Resumo: O presente artigo jurídico pretende suscitar a possibilidade da aplicação da eficácia externa do princípio da função social do contrato ao problema enfrentado, no Brasil, por patrocinadores interessados em celebrar contrato de naming rights para inserir sua marca em estádios de futebol ou eventos esportivos.
Palavras chave: Naming Rights. Contratos Empresariais. Princípio da função social do contrato. Eficácia Externa.
Sumário: 1. Introdução; 2. Naming Rights e as dificuldades de sua expansão no Brasil; 3. O entrave da mídia; 4. A Eficácia Externa do Princípio da Função Social do Contrato e a possibilidade de sua aplicação no âmbito dos naming rights; 5. Conclusão.
1. Introdução
A capacidade que os norte-americanos possuem de visualizar oportunidades e desenvolver negócios é impressionante. Não à toa, os EUA são considerados como a terra das oportunidades. No âmbito dos esportes, essa capacidade se faz presente com mais notoriedade. O Super Bowl, a final do futebol americano, é considerado um dos maiores eventos esportivos do Mundo, sendo que o tempo comercial é destacado como o mais caro da televisão mundial.
Um dos destaques atuais é a colaboração entre empresas e entidades desportivas. A grande maioria dos estádios homologados para os jogos do campeonato da NFL lucram com nomes patrocinados, como se verá adiante. A situação é salutar por, em última instância, promover massivos investimentos privados na área desportiva.
No Brasil, o fenômeno do naming rights ainda se mostra incipiente. Especialistas apontam que as empresas encontram diversos entraves para a consecução e plena satisfação dos negócios.
Este artigo pretende abordar, portanto, sob a ótica jurídica, um dos pontos de entrave da negociação de naming rights no Brasil, que consiste na ausência de menção da marca nas transmissões esportivas.
2. Naming Rights e as dificuldades de sua expansão no Brasil
Uma definição simples e objetiva dos naming rights é apontada por Bruno Dalarossa Amatuzzi: “naming rights, que não têm nenhuma tradução simples para o português, podem ser entendidos como o direito de conferir um nome a algo, seja um local, um evento, ou uma equipe desportiva. A aquisição desse direito está geralmente atrelada à intenção de se difundir uma determinada marca, utilizando-a como parte do nome que será, então, conferido ao local, ao evento ou ao time” [1].
Nos EUA, o patrocínio com naming rights nos estádios esportivos é bastante difundido. Na NFL, a liga de Futebol Americano, “dos 31 estádios homologados para jogos, apenas cinco não lucram com nomes patrocinados, realidade semelhante à registrada em ligas de outros esportes, como basquete e beisebol” [2].
As empresas se beneficiam com a visibilidade da marca, bem como com a expansão das possibilidades negociais. Enquanto que, para os clubes, “trata-se de muito dinheiro em caixa, capaz de ajudar qualquer dirigente a formar equipes competitivas”[3].
No Brasil, o grande exemplo de naming rights em estádios de futebol é a nova Arena do Palmeiras (Allianz Parque).
Segundo especialistas[4], a sua pouca utilização no país se deve a alguns fatores que afastam os investidores. Dentre eles, consta a “falta de profissionalização do esporte e da falta de consciência no Brasil do tamanho do PIB que o esporte pode gerar”, a ausência de estádios como “locais multiuso”, o receio de vincular o nome da empresa aos recentes escândalos de corrupção no futebol e, ainda, o fato de a rede de televisão detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro “não mencionar as marcas durante as partidas”, sendo este último o ponto a ser analisado no presente artigo.
3. O entrave da mídia
A Rede Globo de Televisão, que é a empresa líder de audiência e detentora dos direitos das principais competições esportivas no país, não costuma mencionar em suas transmissões as marcas de naming rights dos estádios de futebol, como é de conhecimento público e notório.
Clarisse Setyon, professora do MBA de gestão de esporte da ESPM, menciona, em entrevista concedida à Folha de São Paulo, que “essa espécie de boicote da Globo é prejudicial a todos”. A reportagem destaca, ainda, que “a Band, que transmite os jogos do Brasileiro em parceria com a Globo, menciona os patrocinadores” [5].
