RESUMO: O Poder Constituinte cria o sistema jurídico, sendo a transição do poder político para o poder jurídico. Por ser originário, condiciona o ordenamento que dele extrairá sua fonte de legitimação. Ocorre que todo sistema jurídico precisa se atualizar. A reforma, pois, é caminho inevitável. Entretanto, reformar algo, é respeitar as estruturas basilares sobre as quais se funda. As reformas constitucionais brasileiras, até o presente momento, lograram êxito em arejar o ordenamento e ao mesmo tempo mantê-lo. A institucionalização da doutrina do Poder Constituinte contribuiu para que a atual Constituição se aproxime da sua terceira década. Continuamos ainda sob os influxos de 1988.
PALAVRAS CHAVE: poder constituinte, reforma constitucional, continuidade constitucional.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. TOMO 1: O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. 1.1 Titularidade. 1.2 Características. 1.2.1 Inicial. 1.2.2 Autônomo. 1.2.3 Ilimitado. 1.2.4 Incondicionado. 1.3 Visão Pós Moderna. 1.4 Poder Constituinte e Legitimidade Democrática. 1.5 Síntese. 2 – O PODER CONSTITUINTE DERIVADO. 2.1 Conceito. 2.2 Características. 2.3 As ramificações do Poder Constituinte Derivado. 2.3.1 Poder Derivado Revisional. 2.3.2 Poder Derivado Decorrente. 2.3.3 Poder Derivado Reformador. 2.4 Mutação Constitucional. 2.4.1 Conceito. 2.4.2 Limites à Mutação. 2.4.3 A Interpretação e a Mutação. 2.4.4 Meios de Mudança da Constituição por Mutação Constitucional. 2.5. Síntese. 3. LIMITES AO PODER DE REFORMA. 3.1 Linhas introdutórias. 3.2 Limitações Formais. 3.3 Limitações Circunstanciais. 3.4 Limitações Temporais. 3.5 Limitações Materiais. 3.6 A tese da dupla revisão. 3.7 Reforma Constitucional e Direito Adquirido. 3.8 A Reforma Constitucional como meio de perpetuação do sistema jurídico-constitucional. 3.9 Síntese. CONCLUSÕES. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
O Estado e seu sistema jurídico talvez seja a maior criação humana. Isso, porque possibilita que seres humanos com as mais variadas orientações pessoais convivam civilizadamente, evitando a lei do mais forte e o temor da morte violenta, nos termos mencionados por Thomas Hobbes.
Não se adentrará neste trabalho o comportamento desviante da norma e o problema da violência urbana, pois isso extrapolaria os fins e limites deste.
Tomar-se-á como ponto de partida o fato de que sem o Estado o caos imperaria, sendo normal que dentro da vida em sociedade haja indivíduos que não queiram compactuar das regras e por isso são punidos na esfera penal. Isso faz parte do próprio sistema jurídico que já prevê o desvio.
As linhas de investigação deste trabalho são envoltas à legitimação do Poder que institui o Estado e não o devir e modo de aplicação de seu aparelho repressor ou indutor de comportamentos com que esse se revela no tempo e espaço.
Parte-se da premissa de que o Poder Constituinte faz nascer um novo Estado. Mesmo que haja um conjunto de normas jurídicas pretéritas, nada valerá se não for compatível com a ordem que este poder visa instituir. Nenhuma manifestação de poder que derive daquele será legítima se ocorrer em desacordo com os limites impostos pelo Constituinte Originário.
Entretanto, não se pode condicionar uma geração à noção de direito e poder vivida por outra geração (pretérita). É necessário que a Constituição que documenta o nascimento de um novo Estado seja atualizada. Tudo o que é demasiado velho torna-se obsoleto. O mesmo ocorre com os documentos jurídicos.
Se não fossem as reformas constitucionais, previstas e condicionadas pelo poder originário, a Constituição de 1988 há muito já não existiria. Basta lembrar, apenas como uma curiosidade, que entre 1986 e 1988, quando escrita, não havia internet para uso de fins civis e popularmente difundida. Já no início da década passada, a atual Carta restaria morta, se não tivesse a capacidade de se renovar frente às necessidades da sociedade.
Eis a importância de o Poder Constituinte prever a possibilidade de reformas constitucionais, sendo estas uma espécie de instrumento de perpetuação no Poder.
