RESUMO: O presente ensaio faz um estudo detalhado da pena de morte com objetivo geral de propor a inconveniência da aplicação do instituto no ordenamento jurídico brasileiro. Partindo de uma análise da origem da pena capital, da aplicação dela em alguns países e dos principais argumentos contrários e favoráveis a sua adoção, evidencia-se que, conforme principalmente o fundamento constitucional do direito à vida, a pena capital não deve ser aplicada na legislação brasileira. A pesquisa pertence à linha crítica-metodológica na medida em que apresenta uma reflexão hermenêutica a respeito da pena de morte. Em consonância a isso, adota-se também a vertente teórico-metodológica jurídico-sociológica. E utiliza-se o raciocínio dialético formulando o pensamento através da lógica do conflito. Por fim, pode-se dizer que por meio de uma análise reflexiva, fundamentada nos posicionamentos de renomados autores como Cesare Beccaria, Kant, São Tomás de Aquino entre outros, o trabalho se inicia com uma análise histórica e comparativa da pena capital, para posteriormente estudar o tema em relação ao sistema jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Pena de morte. Perspectiva histórica. Análise comparativa. Aplicação. Legislação brasileira.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. PERSPECTIVA HISTÓRICA; 3. LEGISLAÇÃO COMPARADA; 4. PENA DE MORTE NO BRASIL; 4.1. PERSPECTIVA HISTÓRICA; 4.2. PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO ATUAL; 5. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À LEGALIDADE DA PENA DE MORTE; 6. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À ADOÇÃO DA PENA DE MORTE; 7. PENA DE MORTE: SOLUÇÃO OU ILUSÃO?; 7.1 A VIOLÊNCIA POLÍTICA; 7.2 A OPINIÃO PÚBLICA; 7.3. O CUSTO ECONÔMICO; 7.4 A DISCRIMINAÇÃO; 7.5. OS RISCOS; 7.6. A CRUELDADE; 7.7. A QUESTÃO BRASILEIRA; 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1 INTRODUÇÃO
Tendo em vista a divergência de opiniões entre os diversos segmentos sociais e até mesmo entre alguns países a respeito da aplicação da pena de morte, o trabalho apresenta uma detalhada reflexão sobre o assunto. Realiza-se uma análise dos basais argumentos contrários e favoráveis à legalidade da pena capital, buscando mostrar que o referido instituto vai muito além dos argumentos apresentados pelas correntes favoráveis e contrárias à sua aplicação; incluindo questões muito mais subjetivas e complexas. Objetiva-se compreender a possibilidade de aplicação do instituto no ordenamento jurídico brasileiro. Logo, percebe-se ser fundamental iniciar o trabalho pela perspectiva histórica.
2 PERSPECTIVA HISTÓRICA
Segundo o renomado autor Paulo Daher Rodrigues o termo pena tem origem latina_ poena_ que por sua vez tem origem grega _poine_ que por sua vez advém do sânscrito _punia_ e significa dor e sofrimento. Mas tal termo pode significar também castigo, vingança e intimidação. Em ambas as vertentes supracitadas, a pena significa repreensão de um ato delituoso.[1]
Nesse diapasão, a pena de morte surge como um meio eficaz e natural trazido pelos indivíduos para repreender aquele que praticasse um ato criminoso. Percebe-se que até a metade do século XVIII, ela era o método mais usado. Somente a partir do Iluminismo, com os ideais do célebre Cesare Bonesana Marquês de Beccaria, é que a situação se modifica e a teoria da abolição da pena capital passa a ganhar muitos adeptos.
O doutrinador Aílton Stropa Garcia fez uma classificação das fases da pena que é importante destacar. Segundo ele a pena possui quatro fases: a fase da vingança privada, a da vingança divina, a da vingança pública e a do período humanitário.[2]
A primeira foi adotada por Pentateuco e outras legislações antigas. Ela levou ao surgimento do tabelião, o qual era caracterizado pela proporcionalidade entre a ofensa e a reação exercida como resposta. Nesse sentido, era aplicada a tese “olho por olho, dente por dente”. O próprio indivíduo é que atuava contra o seu agressor em razão do ato violento praticado pelo segundo, a vingança era privada, particular.
A segunda foi marcada pelo período em que vigorou o direito penal teocrático. Para ela, o ato delituoso era uma violação à divindade e a pena, imposta pelos sacerdotes, era uma reparação à alma do infrator. Nesse sentido vale demonstrar as seguintes passagens retiradas da Bíblia:
Quem derramar o sangue do homem pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem (Gn, 9-6) [3]
Quem ferir a outro, de modo que este morra, também será morto. Se alguém vier maliciosamente contra o próximo matando-o a traição, tirá-lo-á até mesmo do meu altar, para que morra. (Ex, 21:12, e 14) [4]
A terceira fase considerava o delito como uma afronta ao soberano, logo, a pena teria um efeito intimidativo. Os soberanos tinham um poder ilimitado, discricionário, logo qualquer indivíduo que infringisse a ordem, estaria contrariando as autoridades e como isso na época era inadmissível, o criminoso teria de ter a pena extrema, a qual seria retirar-lhe a vida.
A quarta e última fase é a abolição da pena de morte e ficou marcada pelos ideais do humanitarismo. Este período surgiu em contraposição ao poder arbitrário e ilimitado exercido pelas autoridades de épocas anteriores. Ele veio para reforçar a suavização dos rigores penais e teve como seu principal defensor o milanês Cesare Bonesana Marquês de Beccaria. Este lançou em 1764, o famoso livro “Dos Delitos e Das Penas”, o qual contribui consideravelmente para a expansão da teoria a favor da abolição da pena de morte e muito influenciou na criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.
É importante evidenciar que nas quatro fases da pena expostas pelo doutrinador Aílton Stropa Garcia houve a aplicação da pena capital, mas os métodos utilizados para a sua aplicação variaram bastante conforme a época e os povos que a aderiram.
No Egito, a pena de morte foi a única pena adotada até a gradação e diversidade de penas ser introduzida por Manes. Ela assemelhava-se a um comportamento animal, irracional. O condenado era abandonado em um local com animais predadores como leões, tigres, crocodilos, serpentes, peixes carnívoros, aranhas peçonhentas até morrer. Percebe-se que havia muita crueldade e sofrimento na aplicação da pena, o que corroborava em alto efeito intimidativo.
