RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de analisar se a decisão do Supremo Tribunal Federal, no RE nº 466.343 se encontra em conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, necessário se faz uma reconstrução do conceito de direitos fundamentais na doutrina constitucional contemporânea. Em outras palavras, importante é perceber como os fundamentais se desenvolveram nos Estados Liberal, Social e Democrático de Direito. Os tratados internacionais também serão alvo de análise, de modo específico as teses que definem a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos. Ou seja, dependendo do status adotado no ordenamento interno para tais diplomas, a atuação estatal poderá ou não buscar a máxima efetividade constitucional, uma vez que estão no centro daqueles tratados os direitos fundamentais. Para que se alcance uma máxima efetividade constitucional, precípuo a tese que professa a natureza constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, a qual o texto se filia. Necessário também será perceber as repercussões que os tratados internacionais trazem para o ordenamento jurídico pátrio.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Direitos Humanos. Tratados Internacionais. Máxima Efetividade Constitucional. Estado Democrático de Direito. Recurso Extraordinário nº 466.343
SUMÁRIO: 1 Introdução . 2 Diretos Humanos e Direitos Fundamentais: diferenças entre estes conceitos.. 2.1 Nova concepção dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito . 3 Tratados Internacionais: uma análise acerca do instituto . 3.1 Legitimidade para a celebração de um Tratado Internacional . 3.2 Classificações dos Tratados Internacionais . 3.3 O Processo de formação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. 3.4 Tratados e Reservas. 3.5 Interpretação de tratados autenticados em duas ou mais línguas. 3.6 Nulidade, extinção e suspensão de aplicação de tratados. 4 Tratados Internacionais de direitos humanos e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: uma reconstrução histórica e análise da hierarquia normativa desse instrumento normativo. 5 Tratados Internacionais de Direitos Humanos e o art.5º, § 1º da CR/88. 6 Alienação fiduciária em garantia: uma breve análise sobre o instituto. 7 A repercussão dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. 8 Vedação ao retrocesso: conflito entre o § 2º e o § 3º, do Art. 5º, da Constituição da República de 1988. 9 Considerações Finais. Referências.
1) Introdução
Atualmente, em um Estado que se pretende Democrático de Direito, é imprescindível que os direitos fundamentais sejam o centro da atuação do Estado, de forma que haja sempre a busca pela máxima efetividade de tais direitos. Toda vez que a atuação do Poder Público se pautar pela efetivação e ampliação dos direitos fundamentais, legítima será esta atuação.
Neste contexto, os direitos fundamentais têm o objetivo de garantir o gozo da autonomia privada e pública do cidadão, desempenhando função além da de limitador do poder estatal e concretizador dos direitos que a sociedade anseia.
Para que isso ocorra, deve-se ter em mente, dentre outras situações, a importância dos tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo país, de modo que, dependendo da forma como tais diplomas sejam recebidos no ordenamento interno, a atuação estatal poderá ou não buscar a máxima efetividade constitucional, uma vez que estão no centro daqueles tratados os direitos fundamentais.
Nesse diapasão, é que o presente estudo ganha importância, no sentido de que defende a hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos. Para demonstrar que o posicionamento aqui defendido é o mais adequado, o trabalho irá passar pela nova concepção dos direitos fundamentais consagrada pela doutrina constitucional contemporânea. Também, não poderia ser diferente, será alvo de análise o instituto jurídico dos tratados internacionais, passando pelo estudo das teses que professam a hierarquias dos tratados de direitos humanos, até chegar às repercussões dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio. Ao final, será feita uma breve análise da constitucionalidade do § 3º do art. 5º da Constituição da República.
2) Direitos Humanos e Direitos Fundamentais: diferenças entre estes conceitos
Os termos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, atualmente, são tidos, muitas vezes, como sinônimos. A doutrina constitucional clássica dá ênfase na ideia de reservar ao termo Direito Fundamental como o direito positivado na esfera nacional, isto é, são os assegurados constitucionalmente aos nacionais. Por sua vez, reservam para os direitos humanos o conceito de direitos naturais positivados em declarações e convenções internacionais. (LUÑO, 1998, p.44).
Antônio Perez Luño vai além da diferença acima citada. Para o jurista ibérico “derechos humanos aparecen como un concepto de contornos más amplios e imprecisos que la noción de los derechos fundamentales” (LUÑO, 1998, p.46). Assim, referido autor considera que os direitos humanos são instituições que, de acordo com cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, que devem ser assegurados positivamente tanto em plano nacional, quanto internacional. Por sua vez, ao dizer sobre os direitos fundamentais firmou posição de que “los derechos fundamentales se tiende a aludir a aquellos derechos humanos garantizados por el ordenamiento jurídico positivo, en la mayor parte de los casos en su normativa constitucional, y que sulen gozar de uma tutela reforzada”. (LUÑO, 1998, p.46).
Indo além da doutrina de que os direitos humanos são direitos naturais positivados em textos internacionais, Luño (1998) estende ao conceito daqueles direitos “exigencias más radicalmente vinculadas al sistema de necesidades humanas, y que debiendo ser objeto de positivación no lo han sido” (1998, p.46). Ainda, em relação aos direitos fundamentais, o doutrinador espanhol entende que estes direitos têm um sentido mais preciso e restrito, uma vez que são direitos e garantias assegurados pelo direito positivo de cada Estado. Dessa forma, conclui dizendo que se trata de “derechos delimitados espacial y temporalmente, cuya denominación responde a su carácter básico o fundamentador del sistema jurídico político del Estado de Derecho” (LUÑo, 1998, p.47).
Outra distinção importante entre os Direitos Humanos e Direitos Fundamentais é a trazida por Sarlet (2006) no tocante ao grau de aplicabilidade desses direitos. Consoante o ilustre jurista
Importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a idéia de que são os primeiros que – ao menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos, especialmente em se tratando de efetivos Estados democrático de Direito (SARLET, 2006, p.66)
Nesse contexto de eficácia dos direitos humanos e fundamentais, importante será a análise da recepção que os tratados internacionais de direitos humanos irão ser recebidos na ordem jurídica interna. Sem adentrar especificamente no tema proposto, o que será feito em momento oportuno, necessário firmar posição no sentido de que o status constitucional é o mais adequado para que haja uma efetividade maior dos direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio.
O presente texto, ao trazer, principalmente, as explicações de Antônio Luño (1998), quer expressar que as diferenças entre direitos humanos e direitos fundamentais vão além da clássica doutrina de que aqueles são os direitos naturais positivados em tratados e convenções internacionais e estes são os direitos humanos positivados no texto constitucional. Contudo, para análise do objeto a que se propõe o presente estudo, pode-se entender pela diferença entre ambos os conceitos, tendo por base a doutrina constitucional clássica, reconhecendo que os termos direitos humanos e direitos fundamentais não são excludentes ou incompatíveis, mas, ao contrário, possuem dimensões íntimas e cada vez mais interrelacionadas.
2.1) Nova concepção dos Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito
O século XVII trouxe para a humanidade uma séria de importantes mudanças, exteriorizadas, especialmente, nas revoluções burguesas, pelas quais o homem passou a ser o centro de referência para suas próprias ações. Se antes o ser humano se voltava para a natureza para esclarecer e revolver seus questionamentos, após as revoluções burguesas o homem viu em si o centro e o responsável pela sua própria vida.
É no contexto das revoluções burguesas, sendo as Revoluções Francesa e Americana os seus expoentes, em que há o reconhecimento dos direitos fundamentais, considerado como um dos saldos destas revoluções. Estes entendidos como um meio de condicionar o exercício do poder do Estado. Nesse diapasão, importante são as palavras de Cruz e Gomes (2009)
[...] o movimento constitucionalista, a declaração universal de direitos dos homens, a separação de poderes e a estruturação do Estado de Direito, os quais, em seu conjunto, foram instrumentos pensados para servirem de anteparo à atuação estatal, criando espaços nos quais a autonomia privada do indivíduo pudesse se fazer plena, pois era justamente ali que ele teria a liberdade de se autodeterminar e de definir o projeto de vida que lhe faria feliz (p.67)
Dessa forma, os direitos fundamentais eram necessários para a nova concepção que surgia entre indivíduo e Estado. A doutrina constitucional classifica os direitos fundamentais nesse contexto como direitos fundamentais de primeira dimensão, ou seja, direitos negativos que objetivavam estabelecer uma esfera de autonomia pessoal. Nas palavras de Gilmar Mendes (2008) “esses direitos traduzem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo” (p.233). Surgia, portanto, o Estado Liberal de Direitos. Os direitos de primeira dimensão estão relacionados às liberdades individuais, tais como as liberdades de culto e à inviolabilidade de domicílio. Do estudo desses direitos, percebe-se que não havia uma preocupação com as desigualdades sociais. Analisava-se apenas o homem numa esfera formal, sem enxergar o meio em que ele se encontra.
