SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Definição de Software. 3. O software e o Direito Autoral. 4. Software por encomenda e software de prateleira e a tributação. 5. Software via download e frente ao ICMS. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
Com o avanço da tecnologia alguns produtos e suas formas de comercialização foram consideravelmente alterados, sendo certo que, em alguns casos, o meio físico em que o produto era disponibilizado ao mercado deixou de ser imprescindível ou, até mesmo, deixou de existir. Acrescenta-se que a internet trouxe uma facilidade na comercialização de bens intangíveis, os quais podem ser adquiridos com comodidade, inclusive sem considerar as barreiras de fronteiras nacionais.
Podemos citar como exemplo de ramos de comércio diretamente afetados pelo avanço da tecnologia, a venda de livros, filmes, músicas e licença de softwares. Apenas a fim de ilustrar o avanço tecnológico vivido, temos que a distribuição das produções fonográficas, desde os anos 80/90 até o presente momento, passou dos vinis e fitas K7, aos CDs e DVDs, chegando, atualmente, a ser disponibilizado digitalmente via internet, por meio de download ou outras formas de utilização, como o streaming. E é por meio digital que cerca de 77% do mercado fonográfico brasileiro opera atualmente.[1] Outro grande exemplo, é a venda de softwares que há anos também deixou a necessidade de um suporte físico e passou a ser disponibilizado aos interessados por meio da internet, via download ou até mesmo como serviço (SaaS).
Assim, uma celeuma tributária foi instaurada entre o fisco, doutrinadores e demais operadores de direito: no caso de venda de licença de software via download, haveria a incidência de ICMS?
2. DEFINIÇÃO DE SOFTWARE
A Lei dos Softwares, Lei nº 9.609/98, define software como “a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.
De uma maneira mais prática, o professor Vanderlei Bonato, da Universidade de São Paulo, define software como sendo “instruções que controlam o hardware de modo a realizar tarefas determinadas por um algoritmo. O conjunto dessas instruções implementado numa linguagem computacional é denominado programa”. [2]
Tem-se, assim, que o software mantém uma intrínseca relação com seu autor, uma vez que esse é fruto da expressão humana de seu autor, ou seja, por ser fruto de um ato que resultou em um objeto, resta amparado pelo direito autoral.
3. O SOFTWARE O DIREITO AUTORAL
A proteção legal estabelecida pelo direito do autor visa resguardar o fruto da exteriorização do pensamento humano, quando esse resulta em uma obra inédita, tangível ou intangível, expressada por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte.
A Constituição Federal arrolou o direito à propriedade intelectual como direito fundamental ao estabelecer, em seu artigo 5º, XXVII, que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”. Acrescenta-se, ainda, que o inciso XXVIII, do citado artigo, assevera que são assegurados, nos termos da lei, as participações individuais em obras coletivas e o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores.
Nesse diapasão, vale citar que o artigo 7º, XII, da Lei nº 9.610/98, denominada Lei do Direito Autoral, dispõe que os programas de computadores são obras intelectuais protegidas pelas disposições da referida norma legal, estabelecendo, ainda, em seu artigo 11, que autor é toda pessoa física criadora da obra da obra intelectual.
Sobre o ineditismo da obra, temos que a ausência de tal requisito infere na impossibilidade de proteção legal. Portanto, o aspecto de originalidade pode ser considerado como a soma da criatividade intelectual, a qual é expressada pelo aporte de uma expressão de individualidade, e a autoria. Cabe observar também que alguns doutrinadores preferem fazer distinção entre os conceitos de originalidade, o qual seria a distinção da obra considerando o seu conjunto de elementos que a tornam única, e de criatividade, que, por sua vez, seria a engenhosidade da elaboração. [3] Sobre o tema Professor Denis Borges Barbosa esclarece que:
(...) o objeto de proteção no programa de computador não é uma ideia, mas a expressão de uma solução para um problema técnico. Assim como o engenheiro, lendo uma patente, prescreve um conjunto de instruções, seja a uma equipe de operários, seja a uma máquina qualquer, assim também o programa incorpora (ou expressa) este conjunto de instruções, mas destinado e legível apenas por uma determinada máquina de tratamento de informação. O valor econômico do programa deriva assim não da sua novidade enquanto ideia, mas da realização desta ideia enquanto conjunto de instruções a uma máquina. Diferentes programas podem representar a mesma ideia, ou mais frequentemente, incorporam dezenas ou centenas de soluções técnicas, novas ou ressabidas, mas de um modo específico.