Os hebreus aplicavam penas expiatórias e corporais graves contra a idolatria, a blasfêmia pública e as leis religiosas. Nos casos de assassinatos, os parentes da vítima tinham o direito de matar o infrator. Nos delitos contra o pudor havia a pena capital para o homossexualismo e o adultério. Percebe-se que a pena de morte não era a única aplicada entre os hebreus. Tais povos aplicam também a pena pecuniária para os crimes contra a propriedade e nos crimes de estupro, o estuprado deveria se casar com a vítima como forma de pena.
Na Babilônia, o Código Sagrado de Hamurábi propunha além da pena de morte a multa, o tabelião e o açoite. A pena de morte nessa região era aplicada em 29 crimes.
Em Dracan, na Grécia a pena de morte era a única aplicada. Uma modalidade desta era a precipitação (lançamento de bebês quando apresentassem deficiências físicas do monte Taigeto, na Esparta).
Na Índia, pelo Código de Manu, a pena era um instituto público imposto pelo rei e era de morte e de expulsão da casta. Percebe-se que até hoje o instituto é aplicado no país.
Para os romanos, aplicava-se a Lei das XII Tábuas a qual previa como penas: o açoite, o talião, o desterro, a infâmia, a multa, a prisão, a escravidão e a de morte. É relevante destacar que a Lei das XII Tábuas (449-450 a.C) permitia o uso da força na solução de controvérsias dentro dos limites estabelecidos pela lei, logo a pena de morte seria aplicada ao réu conforme o formalismo rigoroso previsto em lei. Percebe-se assim que surge um limite para a aplicação da pena de morte, o qual é posteriormente adotado em muitas outras legislações.
Na Idade Média e Moderna as modalidades de pena de morte mais usadas foram o enfossamento (o condenado era atirado a uma fossa e sobre ele era colocada terra ou outra matéria a qual lhe provocada asfixia), o esmagamento (o corpo do condenado era submetido a pressões físicas que culminavam por quebrar ou romper os seus ossos e triturar os seus órgãos essenciais), a empalação (era penetrado no orifício anal do condenado um pedação de pau pontiagudo fazendo atravessar o corpo da vítima de forma a ferir-lhe letalmente), o esfolamento (matava-se o condenado cortando-o em pedaços, a fogueira (muito usada durante a inquisição) e o retalhamento (seccionava-se os membros do condenado até a morte do mesmo).
Atualmente percebe-se que há uma tendência mundial para a abolição da pena de morte. Os ideais de abolição do instituto e a defesa do fundamento constitucional do direito à vida são cada vez mais defendidos por organizações internacionais como a ONU e atraem cada vez mais países. Entretanto, evidencia-se que a maioria dos países que ainda adotam a pena capital regulam o instituto segundo normas de legalidade (só se pune o crime com pena de morte se previsto em lei), proporcionalidade (se aplica a pena de morte para os crimes mais graves), devido processo (só se pune com tal pena após devido processo e julgamento do condenado) e regras de prescrição (se o crime prescreveu não se pode aplicar a pena capital).
3 LEGISLAÇÃO COMPARADA
A pena de morte é aplicada nos países de forma diferenciada. Alguns a adotam como pena para a maioria dos crimes comuns, como é o caso da Tailândia (Código Penal da Tailândia) e da Líbia (La Carta Magna Verde Em La Era De las Masas). Já outros restringem a aplicação do instituto a apenas alguns crimes específicos, como é o caso da Argélia, Congo e Morrocos.
Dentre os países que adotam o instituto para a maioria dos crimes comuns se destacam alguns sobre os quais é importante tecer algumas considerações.
O Irã, em 2011, foi considerado, por um relatório da Anistia Internacional sobre o tema, como o país que mais aplicou a pena de morte nas suas sentenças. Ele utiliza com frequência o método da lapidação (morte por apedrejamento) para efetivar a pena capital e suas execuções são tanto judiciais e quanto extrajudiciais.
A China foi enunciada por este mesmo relatório como o país com o maior número de execuções. É relevante dizer que tais números são segredo de estado, logo o governo pode omitir os dados exatos ao informá-los. A China usa com frequência o método de fuzilamento, o condenado morre com um tiro na nuca e a família paga ao Estado o valor da bala utilizada. Atualmente, a pena de morte no país é aplicada para 13 crimes.
No continente africano, a maioria dos países que aplicam a pena capital realiza a execução de forma pública com a presença de autoridades de elevados escalões governamentais. Segundo, um relatório da Anistia Internacional, 14 dos 49 países da África Subsaariana continuam a praticar a pena de morte.
No Oriente Médio há muitos países que aplicam o instituto. Em 2011, também segundo o relatório supracitado, a Arábia Saudita, o Iémen, o Irão e o Iraque, por exemplo foram responsáveis por aproximadamente 99 por cento de todas as execuções registadas no Oriente Médio e no Norte de África. E as autoridades da Argélia, Líbano, Qatar, Jordânia, Marrocos, Koweit e Saara Ocidental proferiram algumas penas de morte como sentença, mas não realizaram execuções.
Segundo Paulo Daher, no Oriente Médio: Líbia, Irã, Iraque, Jordânia, Síria, Egito a admissibilidade da pena de morte relaciona-se consideravelmente com a segurança externa e interna do Estado.[5]
O autor afirma também que no Vietnã não há propriamente um sistema penal, pois o Código Penal foi substituído por decretos e decisões, muitos dos quais foram politicamente motivados; comitês e tribunais do povo administram a justiça criminal e a pena capital é considerada necessária para prevenir atividades contra revolucionárias.[6]
A pena de morte nos Estados Unidos é oficialmente permitida em 33 dos 50 Estados e pelo governo federal. A maioria das execuções é realizada pelos Estados, o governo federal raramente faz execuções. Cada estado possui leis e padrões específicos para a aplicação do instituto. Logo, os métodos, limites de idade e tipos de crime que utilizam a pena de morte podem ser diferentes de estado para estado.
Atualmente, segundo algumas pesquisas, percebe-se que há grande divergência de opiniões entre os defensores e os críticos da pena de morte no país, destacando-se a forte tendência da abolição da pena capital.