Destarte, a ideologia burguesa que à época dominava culminou em uma exploração do ser humano. Importante são as lições trazidas por Cruz e Gomes (2009)
A defesa de uma igualdade meramente formal e de uma concepção negativa de direitos fundamentais, aliada a uma excessiva crença na capacidade do mercado de regular a vida social, acabou por permitir que essa distorção se fizesse presente. Más condições de trabalhos, exploração, inexistência de direitos sociais e econômicos, crescimento vertiginoso de excluídos, acontecimento de duas guerras mundiais e o nascimento e fortalecimento do comunismo, tudo isso demonstrou a falência do projeto burguês e a necessidade de sua revisão (p.67)
Portanto, o agravamento das disparidades dentro da sociedade gerou novas reivindicações, impondo uma mudança na atuação estatal, passando de um Estado absenteísta para um Estado ativo na realização da justiça social. De acordo com Mendes (2008) “uma nova compreensão do relacionamento Estado/sociedade levou os Poderes Públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse superar as suas angústias estruturais” (p.233). Surge, portanto, a ideia do Estado Social de Direito.
Nessa nova visão de Estado há uma mudança sensível no entendimento de direitos fundamentais. Para Cruz e Gomes (2009) “os direitos fundamentais, antes vistos como anteparos à atuação estatal, não mais se satisfazem com uma atuação meramente negativa, exigindo, contudo, prestações positivas para os cidadãos” (p.68). Agora, pelo que se pode concluir pelos estudos dos direitos de segunda dimensão, o Estado se preocupa em corrigir as distorções que o modelo liberal propiciou e mais, o Estado Social se preocupa em materializar a ideia de igualdade, enxergando o indivíduo no espaço em que ele se encontra. Os direitos de segunda dimensão dizem respeito à assistência social, educação, alimentação, moradia e saúde. A estes direitos dá-se o nome de Direitos Sociais.
Inegável a contribuição do Estado Social para o homem, ao buscar corrigir as distorções que o Estado Liberal propiciou. Por outro lado, a postura ativa e intervencionista assumida pelo novo Estado foi elemento supressor da autonomia dos indivíduos.
Dessa forma, faz-se precípuo uma nova discussão da relação entre Estado e indivíduo/sociedade. O que se quer é propiciar ao cidadão o exercício de sua autonomia pública, ao passo que ele se veja como ser condutor da sociedade, que se veja no processo de formação da mesma, interferindo na condução da coisa pública e, ao mesmo tempo, tenha respeitada a sua autonomia privada. [1] Lúcidas são as palavras de Cruz e Gomes (2009)
Nesse aspecto, surge a necessidade de uma (re)significação dos direitos fundamentais, entendendo-os como hábeis a viabilizarem e legitimarem esse projeto. É justamente por este motivo que tais direitos não se resumem, mais, a apenas a defesa de uma autonomia privada ou mesmo pública dos indivíduos. É preciso mais: deve-se ter em mente, agora, a necessidade do respeito simultâneo à autonomia pública e privada, pois, somente assim é que se terão as condições necessárias à emancipação humana (p.69).
Nesse diapasão, somente em um Estado Democrático de Direito que tal problemática poderá começar a ser resolvida, uma vez que a pessoa não será vista como um cliente, conforme era entendida no Estado Social, mas passará a ser vista como um cidadão, dotado de autonomia para decidir e traçar seu caminho, consagrando a emancipação humana. Por isso, a nova leitura dos direitos fundamentais vai além da limitação do poder estatal e da concretização de direitos sociais. Neste contexto, os direitos fundamentais têm o objetivo de garantir o gozo da autonomia privada e pública do cidadão.
É neste momento que surgem os direitos de terceira dimensão, aqueles que têm como titulares uma coletividade, não conseguindo identificar de forma isolada quem são os seus detentores. Pode-se dar como exemplo desses novos direitos o direito à paz, ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, à conservação do patrimônio público.
Ademais, é importante entender a posição e o significado dos Direitos Fundamentais em um Estado Democrático de Direito. A doutrina constitucional contemporânea trata a Constituição, Estado de Direito e Direitos fundamentais como ideias essencialmente vinculadas, de forma que um depende necessariamente do outro. Isto é, a Constituição é condição de existência e fruição das liberdades fundamentais, de maneira que os Direitos Fundamentais somente produzirão eficácia em um Estado Constitucional de Direito. Ora, isto se dá, uma vez que a Constituição ordena uma ação juridicamente controlada e programada dos órgãos estatais. Neste cenário, pode-se afirmar que em um Estado de Direito, os Direitos Fundamentais deixam de ter papel apenas limitador do poder do Estado, mas, na verdade, assumem uma função de legitimador do poder estatal. Isto quer dizer que a atuação do Estado será legítima se for o centro dessa atuação os Direitos Fundamentais. Em outras palavras, se o Poder Público, em suas medidas, tomar decisões que visem efetivar os Direitos Fundamentais, respeitada estará a Constituição.
Sarlet (2010) leciona que “verifica-se que os direitos fundamentais podem ser considerados simultaneamente pressuposto, garantia e instrumento do princípio democrático da autodeterminação do povo”. Destarte, o direito de participação do indivíduo no processo político junto com a garantia do direito de igualdade é a base de um Estado Democrático. Afirma, ainda, que os Direitos Fundamentais são garantias das minorias contra possíveis abusos de poder praticados pelas maiorias. Dessa forma, existiria entre Democracia e Direitos Fundamentais um vínculo de interdependência e reciprocidade.
Ademais, segundo Flávia Piovesan (2010) a Carta Constitucional de 1988 é o marco jurídico de transição ao regime democrático, de forma que houve amplo alargamento na proteção dos direitos e garantias fundamentais. Continua a ilustre jurista que a Carta Magna, desde seu preâmbulo[2], deixou claro que o Brasil seria um Estado Democrático de Direito, visando assegurar os direitos fundamentais.
3) Tratados Internacionais: uma análise sobre acerca do instituto
3.1) Legitimidade para a celebração de um Tratado Internacional
A Convenção de Viena de 1969 é a chamada Lei dos Tratados, e objetivou dar disciplina e regulamento ao processo de criação dos tratados internacionais. Todavia, tal Convenção não objetivou regulamentar a celebração de tratados entre Pessoas Jurídicas de Direito Privado, tidas como sujeitos de Direito Internacional e entre estas e um Estado. Na verdade, a Convenção de Viena regulamentou o processo de formação de tratados internacionais que fossem celebrados entre Estados.[3]
Consoante as Lições de Accioly (2002, p.28) “por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais”.
Consoante o artigo 6º da Convenção de Viena, todo Estado tem capacidade para celebrar tratados, dessa forma, pode-se dizer que os tratados firmados somente vinculam aqueles Estados que dele façam parte, não vinculando Estados que não concluíram o tratado. Nesse sentido, leciona Piovesan (2010): “Os tratados não podem criar obrigações para os Estados que neles não consentiram [...]” Importante salientar que, ao firmar um tratado, o Estado não pode invocar normas do seu direito interno para se eximir do cumprimento de regras estabelecidas no diploma internacional.[4]
3.2) Classificações dos Tratados Internacionais
Os tratados internacionais podem ser classificados de diversas formas. Pode-se trazer uma primeira classificação em relação ao número de partes contratantes. Dessa forma, os tratados podem ser classificados em bilaterais , quando é celebrado por duas partes, ou multilaterais, quando há mais de duas partes contratantes.
Classificação interessante é aquela feita levando em consideração a natureza jurídica dos tratados. Para essa classificação, pode-se encontrar tratados-contratos, tratados-leis e tratados-normativos.
Por tratados-contratos entendem-se aqueles que visam “regular interesses recíprocos dos Estados [...]” (ACCIOLY, 2002, p.30). Por sua vez, os tratados- leis são aqueles celebrados por diversos Estados com o intuito de fixar as regras de Direito Internacional. Por fim, os tratados – contratos se dividem em executados ou executórios. Estes, também chamados de permanentes ou de efeitos sucessivos, “são os que prevêem atos a serem executados regularmente, toda vez que se apresentem as condições necessárias, como nos tratados de comércio e nos de extradição” (ACCIOLY, 2002, p.30). Por sua vez, aqueles, denominados também de transitórios ou de efeitos limitados, “são os que devem ser logo executados e que, levados a efeito, dispõem sobre a matéria permanentemente, uma vez por todas, como ocorre nos tratados de cessão ou de permuta de territórios” (ACCIOLY, 2002, p.30).
Os tratados internacionais também podem ser classificados quanto ao procedimento. Quanto a esta classificação os tratados podem ser classificados quanto ao número de fases necessárias para sua conclusão, quando for
[...] possível detectar duas fases de expressão do consentimento das partes, este entendido como pronunciativo na primeira, a da assinatura, e como definitivo na segunda, a da ratificação, ou se num quadro unifásico, o consentimento definitivo se exprime à assinatura, desde logo criadas as condições para a vigência do tratado (p.25 e 26).