Em complemento, a Lei nº 9.609/98, a Lei de Softwares, dispõe em seu art. 9º, que o uso de softwares no país será objeto de licença, isso significa que o adquirente, em regra, não será proprietário do software, esse apenas obterá a licença para sua utilização, sem poder transferi-la a terceiros.
Para Manoel J. Pereira dos Santos o contrato de licença de uso de software “é uma modalidade de negócio jurídico através do qual alguém, denominado Licenciante, concede a outrem, denominado Licenciado, o direito de exploração econômica e/ou utilização do programa de computador”[4], ou seja, a utilização de um programa de computador cujo direito patrimonial é de terceiro depende de prévio licenciamento, o qual pode ser a título gratuito ou oneroso. A gratuidade no licenciamento do software, em regra, não afasta a necessidade de um contrato de licença, pelo qual as partes poderão definir, dentre outras coisas, o prazo do licenciamento, as condições de uso, a limitação ou não de usuários, a política de utilização e as condições de suporte técnico e de atualização.
4. SOFTWARE POR ENCOMENDA E SOFTWARE DE PRATELEIRA E A TRIBUTAÇÃO
A utilização de software cujo direito patrimonial pertence a um terceiro, em regra, enseja no direito de remuneração a ser paga pelo usuário ao titular do direito, em decorrência da cessão de uso. Contudo, nos casos em que o autor realize o desenvolvimento do programa de computador visando atender as necessidades de um contratante, seja em uma relação de prestação de serviço ou fundado em uma relação trabalhista ou estatutária, como nos casos de servidores públicos, verifica-se que caberá ao contratante a titularidade sobre o programa de computador, salvo disposição em sentido contrário. É nesse sentido que dispõe o art. 4º, da Lei nº 9.609/98, abaixo expresso:
Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.
§ 1º Ressalvado ajuste em contrário, a compensação do trabalho ou serviço prestado limitar-se-á à remuneração ou ao salário convencionado.
§ 2º Pertencerão, com exclusividade, ao empregado, contratado de serviço ou servidor os direitos concernentes a programa de computador gerado sem relação com o contrato de trabalho, prestação de serviços ou vínculo estatutário, e sem a utilização de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais e de negócios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, da empresa ou entidade com a qual o empregador mantenha contrato de prestação de serviços ou assemelhados, do contratante de serviços ou órgão público.
§ 3º O tratamento previsto neste artigo será aplicado nos casos em que o programa de computador for desenvolvido por bolsistas, estagiários e assemelhados.
Assim, podemos afirmar que o desenvolvedor de programa de computador que presta um serviço de desenvolvimento a um terceiro, salvo disposição em sentido contrário, não terá direito patrimonial sobre o fruto de seu trabalho, não podendo, assim, explorá-lo no mercado.
Não obstante, cabe esclarecer que o desenvolvedor não perde sua condição de autor, conforme demonstra o art. 3º, §1º, I, da norma legal acima citada. Isso porque a legislação estabelece que no momento do pedido de registro do programa de computador, deverão ser designados, dentre outras coisas, “os dados referentes ao autor do programa de computador e ao titular, se distinto do autor, sejam pessoas físicas ou jurídicas”.
Enfim, no caso em que programa de computador for desenvolvido a fim de atender uma relação de prestação de serviço, a qual tem como primazia a própria prestação de serviço realizado pelo desenvolvedor em detrimento do resultado do serviço, tal fato será tributado pelo imposto de serviços de qualquer natureza, de competência municipal, conforme dispõe o item 1.4, da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Ressalta-se que o imposto sobre serviço não incide nas relações de serviço fundadas na legislação trabalhista e estatutária.