Segundo o especialista da Anistia Internacional em relação ao tema Jan Wetzel há um maior custo para o governo executar alguém do que usar a prisão perpétua. No caso de pena de morte, há ao menos oito recursos, e o julgamento dura em média 13 anos. No caso de prisão perpétua isso normalmente não ocorre. [7]
O posicionamento de Richard Dieter, diretor do Centro de Informação da Pena de Morte (CIPM) e autor do relatório oficial divulgado por esta institutição em 20 outubro de 2009, também é relevante em relação ao tema. Diz ele que muitos estados norte-americanos gastam milhões de dólares para manter a pena de morte, mas quase nunca ou poucas vezes a aplicam. O castigo então converteu-se em uma forma onerosa de prisão perpétua. A Califórnia é um exmplo. O estado gasta 137 milhões de dólares por ano com a pena de morte e não realizou uma única execução nos últimos quatro anos. Na Flórida, os tribunais perderam cerca de 10 por cento dos seus recursos fiscais com a aplicação da pena. Dessa forma, reforça-se do ponto de vista econômico a inviabilidade da adotação de tal pena para muitos estados norte-americanos qua a adotam. Ela gera um disperdício orçamental que é extremamente inviável em tempos de crise econômica.
Outro ponto de vista que também deve ser analisado e que foi abordado por Bharat Malkani, pesquisador e professor de direitos humanos e justiça criminal da Universidade de Birmingham, localizada na região da Inglaterra em entrevista ao site Terra pela jornalista Melissa Becker é que apesar doa apoiadores da pena de morte não mudarem sua opinião sobre a moralidade de executar criminosos, eles estão cada vez mais incomodados com a execução de pessoas inocentes. Partindo desse ponto, percebe-se que os inúmeros erros judiciários que levam a condenação de inocentes reforçam também a ideia da inviabilidade da pena capital nos estados norte-americanos.
Em suma, pode-se dizer que há atualmente uma tendência a abolição do instituto da pena de morte a nível mundial. Nesse diapasão, é relevante considerar os argumentos usados pelo secretário-geral da Anistia Internacional Salil Shetty. Segundo ele, a grande maioria dos países afastou-se da pena de morte. A minoria que ainda adota o instituto não está em sintonia com o resto do mundo nesta matéria, é cruel, desumano e degradante esses continuarem a aplicar tal pena. Mas percebe-se que mesmo entre esse grupo minoritário de países há um progresso gradual perceptível. Medidas progressivas como redução do número de crimes que têm como pena a pena capital têm contribuído para percebermos que a abolição total da pena de morte a nível mundial não é algo utópico, pode sim tornar-se realidade. [8]
4 PENA DE MORTE NO BRASIL
4.1 Perspectiva histórica
Na época do descobrimento do Brasil, vigiam em Portugal as Ordenações Afonsinas de 1446. Foi, porém, sob as Ordenações Manuelinas (1512), que se conferiu a Martim Afonso de Souza, nomeado Capitão-mor, poderes de julgar e aplicar até a pena de morte.[9]
Com a divisão do Brasil em capitanias hereditárias, o Capitão e o Governador nomeavam os Ouvidores e com eles decidiam as questões criminais. Podiam aplicar até pena de morte, salvo tratando-se de pessoa de mór qualidade, pois nesse caso, excetuando os crimes de heresia, traição, sodomia e moeda falsa, só tinham alçada até dez anos de degredo e cem cruzados de multa. Nessa época, embora em vigor as Ordenações Manuelinas, na prática, o direito criminal era o arbítrio dos donatários.
Nos vinte e cinco anos de permanência dos holandeses em Pernambuco (1630-54), vigorava nas terras ocupadas a pena de morte como pena por excelência, executada pela força, pela espada, pela fogueira, pela entrega da vítima aos índios e pelo esquartejamento do condenado ainda vivo.[10] Antes disso, contudo, haviam surgido as Ordenações Filipinas (1603), aplicadas por mais de dois séculos, até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. O Livro V das Ordenações do Reino retratava os castigos e suplícios em nome da vingança pública. A pena de morte, por meio de execuções na forca e na fogueira, era a regra.
Após a proclamação da Independência (1822), entrou em vigor a primeira Constituição do Brasil (1824), inspirada no liberalismo do século XVIII. Embora não tenha afastado a pena capital, o texto constitucional aboliu os açoites, a marca de ferro quente e as demais penas cruéis. A partir de então, tornou-se necessário um Código Penal compatível com os princípios constitucionais estabelecidos, o que ocorreu com o Código Criminal de 1830.
O Código de 1830 apresentava originalidades, entre as quais o esboço da individualização da pena, o arbítrio judicial e a responsabilidade sucessiva. Porém, como ensina Magalhães Noronha, esse código espelhara-se também na lei da desigualdade no tratamento iníquo do escravo. Cominava as penas de galés e de morte, esta para os seguintes crimes: homicídio agravado e roubo com resultado morte. A referida pena era executada na forca e precedida de ritual destinado a incutir temor no povo.
A pena de morte foi largamente aplicada até a segunda metade do século XIX. Porém, o erro judiciário que culminou com a execução de Motta Coqueiro, em Macaé (1855), impressionou profundamente o Imperador, que passou a comutá-la sistematicamente em galés perpétuas.[11] Este histórico erro judiciário que levou à morte Mota Coqueiro é revelado pela confissão tardia de um desconhecido, de nome Herculano, que momentos antes de morrer confessa ao seu próprio filho que ele sim teria sido o verdadeiro autor do crime pelo qual Mota Coqueiro havia sido condenado.
Na legislação, o fim da pena de morte só ocorreu com o Código Penal de 1890, que não a incluía entre as penas previstas.[12] Com a abolição da escravatura, em 1888, caiu por terra a “necessidade” da pena capital, reflexo da violência do poder escravista. Mais tarde, a Constituição de 1891 afastou-a expressamente, com ressalva às disposições da legislação militar em tempo de guerra, o mesmo ocorrendo com a Constituição de 1934.
A partir do Estado Novo, entrou em vigor a Constituição de 1937 que, em seu artigo 122, previa inúmeras hipóteses de aplicação da pena de morte. Não obstante tal previsão constitucional, o Código Penal de 1940 não incluiu a pena capital entre suas sanções. O homicídio cometido nas condições mencionadas na Constituição foi considerado qualificado pelo novo Código, com a pena agravada de reclusão, de doze a trinta anos.