Outra classificação, essa mais adequada ao objeto do estudo do presente texto, é a classificação que divide os tratados internacionais em tratados de direitos humanos e tratados de matérias ordinárias. Para que fique clara a diferença de classificação, importantes são as palavras de Piovesan (2010), ao firmar posição no sentido de que
enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre os Estados-partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes. Os tratados de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano, e não das prerrogativas dos Estados. (p.117)
3.3) O Processo de formação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro
O artigo 7º da Convenção de Viena de 1969 afirma quem tem plenos poderes para a adoção ou autenticação do texto de um tratado ou para expressar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado. O dispositivo supracitado enumera que uma pessoa pode ser parte legítima para celebrar tratados em nome de um Estado, conquanto apresente plenos poderes apropriados ou que as circunstâncias demonstrem que era da vontade do Estado considerar aquela pessoa como sua representante[5]. Ainda, podem ser considerados legitimados a celebrar tratados, sendo, estes, independentes de demonstração de plenos poderes, os Chefes de Estado e os de Governo e os Ministros das Relações Exteriores; os chefes de missão diplomática e os representantes do Estado em uma conferência ou organização internacional.[6]
Após a análise de quem pode representar o Poder Executivo, deve-se ter em mente que “a assinatura do tratado, por si só, traduz um aceite precário e provisório, não irradiando efeitos jurídicos vinculantes” (PIOVESAN, 2010, p.99). A partir da assinatura do tratado pelo Poder Executivo, a fase posterior é a sua análise e aprovação pelo Poder Legislativo, por meio de um decreto legislativo. Ambas as competências estão traçadas pela legislação brasileira, mais precisamente, pela Constituição da República. Consoante o art. 84, VIII, CR/88, compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais. Ademais, o mesmo dispositivo constitucional exige que haja um referendo do Congresso Nacional. Destarte, o art. 49, I, CR/88, legisla que é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Dessa forma, há o que a doutrina administrativa denomina de um ato administrativo complexo, isto é, para que o ato produza seus efeitos faz-se necessária a manifestação de vontade de dois órgãos distintos. (DI PIETRO, 2012, p.230). Nesse caso, há manifestação de vontade do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Pode-se afirmar, ainda, que o texto constitucional consagra também a colaboração entre os referidos Poderes, de forma a evitar que haja uma concentração de poderes no Executivo para celebrar tratados.
Após a aprovação do tratado no âmbito do Poder Legislativo, a fase posterior é a ratificação pelo Poder Executivo. Nas palavras de Piovesan (2010): “a ratificação significa a subseqüente confirmação formal por um Estado de que está obrigado ao tratado. Significa, pois, o aceite definitivo, pelo qual o Estado se obriga pelo tratado no plano internacional”. Após a ratificação, o tratado obriga as partes e devem ser cumpridos de boa-fé, de acordo com o art. 26 da Convenção de Viena de 1969.
Para Accioly, o que realmente faz um tratado entrar em vigor não é propriamente a ratificação. Consoante o ilustre jurista “o que o torna perfeito e acabado é a troca de tal instrumento contra outro idêntico, da outra parte contratante, ou o seu depósito no lugar para isto indicado no próprio tratado” (2002, p.36).
Importante dizer que apenas os países que celebraram o Tratado é que podem ratificá-lo. No caso de países que desejarem, posteriormente, ser parte nele, devem usar do recurso da adesão ou aceitação.
Após ratificado o tratado deve ser promulgado e publicado. Ora, por promulgação entende Accioly (2002) que é “o ato jurídico, de natureza interna, pelo qual o governo de um Estado afirma ou atesta a existência de um tratado por ele celebrado e o preenchimento das formalidades exigidas para sua conclusão” (p.38). No ordenamento pátrio, a promulgação é realizada pelo Presidente da República por meio de decreto. Por sua vez, a publicação é dar publicidade ao tratado celebrado pelo país. Nas palavras de Celso D. Albuquerque Mello (2007) “a publicação é condição essencial para o tratado ser aplicado no âmbito interno” (p.241). Na verdade, o que é publicado é o decreto legislativo, no qual o Congresso Nacional o aprova, e o decreto, no qual o Presidente da República o promulga.
3.4) Tratados e Reservas[7]
Instituto específico do Direito Internacional são as chamadas Reservas. Estas são, nos termos da Convenção analisada,
uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado.
Em outras palavras, a reserva é a possibilidade de um Estado aderir ao tratado internacional, excetuando determinados pontos contidos no diploma internacional, os quais aquele Estado se desobriga de cumprir. Entretanto, conforme o artigo 19 da própria Convenção de Viena, a reserva poderá não ser formulada quando o próprio tratado proibir qualquer tipo de reserva ou alguma específica e quando a reserva for incompatível com o objeto e a finalidade do tratado.
Interessante salientar que o processo relativo a uma reserva deve ser feito por escrito e comunicado aos Estados que celebram o tratado e aos outros Estados que possam vir a se tornar parte nele. A reserva, ainda, deve ser confirmada pelo Estado que a formulou, quando este consentir em obrigar-se pelo tratado, caso que a reserva será tida como feita na data de sua confirmação.
3.5) Interpretação de tratados autenticados em duas ou mais línguas
Em virtude de inúmeros países celebrarem tratados internacionais, é comum que haja a autenticação em línguas diversas. Sabe-se que, muitas das vezes, não há uma tradução exata que exprima ideia semelhante em outras línguas. Dessa forma, pode surgir problemas no momento da implementação do tratado, efetivando-se de uma forma em um Estado e de outra maneira em outro. Para que isto não ocorra, a Lei dos Tratados, em seu artigo 33, estabelece como deve ocorrer a interpretação do tratado autenticado em diversas línguas.
De acordo com o §1º do art. 33, ocorrendo a autenticação em duas ou mais línguas, o texto do tratado vale igualmente em cada delas, salvo se os Estados signatários concordem que, em caso de conflito, prevaleça um texto determinado.
O §3º do art. 33, ainda, afirma que se presume que os termos do tratado têm os mesmos sentidos nas diversas línguas autenticados. Por fim, o §4º do mesmo dispositivo legal, para findar com eventuais diferenças de interpretação, afirma que será adotada a interpretação que melhor leve em conta o objeto e a finalidade do tratado.
3.6) Nulidade, extinção e suspensão de aplicação de tratados
A Convenção de Viena de 1969 trata a matéria de nulidade, extinção e suspensão de aplicação dos tratados de forma extensa, encontrando estes temas nos artigos 42 a 72 da Convenção.
Entende-se por nulidade aquela em decorrência de corrupção do representante do Estado, erro, dolo, coação exercida sobre o referido representante e coação decorrente de ameaça ou emprego de força.
Consoante o art. 49 da Convenção, haverá dolo quando “um Estado foi levado a concluir um tratado pela conduta fraudulenta de outro Estado negociador [...]”. A corrupção do representante do Estado é, segundo o art. 50, “a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado foi obtida por meio da corrupção de seu representante, pela ação direta ou indireta de outro Estado negociador [...]”.
Por sua vez, a Lei dos tratados trata o erro do Estado como o “fato ou situação que esse Estado supunha existir no momento em que o tratado foi concluído e que constituía uma base essencial de seu consentimento em obrigar-se pelo tratado”. Ademais, o art. 51 apregoa que “não produzirá qualquer efeito jurídico a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado que tenha sido obtida pela coação de seu representante, por meio de atos ou ameaças dirigidas contra ele”.
Por fim, o art. 52 trata da coação de um Estado pela ameaça ou emprego da força, de forma que será “nulo um tratado cuja conclusão foi obtida pela ameaça ou o emprego da força em violação dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas”.
4) Tratados Internacionais de direitos humanos e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: uma reconstrução histórica
Após a reconstrução dos direitos fundamentais, passando do seu reconhecimento, no Estado Liberal, ao entendimento da moderna doutrina constitucional, no Estado Democrático, e após o estudo sobre os tratados internacionais, propício está o momento para analisar a hierarquia dos tratados internacionais, principalmente, os de direitos humanos frente à jurisprudência do STF ao longo do tempo.
Não é nova a discussão na doutrina brasileira acerca do status a ser conferido aos tratados internacionais. Assim também é na jurisprudência da Corte Constitucional brasileira.
Análise dos tratados internacionais sobre o prisma de qual hierarquia eles adentram no ordenamento jurídico brasileiro há muito é discutida no âmbito do Supremo Tribunal Federal, remontando à década de 1970.
Quanto a este ponto, são quatro as possibilidades do status que os tratados internacionais podem ser recebidos no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam a) a tese da hierarquia supraconstitucional; b) a doutrina do status constitucional; c) a tese da hierarquia supralegal; e d) a doutrina do status de lei ordinária, isto é, a paridade entre as normas interna e internacional.