Porém, quando o programa de computador é desenvolvido pelo autor sem considerar a relação de prestação de serviço com outrem, a exploração desse software perante o mercado não será tributado da forma acima descrita. Trata-se, portanto, de um programa de computador concebido para um determinado propósito, que será colocado no mercado a fim de ser utilizado por qualquer interessado. Nessa hipótese, temos o denominado “software de prateleira”. Nesse diapasão, a celeuma que se instaurou no meio jurídico é a seguinte: o software de prateleira seria um produto?
Como dito anteriormente, o programa de computador é considerado, para fins legais, como fruto do intelecto humano e sobre isso o escritor português Rui Saavedra leciona que:
Nas relações com seus clientes, a empresa produtora de software surge como proprietária do software que ela cria e comercializa, que se trate de software standard, comercializado em massa, quer de software concebido especificamente em função das necessidades de um utilizador em particular. Com efeito, mesmo neste último caso, a propriedade do software permanece, habitualmente, na titularidade da empresa que o realizou; mas nada impede que as partes estipulem o contrário, no caso de o cliente querer proteger o seu investimento solicitando que lhe cedida a propriedade do software, se ele tiver financiado totalmente os custos de desenvolvimento.
Diferentemente sucede nas relações com o utilizador de um software standard, porque este vocaciona-se a ser comercializado junto de uma clientela potencialmente vasta: a propriedade do software em si, normalmente, nunca é cedida ao cliente, apenas um direito de uso não exclusivo. Isso não obsta a que se considere que o cliente adquire as "manifestações físicas" do software, com todas as prerrogativas ligadas a esta propriedade, se a licença de uso lhas tiver concedido a título definitivo e por um preço.
Os contratos de licenciamento e cessão são ajustes concernentes ao direito de autor, firmados pelo titular desses direitos - que não é necessariamente, o vendedor do exemplar do programa - e o usuário do software.
No caso do software-produto, esses ajustes assumem, geralmente, a forma de contratos de adesão, aos quais o usuário se vincula tacitamente ao utilizar o programa em seu computador. As cláusulas desses contratos - voltadas à garantia dos direitos do autor, e não à disciplina das condições do negócio realizado com o exemplar - limitam a liberdade do adquirente da cópia quanto ao uso do programa, estabelecendo, por exemplo, a proibição de uso simultâneo do software em mais de um computador, a proibição de aluguel, de reprodução, de decomposição, de separação dos seus componentes e assim por diante. [5]
Em um parecer elaborado pelo renomado jurista Ives Gandra Martins, pertinente ao tema em discussão, o mesmo lembra que o ICMS não incide sobre a mercadoria em si, mas sim, sobre a movimentação ficta, física ou econômica de bens identificados como mercadorias, da fonte de produção até o consumidor. [6]
O ilustre jurista acrescenta que, em casos de aparente conflito de competência tributária, deve-se considerar a teoria da preponderância, ou seja, o item de maior densidade econômica deve prevalecer sobre o item de menor densidade. Portanto, no caso dos programas de computadores o que deve prevalecer é o mesmo deve prevalecer perante as demais características ou suporte, uma vez que o programa de computador é fruto do intelecto humano. Por fim, Ives Gandra Martins define que:
Ora, pela teoria da preponderância, que defendi para a própria fazenda do estado de São Paulo, em parecer pela procuradoria solicitado, não se pode considerar que o conjunto denominado “logiciário” seja fornecimento de mercadoria, posto que o que se transfere é o patrimônio intelectual. A densidade econômica da mercadoria (caderno de anotações, programa de computador e descrição do programa) é incomensuravelmente menor do que o programa em si exteriorizados pelos três bens lá mencionados, com o que de longe, afastaria qualquer incidência tributária, que conformasse o software como mercadoria sujeita ao IPI, ICMS e II.(...)