Com a queda do Estado Novo, veio a Constituição de 1946, que, novamente, aboliu a pena de morte, ressalvadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra, com país estrangeiro, o que foi seguido pela Constituição de 1967. A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, ampliou a possibilidade de incidência da pena capital, com a seguinte redação: “Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa, psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva, nos termos que a lei determinar. Essa disporá também sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício do cargo, função ou emprego na Administração Pública, direta ou indireta” (art. 153, § 11). Com a Emenda Constitucional n. 11, de 13 de outubro de 1978, foi novamente abolida a pena de morte para os crimes comuns contra a segurança nacional e restringida sua incidência à legislação penal aplicável em caso de guerra externa.
4.2 Previsão na legislação atual
A atual Constituição brasileira, ao cuidar dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu art. 5º, caput, garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida. No inciso XLVII, do mesmo artigo, proíbe expressamente a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada nos termos do art. 84, XIX. Segundo esse dispositivo, “Compete privativamente ao Presidente da República: XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional”. Assim, só há previsão da pena de morte para os dispositivos penais militares aplicáveis em tempo de guerra, contidos na legislação castrense, estando banida sua aplicação no direito penal comum.
O Decreto Legislativo n. 27, de 1992, publicado em 28 de maio do mesmo ano, aprovou o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José), celebrado em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, por ocasião da Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos.
Ao cuidar do Direito à vida, o Pacto proíbe aos Estados Membros a extensão da aplicação da pena de morte a delitos aos quais não se aplique atualmente e determina a impossibilidade de restabelecê-la nos Estados que a tenham abolido. Como no Brasil só existe a previsão da referida pena para crimes militares em tempo de guerra, não poderia ser estendida nem restabelecida aos crimes comuns, em relação aos quais foi abolida pela Emenda Constitucional n. 11, de 13 de outubro de 1978. Com esses dispositivos, a Convenção Americana demonstra nítida intenção de abolir progressivamente a pena capital em todos os Estados-Partes e de evitar o retrocesso nos países que já não a possuem.
Pode-se concluir, pois, que tanto as prescrições constitucionais em vigor, quanto a adesão do Brasil ao citado tratado humanitário de São José, constituem uma garantia adicional de efetiva proteção à vida e de total impossibilidade de restabelecer a pena capital no direito comum. Além disso, a adesão ao Pacto de São José significa o reconhecimento de que os direitos fundamentais do homem transcendem a ordem interna para assumir um caráter universalizante.
5 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À LEGALIDADE DA PENA DE MORTE
Os argumentos favoráveis à aplicação da pena de morte têm uma origem bastante remota visto que como foi dito até a segunda metade do século XVIII tal pena era considerada como algo natural. Defendia-se a concepção meramente moral e retributiva da pena, fundamentada pelo postulado de Hegel e Kant da justiça como igualdade. Tal postulado se caracterizava pela máxima de que é justo que aquele que praticou uma má ação seja atingido pelo mal que causou aos outros. A pena teria, portanto, o objetivo de restabelecer a ordem moral por via de expiação. Aplicada em decorrência do mal cometido e com o fim de reparar e purgar este mal. Seria retribuir o mal do crime com o mal concreto da pena.
O primeiro teórico defensor do instituto foi Platão. O filósofo defendia que o criminoso irrecuperável é extremamente nocivo à convivência social, pois é capaz de corromper inúmeros indivíduos; logo por ele ter uma vida sem merecimento seria conveniente eliminá-lo do ordenamento social.
Posteriormente a Platão, outros doutrinadores também argumentaram a favor da pena capital. Santo Tomás de Aquino, por exemplo, sustentava que somente Deus tinha o poder de dar e tirar a vida do indivíduo, mas “tal privilégio” poderia ser transferido aos governantes, os quais podiam usar a pena capital para todo aquele que infringisse a ordem.
Rousseau, por sua vez, em sua famosa obra “O contrato social”, justificava que o pacto social ao ser implantado iria conferir à sociedade o direito de aplicar a pena de morte quando um particular praticasse ações ofensivas às regras comuns de convivência.
Os ideais de Montesquieu também eram favoráveis á legalidade da pena capital. O autor afirmava que esta seria a pena mais adequada para ser aplicada aos criminosos irrecuperáveis.
Segundo o professor Maurício Levy Júnior um argumento a favor da pena de morte é que ela poderia evitar fugas por influências políticas e, principalmente, que seria muito benéfico à sociedade que o custo com a manutenção dos presos fosse aplicado pela sociedade em prol das camadas mais carentes.
Lombroso foi outro penalista favorável à aplicação da pena de morte. Ele defendia a tese da inutilidade social de certos delinquentes incorrigíveis. Para o sociólogo a pena de morte seria a melhor pena aplicável a eles visto que eles não seriam passíveis de ressocialização e reeducação.
Érico Maciel Filho teceu certos argumentos sobre o instituto nos quais se destacam:
A pena de morte ser a mais intimidante e, em consequência, a que mais contribui para demover as pessoas da prática do crime; a pena de morte ser mais econômica que a pena de prisão; a pena capital ser um excelente meio de seleção artificial e ela caracterizar-se, pela sua irreparabilidade, como uma garantia contra o perdão judicial ou a possível fuga dos condenados. [13]
Além desses argumentos é relevante destacar o seguinte posicionamento de Basileu Garcia “Não há juízo infalível, ocorrem erros judiciários, contudo ocorrem erros médicos e nunca ninguém tentou proibir intervenções cirúrgicas e os processos terapêuticos.” [14]
E os seguintes posicionamentos de Paulo Daher Rodrigues:
Como aceitar que um assaltante, de arma em punho, “decreta”, arbitrariamente, sumariamente, inapelavelmente a pena de morte à própria vítima e nos tribunais seus direitos sejam preservados? [15]
Eliminando da sociedade estes indivíduos que estariam impossibilitados de se adaptarem aos meios de convivência seria outra alegação para os partidários de sua eficácia [16]
A concepção de Donnedieu de Vabres também é condescendente:
Nós não reconhecemos o menor valor às objeções de princípio que têm sido feitas à aplicação da pena capital. Dizer que a sociedade, que não cria a avida, não tem direito de tirá-la de nenhum de seus membros, é formar um simples postulado; é enumerar um defeito que também existe nas outras penas, porque a sociedade também não cria a liberdade. Alegar que a pena de morte é injusta porque, não sendo possível graduá-la, não assegura nenhuma proporcionalidade entre o castigo e a falta. Excetuando-se as diferenças de grau, os defeitos que se lhe apontam são inerentes a todas as penas. [17]
Além da concepção do Padre Emílio Silva que também é de suma protuberância:
“A ordem vital humana que se violou no homicídio não é nenhuma magnitude quantitativa e ponderável que com outro peso igual se deva restaurar, senão que, como todo direito, é algo ideal, e se o assassino premeditadamente elimina a vida de outro homem, nega com seu ato o valor absoluto dessa vida, de que dispôs até sua aniquilação. Esse fato requer reparação; exige que de novo seja reconhecido o valor absoluto da vida negado pelo homicida.” [18]
Em suma, pode-dizer que para muitos penalistas os argumentos favoráveis à legalidade da pena de morte se resumem em ela ter uma eficácia intimidativa de combate à intensa criminalidade (nos países onde ela foi abolida, houve um aumento de delitos), ela ser um método rápido e eficaz para se efetuar a solução artificial que a sociedade deve realizar (eliminação de indivíduos irreparáveis e inadaptados ao meio social) e ela ser mais tolerável que a prisão perpétua (pena que se propõe a substituir a pena capital), visto que esta acarreta a transformação de personalidade do criminoso pondo em risco todo o sistema penitenciário, pois se tornam líderes nos presídios, corrompendo outros encarcerados.