À época da década de 1970, por meio do julgamento do RE nº 80.004/SE, o relator, o Ministro Xavier Albuquerque, votou no sentido do primado dos tratados internacionais em relação às leis internas do país. Dessa forma, o Ministro Relator optou pela supraconstitucionalidade dos tratados internacionais. Contudo, a maioria dos ministros da Corte, após voto do Ministro Cunha Peixoto, posicionou-se de forma diversa da relatoria, firmando posição no sentido de os tratados internacionais, sejam eles ordinários ou de direitos humanos, teriam o mesmo status das leis internas do país. Ou seja, qualquer conflito entre normas internacionais e internas deve ser resolvido pela regra de lex posterior derrogat legi priori.
O RE nº 80.004/SE tratava sobre a Convenção de Genebra, a Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias.
A partir dessa decisão o STF foi alvo de inúmeras críticas[8] pela doutrina que entendia errada a posição dos Ministros em relação ao tema, principalmente após o advento da Constituição da República de 1988. Parte da doutrina, como Mazzuoli, a qual este trabalho se filia, defendia que os tratados internacionais de direitos humanos deveriam ser recebidos pela Constituição com status constitucional, em virtude do art. 5º § 2º, que consagra que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja signatário. Por sua vez, os tratados internacionais sobre matérias ordinárias deveriam ser recebido de forma infraconstitucional. Em outros termos, a hierarquia constitucional somente seria assegurada aos tratados que versassem sobre direitos humanos, tendo um tratamento diferenciado aos tratados ordinários, os quais possuiriam status infraconstitucional[9]. Não faria sentido que tratados que versassem, por exemplo, sobre assuntos comerciais e tributários sejam alçados ao mesmo nível de tratados que tratem sobre a vida, a liberdade e a igualdade do ser humano.
A discussão sobre a hierarquia dos tratados internacionais voltou ao cenário jurídico nacional após o país ter assinado a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o chamado Pacto de San José da Costa Rica. Este tratado trazia a impossibilidade da prisão civil por dívidas, excepcionando, apenas, o devedor de alimentos, conforme o art. 7º, número 7[10], da Convenção. Por sua vez, a Carta Constitucional brasileira prevê, em seu art. 5º, LXVII, que não há a prisão civil por dívidas, de modo que excepciona, além da prisão do devedor de alimento, a prisão do depositário infiel. Dessa forma, a doutrina discutia se o Pacto de San José da Costa Rica revogou a norma constitucional e, para que pudesse chegar à solução do problema, necessário fazia a releitura da hierarquia dos tratados internacionais, principalmente, os de direitos humanos. Esta discussão ganhou mais relevância quando a Emenda Constitucional nº 45/04 acrescentou ao art. 5º, o § 3º que firma posição no sentido de que somente teria status de emenda constitucional os tratados que passassem pelo quórum de uma emenda.
Novamente, o tema voltou às portas do Supremo Tribunal Federal, por meio do RE nº 466.343, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, no qual a maioria dos ministros firmou posição no sentido de reconhecer aos tratados internacionais de direitos humanos um regime jurídico especial e diferenciado (caráter supralegal), distinto ao regime aplicado aos tratados tradicionais.
O RE nº 466.343 analisou a possibilidade de prisão do devedor fiduciante na alienação fiduciária em garantia. O Supremo Tribunal Federal entendeu pela impossibilidade de haver a prisão nesse caso, uma vez que o legislador infraconstitucional não teria competência para ampliar o conceito de depositário infiel.
Como dito anteriormente, o que motivou a volta do tema à apreciação do STF foi o Brasil ter assinado a Convenção Interamericana de Direitos Humanos que consagrava a vedação da prisão civil por dívidas, excepcionando apenas o devedor de alimentos, ao passo que a Constituição também vedava a prisão civil por dívidas, contudo, excepcionava também o depositário infiel.
4.1) Análise das teses acerca da hierarquia-normativa dos tratados internacionais de direitos humanos
Como visto no tópico anterior, a discussão sobre o status a ser dado aos tratados internacionais de direitos humanos não é nova no ordenamento jurídico brasileiro. Nos últimos anos, esse debate ganhou força nova na doutrina e jurisprudência pátria em virtude do Brasil ter assinado a Convenção Interamericana de Direitos Humanos que consagrava a vedação da prisão civil por dívidas, excetuando, tão somente, a prisão do devedor de alimentos. De forma diversa, a Constituição excetuava também a prisão do depositário infiel.
Nesse diapasão, diferente não poderia ser, o Supremo Tribunal Federal foi chamado novamente a discutir a matéria.
É certo que qualquer discussão nesse âmbito pressupõe o exame da relação hierárquico-normativa entre os tratados internacionais e a Constituição.
É neste contexto que serão estudadas, como visto anteriormente, as teses de como os tratados internacionais de direitos humanos são recebidos pela ordem brasileira, quais sejam: a) a tese de supraconstitucionalidade; b) a tese de constitucionalidade; c) a tese de supralegalidade; e d) a tese de lei ordinária.
A primeira corrente professa a prevalência dos tratados internacionais de direitos humanos em relação às normas constitucionais. Em outras palavras isto quer dizer que nem mesmo Emenda à Constituição teria força para suprimir norma prevista em tratado internacional. Contudo, defender tal vertente doutrinária não seria viável, haja vista que o ordenamento jurídico brasileiro está baseado na supremacia da constituição, que possibilita a máxima eficácia das normas constitucionais. Defender a vertente da supraconstitucionalidade seria abdicar da máxima eficácia constitucional. Ademais, a própria Constituição da República de 1988 deixou claro que os tratados internacionais não serão superiores a ela, uma vez que ela autoriza o controle de constitucionalidade de tratados, nos termos do art. 102, III, b.
A segunda corrente elencada, a da constitucionalidade dos tratados, pelo qual os tratados de direitos humanos estariam no mesmo nível hierárquico da constituição. A esta corrente, maiores detalhes serão trabalhados adiante.
A Carta Constitucional pátria prescreve em seu art. 5º, § 2º que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes de tratados que o Brasil seja signatário. Ora, perceba que ao firmar posição neste sentido, o texto constitucional está incluindo no seu rol de direitos, os direitos previstos nos diplomas internacionais. Há, na verdade, uma incorporação de tais direitos pela Constituição. Nesse sentido, diferente não poderia ser o pensamento da professora Flávia Piovesan (2010)
Ora, ao prescrever que ‘os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais’, a contrario sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Esse processo de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitos (p.104).
Nesse mesmo sentido, são as palavras de Mazzuoli (2001)
se a própria Constituição estabelece que os direitos e garantias nela elencados podem ser complementados por outros provenientes de tratados, não se poderia pretender que esses outros direitos e garantias tivessem um grau hierárquico diferente do das normas constitucionais (p.11)
Dessa forma, a Constituição confere aos tratados de direitos humanos uma natureza diferenciada, isto é, equipara tais diplomas às normas constitucionais.
Outro fator decisivo para entender como mais correta esse posicionamento é a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais e o chamado bloco de constitucionalidade[11]. Ora, não é possível outro entendimento quando da interpretação do disposto no art. 5º, § 2º da Carta. Esta determina que o “conteúdo constitucional dos direitos constantes dos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte” (PIOVESAN, 2009, p.107). Em outras palavras, a Constituição de 1988 confere valor jurídico constitucional a esses direitos, de forma que irão ser incluídos no rol de direitos fundamentais, ou seja, farão parte do chamado bloco de constitucionalidade.
Importante são as palavras de Mazzuoli (2001)
ora, se a Constituição estabelece que os direitos e garantias nela elencados ‘não excluem’ outros provenientes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art.5º, § 2º), é porque está ela própria a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes dos tratados pelo Brasil ratificados ‘se incluem’ no nosso ordenamento jurídico interno, passando a ser considerados como se escritos na constituição estivessem. Se os direitos e garantias expressos no texto constitucional ‘não excluem’ outros provenientes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, é porque, pela lógica, eles ‘os incluem’ (p.13)
Diante dos argumentos trazidos, outro não poderia ser o posicionamento de Sarlet (2006) ao afirmar que
Verifica-se que a tese de equiparação (por força do disposto no art.5º, § 2º, da CF) entre os direitos fundamentais localizados em tratados internacionais e os com sede na Constituição formal é a que mais se harmoniza com a especial dignidade jurídica e axiológica dos direitos fundamentais na ordem jurídica interna e internacional, constituindo, ademais, pressuposto indispensável à construção e consolidação de um autêntico direito constitucional internacional dos direitos humanos, resultado da interpenetração cada vez maior entre os direitos fundamentais constitucionais e os direitos humanos dos instrumentos jurídicos internacionais (p.75).
Destarte, há de se concluir que a regra positivada no art. 5º, § 2º é uma cláusula constitucional aberta.