Acresce-se que os contratos juridicamente conformados pelo direito privado, à luz da legislação existente, fazem menção a licenciamentos de programas estrangeiros ou nacionais, o que caracteriza efetivamente um não fornecimento de mercadoria (a densidade econômica do material utilizado é ínfima em relação ao custo do programa).[7]
Não obstante tal posicionamento, o Poder Judiciário mantinha o seguinte posicionamento sobre as operações comerciais de softwares: quando considerados desenvolvidos de forma personalizada em favor de um cliente específico, haveria a incidência de ISS; já no caso de software de prateleira, em decorrência de o programa estar gravado em um suporte físico, o que lhe confere a condição de produto tangível, haveria a incidência do ICMS. Seguem abaixo decisões nesse sentido.
Data de publicação: 31/07/2008
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. PRODUTOS DE INFORMÁTICA. PROGRAMAS [SOFTWARE]. CD-ROM. COMERCIALIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 176.626, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 11.12.98, fixou jurisprudência no sentido de que "ão tendo por objeto uma mercado[n]ria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de 'licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador' - matéria exclusiva da lide -, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado 'software de prateleira' (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio". Precedentes. 2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.
Data de publicação: 02/12/2010
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA. ATIVIDADES EMPRESARIAIS COM PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARES). ISS OU ICMS. AVALIAÇÃO DEPENDENTE DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA. AGRAVO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1.A controvérsia posta cinge-se à definição da competência para a cobrança de créditos tributários decorrentes de atividades empresariais envolvendo softwares. 2. Sobre o tema, tem sido iterativa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de delimitar a competência tributária em hipóteses que tais: reconhece-se a incidência do ISS sobre as operações que envolvam o fornecimento personalizado de programas de computador desenvolvidos para clientes determinados; por outro lado, encontra-se sujeita ao ICMS a circulação de softwares postos à venda de modo impessoal, é dizer, passíveis de serem adquiridos por qualquer consumidor. (...)
EMENTA: TRIBUTÁRIO. ESTADO DE SÃO PAULO. ICMS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE). COMERCIALIZAÇÃO. No julgamento do RE 176.626, Min. Sepúlveda Pertence, assentou a Primeira Turma do STF a distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar standard de programa de computador, também chamado "de prateleira", e o licenciamento ou cessão do direito de uso de software. A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS. Recurso conhecido e provido.
(RE 199464, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 02/03/1999, DJ 30-04-1999 PP-00023 EMENT VOL-01948-02 PP-00307)
5. SOFTWARE VIA DOWNLOAD E SUA TRIBUTAÇÃO PELO ICMS
Não obstante a condição de o assunto sobre a tributação de softwares estar aparentemente pacificado no âmbito dos tribunais, com relação aos softwares por encomenda e o de prateleira, o desenvolvimento tecnológico trouxe a possibilidade de haver acesso ao software, pelo usuário, sem a necessidade da mídia de suporte.
Assim, as licenças de programas de computador passaram a ser comercializadas via internet e o acesso ao programa passou a se dar por meio de download, também via internet. Tal condição seria, em tese, o suficiente para afastar a principal, se não única, característica que o colocava o software de prateleira na condição de produto. Restava ausente, portanto, o corpus mechanicum, citado pelo Ministro Sepúlveda Pertence na análise do RE 176626, que definiu o software de prateleira contido em um suporte físico como produto, assim, seria lógico afirmar que a hipótese fática não estaria abrangida pela incidência do ICMS.
Dessa forma, a discussão sobre a incidência ou não de ICMS sobre a comercialização de software de prateleira foi reaberta, especificamente quando o programa de computador é distribuído via download.
Nesse momento é oportuno lembrar que o art. 110, do Código Tributário Nacional estabelece que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. Ou seja, em tese, deveria ser considerado que o programa de computador é uma manifestação do intelecto humano, que é a proteção do programa de computadores é regida pelas normas de direitos autorais e que, mediante a disponibilização do programa de computador via download, prescindindo o suporte físico, teria que ser afastada a sua condição de mercadoria, o que, nesse cenário, afastaria claramente a hipótese de tributação pelo ICMS.