Segundo reportagem do jornal Estadão, “se o modelo é novo para clubes e investidores, também é para a mídia, que vive de anunciantes e costuma ignorar o nome desses parceiros por entender que está fazendo propaganda de graça. Pior: em algumas ocasiões, vê concorrência entre o nome da arena e o de algum anunciante oficial” [6].
A seguradora Allianz Parque detém o direito ao naming rights do Estádio do Palmeiras, sendo que, “dos Clubes da Série A brasileira com estádios próprios, apenas o Palmeiras, quarta maior torcida do Brasil, Segundo o Datafolha, recebe algo pela permissão do batismo de seu estádio, por meio da atual proprietária de sua arena, a WTorre” [7].
Ressalte-se o fato curioso de que, nas redes sociais, alguns torcedores do palmeiras passaram a Rede Globo de Televisão de RGT, em protesto à ausência de menção ao nome do Estádio do time[8].
4. A Eficácia Externa do Princípio da Função Social do Contrato e a possibilidade de sua aplicação no âmbito dos naming rights
Alguns veículos de mídia adotam, como diretriz, a regra de não pronunciar os nomes dos patrocinadores de estádios, eventos esportivos ou mesmo de times esportivos patrocinados, como mencionado.
Para o presente estudo de caso, presume-se que essa diretriz seja estipulada em cláusulas contratuais previstas nos contratos de transmissão entre as empresas jornalistícas e os clubes de desporto.
Nesse contexto, seria uma previsão contratual que traria efeito negativo ao patrocinador que se utiliza do naming rights, uma vez que este terá prejuízo sobre uma parte substancial dos ganhos com a difusão da marca.
A princípio, essa previsão contratual encontraria amparo nos princípios autonomia da vontade contratual e do pacta sunt servanda.
No entanto, o objetivo do presente artigo é analisar e refletir sobre a possibilidade de incidência do princípio da função social do contrato, em sua eficácia externa, de forma a suplantar o obstáculo da ausência intencionada de menção ao nome dos patrocinadores exploradores de naming rights nos eventos desportivos.
Afinal, o artigo 421 do Código Civil de 2002 prevê, expressamente, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Primeiramente, é importante destacar que, em obras doutrinas, há diversas concepções a respeito da aplicação do princípio da função social do contrato. Um artigo jurídico dos autores Arnaud Marie Pie Belloir e André Trapani Costa Possignolo constata, com clareza, a existência de diversas concepções doutrinárias sobre o “conteúdo e aplicação do princípio”, in verbis:
“(...) o estudo da função social do contrato evidencia várias concepções doutrinárias sobre o princípio, sem que uma se destaque como majoritária ou que se estabeleça consenso mínimo quanto ao conteúdo e aplicação do princípio. Desse modo, a função social do contrato, princípio norteador da atividade negocial e de inegável relevância jurídica, parece apenas destinada a ser objeto de especulações doutrinárias, sem impacto prático imediato na área contratual” (BELLOIR, Arnaud Marie Pie; POSSIGNOLO, André Trapani Costa. Ensaio de classificação das teorias sobre a função social do contrato. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, vol. 11, p. 37-56, jan./mar. 2017, visualizado em 18.09.2017 no link: https://www.ibdcivil.org.br/rbdc.php?ip=123&titulo=VOLUME%2011%20|%20Jan-Mar%202017&category_id=171&arquivo=)
De fato, o estudo apontado pelos autores mencionados classifica e aponta, ao menos, três concepções diversas a respeito do princípio da função social do contrato: a) “função social como limite à liberdade de contratar”; b) “Redefinição do conceito de contrato pela função social”; c) “Mitigação da relatividade dos efeitos do contrato”; d) “A causa do contrato”. A esse respeito, confiram-se extratos da descrição das concepções realizadas pelos autores:
“1 Função social como limite à liberdade de contratar
A corrente mais clássica sobre a função social reconhece que essa moderniza o contrato de forma que esse não serve exclusivamente para atender aos interesses das partes, ou seja, desafia-se a lógica clássica de que os contratantes, por estarem no exercício da autonomia da vontade, tudo podem fazer e de que os contratos, por serem livremente firmados, são, necessariamente, justos.2 Entretanto, essa concepção contempla conteúdo restrito e espaço de atua- ção limitado ao princípio como modo de não o utilizar como fundamento universal que resulte em intervenção judicial que restringiria desmesuradamente a autonomia dos contratantes. Defende-se que o contrato é fenômeno fático e econômico que a lei somente reveste de forma jurídica e impõe-lhe limites. Em razão disso, a função social não pode ignorar a função econômica do contrato, pois a maior vantagem social do contrato é servir à circulação de riquezas com segurança.3 Assim, a função social do contrato não anula os princípios clássicos da força obrigatória dos contratos, da liberdade contratual e do efeito relativo do contrato.4
(...)