Ocorre que a reforma não pode ser mais poderosa que o poder que lhe legitima. O Poder Reformador além de legitimar-se no Poder Constituinte Originário, neste encontra limites.
Com base nos conceitos doutrinários que tratam do tema se desenvolverá este trabalho na seguinte estrutura.
No tomo 1, tratar-se-á do conceito doutrinário de Poder Constituinte Originário. Sua titularidade. Suas Características. A visão pós-moderna que a doutrina lhe confere.
Chama-se atenção neste ponto final. A doutrina que dantes aludia ser o Poder Constituinte incondicionado, passou a ver condicionamentos extra-jurídicos ao referido Poder. Tudo isso, pois ganha cada vez mais relevo que o processo civilizatório caminha num certo sentido e que os retrocessos não são bem vindos. Com efeito, apesar de incondicionado e ilimitado no plano jurídico, o Poder Constituinte Originário é condicionado por elementos exógenos, fato a demonstrar que o Direito não vige só na sociedade, esta composta por várias forças e várias instituições.
Adiante, no tomo 2, abordar-se-á o conceito de Poder Constituinte Derivado. Suas características, bem como suas manifestações na Constituição de 1988.
Tudo o que é derivado deve encontrar seu fundamento em algo que lhe precede. Eis a lógica do Constituinte Derivado. Deste exsurgem outras três espécies, o Poder de Revisão da Constituição, o Poder de os Entes Federativos editarem suas normas maiores e o Poder de Reforma da Constituição da República. Em relação a este último o trabalho se debruçará de modo mais minucioso.
Abrir-se-á um parêntese que se considera pertinente para melhor compressão do tema. Dentro do tomo 2 será feita uma explanação do que é o Poder Constituinte Difuso, também conhecido como Mutação Constitucional, fenômeno este responsável pelas reformas informais das normas constitucionais.
A finalidade de tratar desse tema junto com a reforma constitucional é denotar que existem duas possibilidades de atualização da Carta Política, possibilidades essas que se complementam.
Os documentos jurídicos são textos, que só ganham vida se interpretados (aplicados). Assim, a exegese do texto faz parte do processo de sua modificação, pois os conceitos fluidos são animados pelos valores reinantes da época dos intérpretes da Constituição, que - se longeva - será concretizada (interpretada) por muitos e diferentes intérpretes.
O plano das indagações da Mutação Constitucional não pode ficar de fora da análise deste trabalho, portanto.
No tomo 3, o assunto principal será os limites do Poder de Reforma, espécie do Poder Constituinte Derivado. Sua importância na manutenção do Sistema Jurídico, quando exercido dentro dos limites impostos pelo Constituinte Originário.
O Poder de Reforma é uma fórmula encontrada pelo Constituinte Originário para atualizar o texto originário. Sem esse mecanismo, nos tempos pós-modernos, ante a velocidade com que a sociedade evolui, dificilmente uma Carta viveria mais de 10 anos, fato esse desastroso. Se a manifestação do Constituinte Originário é natural numa nação, a fim de apontar novos rumos, ou acelerar certas mudanças necessárias, não há dúvidas de que deve ser excepcional.
Se a cada período de poucos anos houvesse força motriz a desencadear o Constituinte Originário, a sociedade viveria em constante instabilidade, fato oposto à justificação da existência do Estado de Direito que é a segurança jurídica.
Por isso se defende que é necessária a possibilidade de reforma constitucional, exercida pela via formal ou informal, para perenizar o Poder vigente e evitar que a constante instabilidade da estrutura política abale também o convívio social.
Ao final de cada tomo o leitor encontrará uma síntese do quanto exposto a fim de buscar tornar a leitura mais didática, na medida das limitações deste escritor.
Busca-se com essa explanação, nos termos das considerações finais, denotar que para a manutenção do sistema jurídico e político vigente, seja qual for a forma de governo (democracia, aristocracia, monarquia), seja qual for o sistema de governo (presidencialista o parlamentarista), é imprescindível a capacidade de uma Constituição se renovar, com mecanismos capazes de mantê-la ao mesmo tempo que a atualiza.
A Constituição de 1988 tem se mostrado apta a se renovar. Já passou por notórias mutações constitucionais, bem como por inúmeras emendas constitucionais.
