RESUMO: O presente estudo tem como escopo analisar a conformidade das normas que estabelecem as alíquotas do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza da pessoa física com o princípio da capacidade contributiva. O citado princípio constitucional exige que os indivíduos sejam tratados de maneira que se vejam reconhecidas as suas diferenças, ou seja, a capacidade econômica de cada um, atribuindo um tratamento adequado a sua condição desigual. Assim, através da progressividade das alíquotas, o encargo fiscal deve ser tanto maior quanto efetivamente maiores forem as possibilidades econômicas das pessoas que o suportam. A metodologia de abordagem utilizada foi a dedutiva, combinada com o procedimento comparativo e com as técnicas bibliográfica e documental.
PALAVRAS-CHAVE: Princípio da Capacidade Contributiva; Progressividade; Alíquota; Imposto sobre a Renda; Pessoa Física.
SUMÁRIO: Introdução; 1. IRPF e suas principais características; 2. Princípio da Capacidade Contributiva; 3. Alíquotas do IRPF e o Princípio da Capacidade Contributiva; 4. Inobservância do princípio constitucional; 5. Considerações Finais; 6. Referências
INTRODUÇÃO
O Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza da pessoa física (IRPF), de competência da União, é cobrado de forma individual sobre a disponibilidade jurídica e econômica das pessoas físicas em decorrência da renda de capital, da renda do trabalho e dos proventos de qualquer natureza, este definido como todo o acréscimo não compreendido no conceito de renda.
O ordenamento jurídico de uma nação é sempre elaborado com o intuito de buscar a justiça social através da atenuação das desigualdades que porventura existam. Tal desigualdade no campo da distribuição de rendas gera um grande problema social, por conseguinte, o legislador não pode instituir o IRPF para todos os cidadãos na mesma intensidade, sob pena de levar aqueles que têm pouco à ruína total.
Para a solução desse empecilho, na elaboração da norma tributante devem ser observados uma série de princípios, dentre eles o princípio da capacidade contributiva, inserido no § 1º, art. 145, da Constituição Federal (CF), que embora tratado em seção diferente das restrições à tributação, traduz em seu conteúdo conceitos de limitações ao poder de tributar, sendo um instrumento legal a ser observado pelo legislador para promover a justiça fiscal.
O IRPF é o mais famoso tributo brasileiro e em dezembro de 2016 completará 94 anos de existência.
O Estado brasileiro, assim como qualquer outro, necessita obter recursos suficientes para o alcance das suas finalidades como a segurança, saúde, lazer, cultura, infraestrutura, bem-estar social etc. No tocante aos impostos federais, o imposto de renda é a principal fonte arrecadadora (ALEXANDRE, 2011, p. 569) da União, sendo o que mais onera o contribuinte de forma individual, percebendo aí sua predominante função típica que é a fiscal, ou seja, prover de dinheiro os cofres públicos para que o Estado possa executar os seus fins.
Há de se ressaltar também sua função atípica, ou extrafiscal, observada ao utilizar o imposto de renda para favorecer a realização dos mais elevados objetivos sociais econômicos e políticos, como por exemplo, melhor distribuição de renda do país.
Assim, sendo um tributo direto e pessoal, através da severa aplicação do princípio da capacidade contributiva, o IRPF deve ser utilizado como meio hábil para promover a tão almejada justiça social.
De acordo com o art. 45 do Código Tributário Nacional (CTN), é contribuinte a pessoa física, titular de renda ou proventos de qualquer natureza. O Fato gerador é a aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica dessas riquezas (art 43, CTN) e a base de cálculo é o valor do montante, real, presumido ou arbitrado (art 44, CTN).
A Carta Magna, ao regular com mais cautela e especificidade o IRPF, trouxe no inciso I, § 2º do art. 153, a exigência de que o IR “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei”.
De acordo com os ensinamentos de Eduardo de Morais Sabbag (2006, p. 416) “a generalidade alcança “todos que experimentem acréscimos patrimoniais, sem distinções entre pessoas ou profissões”. Já universalidade “alcança todos os fatos que podem estar subsumidos na hipótese de incidência, sem critérios de seletividade”. Por fim, a progressividade hospeda-se nas dobras do princípio da capacidade contributiva, dispondo que “à medida que aumentar o acréscimo patrimonial deve aumentar a tributação”. Em outras palavras, quanto maior for a base de cálculo, as alíquotas deverão ser progressivamente maiores.
2. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade, mais precisamente seu subprincípio, o da isonomia (art. 5o, caput, CF c/c art. 150, II, CF), ajudando a realizar no campo tributário os ideais republicanos.
É realmente justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague proporcionalmente mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Dessa forma, os indivíduos são tratados de maneira que se vejam reconhecidas as suas diferenças, atribuindo um tratamento adequado a sua condição desigual.
Vale ressaltar que no caso específico do IRPF, a capacidade contributiva exterioriza-se através da técnica da progressividade, estabelecendo ainda que timidamente, alíquotas diferenciadas à medida que forem aumentadas as bases de cálculo.
O princípio da capacidade contributiva está previsto na Constituição da Republica Federativa do Brasil em seu artigo 145, § 1o, cuja tradução é a seguinte:
§ 1o Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os rendimentos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Há impostos que por sua natureza não permitem a observação do referido instituto, como o ICMS, cuja carga econômica é repassada para o preço da mercadoria. Quem a suporta não é o contribuinte, mas consumidor final. Para estes impostos indiretos, o legislador criou outra técnica de exteriorização da capacidade contributiva chamada de Seletividade, no intuito de aumentar a alíquota quanto maior for a superfluidade do produto.
Alíquota é o critério legal, normalmente expresso em porcentagem, que, conjugado à base de cálculo, permite que se chegue ao quantum debeatur. Forma com a base de cálculo o elemento quantitativo do tributo e, de certo modo, também está predefinida na Constituição Federal.
Embora o legislador, ao criar in abstracto o tributo tenha alguma liberdade para fazê-la variar, não pode elevá-la ilimitadamente, pois acarretaria lesão ao direito fundamental constitucionalmente garantido da capacidade contributiva e consequentemente ao princípio do não-confisco.
O princípio da capacidade contributiva impõe, em resumo, que o encargo fiscal deve ser tanto maior quanto maiores forem as possibilidades econômicas das pessoas que o suportam. Concernente às alíquotas, o referido mandamento exterioriza-se através do citado critério da progressividade, exigindo o aumento das mesmas à medida que forem aumentando a base de cálculo do gravame.
Sendo um dos instrumentos de distribuição de renda, o IRPF gozaria de uma correta aplicação do princípio da capacidade contributiva, se as faixas de contribuição, de maneira efetiva, alcançassem mais quem aufere renda maior e menos quem aufere renda menor, isso tudo, por força da progressividade das alíquotas.
Atualmente, a legislação fixa as seguintes alíquotas para o IRPF [1]: a) base de cálculo mensal até R$ 1.903,98, isento; b) de R$ 1.903,99 até R$ 2.826,65, alíquota de 7,5%; de R$ 2.826,66 até R$ 3.751,05, alíquota de 15%; de R$ 3.751,06 até R$ 4.664,68, alíquota de 22,5% e acima de R$ 4.664,68, alíquota de 27,5%.
Ora, fica nitidamente fácil verificar que a intenção do legislador de promover uma adequada justiça social, através da progressividade das alíquotas, acabou qualificando e dividindo os contribuintes em apenas cinco classes, sendo que há quatro classes até o valor de R$ 4.664,68 e uma e somente uma classe acima desse valor. E isso, logo em um país como o Brasil que tem elevadíssima desigualdade social.
As normas que tratam da capacidade contributiva e da progressividade são normas cogentes, isto é, de observância obrigatória pelo legislador. A lei pode regular o modo pelo qual se dará a observância da pessoalidade do gravame e a progressividade de suas alíquotas, mas, de maneira alguma, pode contrariar uma exigência constitucional sob pena de incorrer em inconstitucionalidade.
Dessa maneira, a tímida progressividade do IRPF repercutiu praticamente na diferenciação de contribuintes com situações econômicas muito semelhantes, visto que a capacidade contributiva das pessoas passíveis de tributação com as alíquotas 15% e 22%, por exemplo, é praticamente a mesma.
Além disso, ao verificar a possibilidade de determinado contribuinte com rendimento mensal de R$ 4.664,69 ter o mesmo tratamento tributário daquele que embolsa todo mês R$ 100.000,00 (alíquota de 27,5%), torna-se evidenciada que a progressividade das alíquotas do IRPF não está em harmonia com o mandamento constitucional da capacidade contributiva.
