específica ciência jurídica, tanto esta como seu objeto estão sendo delimitados em face da ciência natural. Ou seja, o físico é deixado de lado, e o estudo passa a tratar dos aspectos humanos: o homem como indivíduo e ser social.
Contudo, juntamente com as normas jurídicas, há outras que ajustam o comportamento dos homens entre si, as quais são abrangidas no domínio da Moral. Então, é a partir deste ponto que surge a questão de não se conseguir separar, com a devida clareza, esta – a Moral – do Direito.
Não obstante, é necessário, primeiramente, distinguir os conceitos de ética e moral que, conforme o jurista em questão, são frequentemente confundidos.
“Moral é a moral prática, é a prática da moral. É a moral vivida (...). O problema moral corresponde à singularidade do caso daquela situação, é sempre um problema prático-moral. Os problemas éticos são caracterizados pelas generalidades, são problemas teórico-éticos.” [2]
Assim, pode-se inferir que a moralidade pode ser evidenciada através do que é vivido, da vida cotidiana, e pode ser visto como algo que é cumprido espontaneamente.
Com esse pressuposto, o cunho social da moral entra em colapso, uma vez que estabelece normas não somente sobre o comportamento de um homem em face de outrem (apontando-se que tais normas apenas são concebidas na mentalidade daqueles que vivem em sociedade), mas também em face de si mesmo. Um exemplo disto é o suicídio. Um simpósio acerca do assunto, patrocinado por uma fundação americana em Miami[3], revelou que esses casos geralmente estão associados a transtornos psiquiátricos ou ao abuso de drogas.
Nesse sentido, depreende-se que, embora a decisão de tomar tal iniciativa seja rigidamente individual, a norma moral atua sobre ela de modo a proibi-la. São as designadas atitudes normativas, isto é, diante da possibilidade de ação/reação violenta de um indivíduo, estabelece-se o prévio impedimento da mesma. Acerca das atitudes normativas:
“Atitudes normativas são (...) expectativas cuja durabilidade é garantida por uma generalização não adaptativa, isto é, admitem-se as desilusões como um fato, mas estas são consideradas como irrelevantes para a expectativa generalizada” [4]
2. A Moral como regulamentação da conduta interior
Hans Kelsen defende que a concepção, frequentemente seguida, de que o Direito prescreve uma conduta externa e a Moral uma conduta interna não é acertada. Tal crítica se assenta, sobretudo, na asserção de que por vezes o direito regula condutas internas e por vezes regula as externas, assim como se sucede com a moral.
Um exemplo que ilustra bem essa proposição – mencionado não apenas pelo autor supracitado, mas também explanado por Miguel Reale – é o de que quando uma ordem jurídica torna ilegal a execução de um homicídio, está proibindo não só a produção da morte de um homem pelas mãos de outro, mas também a intenção de se cometer tal crime.
É o que no Direito Penal distinguem-se como crimes dolosos e culposos. Uma pessoa que saca uma arma com a intenção de ferir um desafeto está praticando um crime doloso, uma vez que o ato é uma concreção de sua vontade. Todavia, um motorista que atropela um pedestre, acidentalmente, responderá pela infração sem, no entanto, a adição da intenção dolosa.
“Dolosos são as infrações da lei penal que resultam da intenção propositada do agente (...). O crime culposo, ao contrário, é aquele pelo qual alguém causa dano, mas sem intenção de praticá-lo.” [5]
Segundo a concepção Kelseniana, a ideia de que a moral (e não o Direito) exige um determinado comportamento “interno” do homem, implicaria na asserção de que tal comportamento, para ter um valor moral, deveria ser realizado essencialmente de modo a reprimir as inclinações (ou interesses egoísticos) de cada um; uma vez que é sabido que indicar unicamente uma conduta que corresponda a todos os interesses dos receptores dessa norma seria inútil, pois os homens tendem a seguir suas vontades sem a necessidade de serem obrigados a tal.
Por outro lado, a afirmação de que para garantir sua eficácia, uma norma moral pode criar para os indivíduos o interesse de se prosseguir em harmonia com o ordenamento da sociedade e se opor aos interesses que possivelmente atuariam sem a presença desta regra não supõe atestar que as normas morais determinam que o homem deva, na sua conduta, proceder de encontro às suas inclinações e agir por outros motivos quaisquer.
A moralidade não é válida, necessariamente, na atuação das pessoas contra seus os próprios desejos. Se assim fosse, o indivíduo que cometesse um crime a mando de outro estaria isento de culpa. A concepção de moral, portanto, abarca não só o motivo, mas também a conduta motivada.