A interpretação de integrar os tratados como normas constitucionais está extremamente de acordo com o princípio da máxima efetividade da constituição. Isto é, às normas constitucionais deve ser dado o entendimento que lhe propiciem a maior eficácia, aumentando o seu alcance. Nas sábias palavras do professor Jorge Miranda (1991) “a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação [...]” (p.260). Piovesan (2010) firma posição que “a nenhuma norma constitucional se pode dar interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser” (p.111).
Para esta corrente doutrinária, eventuais conflitos entre a norma internacional de direitos humanos e a constituição deveriam ser sanados pela aplicação da norma mais favorável ao titular do direito, o que será detalhado em tópico próprio.
Importante salientar que a junção da hierarquia constitucional aos tratados de direitos humanos mais a aplicação da norma mais favorável “é a interpretação que se situa em absoluta consonância com a ordem constitucional de 1988, bem como com sua racionalidade e principiologia” (PIOVESAN, 2010, p.116).
Em 8 de dezembro de 2004, foi publicada a Emenda Constitucional nº 45, que introduziu no art. 5º, o § 3º, dispondo que os tratados internacionais de direitos humanos que forem aprovados segundo o processo legislativo de criação de uma emenda constitucional, isto é, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos de seus membros, serão a elas equivalentes. Após a inclusão desse dispositivo constitucional, muitos defenderam a ideia de que os diplomas internacionais sobre direitos humanos que não passassem pelo procedimento estabelecido pelo § 3º receberiam o status de supralegal ou de lei ordinária federal, uma vez que não teriam obtido o quorum necessário para serem alçados a nível constitucional.
Rechaça essa crítica pela interpretação dada ao art. 5º, § 2º, que apregoa que os direitos humanos, qualquer que seja seu quorum de aprovação, são materialmente constitucionais, como visto, formando o bloco de constitucionalidade[12]. Confirmando este entendimento, brilhante é o posicionamento de Piovesan (2010)
[...] na hermenêutica emancipatória dos direitos há que imperar uma lógica material e não formal, orientada por valores, a celebrar o valor fundante da prevalência da dignidade humana. À hierarquia de valores deve corresponder uma hierarquia de normas, e não o posto. Vale dizer, a preponderância material de um bem jurídico, como é o caso de um direito fundamental, deve condicionar a forma no plano jurídico-normativo, e não ser condicionado por ela (p.124).
Na verdade, importante diferenciar, na doutrina de Flávia Piovesan (2010) que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados anteriores à inclusão do § 3º na Constituição de 1988 são material e formalmente constitucionais, por força do § 2º do art. 5º, ao passo que os tratados ratificados após a inclusão do § 3º são, de plano, materialmente constitucionais, pelo fato de trazerem direitos humanos. Para se converterem em normas formalmente constitucionais, entretanto, deverão percorrer o processo legislativo de emenda constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º da Constituição. Nas palavras da ilustre jurista
Vale dizer, com o advento do §3º do art. 5º surgem duas categorias de tratados internacionais de proteção de direitos humanos: a) os materialmente constitucionais; e b) os material e formalmente constitucionais. Frise-se: todos os tratados internacionais de direitos humanos são materialmente constitucionais, por força do § 2º do art. 5º. Para além de serem materialmente constitucionais, poderão, a partir de § 3º do mesmo dispositivo, acrescer a qualidade de formalmente constitucionais, equiparando-se às emendas à Constituição, no âmbito formal. (PIOVESAN, 2010, p.132)
A distinção trazida acima irá repercutir no âmbito da denúncia de um tratado de direitos humanos. Ao passo que os tratados de direitos humanos apenas materialmente constitucionais poderão ser alvo de denúncia, os tratados material e formalmente constitucionais não poderão ser suscetíveis da denúncia[13].
Portanto, admitindo-se que todos os tratados de direitos humanos possuem natureza constitucional, está por concluindo que o rol de direitos constantes nesses diplomas é considerado cláusulas pétreas, assegurados pelo art. 60, §4º da Constituição da República. Em capítulo apropriado, será discutido se o § 3º do art. 5º da Carta, em interpretação com o artigo que assegura as cláusulas pétreas, é um retrocesso no ordenamento jurídico, de forma a discutir uma possível inconstitucionalidade de tal inovação legislativa.
A terceira corrente elencada foi a do status de supralegalidade dos tratados de direitos humanos. Posicionamento este defendido atualmente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 466.343, tendo como voto determinante o do Ministro Gilmar Mendes.
A tese defendida pelo STF reza que os diplomas internacionais sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, mas teria um tratamento especial frente às demais normas infraconstitucionais, qual seja a supralegalidade. Nas palavras de Mendes (2008) “[...] os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico”. (p.705)
Para esta corrente, o conflito entre norma interna e internacional não implicava revogação da primeira. Na verdade, defende esta vertente, que a norma interna deixaria de ter aplicabilidade imediata diante do efeito paralisante dos tratados internacionais em relação às normas infraconstitucionais. Em outros termos, segundo o status supralegal dos tratados de direitos humanos, “a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada” (MENDES, 2008, p.710).
Foi exatamente isso que foi decidido pelo STF no julgamento do RE nº 466.343, no qual se entendeu que a prisão civil do depositário infiel não foi revogada pela adesão do Brasil à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Na verdade, o art. 652 do Código Civil e o Decreto-Lei nº911/69 não foram revogados, mas tiveram sua aplicabilidade suspensa.
O presente estudo não corrobora com a visão dada pela ilustre Suprema Corte (STF). Ora, perceba, então que o art. 5º, LXVII não está com eficácia suspensa em relação à prisão do depositário infiel, pois se estivesse estaria colocando o tratado internacional de direitos humanos acima da Constituição. Dessa forma, o Poder Judiciário não poderia determinar a prisão civil do depositário infiel com fundamento no art. 652 do Código Civil, mas poderia fundamentá-la com base no art.5º, LXVII da Constituição. Ao defender o caráter supralegal, o Supremo Tribunal Federal estaria consagrando esta possibilidade. O mais adequado, portanto, é equiparar as normas constantes em tratados internacionais às normas constitucionais, pois aí, sim, poderia ser afirmado, pela técnica da norma mais favorável ao titular do direito, que a prisão civil do depositário infiel foi revogada por uma norma reconhecida como constitucional, haja vista que uma norma supralegal não pode ter o condão de suspender a eficácia de uma norma constitucional. Isto pela própria hierarquia das leis
Por fim, a última tese possível de recebimento dos tratados internacionais é aquela que confere paridade em relação às normas infraconstitucionais, de forma que adentrariam no ordenamento pátrio como se leis ordinárias federal fossem. Diante de tudo o que já foi exposto, fica praticamente inviável a adoção desta tese, seja pela interpretação do art. 5º, § 2º, seja pela inovação do § 3º, do mesmo dispositivo constitucional. O que é importante deixar esclarecido, que os tratados ordinários entrarão como se leis ordinárias fossem, ao passo que os tratados de direitos humanos, pela visão do presente trabalho, terão tratamento especial e diferenciado, sendo recebidos com status constitucional, como preleciona o art. 5º, § 2º da Constituição da República.
Para o presente estudo, a vertente mais adequada para o recebimento dos tratados internacionais de direitos humanos, de acordo com os argumentos ao longo expostos, é a que lhes confere caráter constitucional, haja vista que deve ser levado em conta sempre a busca pela máxima efetividade constitucional, dando ao texto constitucional sempre interpretação mais ampla e abrangente possível, o que só é permitido pela corrente aqui defendida
5) Tratados Internacionais de Direitos Humanos e o art.5º, § 1º da CR/88.
Consoante o art. 5º, §1º da Constituição, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Ora, perceba que os tratados internacionais de Direitos humanos trazem garantias fundamentais, como já se pacificou neste estudo, de modo que se incorporam no ordenamento interno automaticamente. Neste contexto, clara são as palavras de Mazzuoli (2001)
Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, uma vez ratificados, por também conterem normas que dispõem sobre direitos e garantias fundamentais, terão, dentro do contexto constitucional brasileiro, idêntica aplicação imediata”. (p.55)
Também nesse sentido é o pensamento do professor Sarlet (2010) ao dizer que
[...] há como sustentar, a exemplo do que tem ocorrido na doutrina, a aplicabilidade imediata de todos os direitos fundamentais constantes do Catálogo (arts.5º a 17), bem como dos localizados em outras partes do texto constitucional e nos tratados internacionais (p.263) (grifo nosso).
Consoante os ensinamentos de Sarlet (2010), o que o constituinte quis ao colocar o §1º do art. 5º da Carta da República é evitar que haja um esvaziamento dos direitos fundamentais, de modo que não se configurem como letra morta na ordem jurídica brasileira.