2 Redefinição do conceito de contrato pela função social
De modo diametralmente oposto à classificação apresentada, essa teoria defende que a função social do contrato não pretende compatibilizar os institutos de Direito Privado às restrições de ordem pública, mas é elemento integrante do conceito de contrato e, portanto, visa a redesenhar o conteúdo desses à luz da Constituição.10 Essa corrente parte de uma interpretação civil-constitucional que condena a regulamentação pormenorizada das relações jurídicas e a imutabilidade que isso traz aos institutos, defende a força normativa dos princípios civis e, especialmente, dos princípios constitucionais e coloca que estes devem incidir diretamente nas relações privadas.11
(...) Em síntese, a teoria afirma que a tutela da liberdade contratual depende do atendimento à função social, a qual “impõe aos contratantes a obrigação de perseguir, ao lado de seus interesses privados, interesses extracontratuais socialmente relevantes, assim considerados pelo legislador constitucional”. Desse modo, o contrato “passa a consubstanciar instrumento para a concretização das finalidades constitucionais”.15 Logo, a função social apresenta-se, nessa concepção, mais como meta que deve ser perseguida pelos contratantes que como limite à liberdade.
Assim, a teoria defende que o poder dos contratantes é definido pela função que o contrato desempenha na sociedade, função essa relevante na verificação da legitimidade de cláusulas contratuais que, mesmo lícitas, lesem diretamente interesses externos ao contrato (por exemplo: cláusula de sigilo, exclusividade, proibição de concorrência). Ademais, a proteção aos interesses privados passa a justificar-se não mais em si mesma, mas pela função que esses desempenham na promoção dos interesses sociais. Dessa maneira, o contrato tutela o interesse dos contratantes e da coletividade.16
Dentre as concepções estudadas, a da redefinição do conceito de contrato pela função social, ao contrário das três que se seguem, é a que defende maior modificação do conteúdo tradicional da teoria dos contratos, o que não significa dizer que o exclui.
3 Mitigação da relatividade dos efeitos do contrato
Segundo essa corrente, o contrato não pode mais ser visto como relevante somente para os interesses das partes e, portanto, sem importância ao meio social que uma vez que esse não afeta apenas os interesses individuais, mas alcança toda a sociedade. Por esse motivo, o contrato não se limita aos efeitos em relações às partes, mas preocupa-se com os efeitos a terceiros.17
Diante disso, defende-se que a função social se contrapõe ao princípio do efeito relativo do contrato,18 mitigando-o.19 Tendo em vista que os contratos, geralmente, trazem consequências práticas a terceiros e seus efeitos refletem no meio social, a função social surge para gerar deveres acessórios aos contratantes em face da sociedade e vice-versa. Apesar de a eficácia do contrato, em relação às obrigações contratuais, continuar relativa – ninguém se torna credor ou devedor por contrato do qual não participou –, sua oponibilidade torna-se absoluta, uma vez que os terceiros se tornam sujeitos ativos e passivos de deveres extracontratuais.20
Com isso, os contratantes ainda gozam de autonomia para contratar. Entretanto, essa autonomia é limitada por deveres anexos em dimensão interna, atuante na relação dos contratantes entre si, e externa, atuante na relação dos contratantes com terceiros.21
4 A causa do contrato
(...) a causa em concreto, pela qual atua o princípio da função social, é verificada em contratos efetivamente firmados e qualificados. A partir de sua análise, é possível negar tutela jurídica a contratos caso sua causa concreta (a razão jurídica de ser do contrato, o conjunto de seus efeitos essenciais) seja indesejada pela consciência social ou inadmissível pelo ordenamento jurídico.