“O critério de reconhecimento de um mandamento como moralmente imposto é sua aceitação por um grupo de pessoas (...). A moral só possui validade se o indivíduo reconhecê-la como vinculante” [6]
3. A moral como ordem positiva sem caráter coercitivo
Critérios como o meio de produção e/ou aplicação de suas normas não são suficientes para distinguir essencialmente o Direito da Moral, já que esta, tal como aquele, fundamenta-se nos costumes e tradições da sociedade, ou em outras palavras, são consuetudinários. Nesse sentido, a Moral é assim como o Direito, positiva (deixando-se de lado o absoluto).
Não obstante, é necessário lembrar o fato de que a ordem moral não vê a necessidade de quaisquer tipos de instituições para garantir a aplicação de suas normas, enquanto o Direito apoia-se, por exemplo, em forças políticas que vão instaurar um determinado ordenamento jurídico.
Ademais, Kelsen defende a ideia de que existe entre Direito e Moral uma diferença básica que repousa na forma como são aplicadas as suas normas. Esta maneira pode ser indicada por uma palavra: coercibilidade, e isto quer dizer que o cumprimento compulsório de uma regra satisfaz o mundo jurídico (que é compatível com a força), todavia continua alheio ao campo essencialmente moral.
De acordo com os juristas que seguem essa teoria, o Direito pode definido como uma ordenação coercível da conduta humana, uma vez que o uso da força representa tão somente uma opção em potencial para garantir a execução de determinada norma quando esta não é espontaneamente cumprida. O filósofo alemão Emanuel Kant esclarece essa estruturação afirmando ser a Moral autônoma e o Direito heterônimo, sendo a sociedade, portanto, composta por autonomias individuais que devem funcionar sob um imperativo categórico materializado na ordem constitucional[7].
Entretanto, vale salientar que a concepção de Direito não deve ser reduzida à força (particularmente a força física), tal como o poder coercitivo não pode ser confundido com o uso de violência. Um exemplo histórico que elucida esta associação um tanto quanto equivocada foi o notório advogado Mahatma Ghandi que teve força suficiente para ir ao encontro da independência da Índia em face à poderosa Inglaterra sem, no entanto, abrir mão de suas ações unicamente pacifistas. Ainda sobre a relação poder-força, o filósofo político Norberto Bobbio afirma, em uma de suas principais obras, que a força é necessária para o exercício do poder, contudo não existe para justificá-lo, nem para servir de instrumento fundamental para ele[8].
Essa desvinculação entre Direito e Moral a partir da presença ou não de um caráter coercitivo implica no estabelecimento de sanções. No campo da Moral, elas consistem meramente em desaprovações por parte de outrem; por outro lado, no que se refere ao Direito, o desrespeito às suas normas impõe algumas penalidades, desde pagamento de multas, por exemplo, à reclusão do indivíduo.
“Imperativo jurídico é, como define SOMLÓ, ‘a expressão de uma vontade que se dirige ao comportamento de terceiro, sem se preocupar de saber se esse terceiro está ou não disposto a acatá-la’; porque se, ao contrário, for solicitado consentimento, tratar-se-á de conselho ou advertência, não de lei.” [9]
4. O Direito como parte da Moral
Sendo o Direito e a Moral diferentes sistemas de normas, surge a preocupação com a delimitação desses dois campos, bem como com as suas interações (tanto entre si como entre estes e outros fatores).
Nesse quesito, a problemática se apresenta em um duplo sentido, uma vez que se pode pretender a indagação da relação que de fato existe entre essas duas ordens ou a tentativa de descobrir que relação deve existir.
Por vezes responde-se que o Direito é essencialmente moral, ao considerar que tudo que por ele é proibido ou prescrito também o será no domínio da moral. Essa visão é brilhantemente ilustrada por Miguel Reale – que segundo ele se trata de uma concepção ideal – ao dizer que corresponde à representação gráfica de dois círculos concêntricos, sendo o círculo maior o da Moral e o menor, do Direito. Assim, tudo o que fosse jurídico seria moral, mas sua recíproca não seria verdadeira.
No entanto, essa relação também é respondida de outra maneira, quando se entende por moral como sendo tudo aquilo que é justo, podendo o Direito estar (ou não) completamente envolvido nesse âmbito.
Diante dessas duas relações aparentemente antagônicas, surgem algumas considerações feitas por Hans Kelsen ao atentar que, para se comparar essas duas ordens sociais, a fim de se encontrar uma analogia entre ambas, suas formas (que como já foi dito anteriormente, distinguem-se pelo fator da coerção) são deixadas de lado, e o que passa a ser considerado é o seu conteúdo.