Ademais, vale ressaltar como crítica principal que variação da base de cálculo é infinitamente desproporcional à variação da alíquota. Por exemplo, enquanto aquela tem um acréscimo de apenas R$ 922,67 (R$ 2.826,66 – R$ 1.903,99), esta dobra, indo de 7,5% para 15%. Em outro exemplo, enquanto a base de cálculo é majorada em R$ 95.335,31 (R$ 100.000,00 - R$ 4.664,69) a alíquota não sofre alterações permanecendo os mesmos 27,5%. Evidente é a desconformidade com o que preconiza a Constituição Federal.
Nesse sentido urge citar as palavras de Alexandre Barros Castro (2004, p. 158), que apesar de referir ao sistema com duas alíquotas, serve, também, como crítica ao sistema atual:
As alíquotas progressivas presentes pela sistemática em vigor praticamente igualam as cotas das diferentes classes de contribuintes, contrariando o ideal preconizado pelo legislador constitucional de redistribuição de renda, e propiciando, ao revés, ainda maior concentração de riqueza no país. Um modelo verdadeiramente injusto e inconstitucional, por burlar não só a universalidade e a progressividade próprias do IR, mas também o princípio da capacidade contributiva.
Assim, a legislação só estaria em harmonia com a capacidade contributiva dos contribuintes e com a progressividade das alíquotas, se estipulasse mais alíquotas e essas fossem aumentando à medida que aumentassem verdadeira e expressivamente a capacidade contributiva dos sujeitos passivos.
Portanto, para promoção de uma verdadeira justiça social, é imprescindível que o legislador leve em conta, o quanto possível, a real capacidade econômica das pessoas físicas. Dispensar o mesmo tratamento àqueles que se encontram em situações econômicas diversas fere a ideia de justiça fiscal que o princípio da igualdade imprime ao sistema tributário. Daí se torna imprescindível a existência dos instrumentos de desigualdades tributárias, exatamente para que contribuintes que se encontrem em situações econômicas diversas recebam distinto tratamento fiscal, suportando em termos proporcionais, carga tributária semelhante.
Historicamente a progressividade no Brasil andou bem até 1988, depois foi reduzida para apenas duas alíquotas e a sistemática atual possui quatro alíquotas. Do ano de 1979 a 1982 existiam 12 faixas de tributação com alíquotas variando de 0 a 55%; de 1983 a 1985, 12 faixas e alíquotas de 0 a 60%; de 1986 a 1987, 11 faixas e alíquotas de 0 a 50%; em 1988, 9 faixas e alíquotas de 0 a 45%; de 1989 a 1991, 2 faixas e alíquotas de 10 e 25%; em 1992, 2 faixas e alíquotas de 15 e 25%; em 1995, 3 faixas e alíquotas de 15 a 35%; de 1996 a 1997, 2 faixas e alíquotas de 15 e 25%; de 1998 a 2008, 2 faixas e alíquotas de 15 e 27,5%; de 2009 a 2016, 4 faixas e alíquotas de 7,5 a 27,5%.
O sistema de tributação que vigorou no país até 1988 e que chegou a ter 13 classes de renda tributável, além de alíquota até 60%, era mais justo que o atual. Curiosamente, essa alteração ocorreu poucos meses após a promulgação da Constituição, a qual estabeleceu expressamente a progressividade. Há de se ressaltar a redução da quantidade classes de renda, a redução da alíquota máxima e a incidência dessa sobre uma renda relativamente baixa.
Nos últimos anos, percebe-se que o governo brasileiro tem tratando a tributação com o único propósito de aumentar a arrecadação, desprezando o caráter de justiça e de distribuição de renda que envolve a tributação.
Outros países aplicam uma progressividade bem mais acentuada que a brasileira, com alíquotas máximas de 59% e 56,6%, em Aruba e na Suécia, respectivamente. Nos Estados Unidos a alíquota máxima de 35%, incide sobre a renda anual maior que U$$ 379.150,00, sistema antagônico ao brasileiro, no qual a alíquota máxima de 27,5% incidiu em 2011 sobre rendimentos maiores que R$ 44.918,28 (BRASIL, Sindicato. 2011).