Dessa forma, o contrato não mais é protegido apenas por emanar da vontade, mas, além dos interesses das partes, deve representar um interesse prático em consonância com o interesse geral. A função concreta, portanto, concerne à eficá- cia concreta do contrato, a qual é diferente conforme as especificidades fáticas e jurídicas de cada relação contratual.
Nesses termos, a causa no sentido abstrato (elementos essenciais do tipo legal) será sempre presente na configuração do contrato em concreto. Por outro lado, nos casos excepcionais em que falta causa, em sentido concreto, o negócio torna-se insuscetível à tutela jurídica por não poder desempenhar sua função.34 Por exemplo, falta a causa concreta em contrato de seguro em que não exista risco a ser coberto ou na compra de coisa própria.
(...)Portanto, conclui-se que, para essa concepção, a limitação pela função (causa concreta) do negócio jurídico permite uma melhor compreensão do princípio da função social do contrato, pois, ao determinar que a liberdade de contratar deve ser exercida em razão da função social do contrato, o artigo 421 do Código Civil opõe a autonomia privada à utilidade social do contrato, de modo que a liberdade contratual não se justifica pela vontade, “mas em razão da função social que o negócio está destinado a cumprir”. Do mesmo modo, os limites à liberdade contratual não se afiguram na autonomia privada, mas nas normas gerais do Código Civil, ou seja, nas normas específicas dos tipos contratuais e nos valores da sociedade e da Constituição, que são utilizados para determinar se a causa concreta do contrato é apta a lhe assegurar tutela jurídica.” (BELLOIR, Arnaud Marie Pie; POSSIGNOLO, André Trapani Costa. Ensaio de classificação das teorias sobre a função social do contrato. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, vol. 11, p. 37-56, jan./mar. 2017, visualizado em 18.09.2017 no link: https://www.ibdcivil.org.br/rbdc.php?ip=123&titulo=VOLUME%2011%20|%20Jan-Mar%202017&category_id=171&arquivo=)
Para a análise no presente artigo, utiliza-se da concepção da “mitigação da relatividade dos efeitos do contrato”, que, além de ser intermediária, aparenta ser a mais difundida. Aliás, à toda evidência, o professor Flávio Tartuce se utiliza, em seu Manual de Direito Civil, dessa concepção para tratar do princípio, in verbis:
“Conceitua-se o regramento em questão como sendo um princípio de ordem pública – art. 2.035, parágrafo único, do Código Civil -, pelo qual o contrato deve ser, necessariamente, interpretado e visualizado de acordo com o contexto da sociedade.
A palavra função social deve ser visualizada com o sentido de finalidade coletiva, sendo efeito do princípio em questão a mitigação ou relativização da força obrigatória das convenções (pacta sunt servanda). Nesse contexto, o contrato não pode ser mais visto como uma bolha, que isola as partes do meio social. Simbologicamente, a função social funciona como uma agulha, que fura a bolha, trazendo uma interpretação social dos pactos. Não se deve interpretar os contratos somente de acordo com aquilo que foi assinado pelas partes, mas sim levando-se em conta a realidade social que os circunda. Na realidade, à luz da personalização e constitucionalização do Direito Civil, pode-se afirmar que a real função do contrato não é a segurança jurídica, mas sim atender os interesses da pessoa humana. Aprimorando o estudo do tema, faz-se necessária a transcrição do art. 421 do Código Civil de 2002, dispositivo que inaugura o tratamento do tema na atual codificação privada: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social”. (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único/Flávio Tartuce. 3ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro; Forense; São Paulo; MÉTODO, 2013, p. 540)
A respeito da eficácia externa, que é classificada pelos autores Arnaud Marie Pie Belloir e André Trapani Costa Possignolo como integrante dessa concepção de “mitigação da relatividade dos efeitos do contrato”, o professor Flávio Tartuce esclarece com sua habitual objetividade, in verbis:
“(…) Eficácia externa da função social do contrato – reconhecida pelo Enunciado n. 21 CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil. Há dois aspectos principais: b1) Proteção dos direitos difusos e coletivos – conforme consta do sempre citado Enunciado n. 23 do CJF/STJ, não podendo o contrato prejudicá-los. Por isso, sustenta-se doutrinariamente a função socioambiental do contrato. b2) Tutela externa do crédito – possibilidade do contrato gerar efeitos perante terceiros ou de condutas de terceiros repercutirem no contrato. Como exemplo, pode ser citada a norma do art. 608 do CC, segundo a qual aquele que aliciar pessoas obrigadas por contrato escrito a prestart serviços a outrem, pagará a este o correspondente a dois anos da prestação de serviços. Há, assim, a responsabilidade do terceiro aliciador, ou terceiro cúmplice, que desrespeita a existência do contrato aliciando uma das partes. O dispositivo serve como luva para responsabilizar uma cervejaria, frente a outra, pelo fato de ter aliciado o famoso pagodeiro, que tinha contrato de prestação de serviços publicitários com a primeira cervejaria”. (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único/Flávio Tartuce. 3ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro; Forense; São Paulo; MÉTODO, 2013, p. 545)
A eficácia externa da função social apresenta, no entanto, duas perspectivas, que, como esclarecem os aludidos autores, são “as ações dos terceiros que afetam os contratantes e as ações dos contratantes que afetam terceiros” [9]. Para o presente artigo, interessa a segunda perspectiva, bem destacada pelos autores, verbis:
“O campo externo da função social é o que, efetivamente, reestrutura a eficá- cia relativa (inter partes) do contrato.25 Essa acepção divide-se em duas perspectivas bem delimitadas: as ações dos terceiros que afetam os contratantes e as ações dos contratantes que afetam terceiros. (...) A segunda perspectiva preocupa-se com contratos que, embora paritários e justos às partes, ofendam interesses alheios a essas. Para isso, a função social impõe aos contratantes o dever de não criar situações jurídicas que afrontem interesses metaindividuais ou interesses individuais de terceiros,29 como os contratos cuja obrigação agrida o meio ambiente ou o patrimônio cultural (interesses difusos); os direitos do consumidor e a livre concorrência (interesses sociais ou individuais homogêneos, a depender do caso) ou contratos que tragam dano a direitos de um ou mais indivíduos (direitos individuais), por exemplo, deteriorando sua propriedade ou lesando sua integridade física ou moral” (BELLOIR, Arnaud Marie Pie; POSSIGNOLO, André Trapani Costa. Ensaio de classificação das teorias sobre a função social do contrato. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, vol. 11, p. 37-56, jan./mar. 2017, visualizado em 18.09.2017 no link: https://www.ibdcivil.org.br/rbdc.php?ip=123&titulo=VOLUME%2011%20|%20Jan-Mar%202017&category_id=171&arquivo=)
Por certo, a incidência do princípio da função social do contrato na seara dos contratos empresariais ainda encontra forte resistência da doutrina empresarial, amparada pelo maior status que a autonomia privada encontra no âmbito do Direito Empresarial.
Com efeito, esse argumento pode ser considerado como obstáculo à aplicação da eficácia interna da função social dos contratos. Afinal, na lição de Flávio Tartuce, a eficácia interna da função social tem os seguintes aspectos principais: a) “proteção dos vulneráveis contratuais”; b) “vedação da onerosidade excessiva ou desequilíbrio contratual (efeito gangorra)”; c) “proteção da dignidade humana e dos direitos da personalidade no contrato”; d) “nulidade de cláusulas antissociais, tidas como abusivas”; e) “tendência da conservação contratual, sendo a extinção do contrato, a última medida a ser tomada” [10].
Entretanto, na visão do autor deste artigo jurídico, não é apto a oferecer resistência à aplicação da eficácia externa do princípio da função social. Ora, para que ocorra prejuízo a terceiros, mostra-se irrelevante a autonomia privada entre os contratantes.
Nesse contexto, vislumbra-se a possibilidade de se considerar a eficácia externa da função social dos contratos celebrados entre empresas de comunicações, como os canais de televisão, e as entidades desportivas para transmissão de jogos de esportes profissionais.
Isso porque eventual cláusula contratual que preveja a ausência de menção do meio de comunicação ao nome da patrocinadora exploradora do naming rights de um estádio de futebol, por exemplo, ainda que regularmente válida entre contratantes, afeta o direito dos terceiros – no caso, o terceiro explorador do naming rights -, uma vez que impede a principal utilidade do contrato dessa natureza: a difusão da marca. O grande prejuízo ao terceiro, que costuma investir quantia considerável em contratos dessa natureza, é inevitável.