Interessante pontuar que entender que os tratados de direitos humanos não teriam aplicabilidade e eficácia imediata estaria equiparando os direitos e garantias fundamentais às demais normas constitucionais e infraconstitucionais, o que, por aqui, se pensa ser inadmissível. Dessa forma, havendo a incorporação automática dos direitos assegurados pelos tratados de direitos humanos está-se cumprindo a função de maximizar a eficácia dos direitos fundamentais. Pensamento este compartilhado por Flávia Piovesan[14].
A extensão da aplicabilidade material aos direitos elencados fora do catálogo do art. 5º da Constituição da República não encontra qualquer restrição no texto constitucional. Na verdade, faz-se uma interpretação conjunta do § 1º do art. 5º e do § 2º do mesmo dispositivo constitucional. Esta exegese acaba por harmonizar o texto constitucional.
Importante ter em mente se o § 1º do art. 5º, por si só, seria capaz de conferir a todos os direitos fundamentais, in casu os direitos humanos contidos nos tratados internacionais que os contenham, aplicabilidade imediata e dotados de plena eficácia, ainda que se cuide de preceitos que não receberam normatividade suficiente para tanto, necessitando uma intervenção legislativa.
Nesse diapasão, o presente texto entende que a melhor interpretação dada ao art5ª, §1º da Carta Constitucional é que este dispositivo trata-se de uma norma de cunho principiológico. Portanto, seria uma espécie de mandado de otimização dos direitos fundamentais, ou seja, obriga aos órgãos estatais a função de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais.
Partindo da premissa que todas as normas constitucionais são dotadas de, pelo menos, um mínimo de eficácia, é dever do poder público extrair das normas que consagram direitos fundamentais a maior eficácia possível, outorgando-lhe efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais.
Destarte, a atuação do Poder Judiciário deve ser sempre no sentido acima posto, o que acarreta pela obrigação de reconhecer aos tratados internacionais de direitos humanos a hierarquia constitucional, para que se torne possível essa discussão a cerca dos direitos assegurados por tais diplomas.
Diante do exposto, atribuindo a Constituição a hierarquia constitucional aos tratados de direitos humanos, é de se concluir que está dispensada a expedição de decreto de execução para que estes diplomas internacionais irradiem seus efeitos, seja no plano interno ou na seara internacional. Diferente, nos tratados internacionais ordinários, o decreto faz-se necessário, haja vista que não está amparado pelo dispositivo constitucional aqui estudado.
6) Alienação fiduciária em garantia: uma breve análise sobre o instituto
Importante explicar o que se trata, ainda que de forma breve, a alienação fiduciária em garantia, uma vez que esse tema foi o objeto da decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 466.343.
Fábio Ulhoa (2010) entende por alienação fiduciária
Aquele negócio jurídico em que uma das partes (fiduciante), proprietária de um bem, aliena-o em confiança para a outra (fiduciário), que, por sua vez, se obriga a devolver-lhe a propriedade do mesmo bem nas hipóteses previstas em contrato (p.149)
Interessante perceber que a alienação fiduciária é um negócio-meio, de forma a criar condições para um negócio-fim. A alienação fiduciária pode ocorrer em três situações, quais sejam: a viabilização da administração do bem alienado; a transferência de domínio a terceiros; e como forma de garantia do pagamento de dívida.
Esta última situação foi alvo da análise pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A alienação fiduciária em garantia, portanto, é espécie de alienação fiduciária, e foi introduzida no ordenamento pátrio por meio da Lei de Mercado de Capitais de 1965. Atualmente, em se tratando de mercado financeiro, é um contrato disciplinado pela Lei nº 4728/65, em seu art. 66-B. De forma diferente, quando o objeto do contrato for um bem imóvel, é regido pelos arts. 22 a 33 da Lei nº 9514/97.
Ulhoa (2010) conceitua alienação fiduciária em garantia como o “contrato instrumental do mútuo, em que o mutuário-fiduciante (devedor), para garantia do cumprimento de suas obrigações, aliena ao mutuante-fiduciário (credor) a propriedade de um bem do seu patrimônio” (p.149).
Segundo os ensinamentos de Orlando Gomes (2010), “a alienação fiduciária em garantia é o negócio jurídico pela qual o devedor, para garantir o pagamento da dívida, transmite ao credor a propriedade de um bem, retendo-lhe a posse direta, sob a condição resolutiva de saldá-la”
Nessa situação, o credor tem apenas o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa alienada, de modo que o devedor somente tem a posse direta da coisa. Destarte, realizado o pagamento da dívida, resolve-se o domínio em favor do fiduciante, que volta a ser o titular pleno da coisa dada em garantia.
A alienação fiduciária em garantia tem como objeto um bem móvel ou imóvel. No primeiro caso, consoante o art. 8º-A do Decreto-Lei nº 911/69, toda vez que o contrato for celebrado para assegurar créditos fiscais ou previdenciários ou, ainda, quando tiver sido celebrado no âmbito do mercado financeiro, o inadimplemento ou a mora do fiduciante possibilitará a exigibilidade das prestações vincendas de plano, oportunizando ao fiduciário o requerimento da busca e apreensão do bem. Depois de concedida a liminar de busca e apreensão, o fiduciante tem 5 dias para realizar o pagamento integral do valor devido. Caso não o faça, o fiduciário se torna o proprietário no intuito de tornar efetiva sua garantia.
Contudo, quando o objeto do contrato for um bem imóvel, a busca e apreensão não se fazem adequadas, uma vez que haverá a consolidação da propriedade em nome do credor. Esta consolidação ocorre pela “falta de emenda da mora, perante o Registro de Imóveis, pelo devedor regularmente intimado” (ULHOA, 2010, p.150).
Após o julgamento do RE nº 466.343, o Supremo entendeu por indevida a prisão civil do fiduciante, exatamente por tantos procedimentos processuais que o fiduciário titulariza para ver sua garantia efetivada, restando desnecessário determinar a prisão civil do fiduciante.
7) A repercussão dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro
Após um estudo sobre o instituto dos tratados internacionais, precípuo é analisar as possíveis repercussões jurídicas em virtude da incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira.
Partindo da premissa que o presente texto entende que os tratados internacionais de direitos humanos têm força constitucional, é possível prever algumas hipóteses que podem ocorrer. O diploma internacional poderá assegurar um direito idêntico ao garantido pela constituição; pode, ainda, aumentar o rol de direitos assegurados pela Carta Constitucional, ou, por fim, pode também contrariar normas do direito interno. Nesse sentido, diferente não poderia ser o pensamento de Piovesan (2011)
Em relação ao impacto jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos no direito brasileiro, e considerando a hierarquia constitucional desses tratados, três hipóteses poderão ocorrer. O direito enunciado no tratado internacional poderá: a) coincidir com o direito assegurado pela Constituição (neste caso a Constituição reproduz preceitos do Direito Internacional dos Direitos Humanos; b) integrar, complementar e ampliar o universo de direitos constitucionalmente previstos; ou c) contrariar preceito do direito interno (p.150).
O texto constitucional brasileiro reflete diversas normas presentes em tratados internacionais. Muita das vezes, o dispositivo constitucional reproduz de forma fiel a redação dada pelos diplomas internacionais.[15]
Ora, perceba que as transcrições literais, na Constituição de 1988, de textos contidos em tratados internacionais confirmam o status constitucional a que deve ser dado aos tratados internacionais que consagram os direitos humanos. Ademais, houve grande preocupação do constituinte em adequar as normas fundamentais internas, com as regras do Direito Internacional, de modo que um direito complementasse e integrasse o outro.
Outro impacto jurídico trazido pelos tratados internacionais de direitos humanos ao qual o Brasil adere é a ampliação do rol dos direitos fundamentais assegurados pela ordem jurídica. Mais uma vez, percebe-se a intenção do legislador tratar o Direito Internacional e o Direito Interno de forma complementar, haja vista que o rol de direitos fundamentais assegurados será alargado, “na medida em que não se encontram previsto no Direito interno” (PIOVESAN, 2011, p.153).[16]
Portanto, em suma, pode-se dizer que o Direito Internacional e Direito Interno devem estar sempre em consonância, seja quando os tratados internacionais aumentam e complementam o rol dos direitos fundamentais assegurados pelas normas internas, seja quando estas normas reproduzem texto literal das normas internacionais.
Contudo, como dito anteriormente, é possível haver mais uma repercussão no ordenamento jurídico interno, qual seja o conflito entre norma internacional e norma nacional. Sobre esta hipótese faz-se necessário um estudo mais cauteloso.