Nesse sentido (e somente nele), ao se admitir que o Direito tenha por sua própria essência um conteúdo moral (justo), conclui-se, portanto, que a ciência jurídica é uma parte constituinte da ordem moral. Para tal, utiliza-se do pressuposto de que existe apenas uma moral que é válida, a moral absoluta, e que apenas as normas pertencentes a ela podem ser consideradas Direito.
Vale salientar que esta tese visa apenas uma justificação da normatividade do Direito, e que do ponto de vista cientifico, quaisquer supostos de valores absolutos são rejeitados, não permitindo, portanto, a existência de uma Moral absoluta, ou seja, a existência de uma moral que exclua a possibilidade de validade de qualquer outra. Sobre o assunto:
“Existe o desejo incoercível de que o Direito tutele só o ‘lícito moral’, mas, por mais que os homens se esforcem nesse sentido, apesar de todas as providências cabíveis, sempre permanece um resíduo de imoral tutelado pelo Direito” [10]
5. A Relatividade do valor moral
Em sua doutrina, Kelsen evidencia o caráter relativo da Moral que, para ele, possui um conteúdo variável, não apenas pela época ou pelo espaço, como também por grupos ou indivíduos inseridos nas mesmas circunstâncias.
Tendo em vista essa grande diversidade do que os homens consideram (e já consideraram) bom ou mau, justo ou injusto, moral ou imoral, não se pode especificar um elemento em comum abrangido pelas diferentes ordens morais.
Assim sendo, pode-se inferir que culturas diferentes possuem valores morais diferentes. Isto é, o que se pensa ser correto em um grupo pode ser completamente repulsivo para os membros de outro, e vice-versa.
Desde a época de Heródoto, os observadores mais perspicazes se adaptaram à ideia de que diferentes costumes e tradições implicam em diferentes concepções de certo ou errado. Um exemplo disso são os esquimós, um povo remoto e pouco acessível que quase não se conhecia a respeito até o início do século XX. Sua cultura mostrou-se bastante diferente da ideia que se tem de comum: a poligamia era frequente entre os homens, que ainda compartilham suas mulheres com os convidados, em sinal de boa hospitalidade.
Além disso, dentro da própria comunidade, um homem poderia exigir a mulher de outro, e esta, se aceitasse, teria total permissão para se separar do marido e se unir ao novo companheiro. Isso mostra, portanto, que a prática esquimó representaria um sistema em nada semelhante com a ideia habitual de casamento da sociedade ocidental e de orientações cristãs, mas tal fato não faria dela incorreta apenas por ser diferente.
Ainda na busca pelo elemento comum a todos os sistemas morais possíveis, Kelsen cita a conservação da paz e a repugnância a toda e qualquer forma de violência. Entretanto comprova logo em seguida que estes não representam em nenhum caso o valor mais elevado de Moral, e ainda, que para muitos nem sequer representa valor algum.
Portanto, depreende-se que não existe um padrão independente de certo e errado ao qual os diferentes costumes estariam submetidos. Estes teriam, pois, como único elemento necessariamente comum o fato propriamente dito de serem normas sociais, ou seja, normas que estabelecem uma determinada conduta aos homens (ou simplesmente o caráter “dever-ser” da norma).
Assim, norma e valor são conceitos que possuem uma relação mútua, recíproca. Com efeito, o Direito corporiza um valor, isto é, constitui um valor, que nesse caso é o jurídico, precisamente pelo fato de ser uma norma.
Sob tais pressupostos, não se pode admitir uma exigência mínima de moral para o Direito, uma vez que isso suporia a existência de uma Moral absoluta. E, nesse sentido, o Direito estaria submetido a códigos morais específicos de determinada sociedade no qual estiver inserido (sendo, portanto, relativo).
6. Separação do Direito e da Moral
Kelsen desbravou esse tema, tão recorrente nas ciências sociais, sob a perspectiva herdada de Emanuel Kant, para quem Direito e Moral estariam em planos distintos.
Como representação dessa concepção está mais uma ilustração de Miguel Reale, dessa vez correspondendo à visão que em suas palavras seria real, ou pragmática, das relações entre o Direito e a Moral[11].
Ainda segundo a visão realiana, essas duas ordens sociais seriam representadas através de dois círculos secantes, induzindo que há um campo do Direito que não seria moral nem completamente imoral. Para entender tal observação, é preciso ter em mente que fora do domínio da moral há sim o “imoral”, mas também existe aquilo que é apenas indiferente às normas morais, isto é, o “amoral”.