De fato, a abrangência do princípio da função social do contrato, especialmente na sua eficácia externa, não deve se restringir aos contratos civis. A natureza dos contratos empresarias não se mostra incompatível com o instituto.
Ressalte-se que o Enunciado 21 do CJF/STJ, ao mencionar que “nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais”, reconhece, a contrário sensu, a aplicação da função social do contrato sobre os contratos empresariais. Ademais, não se pode afirmar que o instituto não abarque interesses individuais econômicos de terceiros.
Não obstante, o fato é que a medida prejudica, em última instância, a própria sociedade, uma vez que tem como consequência um evidente desestímulo às empresas no investimento em atividades desportivas no Brasil.
O objetivo do presente artigo, portanto, é justamente suscitar o questionamento quanto à possibilidade jurídica de se utilizar o princípio da função social do contrato, em sua eficácia externa, no intuito de exigir dos meios de comunicação que cesse o chamado “boicote” à menção dos nomes das empresas exploradoras de naming rights.
5. Conclusão
O princípio da função social do contrato ainda é tratado com certa insegurança, seja no que concerne ao próprio conceito, à sua aplicação ou à sua abrangência. Há diversas concepções doutrinárias a esse respeito.
O presente artigo jurídico pretende suscitar a possibilidade de sua aplicação em relação a um problema enfrentado por patrocinadores interessados em celebrar contrato de naming rights para inserir sua marca em estádios de futebol ou eventos esportivos, prática que nos Estados Unidos da América é comum.
A linha adotada por este artigo defende a possibilidade de aplicação da eficácia externa do princípio da função social a estas relações jurídicas por considerá-la aplicável aos contratos empresarias, ainda que para proteger interesses meramente econômicos de terceiros.
No presente estudo de caso, há, repita-se, um prejuízo indireto à sociedade, ante o desestímulo das empresas no que tange ao investimento na área de esportes, o que, na opinião deste autor, reforça a possibilidade da aplicação do princípio da função social do contrato na hipótese narrada. Trata-se de mera proposição reflexiva, que não tem o intuito de esgotar o tema.
REFERÊNCIAS
BELLOIR, Arnaud Marie Pie; POSSIGNOLO, André Trapani Costa. Ensaio de classificação das teorias sobre a função social do contrato. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, vol. 11, p. 37-56, jan./mar. 2017, acessado em 18.09.2017 no link: https://www.ibdcivil.org.br/rbdc.php?ip=123&titulo=VOLUME%2011%20|%20Jan-Mar%202017&category_id=171&arquivo=.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único/Flávio Tartuce. 3ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro; Forense; São Paulo; MÉTODO, 2013.
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc, “A função social dos contratos empresariais e o Judiciário”, artigo jurídico datado de 25.11.2011 e acessado em 18.09.2017 no site www.migalhas.com, com o seguinte link: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI145625,61044-A+funcao+social+dos+contratos+empresariais+e+o+Judiciario.
FERNANDES, Bernardo Teixeira Lima, “A função social dos contratos e sua incidência nos contratos empresariais”, artigo jurídico publicado em 08/2013 e acessado em 18.09.2017 no site www.jus.com.br, com o seguinte link: https://jus.com.br/artigos/25112/a-funcao-social-dos-contratos-e-sua-incidencia-nos-contratos-empresariais
REPORTAGEM de Diego Iwata Lima intitulada “Raridade no Brasil, ‘naming rights’ batiza 26 dos 31 estádios da NFL” e publicada no site da Folha de São Paulo em 4.2.2016 e acessada em 18.09.2017 pelo seguinte link: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2016/02/1736872-raridade-no-brasil-naming-rights-batiza-26-dos-31-estadios-da-nfl.shtml
REPORTAGEM de Renan Fernandes intitulada “Naming right ainda engatinha no Brasil” e publicada no site do Estadão – O Estado de São Paulo em 14.12.2015 e acessada em 18.09.2017 pelo seguinte link: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,naming-right-ainda-engatinha-no-brasil,1810977
[1] AMATUZZI, Bruno Dalarossa. Publicado em 19.4.2015 no site www.migalhas.com.br e acessado em 18.9.2017 no seguinte link: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI11616,41046-Os+naming+rights+e+sua+utilizacao+em+estadios
[2] Reportagem de Diego Iwata Lima publicada no site da Folha de São Paulo em 4.2.2016 e acessada em 18.09.2017 pelo seguinte link: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2016/02/1736872-raridade-no-brasil-naming-rights-batiza-26-dos-31-estadios-da-nfl.shtml
[3] Reportagem de Renan Fernandes publicada no site do Estadão – O Estado de São Paulo em 14.12.2015 e acessada em 18.09.2017 pelo seguinte link: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,naming-right-ainda-engatinha-no-brasil,1810977.
