Resumo: O princípio da afetividade possui, embora não positivado expressamente em nosso ordenamento jurídico, encontra respaldo em várias disposições constitucionais, de forma implícita. O princípio em questão é, em verdade, a consideração que se faz a partir do que se tem por indispensável à uma família, independentemente da forma que venha a ganhar. Vale salientar, ademais, que seus preceitos refletem imediatamente na alienação parental, que prejudica sobremaneira suas disposições.
Palavras-chave: Princípio da afetividade. Alienação parental.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca, inicialmente, traçar linhas gerais acerca do princípio da afetividade, demonstrando que, nada obstante a ausência de disposição expressa no ordenamento jurídico brasileiro, diversas determinações constitucionais acabam por consagrá-lo de forma implícita.
A partir disso, desenvolve-se a ideia de ferimento do postulado em comento a partir da alienação parental. Para tanto, busca-se demonstrar que o ato de alienação, odiável pelo senso comum, é reputado ilegal quando levados em conta os preceitos que emanam do princípio da afetividade.
Embora não se esgote o tema nesse estudo, o processo de desintegração do princípio da afetividade é demonstrado a partir do processo de alienação parental.
2 O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
“afeto” é elemento já reconhecido por doutrinadores como uma referência à construção das relações em família. Também se acentua tal elemento em texto de Dias (2009) como fundamento de uma corrente doutrinária que julga ser este um dos elementos base para compreensão do atual conceito de família.
O princípio da afetividade interessa a essa discussão por desbiologizar a paternidade e priorizar o vínculo de afeto no ambiente familiar introduzindo o conceito de parentalidade socioafetiva que, em texto de Tartuce (2010) é citado como referência a uma nova forma de parentesco civil.
Flávio Tartuce (2010, p. 8) interpretando textos da Constituição Federal classifica em quatro os “fundamentos essenciais do princípio da afetividade”, assim distribuídos:
1º - a igualdade dos filhos independentemente da sua origem, conforme art. 226, § 6º da CF;
2º - a adoção como escolha afetiva com igualdade de direitos (§ 5º e § 6º do art. 226 da CF);
3º - A comunidade forma por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade de família § 4º do art. 226 da CF;
4º - O direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente. (art. 227) (grifo nosso).
Acentua-se nesse quarto parágrafo que a convivência familiar é direito fundamental já reconhecido também no Estatuto da Criança e do Adolescente, mediante lei n° 8.069/90, conforme se vê no caput do art. 19 desse dispositivo:
Art. 19 - Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (BRASIL, 1990, não paginado).
Nesse sentido, convém destacar que atos como o da prática da alienação parental que prejudica a relação de afeto da criança ou do adolescente em ambiente familiar, impedindo o desenvolvimento normal da personalidade desses sujeitos de direito, fere, por assim dizer, um direito fundamental e, por conseguinte, configura-se como afronta ao princípio da afetividade.
Entendida, conforme caput do art. 2° da Lei de Alienação Parental ou Lei n° 12.318/2010 como: “a interferência na formação psicológica da criança e do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós, ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo a estabelecimento ou à manutenção e vínculo com estes”. Maiores detalhes, ver em: FREITAS, Douglas Phillips; PELLIZZARO, Graziela. Alienação parental: comentários à Lei n° 12.318/2010. Rio de Janeiro. Forense, 2011. p. 20.
O princípio da afetividade não está expressamente disposto na Constituição Federal de 1988, nem no Código Civil. Esse princípio pode ser interpretado considerando-se o art. 1°, inciso III, § 7° do art. 226 e caput do art. 227 da Constituição Federal e chama para si, a necessidade de relações familiares embasadas em situações de respeito, afetividade e solidariedade.
Trata-se de um princípio que tem como objetivo valorizar mais as pessoas “na qualidade singular que lhes é inerente”, assim como as relações familiares tornando as pessoas mais humanas em suas relações com seus entes. Rosenvald (2007) ao comentar acerca da afetividade, cita que esta é a base que forma as relações sociais e as relações em família, sendo um elemento importante para que essas relações se dêem com respeito.
Outro ponto importante que se destaca quando se fala desse princípio é o fato de o afeto estar associado à solidariedade que as pessoas usam quando precisam compartilhar valores. Acerca desse termo, Cabral e Lacerda (2010, não paginado) dizem que:
[...] a solidariedade se constitui indispensável característica do grupo que estabelece laços afetivos, divide um espaço físico e suas experiências emocionais, muitas vezes, compartilhando alegrias e vitórias, por outras, dores e insucessos, cujo objetivo maior é atender reciprocamente às necessidades e garantir o direito à dignidade de cada um de seus membros.