6 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À ADOÇÃO DA PENA DE MORTE
O principal argumento de ilegitimidade da pena capital reside no princípio consagrado da inviolabilidade da vida humana, erigido a dogma constitucional. O Direito natural à vida surge como principal corolário de proteção à dignidade humana, valor essencial, que deve inspirar e orientar o Direito positivo.
Se o Estado protege a vida e criminaliza o homicídio por meio de normas jurídicas, não é coerente que estabeleça a pena capital, na qual a morte é intencional e premeditada. Não se pode também aceitar o argumento da legitimidade da pena de morte baseado na legítima defesa da sociedade. Isto porque, nesse caso, haveria ausência de atualidade do perigo que motivaria a defesa. A infração já estaria consumada, e a morte do autor não iria remover o perigo ou reparar o dano. Pelos mesmos motivos, a referida pena não se legitima pelo estado de necessidade, que também exige a iminência do perigo.
Também não há que se acolher a fundamentação utilitária da pena capital, baseada na segurança da sociedade contra novos crimes. A pena de morte pode ser sempre substituída por outras penas ou medidas que mantenham a segurança social, como, por exemplo, a privativa de liberdade. A crueldade imposta pela sanção máxima também retira sua legitimidade, porquanto contraria a Declaração Universal de Direitos Humanos, que impede a tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (art. 5). A Constituição do Brasil, ao cuidar Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, em seu art. 5º, afastou as penas cruéis (XLVII, alínea e). No entender de Juarez Cirino dos Santos,
a pena de morte é a última modalidade de pena cruel, desumana e degradante da história do direito penal: cruel, pelo sofrimento físico e mental do condenado, sua família e amigos; desumana, pela ruptura de sentimentos mínimos de piedade e de solidariedade entre os homens; e degradante, pelo envilecimento moral e social de seus aplicadores e executores. [19]
Além da execução em si, a crueldade maior consiste na expectativa da morte infligida ao condenado, que pode durar meses ou anos. Mesmo após a sentença, a angústia provocada por cada etapa do processo de apelação pode deprimir certos prisioneiros a tal ponto que chegam a desistir do recurso e aceitar a execução, como uma forma de suicídio.[20] O isolamento no “corredor da morte”, às vezes logo tempo antes da execução, causa a “morte da personalidade”, com a perda do sentido da realidade, acompanhada de uma degradação física e mental.[21] Talvez por isso, Albert Camus tenha dito que, para haver uma equivalência entre o crime e a sanção, “a pena capital teria de castigar um criminoso que tivesse avisado à vítima quando lhe infligiria uma morte horrível e a mantivesse sob sua guarda durante meses. Tal monstro não se encontra em um particular”. [22]
Considera-se, com frequência, que a pena capital, pela sua natureza, também atinge psicologicamente as pessoas envolvidas com o processo judicial ou que participam da execução, porquanto delas é exigida uma carga elevada de responsabilidade pela vida do autor do crime. Não se tem considerado, porém, o sofrimento e traumas infligidos àqueles que têm laços afetivos com o condenado. Ambas as situações demonstram que os efeitos da sanção máxima ultrapassam a pessoa do delinquente.
Poder-se ia afirmar que a de prisão também viola o direito natural de liberdade e, apesar disso, é aceita na totalidade dos Países; no entanto, a privação de liberdade só se justifica pela concepção moderna de prevenção específica, voltada para a reeducação do delinquente, com possibilidades de sua reinscrição social, o que não ocorre com a sanção máxima, cuja única eficácia comprovada é a retributivas.
A retribuição jurídica, que deve estar presente em qualquer sanção penal, não se confunde com a retribuição igualitária, inspirada na Lei de Talião, segundo a qual quem mata deve morrer. Se o Estado proíbe a vingança privada, não pode aceitar a pública. A finalidade primordial da imposição da sanção penal é a recomposição do tecido social violado pela transgressão, o que não ocorre com a pena capital, pela impossibilidade de restabelecer o status quo ante. Ela nem repara, nem compensa o dano causado pelo criminoso.
A supressão do delinquente, mesmo diante de crimes graves, impossibilita seu arrependimento ou regeneração, conteúdos éticos da sanção. Muitas vezes poderá ocorrer uma desproporção entre a gravidade do crime praticado e a pena, sob o ponto de vista quantitativo e qualitativo; no entanto, a sanção não pode afastar a ideia da regeneração.[23]
Um dos principais argumentos circunstanciais dos que defendem a necessidade da sanção máxima é o seu poder de intimidação e prevenção. Para muitos, a referida pena exerceria a prevenção geral primária, porque diminuiria a delinquência; exerceria prevenção secundária, porque intimidaria certo número de pessoas que estivessem em perigo de cometer delitos graves; finalmente, exerceria a prevenção terciária, porque impediria a reincidência dos que já cometeram delitos graves, pois as pessoas executadas, por motivos óbvios, não poderiam voltar a delinquir.
No que se refere à prevenção geral primária, ao contrário do que sustentam alguns autores, não existe demonstração científica de que a pena capital intimidaria mais do que outras sanções, como a privativa de liberdade, ou que a sua existência em determinada legislação tenha diminuído a criminalidade. A pena capital também não exerce a chamada prevenção secundária. Via de regra, criminosos violentos agem movidos por fortes impulsos internos e externos que atuam sobre a vontade, tornando-os insensíveis às ameaças da sanção penal, mesmo em se tratando da de pena de morte. Ou agem com total imprevidência, convencidos de que não serão descobertos, razão pela qual seus crimes são logo desvendados. Essa certeza de impunidade afasta o poder intimidativo da pena capital, reforçando sua inutilidade.