Contudo, não foi esse o posicionamento do STF sobre o tema, uma vez que na análise de medida cautelar pertinente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.945, que questiona a Lei estadual nº 7.098/98, do Estado do Mato Grosso, em especial sobre a cobrança de ICMS na comercialização de programas de computador, foi decidido que a ausência de suporte físico, quando da cessão de uso de programa de computador denominado standard ou de prateleira, não afasta a sua condição de produto, incidindo, dessa forma, o ICMS. Segue abaixo um extrato da decisão:
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Direito Tributário. ICMS. 2. Lei Estadual 7.098, de 30 de dezembro de 1998, do Estado de Mato Grosso. (...) 8. ICMS. Incidência sobre softwares adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º, ambos da Lei impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito. Irrelevância. O Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis. 9. Medida liminar parcialmente deferida, para suspender a expressão “observados os demais critérios determinados pelo regulamento”, presente no parágrafo 4º do art. 13, assim como o inteiro teor do parágrafo único do art. 22, ambos da Lei 7.098/98, do Estado de Mato Grosso.
(ADI 1945 MC, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2010, DJe-047 DIVULG 11-03-2011 PUBLIC 14-03-2011 EMENT VOL-02480-01 PP-00008 RTJ VOL-00220-01 PP-00050)
Sobre a decisão proferida pelo STF, conforme se verifica abaixo, a advogada Daniela Floriano faz duras críticas à possibilidade de incidência de ICMS na hipótese em que a cessão de uso do software ocorra por meio de download, via internet. Vejamos:
(...) o STF, ao reanalisar a matéria dos softwares agora sob a ótica das transferências eletrônicas – downloads – especificamente no julgamento da liminar pleiteada nos autos da ADI 1.945-MT, equivocadamente retorna aos conceitos explorados na decisão de 1998 (RE nº 176.676-3) deixando de se atentar para dois pontos fundamentais aqui apontados. São eles: (i) a inexistência do suporte físico e (ii) a natureza jurídica das operações praticadas. Ora, se os efeitos disciplinados pela própria lei encerram a cessão do direito de uso, e não a transferência de titularidade, definitivamente não se pode falar em circulação do bem comercializado e, por consequência, não há como sustentar a subsunção do fato – aquisição onerosa de software por meio de download – à norma jurídica de incidência do ICMS.
Assim, resta evidente a impossibilidade formal e técnica de criação de uma nova hipótese de incidência do ICMS sobre as operações de aquisição onerosa de programas de computador por transferência eletrônica quando não confirmada a efetiva transferência de titularidade destes programas, como pretende o Decreto Estadual nº 61.522/15, sob pena de violação, dentre outros dispositivos, à norma constitucional de repartição das competências tributárias.[8]
Por se tratar de uma decisão proferida cautelarmente, tem-se que, apesar do indicativo de interpretação estabelecido pela própria decisão cautelar, a celeuma ainda não resta pacificada e, por ser um tema enorme relevância e impacto socioeconômico, vários órgãos e entidades requisitaram o seu ingresso na demanda, na condição de amicus curiae, tais como: o Governo do Distrito Federal, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras, Confederação Nacional de Serviços (CNS), Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo (SERPOSP) e a Associação Brasileira das empresas de software (ABES).
Tratando do tema conexo, temos ainda a ADI 5659 proposta, em 15/02/2017, pela Confederação Nacional dos Serviços (CNS) em face do Decreto nº 46.877/2015 de Minas Gerais, com objetivo de excluir a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as operações com programas de computador.
6. CONCLUSÃO
Diante do acima exposto, verifica-se a relevância do tema e o possível impacto da decisão na sociedade brasileira, seja no aspecto do possível aumento das receitas públicas ou, também, no impacto financeiro nas relações entre os detentores do direito patrimonial do programa de computador e seus usuários.
Porém, o que se esquece é o impacto que tal decisão pode causar sobre o já atrasado processo de desenvolvimento tecnológico e de inovação do país. Isso porque, o Brasil ocupa apenas a 69ª posição no ranking de inovação mundial, que analisa ao todo 127 países.