O ordenamento jurídico é formado por um conjunto de normas, dispostas hierarquicamente. Das normas inferiores às constitucionais forma-se o que convencionou chamar de pirâmide jurídica (KELSEN, 1985) cuja cúspide é ocupada pela Constituição Federal. Dessa forma, as normas inferiores devem harmonizar-se com as normas que lhes são superiores, sob pena de deixarem de ter validade no ordenamento jurídico.
As normas constitucionais caracterizam-se pela imperatividade de seus comandos, não sendo meros repositórios de recomendações a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas.
Portanto, é possível afirmar que em se tratando de princípio constitucional, especificamente o da capacidade contributiva relacionado ao IRPF, este será o alicerce de todo ordenamento jurídico pertinente, compondo o espírito e servindo de critério para compreensão, inteligência e principalmente para a composição das normas relativa à tal gravame, isto é, deve ser incondicionalmente observado pelo legislador infraconstitucional.
Se uma norma está em desconformidade com um princípio constitucional, esta não deve produzir efeitos, pois é inconstitucional com base no princípio da supremacia (MORAES, 2006).
Verifica-se que a norma que estabelece as alíquotas do IRPF não está em perfeita harmonia com o princípio constitucional da capacidade contributiva, conforme exigido pelo legislador constituinte. A sistemática da atual progressividade é insuficiente para graduar o imposto de acordo com a capacidade econômica de cada classe de renda, declarando-se um instrumento ineficaz de promoção da justiça fiscal. Destarte, deve incorrer em inconstitucionalidade a norma que fixa as alíquotas do IRPF.
O princípio constitucional da capacidade contributiva não admite que normas infraconstitucionais causem injustiças sociais. Tal postulado não dá margem para que direitos fundamentais do contribuinte sejam violados, tampouco para manutenção de um sistema com ínfima progressividade das alíquotas, situações essas que ocasionam tributação além da renda do contribuinte.
Dessa maneira, a legislação do IRPF acaba fazendo injustiça com os contribuintes de classes econômicas mais baixas, pois, não leva em consideração o caráter pessoal e a capacidade econômica desses, não tratando, assim, os desiguais com desigualdade na medida das suas desigualdades, conforme se interpreta o princípio da capacidade contributiva.
CONCLUSÃO
Este estudo, não visou esgotar o tema tão amplo, devido à amplitude de discussões doutrinárias que o envolve, mas certamente possibilitou tecer algumas observações.
É possível verificar que o IRPF, em muitos aspectos, não tem caráter pessoal e não é graduado segundo a capacidade econômica contributiva dos contribuintes.
Dessa forma, as normas que estiverem em desacordo com o princípio da capacidade contributiva devem incorrer em inconstitucionalidade, como ilustrado ao longo desse trabalho.
É sabido que a adequação do imposto sobre a renda ao princípio da capacidade contributiva é muito discutida. Todavia, a correta aplicação do princípio ao IRPF depende apenas do bom senso e da boa vontade por parte dos legisladores e dos operadores do direito.
Com esse falso sistema de progressividade, o Brasil não caminha apenas na contramão dos mandamentos constitucionais, mas também na contramão da história da humanidade.
Portanto, a problemática de tal adequação é difícil de ser solucionada, uma vez que requer a apresentação de um projeto de lei propondo a criação de mais alíquotas e que essas fossem majoradas à medida que aumentassem verdadeira e expressivamente a capacidade contributiva dos sujeitos passivos, além da mobilização do poder legislativo para sua aprovação. Todavia, é cada vez mais difícil que o legislativo e executivo se mobilizem com a promoção da tão almejada justiça social.
REFERÊNCIAS
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SABBAG, Eduardo de Morais. Direito Tributário. São Paulo: Premier Máxima, 2006.
NOTA
[1] Disponível em: . Acesso em 5 de janeiro de 2017.
Bacharel em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce, Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera - Uniderp e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade de Franca. Auditor Fiscal da Receita Municipal em Uberaba/MG e membro do Conselho Municipal de Contribuintes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GROSSI, Nilson Pereira. As Alíquotas do IRPF e o Princípio da Capacidade Contributiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jul 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50554/as-aliquotas-do-irpf-e-o-principio-da-capacidade-contributiva. Acesso em: 22 nov 2024.
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