Não é outro o entendimento de João Marcello de Araújo Júnior:
Para um indivíduo que pretende cometer um crime, tanto faz que a pena cominada seja de um mês ou de dez anos de reclusão, ou mesmo a prisão perpétua, ou ainda a pena de morte. Ele irá delinquir, seja qual for a pena, desde que as oportunidades de impunidade lhe pareçam satisfatórias, desde que suas aquisições culturais lhe façam crer que o Sistema Penal não atuará em seu caso. [24]
Em relação à prevenção terciária, como já foi dito anteriormente, a reincidência poderia ser evitada por meio da privação da liberdade, sem necessidade de ser imposta a sanção máxima. Além disso, a reincidência, muitas vezes, não deve ser atribuída somente à culpabilidade do delinquente, mas à insuficiência pessoal e material do sistema penitenciário, que não lhe proporciona os meios legais previstos para a sua reintegração social. Há que considerar, ainda, como se sabe, a estigmatização do egresso de um estabelecimento penal, aliada à falta de apoio da comunidade.[25]
Outro argumento circunstancial que merece destaque é a irreparabilidade de um eventual erro judiciário após a execução da pena de morte. Se o erro for descoberto após a execução, será impossível restabelecer a vida. A injustiça perdurará para sempre. A história tem registrado, tanto no Brasil como em outros Países, conhecidos casos de erros judiciários, alguns dos quais levaram à condenação à pena de morte.
O conjunto dos argumentos ora apresentados reforça a tese contrária à pena capital; no entanto, como foi mencionado no início deste capítulo, a prova de sua ilegitimidade, baseada na proteção e inviolabilidade da vida humana, vem a ser o principal fundamento a afastar sua permanência da civilização contemporânea e, portanto, a hipótese de seu retorno à legislação comum brasileiro.
7 PENA DE MORTE: SOLUÇÃO OU ILUSÃO?
7.1 A violência política
Atentados com explosivos, sequestros, assassinatos de funcionários públicos, sabotagens em aviões e outros atos de violência por razões políticas, com frequência resultam na morte e na mutilação não só das pessoas-alvo, como também de outras que ocasionalmente se encontram no local do ataque. É compreensível, assim, que esses atos provoquem uma forte reação da sociedade e tenham como resultado a exigência da aplicação da pena de morte aos terroristas. Entretanto, como os responsáveis pela luta contra esses delitos têm repetido várias vezes, as execuções têm tanta possibilidade de diminuir como de aumentar o terrorismo.
As execuções por crimes políticos violentos podem redundar em uma maior publicidade para os atos de terrorismo, atraindo uma grande atenção da opinião pública para as ideias dos terroristas. Essas execuções também podem criar mártires, cuja memória se torne um fator de coesão dos militantes das organizações clandestinas. Para alguns homens e mulheres convencidos da legitimidade dos seus atos, a perspectiva de sofrer a pena de morte pode até servir como incentivo. Longe de pôr fim à violência, as execuções são utilizadas como justificativa para novos atos de violência. Exemplo: as autoridades britânicas que governavam a Palestina enforcaram vários membros da organização sionista “Irgun” durante a década de 40, depois de condenados por atentados a dinamite e por outros atos de violência. Menahem Begin, antigo dirigente do “Irgun” e mais tarde primeiro-ministro de Israel, disse posteriormente que as execuções haviam “inflamado” seu grupo, que em represália enforcou vários soldados ingleses.
7.2 A opinião pública
Uma razão que por vezes é dada para manter ou implantar a pena de morte – citada inclusive por governantes que dizem ser pessoalmente contra a pena capital – é que a opinião pública a exige. Mostram pesquisas que aparentemente comprovam um forte apoio popular à pena de morte para alegar que seria inclusive antidemocrático aboli-la ou deixa de institui-la.
A primeira resposta a este argumento é que o respeito pelos direitos humanos nunca deve depender da opinião pública. A tortura não seria admissível mesmo que tivesse apoio na opinião pública.
Em segundo lugar, a opinião pública sobre a pena de morte amiúde se baseia numa compreensão incompleta dos elementos a ela pertinentes, e o resultado das enquetes pode variar de acordo com a forma pela qual as perguntas são feitas. Incumbe aos políticos que tratam do tema não somente escutar a opinião pública, mas também assegurar-se de que ela está inteiramente informada.
Algumas informações sugerem que o posicionamento das pessoas em relação à pena de morte pode mudar radicalmente depois de terem um melhor conhecimento dos fatos. Em um estudo realizado entre habitantes de uma cidade universitária norte-americana, comprovou-se que a maioria deles pouco sabia sobre os efeitos da pena de morte, e que o apoio ao castigo diminuiu acentuadamente após as pessoas terem se defrontado com as informações. Pediu-se a alguns dos entrevistados que lessem um ensaio que trazia dados e argumentos sobre os efeitos da pena de morte. Antes de lê-lo, 51% das pessoas disseram que eram a favor da pena capital, enquanto que 29% estavam contra e 20% mostravam-se indecisos. Depois de lerem a obra, o apoio à pena de morte baixou para 38%, a oposição subiu para 42% e os demais 20% permaneceram indecisos. A outros membros do grupo pesquisado, pediu-se que lessem um ensaio sobre o assunto não relacionado com a pena capital; constatou-se que nesse agrupamento as opiniões acerca da pena de morte praticamente não mudaram.
Algumas pesquisas repetidas ao longo dos anos têm indicado que, apesar da decisão de abolir a pena de morte ser inicialmente contrária à opinião pública, sua revogação é bem aceita com o passar do tempo. Na Alemanha, por exemplo, o apoio da população à pena tem diminuído constantemente desde a sua extinção. Em 1950, um ano depois da abolição, 55% das pessoas consultadas disseram que eram a favor e 30% contra a pena de morte. Quando se procedeu a outra enquete, em 1973, somente 30% defenderam o castigo. A percentagem baixou para 26% em 1980, para 24% em 1983 e para 22% em 1986, ano em que 55% dos entrevistados se pronunciaram contra a pena de morte. Em 36 anos, uma completa inversão dos resultados obtidos anteriormente.