Essa posição essa é, no mínimo, inadequada para um país que possui uma das maiores economias do mundo. Apenas a título de exemplo, esse ranking organizado pela Universidade Cornell, a escola de negócios Insead e a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), aponta que o Brasil ocupa apenas a 7ª posição, quando considerados somente os 16 países da América Latina e Caribe. [9]
Conclui-se que, não obstante o resultado da decisão a ser proferida pelo STF, do qual se espera a observância dos princípios da legislação tributária, em especial o respeito às definições, os conteúdos e o alcance de institutos e demais conceitos e formas de direito privado, colocando, assim, um freio no anseio tributário das autoridades fiscais, deve-se observar também que cabe ao Estado a adoção de medidas e outras políticas públicas necessárias ao desenvolvimento tecnológico nacional, ramo no qual os programas de computador são de extrema importância.
BIBLIOGRAFIA
BONATO, Vanderlei: Introdução à Ciência da Computação. Acesso em: https://docs.google.com/viewer?url=http%3A%2F%2Fwiki.icmc.usp.br%2Fimages%2F4%2F41%2FSSC0800_Aula1.pdf&embedded=true&chrome=false&dov=1.
SANTOS, Manuel J. Pereira dos. Direito autoral. Editora Saraiva. 2013.
SANTOS, Manuel J. Pereira dos. A Nova Lei do Software: Aspectos Controvertidos da Proteção Autoral. Apud. AMAD, Emir Iscandor. Contratos de software "shrinkwrap licences" e "clickwrap licences". Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2002.
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FLORIANO, Daniela. A propriedade do software adquirido via download. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-propriedade-do-software-adquirido-por-download/. Acesso em: 31/07/2017.
[1] Disponível em: http://www.abpd.org.br/home/numeros-do-mercado/. Acesso em: 11/06/2017.
[2] BONATO, Vanderlei: Introdução à Ciência da Computação. Acesso em: https://docs.google.com/viewer?url=http%3A%2F%2Fwiki.icmc.usp.br%2Fimages%2F4%2F41%2FSSC0800_Aula1.pdf&embedded=true&chrome=false&dov=1.
[3] SANTOS, Manuel J. Pereira dos. Direito autoral. Editora Saraiva. 2013
[4] SANTOS, Manuel J. Pereira dos. A Nova Lei do Software:Aspectos Controvertidos da Proteção Autoral. Apud. AMAD, Emir Iscandor. Contratos de software "shrinkwrap licences" e "clickwrap licences". Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2002.
[5] SAAVEDRA, Rui. Apud. RIBEIRO, Guilherme Felipe Silva. Software: mercadoria ou serviço? Aspectos tributários controvertidos. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/main_online_frame.php?page=/index.php?PID=200322&key=4073227ç. Acesso em: 31/07/2017.
[6] MARTINS, Ives Gandra. O licenciamento e o sublicenciamento de programa de software não se confundem com circulação de mercadorias – impossibilidade de incidirem sobre as respectivas operações ICMS, IPI e II, parecer. Disponível em: https://docs.google.com/viewer?url=http%3A%2F%2Fwww.gandramartins.adv.br%2Fproject%2Fives-gandra%2Fpublic%2Fuploads%2F2014%2F10%2F27%2F17d0448008789p.doc&embedded=true&chrome=false&dov=1.m. Acesso em: 31/07/2017.
[7] MARTINS, Ives Gandra. Ob cit.
[8] FLORIANO, Daniela. A propriedade do software adquirido via download. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-propriedade-do-software-adquirido-por-download/. Acesso em: 31/07/2017.
[9] Disponível em: http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/06/brasil-fica-estagnado-no-indice-global-de-inovacao/. Acesso em: 31/07/2017.
Advogado, especialista em direito e processo penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Leonardo de Sales. O Software via download e o Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51138/o-software-via-download-e-o-imposto-sobre-a-circulacao-de-mercadorias-e-servicos-icms. Acesso em: 22 nov 2024.
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