Normalmente, no plano interno, quando uma norma posterior trata do mesmo tema de uma norma anterior, utiliza-se o critério de que lei posterior revoga lei anterior, naquilo que forem incompatíveis. Contudo, quando se fala de direitos fundamentais, o critério citado não pode ser a regra, uma vez que está se falando de direitos inerentes ao seres humanos, que garantem dignidade da pessoa humana. Partindo dessa premissa, portanto, pode-se dizer que o melhor critério a ser aplicado é o da norma mais vantajosa para a pessoa. Dessa forma, se houve um choque entre uma norma de direito interno posterior (menos benéfica) à norma de direito internacional (mais benéfica), deve-se aplicar esta norma.[17] Ora, diferente não poderia ser, afinal é princípio norteador da República Federativa do Brasil o da Prevalência dos direitos humanos, nos termos do art.4º, II da Constituição. Este princípio assegura a aplicação da norma mais favorável às vítimas.
A escolha de qual norma mais benéfica deve ser aplicada em favor da pessoa é função dos Tribunais, de forma a garantir a maior proteção ao ser humano, garantindo, essencialmente, a dignidade da pessoa humana.
Para ficar mais claro o que se quer tratar, perceba os exemplos trazidos de conflitos entre norma interna e norma internacional. A Constituição da República de 1988 trouxe no seu art. 5º, LXVII, que não há, no Brasil, a prisão civil por dívida, excetuando inadimplemento do pagamento de obrigações alimentícias e do depositário infiel. Isso posto, importante entender que a Constituição consagrou a proibição da prisão civil por dívidas. Contudo, trouxe duas exceções acima ditas. Acontece que o Pacto de San José da Costa Rica, em seu art. 7º (7) dispõe dessa forma “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Veja que há um conflito entre a norma interna e a norma internacional, visto que o Brasil ratificou o Pacto de San José da Costa Rica. Portanto, como será visto em tópico próprio, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de não haver a possibilidade da prisão civil do depositário infiel. Observe que o STF, ao julgar a matéria, utilizou-se do critério da norma mais favorável que, in casu, era a norma prevista no Direito Internacional.
Importante firmar posição de que a um tratado de direitos humanos ser aplicado ao invés de norma constitucional, isto “não nulifica qualquer dos preceitos da Constituição, posto que decorre de seus próprios postulados” (MAZZUOLI, 2001, p.23).
Há de se exemplificar, também, um conflito em que a norma interna prevalece sobre a norma internacional.
Consoante o artigo 22 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de construir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses.
2. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos a liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desse direito por membros das forças armadas e da polícia.
3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que Estados Partes da Convenção de 1948 da Organização do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam - ou aplicar a lei de maneira a restringir - as garantias previstas na referida Convenção.
Perceba que o §2º legisla que o exercício ao direito de formar sindicatos está sujeito às restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, para proteger os direitos lá elencados.
Por sua vez, a Carta brasileira, em seu art. 8º, II, consagra a liberdade sindical, por meio da unicidade sindical. Diferente do texto internacional, a norma nacional não traz nenhuma restrição ao exercício do direito de se unir e formar sindicatos.
Destarte, também pelo critério da norma mais benéfica, “conclui-se que a ampla liberdade de criar sindicatos merece prevalecer sobre a restrição da unicidade sindical” (PIOVESAN, 2011, p.160).
Ademais, pelo §3º percebe-se que a intenção do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é, efetivamente, propiciar o exercício da liberdade sindical. Dessa forma, ao dizer que nenhum Estado, que seja membro da OIT, pode criar legislações a restringir o direito ali assegurado, está, em última análise, propiciando que aplique legislações internas, desde que sejam mais benéficas ao exercício daquele direito.
Após a análise das três situações que podem ocorrer, quando da adoção de tratados internacionais de direitos humanos, o importante é concluir que os direitos trazidos por estes diplomas devem vir sempre com a intenção de reforçar os direitos já assegurados pela Constituição, de modo que, jamais, podem vir abolir ou diminuir direitos fundamentais.
8) Vedação ao retrocesso: conflito entre o § 2º e o § 3º, do Art. 5º, da Constituição da República de 1988
A vedação ao retrocesso resguarda íntima conexão com a ideia de segurança jurídica, o que ao seu fundo está ligada de forma essencial a um Estado de Direito. Isto porque a atuação estatal e das pessoas será pautada por aquilo que a lei proíbe ou não veda, de maneira tal que não haveria arbitrariedades, mas caso ocorressem existiria uma lei a ser aplicada de forma a resguardar a atuação lícita.
A doutrina pátria, tendo como expoente Celso Antônio Bandeira de Mello (2011), entende que a segurança jurídica é tão precípua no Estado de Direito, que a eleva a própria noção de dignidade da pessoa humana, uma vez que havendo certa estabilização nas relações sociais e jurídicas, está-se viabilizando a elaboração e a realização de projetos de vida pessoais. Em outros termos, em lugares onde haja um nível de instabilidade elevado, de forma que não se pode confiar nas próprias instituições estatais, a dignidade da pessoa humana não estará suficientemente protegida.
Nas palavras de Piovesan (2010)
[...] seja no âmbito internacional, seja no âmbito interno (à liuz do Direito Constitucional ocidental), a dignidade da pessoa humana é princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade. A dignidade humana simboliza, desse modo, verdadeiro superprincípio constitucional, a norma maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo, nas esferas local e global, dotando-lhe de especial racionalidade, unidade e sentido.
Pode-se afirmar que o direito fundamental à dignidade da pessoa humana juntamente com os outros direitos fundamentais consagram as exigências de justiça e valores éticos presentes no ordenamento jurídico pátrio. Neste cenário, os Direitos Fundamentais foram elevados à cláusulas pétreas, isto é, aquelas normas trazidas pela Constitucional que, devido sua importância, nem mesmo Emenda Constitucional poderia vir tendente a aboli-las, mas, somente, a aumentar o seu rol.
É nesse momento é que se torna importante a análise dos § 2º e do § 3º, do art. 5º, da Constituição da República de 1988.
Antes de adentrar, especificamente no conflito entre os dispositivos constitucionais, faz-se importante salientar que não é objeto do presente estudo a discussão da inconstitucionalidade ou não destes dispositivos constitucionais. Entretanto, será proposta, apenas, uma pequena análise de um tema que merece ser tratado detalhadamente em outro momento.
Legisla o § 2º do citado dispositivo constitucional que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes de tratados internacionais em que o Brasil seja signatário. Da análise deste texto entende-se que todos os tratados internacionais de Direitos Humanos que o Brasil seja parte entram com força de norma constitucional, entram no rol dos direitos fundamentais exemplificados durante todo o artigo 5º da Carta Magna.
Por sua vez, consoante o § 3º do artigo 5º da Constituição de 1988, os tratados internacionais sobre direitos humanos só serão equivalentes às emendas constitucionais se forem aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. Em outras palavras, os tratados internacionais em questão só terão força constitucional se passarem pelo processo legislativo resguardado para aprovação de Emenda Constitucional.
Importante dizer que o §3º do artigo 5º foi acrescido no texto constitucional por razão da EC nº45/04.
Ora, perceba que o §2º é uma norma abrangente, que possibilita o aumento do rol dos direitos fundamentais (este, tidos como cláusulas pétreas), ao passo que o § 3º é uma norma que restringe o aumento do rol dos referidos direitos. Isto porque só seriam alçados como Direitos Fundamentais se fosse aprovados de acordo o processo legislativo de Emenda Constitucional. Perceba, ainda, que isto dificulta a entrada de tratados internacionais de direitos humanos como normas garantidoras de direitos fundamentais. Dessa forma, pode-se dizer que o §3º é, na verdade, inconstitucional, haja vista que se originou de uma emenda ao texto constitucional tendente a diminuir o rol de direitos fundamentais, que são cláusulas pétreas. Em outras palavras
As cláusulas pétreas[18] impõem limites materialmente explícitos de reforma constitucional. Dessa forma, aquilo que é protegido por cláusula pétrea não pode ser objeto de uma emenda constitucional tendente a aboli-los. Destarte, quando uma emenda constitucional, in casu, a EC nº 45 cria um processo legislativo mais dificultoso, para que os tratados internacionais de direitos humanos adentrem no ordenamento pátrio com status constitucional, isso é tendente a diminuir a extensão dos direitos fundamentais na ordem brasileira.[19]
Nesse particular, importante são os ensinamentos de Sarlet (2006)
[...] a inovação trazida pela EC 45/04 é inconstitucional por violar os limites materiais à reforma constitucional, no sentido de que se acabou dificultado o processo de incorporação dos tratados internacionais sobre direitos humanos e chancelando o entendimento de que os tratados não incorporados pelo rito das emendas constitucionais teriam hierarquia meramente legal, de tal sorte que restou restringido, desta forma, o próprio regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais oriundos dos tratados. (p.79)
Exatamente por isso deve-se dar, aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, o status constitucional. Diferente não poderia ser o pensamento do ilustre jurista Valério Mazzuoli (2001) que assim firma posição “a cláusula do § 2º do art.5º da Carta da República, está a admitir (e isto é bem visível!) que tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ingressem no ordenamento jurídico brasileiro no mesmo grau hierárquico das normas materialmente constitucionais [...]” (p.12) Uma vez ingressando na ordem jurídica como Direitos Fundamentais não poderiam ser retirados do ordenamento. Mazzuoli (2001), com brilhantismo, assim conclui “[...] todos os direitos inseridos nos referidos tratados constituem cláusulas pétreas, não podendo ser suprimidos por emenda à Constituição [...]” (p.18). Dessa forma, garante uma maior segurança jurídica para as pessoas. Resta claro que isto não aconteceria se os Tratados de Direitos Humanos tivessem status diverso.