7.3 O custo econômico
Por vezes, tenta-se justificar a pena de morte com a alegação de que é mais barato matar alguns presos do que mantê-los na prisão. Tal argumentação, além de torpe, por pretender avaliar a vida em moedas (não se pode perder de vista a grosseria e a falta de ética em fundamentar sobre bases financeiras a eliminação de vidas humanas), é falsa.
Estudos realizados no Canadá e nos Estados Unidos mostram que nesses países a imposição da pena de morte é mais cara para o Estado do que a reclusão perpétua do preso. Um levantamento realizado no estado de Nova Iorque comprovou que, em média, um processo que possa redundar na aplicação da pena capital, somente na sua primeira fase custa aos contribuintes aproximadamente um milhão e oitocentos mil dólares – mais do que o dobro da quantia que se supõe necessária para manter uma pessoa presa por toda a vida.
Inúmeros profissionais ligados à área jurídica, em todo o mundo, também se opõem à pena de morte porque acreditam que a enorme concentração de recursos humanos e financeiros, em uma quantidade de casos relativamente pequena, desvia tais recursos valiosos de outros setores do judiciário. No Brasil, quem tiver um mínimo compromisso com a verdade, admitirá que nossas prisões, longe de parecerem “hotéis”, como propalam alguns, são verdadeiros infernos, centros de ensinamento de delinquência, às voltas com graves problemas de superlotação, de assistência médica e psicológica, de alimentação, de reeducação, todos raríssimas vezes enfrentados pelos governos. Uma possível alternativa para minorá-los, seria proporcionar trabalho decente aos detentos nas próprias penitenciárias, a fim de que eles pudessem se auto-sustentar.
7.4 A discriminação
Seria surpreendente que a imposição de um castigo tão terrível e definitivo não recaísse principalmente sobre as camadas menos favorecidas de uma sociedade: os pobres e os membros das minorias raciais, políticas, religiosas ou étnicas. Em todo o mundo, a pena de morte é aplicada de maneira desproporcional contra os despossuídos de toda sorte, que comprovadamente não teriam que se defrontar com ela caso fizessem parte das camadas mais favorecidas. Isso acontece porque são incapazes de se defender eficazmente em um processo penal (por falta de conhecimentos, de amizades influentes ou de dinheiro) ou porque o sistema judicial reflete de alguma forma os preconceitos e as intolerâncias que a sociedade ou seus governantes têm contra eles. Também existem provas contundentes de que os criminosos têm mais possibilidade de serem condenados à morte se suas vítimas integram as classes mais abastadas da sociedade.
Nos Estados Unidos, como em qualquer outro país, o réu, para escapar da cadeira elétrica, da forca ou do pelotão de fuzilamento, deve ter dinheiro para patrocinar uma boa defesa ou possuir ligações amistosas com a classe ou raça dominante.
7.5 Os riscos
Mesmo que os efeitos da discriminação racial e da desigualdade econômica pudessem ser eliminados, permaneceriam outras causas que possibilitariam erros em qualquer sistema judicial concebido e administrado por seres humanos, naturalmente falíveis. As decisões arbitrárias que privam indivíduos de sua liberdade são inaceitáveis e devem ser corrigidas, mas a decisão arbitrária que tira a vida de uma pessoa é simplesmente intolerável e não tem remédio.
A deliberação sobre quem vai viver ou morrer pode estar viciada por fatores não diretamente relacionados com culpabilidade ou inocência, como pressões econômicas e da comunidade, interpretações diferentes da lei ou opiniões parciais de juízes e jurados. A descoberta de um erro técnico cometido pela polícia ou pelas autoridades judiciárias pode dar lugar à anulação de uma sentença; a incompetência de um advogado ou uma prova importante não obtida a tempo pode conduzir a uma execução. A falibilidade humana torna possível que a pena de morte seja aplicada de maneira imparcial e coerente.
Quando os recursos judiciais são esgotados, a pena capital ainda pode ser comutada em pena de prisão mediante o exercício do “direito de graça” que não raras vezes é usado de modo arbitrário: a sorte de um prisioneiro é determinada pela vontade de uma só pessoa, sujeita às influências de um partido político, de amizades ou de outros fatores que nada têm a ver com as circunstâncias jurídicas que originaram a condenação à morte. Ademais, com a constante mudança dos costumes, um delito hoje castigado com a morte pode amanhã já não o ser. Desta forma, alguém que na atualidade pague com a vida por certo tipo de delito, fica impossibilitado de, no futuro, favorecer-se com uma eventual lei nova, mais branda, que não puna o mesmo crime com a pena capital.
7.6 A crueldade
A pena de morte supõe que o Estado vai levar a cabo exatamente o mesmo ato que a lei pune mais severamente. Praticamente todos os ordenamentos jurídicos que preveem a pena capital, a reservam para o homicídio deliberado e premeditado, mas inexiste forma mais premeditada e deliberada de dar morte a um ser humano que mediante uma execução, um verdadeiro assassinato a sangue frio. E, assim, como não é possível criar um processo que imponha a pena capital livre de arbitrariedades, discriminações ou erros, tampouco é possível encontrar uma maneira de executar uma pessoa que não seja cruel, desumana e degradante.
Uma execução, como a tortura física, implica uma agressão programada ao preso, e não um ato de legítima defesa da sociedade, como querem alguns. A legítima defesa constitui-se sempre em uma reação frente a uma ameaça iminente, enquanto uma execução consiste em matar de forma planejada.
A crueldade da pena de morte não se limita ao momento da execução. Seu horror singular, que não pode ser abrandado pela utilização de métodos de matar mais “humanos”, está no fato de que a partir do instante em que se dita a sentença, o condenado se vê obrigado a contemplar a perspectiva de que, em algum determinado momento, irão busca-lo para tirar-lhe a vida. Estudos já realizados acerca do tema mostram que as relações do preso com sua família e amigos começam a se deteriorar acentuadamente ante a expectativa de uma separação permanente, e que a perda de contato com o mundo exterior e as condições de isolamento em que se encontram os condenados à morte também produzem sentimentos generalizados de abandono, que conduzem a um estado denominado “morte da personalidade”, caracterizado por uma forte depressão, apatia, perda do sentido da realidade e degeneração da saúde física e mental.