Nesse mesmo tom, corroboram Farias e Rosenvald (2008, p. 72) ao discorrerem que:
[...] o afeto caracteriza a entidade familiar como uma verdadeira rede de solidariedade, construída para o desenvolvimento da pessoa, não se permitindo que uma delas possa violar a natural confiança depositada por outra, consistente em ver assegurada a dignidade humana, assegurada constitucionalmente.
O elemento basilar que dá nome ao Princípio da afetividade, o afeto, confunde-se com termos como “laços afetivos”, “cuidado com o outro”, “afetividade” ou ainda “responsabilidade”, todos elementos sem os quais se tornaria impossível construir boas normas de convivência e relações em família (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 72).
3 A ALIENAÇÃO PARENTAL E A DESINTEGRAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
O ato de alienação parental é interpretado como ato que fere direitos da criança e do adolescente em convívio familiar. Nesse sentido, é oportuno dizer que em uma família na qual se tenha comprovado essa prática, há uma desintegração do princípio da afetividade e por assim dizer pode-se tornar confusas as relações de afeto ali construídas.
Cuidar com responsabilidade protegendo o outro é uma situação de afeto e, portanto, condizente com as posições assumidas pelos genitores e demais cuidadores na família. Uma família na qual se preze pelas boas relações afetivas deverão prevalecer, em tese, três aspectos, quais sejam: “criar sólidos laços afetivos, auxiliar a dinâmica das relações familiares através da cooperação recíproca e minimizar os conflitos a fim de promover o equilíbrio no âmbito familiar” (CABRAL; LACERDA, 2010, não paginado).
Cabral e Lacerda (2010) também pontuam os valores que podem ser direcionados a essa condição de afetividade no ambiente familiar. Ou seja, uma família que está se constituindo com relação de afeto e de valor, deverá constituir-se a partir de uma base sólida de respeito, confiança, cuidado, atenção e afeto, que seja no âmbito das relações hirárquicas (mesmo nível de hierarquia familiar, exemplo: de irmão para irmão) ou verticais (marcada por diferentes níveis hierárquicos. exemplo: pai para filho). Vê-se, pois:
De fato, a esfera do "ser" é a que se liga diretamente à preservação da dignidade da pessoa humana, pois muito mais importantes são os valores a ela inerentes do que aqueles que se referem aos direitos subjetivos, de conteúdo patrimonial. Assim, os direitos pessoais ou existenciais compreendem uma gama muito maior e infinitamente mais valiosa que os direitos meramente materiais. Exatamente por trabalhar com esse objeto de estudo de conteúdo ético, as questões concernentes à família se revestem de especial importância devido ao seu caráter de direito extrapatrimonial, decorrentes da dignidade da pessoa humana (CABRAL; LACERDA, 2010, não paginado).
Assim, fica compreendido que o princípio da afetividade normatiza relações de convivência humana entre pessoas que fazem parte de um mesmo grupo social e a família inclui-se como um desses grupos.
4 CONCLUSÃO
Os laços afetivos possibilitam que as pessoas se amem, se respeitem e desejem a felicidade reciprocamente - atitudes que permitem construir pontes sobre os abismos emocionais, ligando as pessoas por vínculos perenes. O afeto é o propulsor do desenvolvimento do senso de respeito e de cuidado nas relações familiares. Aliás, não apenas sob as vestes jurídicas, mas também em outros ramos das ciências humanas e sociais.
Ou seja, trata-se de um princípio fundamental para que a família viva e sobreviva sem maiores queixumes, respeitando-se a buscando, juntos, se construírem. O Direito não se esqueceu dessa necessidade e contempla no princípio da afetividade esse diálogo proposto nas relações sociais de afeto que unem familiares nos mais diferentes níveis sociais.
Dessa forma, a alienação parental se revela como uma violenta forma de atentado aos preceitos advindos do princípio da afetividade, posto que impede que a criança ou o adolescente relacione-se de forma saudável com os seus pais, biológicos ou afetivos, deixando, dessa forma, de cultivar o afeto existente entre eles.
BIBLIOGRAFIA
CABRAL, Tinoco Boechat; LACERDA, Hildeliza. Afetividade como fundamento na parentalidade responsável. . Acesso em: 5 abr. 2015.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelsonº Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2007.
TARTUCE, Flávio. Novos princípios do Direito de Família brasileiro. 2010. Disponível em: . Acesso em: 1 abr. 2015.
Advogado. Bacharel em Direito. Faculdade 7 de Setembro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANTAS, Ítalo Silva. A alienação parental e o princípio da afetividade no Direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50584/a-alienacao-parental-e-o-principio-da-afetividade-no-direito-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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