Vide trecho da reportagem:
“Para os clubes, trata-se de muito dinheiro em caixa, capaz de ajudar qualquer dirigente a formar equipes competitivas. Para as empresas, o acordo também é bom e pode ser explorado de diversas maneiras, como explica o Grupo Petrópolis, dono da cervejaria Itaipava, que dá nome para dois estádios no Brasil: Arena Fonte Nova e Arena Pernambuco, além do Paulistão. “O acordo nos dá direito a uma série de ativações internas e uso do espaço, como camarote, lounge e arquibancada. Dessa maneira, também utilizamos o espaço para relacionamento com públicos de interesse da empresa e da marca”, explica dirigentes da empresa, que, no fim de 2012, fechou um acordo para pagar anualmente R$ 10 milhões até 2022 para a exploração no nome das arenas. “A estratégia foi boa para a introdução da marca no Nordeste, região em que inauguramos recentemente duas fábricas, em Alagoinhas (BA) e Itapissuma (PE), e que passamos por esse processo de lançamento da marca Itaipava”, informa a assessoria de imprensa da Petrópolis. Tudo vira negócio”.
[4] Reportagem de Diego Iwata Lima publicada no site da Folha de São Paulo em 4.2.2016 e acessada em 18.09.2017 pelo seguinte link: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2016/02/1736872-raridade-no-brasil-naming-rights-batiza-26-dos-31-estadios-da-nfl.shtml
[5] Reportagem de Diego Iwata Lima publicada no site da Folha de São Paulo em 4.2.2016 e acessada em 18.09.2017 pelo seguinte link: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2016/02/1736872-raridade-no-brasil-naming-rights-batiza-26-dos-31-estadios-da-nfl.shtml
[6] Reportagem de Renan Fernandes publicada no site do Estadão – O Estado de São Paulo em 14.12.2015 e acessada em 18.09.2017 pelo seguinte link: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,naming-right-ainda-engatinha-no-brasil,1810977
[7] Reportagem de Diego Iwata Lima publicada no site da Folha de São Paulo em 4.2.2016 e acessada em 18.09.2017 pelo seguinte link: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2016/02/1736872-raridade-no-brasil-naming-rights-batiza-26-dos-31-estadios-da-nfl.shtml
[8] Reportagem de Diego Iwata Lima publicada no site da Folha de São Paulo em 4.2.2016 e acessada em 18.09.2017 pelo seguinte link: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2016/02/1736872-raridade-no-brasil-naming-rights-batiza-26-dos-31-estadios-da-nfl.shtml
[9] BELLOIR, Arnaud Marie Pie; POSSIGNOLO, André Trapani Costa. Ensaio de classificação das teorias sobre a função social do contrato. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, vol. 11, p. 37-56, jan./mar. 2017, visualizado em 18.09.2017 no link: https://www.ibdcivil.org.br/rbdc.php?ip=123&titulo=VOLUME%2011%20|%20Jan-Mar%202017&category_id=171&arquivo=
[10] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único/Flávio Tartuce. 3ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro; Forense; São Paulo; MÉTODO, 2013, p. 541/544
Advogado. Pós-graduado em LLM LITIGATION - Novos Desafios dos contenciosos pela Fundação Getúlio Vargas - FGV-Direito, em 2010. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, dezembro de 2007.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Bruno Fonseca de. Os Naming Rights e a eficácia externa da função social do contrato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2017, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50713/os-naming-rights-e-a-eficacia-externa-da-funcao-social-do-contrato. Acesso em: 22 nov 2024.
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