A aflição sofrida pela família de uma vítima de assassinato é inimaginável, mas a agonia dos familiares de um preso executado é igualmente terrível. As famílias das vítimas que pedem perdão pela vida dos assassinos merecem respeito, como igual respeito merecem aqueles parentes que, perturbados pela dor e sofrimento, pedem vingança. Porém, a argumentação sobre a pena de morte não deve basear-se em emoções, mas sim na razão. Se não é possível impedir-se que uma pessoa imponha sofrimentos a outra, pode-se e deve-se impedir que o Estado o faça, pois a evolução da justiça, ao longo dos séculos, foi no sentido de superar a vingança particular. Fazer justiça não significa repetir um ato que a própria sociedade condena.
7.7 A questão brasileira
A instituição da pena de morte no Brasil para crimes comuns configuraria bem mais que um problema para os defensores dos direitos humanos. Seria uma tragédia nacional.
Em 1988, o país introduziu dispositivo que faz parte do cerne imutável da sua Constituição, pela qual a pena capital só é possível em tempos de guerra. O fato de essa disposição conter-se em uma cláusula chamada pétrea implica, como a maioria dos juristas brasileiros corretamente entende, na impossibilidade jurídica, mesmo através de plebiscito, de a Carta Magna ser emendada para acolher a pena de morte.
Essa situação, contudo, não deve implicar no afrouxamento da vigilância por parte daqueles que professam a causa dos direitos humanos. É preciso estar atento às propostas que volta e meia surgem para legalizar o assassinato oficial no Brasil.
A realidade brasileira de profunda desigualdade e violência faz com que a reação da maioria do povo a esta cena de discriminação e descaso seja, naturalmente, de revolta. A elite social, por sua vez, não enfrenta esta situação influenciando uma política que confira reais oportunidades aos seus compatriotas desafortunados. Faz disso, como sempre fez, um caso de polícia. E como a polícia não tem hoje condições de reprimir, nos limites da lei, insatisfação deste porte, a lógica da exclusão, que comandou o relacionamento entre patrícios e plebeus, transformou-se na estratégia do extermínio.
Multiplicam-se as execuções extrajudiciais. Os esquadrões de assassinos profissionais atuam em todas as regiões do país, sendo o preço de seus “serviços” e a impunidade notoriamente conhecidos. Tudo isso passa com a cumplicidade tácita e, às vezes, expressa da maioria dos nossos privilegiados. Os exterminadores são, hipocritamente, justificados pela incompetência estatal. Os autores dos massacres do Carandiru e da Candelária receberam telegramas de cumprimento oriundos das mais diversas regiões do País.
Uma vez introduzida a pena de morte, os esquadrões de extermínio agiriam sob a proteção de um, por assim dizer, “habeas-corpus” legal. A lógica da exclusão teria sua solução final consagrada em texto de lei. Os avanços liberais de 1988 encontrariam um dique. As onipresentes tendências autoritárias da velha sociedade escravagista sairiam do subterrâneo. Contra a eventual censura, em nome da legalidade, que a multiplicação dos Carandirus e Candelárias causasse, possivelmente ouviríamos: “Mas a própria lei não condena à pena de morte?”.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pena de morte não é uma questão abstrata. A decisão de aplica-la significa que homens e mulheres serão selecionados para morrer. É a realidade da sua aplicação, e não meras teorias, o que destaca a necessidade de aboli-la.
A pena de morte, utilizada como meio de proteção da sociedade, é comprovadamente desnecessária; usada como método de vingança, é embrutecedora e reacionária. Um simples exame da história da pena capital demonstra o esforço que o homem vem fazendo há séculos para erradica-la, seja através da diminuição gradativa dos delitos puníveis com a morte, seja através da tentativa de suavizar os processos de execução.
A sanção extrema, como se viu, não proporciona nenhuma proteção, nenhum benefício à sociedade. Quando tal castigo excepcional, extremamente cruel e irrevogável, é empregado por sistemas falíveis, sujeitos a erros humanos, tem-se como resultado não o aprimoramento da justiça, mas sim sua perversão.
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[1] RODRIGUES, 1996, p. 29
[2] GARCIA, 1993, p. 287-302
[3] GÊNESIS. In: A BÍBLIA: tradução ecumênica. São Paulo: Paulinas, 2002.
[4] ÊXODO. In: A BÍBLIA: tradução ecumênica. São Paulo: Paulinas, 2002
[5] RODRIGUES, 1996, p. 53
[6] RODRIGUES, 1996, p. 52
[7] Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/120326_anistia_pena_de_morte_jp.shtml> Acesso em: 02 de novembro de 2017
[8] Disponível em: <http://www.amnistia-internacional.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=935:pena-de-morte-em-2011-menos-paises-matam-mas-os-numeros-sao-alarmantes&catid=19:noticias&Itemid=77 > Acesso em: 02 de outubro de 2017
[9] Vide História da Colonização Portuguesa no Brasil. Porto, Litografia Nacional, 1926, Vol. III, p. 123. A mesma obra contém o texto original da Carta.
[10] PINHO, 1973, p. 163.
[11] Basileu Garcia. Instituições de Direito Penal, v. I, T. I, cit., p. 132.
[12] Pouco tempo antes de o Código entrar em vigor, o Decreto n. 774, de 20 de setembro de 1890, declarou abolida a pena de galés, substituindo-a pela prisão com trabalhos, e reduziu para trinta anos a prisão perpétua (art. 1º e 2º).
[13] MACIEL FILHO, 1951, p. 522-547.
[14] RODRIGUES, 1996, pg.100
[15] RODRIGUES, 1996, pg.97
[16] Idem, pg.92
[17] ALBUQUERQUE, 1992, p.239-243.
[18] RODRIGUES, 1996, p.89
[19] Juarez Cirino dos Santos. A morte da Pena. In Folha de São Paulo, de 15-12-1991.
[20] Amnesty International. La Peine de Mort Dans le Monde. Paris, Les Éditions d’Amnesty International, 1989, p.62.
[21] Idem, p.62.
[22] CAMUS e KOESTLER, 1979, pp. 141 e 142.
[23] Eduardo Garcia Máynez. Op.cit,p. 82.
[24] João Marcello de Araújo Júnior. Impunidade e Cia. In O Globo, de 13-5-1991.
[25] ESTIGMA, 1982, p.155.
Técnico Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Bacharel em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CORREA, Pedro Henrique Pereira. Inconveniência da aplicação do instituto da pena de morte no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50980/inconveniencia-da-aplicacao-do-instituto-da-pena-de-morte-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
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