Por exemplo, na grande maioria dos países ocidentais, as regras de trânsito determinam que os motoristas obedeçam à mão direita. Em outros países, como o Japão, as normas exigem se obedeça à mão esquerda. Essas diferentes concepções nas normas jurídicas, entretanto, não influem em nada na vida moral, são escolhidas por razões puramente técnicas, de utilidade social. Assim sendo, é inadequado afirmar que tudo que se sucede no mundo do Direito é prescrito por motivos de ordem moral.
Isto, porém, não significa que o Direito nada tenha a ver com a Moral, ou que não se encaixe no conceito de bom. Inclusive, na concepção Kelseniana, é nesse sentido que o conceito de bom deve ser determinado como “o que deve ser”, isto é, corresponder a uma norma. Tal fato traduz que é possível a relação entre a ordem jurídica e um dos vários sistemas de moral possíveis, mas não a relação daquela com uma moral absoluta única e válida. Em outras palavras, aquilo que é tomado por juízo de valor em determinada situação não pode existir com a intenção de negar a possibilidade de valores opostos.
Sobre esta proposição, Kelsen explana que uma moral simplesmente relativa não cumpre a função que lhe é exigida, conscientemente ou não, de fornecer certa medida (padrão) para a valoração uma ordem jurídica positiva. Isso não quer dizer que não exista qualquer medida, uma vez que qualquer moral pode servir para esse propósito. O que se deve ter em vista, porém, é que, ao se apreciar moralmente uma ordem jurídica, não se está rejeitando uma diferente valoração com base em outro sistema de moral.
7. Justificação do Direito pela Moral
Kelsen conclui o encadeamento de seu pensamento acerca da dualidade entre Direito e Moral afirmando que se todo Direito positivo, isto é, em vigência, fosse bom e, portanto, justo, nada existiria que pudesse ser mau. No entanto, se assim o fosse, o raciocínio jurídico, de caráter propriamente dicotômico, não versaria sobre o que é lícito ou ilícito, justo ou injusto.
A validação do Direito positivo por uma ordem moral que seja, de chofre, diferente da ordem jurídica não possui mera relevância, uma vez que esta ciência não repousa sob a função de aprovar ou desaprovar seu objeto (que no caso em questão é o Direito), tem apenas de o conhecer e descrever. Isto não impede, porém, que as normas jurídicas constituam valores; ela apenas não faz destes a sua justificação nem dependem de corresponder à ordem moral para existir.
Nesse sentido, o que é preciso ser esclarecido é de onde partem esses valores, uma vez que, como já foi dito anteriormente, não há uma Moral absoluta, mas sim diversos sistemas de Moral profundamente distintos e, por vezes, controversos entre si.
Tal questionamento é deveras singelo ao se assumir que uma ordem jurídica pode corresponder, num todo, às concepções morais de um determinado grupo da população (trata-se, geralmente, da pertencente à camada dominante) na sociedade na qual está inserida.
É de se perceber, portanto, que a ideia daquilo que é moralmente justificável está em permanente mutação, já que certas normas jurídicas que entraram em vigor por corresponder às exigências morais de então, podem ser consideradas imorais (rejeitando, novamente, a concepção de Direito como sendo essencialmente moral, que por sua vez expurga o pressuposto de uma Moral como única válida).
Por fim, do ponto de vista da ciência jurídica, a proposição de que já que a própria ordem coercitiva seria Direito, e esta, por sua vez, deveria ser também moral, é insuficiente, uma vez que a ciência supracitada não tem de legitimar o Direito, e sim realizar seu conhecimento e reconhecimento através da ordem normativa que lhe compete.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sua vida cotidiana, o homem está constantemente cumprindo regras que lhe são impostas de uma maneira ou de outra, e que têm por objetivo regular suas condutas não apenas em face do resto da sociedade, mas também perante a si próprio.
Nesse contexto, nos deparamos com algumas normas que somos obrigados a cumprir, ou seja, que são imperativas, uma vez que consistem em comportamentos considerados essenciais para o funcionamento adequado da vida social.
São normas que buscam o bem estar coletivo, bem como o equilíbrio e manutenção das relações humanas no ambiente comunitário, não dependendo, portanto, da mera sujeição à liberdade individual de ir e vir. Tais imposições encontram-se no campo do Direito, que se vale até mesmo da coerção para garantir seu desempenho.
Para conceituar o Direito, faz-se necessária a concepção kantiana de heteronomia, bem como a explanação da ideia de bilateralidade atributiva. Esta última, muito bem tratada por Miguel Reale, se trata da representação da relação jurídica entre dois sujeitos do Direito, sendo um passivo e o outro ativo, podendo este exigir e ordenar algo ao outro, garantidamente, perante a lei. Isto significa que o Direito possui um caráter bilateral, uma vez que ao mesmo tempo em que impõe deveres, também confere direitos.