9) Considerações Finais
Durante toda a exposição, o presente texto mostrou sempre a preocupação com a busca pela máxima efetividade constitucional em um Estado Democrático de Direito. Objetivou-se demonstrar a evolução histórica dos direitos fundamentais, saindo do modelo Liberal, passando pelo modelo Social, até chegar ao modelo Democrático. No primeiro destes modelos, o Estado se via em uma postura absenteísta, de modo que apenas reconhecia os direitos individuais sob um enfoque formal. De forma diferente, no segundo modelo, o Estado sai da inércia e se agiganta, efetivando materialmente os direitos que a sociedade almejava. Contudo, verificou-se que o Estado não podia tratar o cidadão como cliente, devido a inviabilidade de tal postura. Ademais, os cidadãos não mais se preocupavam apenas com os seus direitos, ampliando sua visão, voltando seu olhar para o direito de toda a sociedade. É neste contexto que surge o terceiro modelo elencado, qual seja, o democrático. A partir de então,, as pessoas passaram a se preocupar umas com as outras, e os direitos coletivos ganharam maior importância.
Depois de demonstrada a nova concepção dos direitos fundamentais, foi objeto de análise do presente estudo as teorias que versam sobre a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos. Estudou-se o posicionamento que o STF adotou a partir da década de 1970 e a mudança deste a partir do julgamento da impossibilidade da prisão civil por dívida do depositário infiel.
A partir da exegese do art. 5º, §§ 1º, 2º e 3º, o presente estudo posicionou-se no sentido de defender que os tratados internacionais de direitos humanos devem, realmente, ter um tratamento específico e diferenciado, qual seja o reconhecimento da sua hierarquia constitucional. Este posicionamento defendido é contrário à tese defendida e aceita pelo Supremo Tribunal Federal, o qual se posiciona pela adoção da tese da supralegalidade. Como foi visto esta não pode e não é a corrente mais adequada para um Estado que se diz Democrático de Direito. Este tema deve ser repensado pela jurisprudência da Suprema Corte.
Ademais, justificando a opção pela tese da constitucionalidade dos tratados de direitos humanos, foram trazidas as repercussões que estes diplomas normativos podem ocasionar no ordenamento jurídico pátrio. Entre elas, o presente estudo entende como de maior importância o alargamento do rol dos direitos fundamentais, propiciando um maior benefício aos cidadãos pátrios, de modo a buscar a máxima efetividade desses direitos.
Por fim, foi defendido, ainda que de forma sucinta, o retrocesso que se materializa pela adoção de outra tese de hierarquia dos tratados de direitos humanos que não seja a teoria constitucional.
A discussão merece estar sempre em pauta para que o país não se mantenha paralisado e haja sempre a busca pela dignidade da pessoa humana, o que se materializa por meio dos direitos fundamentais.
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[1] Para aprofundar o estudo acerca do tema, importante faz-se o estudo dos três modelos normativos de democracia que Habermas, em sua obra “A inclusão do outro: estudos de teoria política” propõe, quais sejam os modelos Liberal, Republicano e Procedimental.
[2] Preâmbulo da Constituição da República de 1988 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (grifos nossos).
[3] PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12 Ed. Rev. Atual. São Paulo: saraiva , 2011. Da mesma forma, legisla o art. 3º da Convenção de Viena de 1969.
[4] Art.26 da Convenção de Viena de 1969: Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.
[5] O art. 8 da Lei dos Tratados afirma que o ato praticado por uma pessoa que não pode ser considerada representante do Estado não produz efeitos jurídicos, salvo se for confirmado, posteriormente por esse Estado.
[6] Deve-se observar que os Chefes de Estado e os de Governos, bem como os Ministros das Relações Exteriores têm plenos poderes para praticar todos os atos relativos à conclusão de um tratado. Por sua vez, os chefes de missão diplomática podem realizar qualquer ato relativo à conclusão de tratado pelo qual foi designado. Por fim, o representante do Estado em uma conferência ou organização internacional pode celebrar tratado relativo àquela conferência ou organização para qual foi designado.
[7] Para o aprofundamento da matéria, indica-se a obra do professor Celso D. Albuquerque Mello “Curso de Direito Internacional Público”
[8] Um dos críticos foi o ilustre jurista Celso D. Albuquerque Mello (2004) que dizia que “a tendência mais recente no Brasil é a de um verdadeiro retrocesso nesta matéria. No recurso extraordinário n. 80.004, decidido em 1977, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que uma lei revoga tratado anterio. Esta decisão viola também a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) que não admite o término de tratado por mudança de direito superveniente” (p.70)
[9] Para que fique mais claro, imprescindíveis são as lições de Piovesan (2010), para ao distinguir a hierarquia dos tratados de direitos humanos e os tratados de matérias ordinárias, afirmando que “enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre os Estados-partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes. Os tratados de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano, e não das prerrogativas dos Estados” (p.117).
[10] “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”
[11] Segundo Sarlet (2006) o bloco de constitucionalidade “[...]representa a reunião de diferentes diplomas normativos de cunho constitucional, que atuam, em seu conjunto, como parâmetro do controle de constitucionalidade[...]” (p.79).
[13] Elucidativa é a posição de Piovesan (2010) “Diversamente dos tratados materialmente constitucionais, os tratados material e formalmente constitucionais não podem ser objeto de denúncia. Isto porque os direitos neles enunciado receberam assento no Texto Constitucional, não apenas pela matéria que veiculam, mas pelo grau de legitimidade popular contemplado pelo especial e dificultoso processo de sua aprovação, concernente à maioria de três quintos dos votos dos membros, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação. Ora, se tais direitos internacionais passaram a compor o quadro constitucional, não só no campo material, mas também no formal, não há como admitir que um ato isolado e solitário do Poder Executivo subtraia tais direitos do patrimônio popular – ainda que a possibilidade de denúncia esteja prevista nos próprios tratados de direitos humanos ratificados, como já apontados. É como se o Estado houvesse renunciado a essa prerrogativa de denúncia, virtude da ‘constitucionalização formal’ do tratado no âmbito jurídico interno” (p.135)
[14] Vide “Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional” de Flávia Piovesan.
[15] “A título de exemplo, merece referência o disposto no art.5º, III, da Constituição, que, ao prever que ‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento cruel, desumano ou degradante’, é reprodução literal do art. V da Declaração Universal de 1948, do art. 7º do Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos e ainda do art.5º (2) da Convenção Americana” (PIOVESAN, 2011, p.150).
[16] “A título de ilustração, cabe mencionar os seguintes direitos: a) direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive À alimentação, vestimenta e moradia, nos termos do art.11 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; b) proibição de qualquer propaganda em favor da guerra e de qualquer apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, que constitua incitamento À discriminação, à hostilidade ou à violência, em conformidade com o art. 20 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o art. 13 (5) da Convenção Americana [...] m) proibição da extradição ou expulsão de pessoa a outro Estado quando houver fundadas razões de que poderá ser submetida a tortura ou a outro tratamento cruel, desumano ou degradante, nos termos do art. 3º da Convenção contra a tortura e do art. 22, VIII, da Convenção Americana” (PIOVESAN, 2011, p. 151 e 152)
[17] Para Flávia Piovesan: “elucidativo é o art. 29 da Convenção Americana de direitos Humanos, que, ao estabelecer regras interpretativas, determina que ‘nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no sentido de limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estado” (2011, p.158).
[18] Nos termos do art. 60, §4º da CR/88, “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; e IV – os direitos e garantias individuais”.
[19] Neste contexto, indica-se, para aprofundar sobre o tema, a obra “Direito Internacional: tratados e Direitos Humanos Fundamentais na ordem jurídica brasileira” de Valério de Oliveira Mazzuoli.
Especialista em Direito Administrativo, Advogado atuante na área e Professor de Direito Administrativo e Constitucional em universidades, bem como em cursos preparatórios para OAB e Concursos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Bruno Betti. Em busca da máxima efetividade constitucional: A natureza jurídica dos tratados internacionais sobre direitos humanos frente aos parágrafos 2º e 3º da Constituição da República e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50877/em-busca-da-maxima-efetividade-constitucional-a-natureza-juridica-dos-tratados-internacionais-sobre-direitos-humanos-frente-aos-paragrafos-2o-e-3o-da-constituicao-da-republica-e-a-jurisprudencia-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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