Por sua vez, o domínio da moral é muito mais amplo e, além de ser incoercível, apenas impõe deveres. De maneira geral, a aceitação dessas normas fica a cargo de consciência de cada um e não implica em sanções.
Em Teoria Pura do Direito, a principal corrente de Kelsen consiste em negar a inquirição de que o Direito se limita a abranger regras unicamente morais. De fato, existem normas jurídicas que descendem de preceitos morais pré-estabelecidos pelos costumes e tradições de determinada sociedade. Mas afirmar que todas as leis de um lugar seguem necessariamente algum conteúdo moral é cometer um grande equívoco.
Existem normas alheias ao campo da moral, as chamadas “amorais”, bem como normas que prescrevem fatos considerados imorais por algumas sociedades, mas que são, ao ver do Direito, perfeitamente legais. Como é o caso, por exemplo, de alguns questionamentos de discussão recorrente, entre eles a união entre homossexuais, o aborto e a prostituição, que são aceitos em alguns países enquanto chegam a ser proibidos em outros.
Diante de tantos argumentos e teses sobre a relação do Direito com a Moral, percebe-se que se trata de uma questão inacabada. Contudo, devem-se discernir esses dois grandes segmentos da vida, sem, porém, separá-los em duas extremidades opostas.
O Direito estuda os sistemas legais, tendo suas leis impostas coercitivamente pelo Estado. Por outro lado, a Moral é um conjunto de normas e condutas ditadas pelos costumes e tradições sem a necessidade de interferência de quaisquer tipos de instituições.
Sabe-se, no entanto, que aquelas normas morais consideradas fundamentais para a manutenção da vida social, passam a ser tuteladas por um órgão ordenador. Desobedecer a uma lei significa estar sujeito à sanção apropriada, enquanto que ir contra uma norma moral implica apenas na reprovação da sociedade.
“Nem por ser diferente a conformação do Sol em face da Terra, pode-se deixar de reconhecer a influência que ele exerce na vida de nosso planeta. Assim a Moral e o Direito. Nem por neles se manifestarem, a parte de pontos de analogia, outros de diferença, nem por isso é possível desconhecer-se a influência básica da Moral sobre o Direito.” [12]
Bibliografia
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DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007.
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KELSEN, Hans, 1881-1973. Teoria Pura do Direito / Teoria Pura do Direito / Hans Kelsen ; [tradução João Baptista Machado]. – 6 ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998 – (Ensino Superior)
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SILVA, Alcino Lázaro. Temas da Ética Médica. Belo Horizonte: Cooperativa Editora de Cultura Médica, 1982.
[1] REALE, Miguel. Lições Preliminares do Direito. 25ª ed - São Paulo: Ed. Saraiva, 2001.
[2] QUEIRÓZ, Júlio Sanderson In: Alcino Lázaro Silva, Temas de Ética Médica, 1982, p. 23
[3] NIELSEN D, ROY A, RYLANDER G, SARCHIAPONE M, SEGAL N, 1999 traduzido pela revista Resenha de Psiquiatria (vol. 7) Disponível em , Acessado em 20 de Agosto de 2010
[4] FERRAZ, Tércio Sampaio, Introdução ao Estudo do Direito, 2003, p. 104
[5] REALE, Miguel, Lições Preliminares do Direito, 2001, p. 51
[6] DIMOULIS, Dimitri, Manual de Introdução ao Estudo do Direito, 2007, p. 100-101
[7] Kant e o Cosmopolitismo. Disponível em , Acessado em 20 de Agosto de 2010
[8] BOBBIO, Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, 1995, p. 66
[9] LIMA, Hermes, Introdução à Ciência do Direito, 1977, p.37
[10] (REALE, Miguel, Lições Preliminares do Direito, 2001, p.40)
[11] REALE, Miguel. Lições Preliminares do Direito. 25ª ed - São Paulo: Ed. Saraiva, 2001.
[12] SERPA LOPES, Miguel Maria de, Curso de Direito Civil, 1997. Disponível em , Acessado em 22 de Agosto de 2010.
Advogada formada pela Universidade Católica de Pernambuco em janeiro de 2015.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Bárbara Alice Fort dos. A relação entre Direito e Moral sob a ótica Kelseniana e Realiana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50367/a-relacao-entre-direito-e-moral-sob-a-otica-kelseniana-e-realiana. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
Por: LETICIA REGINA ANÉZIO
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