Entretanto, é ela a fonte das respostas para as crises institucionais e para os anseios sociais, o que leva a crer que ainda vigorará por alguns anos, salvo se ocorrer golpe de Estado ou revolução.
O fato é que cada vez mais a Carta de 1988 é o ator principal para a resolução das tensões vividas por nós brasileiros do início do século XXI.
TOMO 1: O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
1. Conceito
O Poder Constituinte Originário é o poder instituidor do Estado, arquiteto de uma estrutura jurídica que possibilita a vida em sociedade. É o poder político de criar normas constitucionais, ditando normas fundamentais que organizam os poderes, o Estado e parte da vida social. Trata-se de fenômeno efêmero, já que a sua realização se dá num instante histórico determinado, a exemplo de uma Assembleia Constituinte, mas cujos efeitos são perenes, conquanto não sejam imutáveis, já que reconstruídos dia a dia.
Se é efêmero em sua manifestação inicial, não o é no cotidiano, já que os efeitos se protraem no tempo, renovando-se continuamente. Por isso a seguinte ideia colhida da obra do Ministro Gilmar Mendes:
“O poder constituinte originário não se esgota quando edita uma Constituição. Ele subsiste fora da Constituição e está apto para se manifestar a qualquer momento. Trata-se, por isso, de um poder permanente e, como também é incondicionado, não se sujeita a formas pré-fixadas para operar”.[1]
No mesmo sentido, assim se manifestou Alexandre de Morais:
“Ressalte-se, ainda, que o Poder Constituinte é permanente, pois não desaparece com a realização de sua obra, ou seja, com a elaboração de uma nova Constituição. Como afirmado por Sieyès, o Poder Constituinte não esgota sua titularidade, que permanece latente, manifestando-se novamente mediante uma nova Assembleia Nacional Constituinte ou um ato revolucionário”[2].
As teorias sobre o Poder Constituinte são modernas, remontam da Revolução Francesa. Contemporaneamente ganharam força com os movimentos constitucionais dos últimos 50 anos, na Europa e na América Latina. Contudo sua presença no mundo sempre houve. Se podemos falar em Constituição histórica, podemos falar em Poder Constituinte Histórico. Este se manifesta nas organizações primeiras, desde as sociedades mais antigas. Se se pode falar em constituição ateniense ou romana, o mesmo de pode dizer sobre o Poder Constituinte. Logo, algumas vezes o fenômeno histórico existe antes de sua construção doutrinária.
O eminente jurista Paulo Bonavides assim leciona:
“Poder constituinte sempre houve em toda sociedade política. Uma teoriação desse poder para legitimá-lo, numa de suas formas ou variantes, só veio a existir desde o século XVIII, por obra da sua reflexão iluminista, da filosofia do contrato social, do pensamento mecanicista anti-historicista e antiautoritário do racionalismo francês, com sua concepção de sociedade.”[3]
O conceito de Poder Constituinte Originário, portanto, refere-se a um fenômeno que no curso da história é possível encontrar momentos de sua manifestação. Traduz-se pela transição do poder político (paixão das ideologias) em poder jurídico (estabilidade das instituições criadas). A teorização, porém, é fruto do século XIX.
A doutrina também discrimina dois prismas deste poder, o material e o formal.
“O poder constituinte material, de auto-conformação do Estado, consoante determinada ideia de direito, que se identifica com a força política geradora da mudança institucional, se inspira em ideias políticas e modela novo regime político, devendo harmonizar-se com os anseios dos diferentes grupos sociais.
O poder constituinte material, antecedente o formal, determina o conteúdo da Constituição. Traduz-se na força política ou social, na ideia de direito inauguradora da nova ordem constitucional.
O poder constituinte formal revela-se na entidade (grupo constituinte) que formaliza em normas jurídicas a ideia de direito consentida num determinado momento histórico, conferindo estabilidade e permanência à nova situação.[4]”
Vê-se que toda a força (conceito material) político/jurídica se conforma num ente ou grupo (conceito formal).
No caso da Constituição de 1988 pode-se dizer que o poder constituinte material se construiu durante a ditadura militar visando suplantá-la, manifestando-se quando encontrou forças e poder de barganha para confrontar a antiga ordem. Já o poder constituinte formal é personificado na figura da Assembleia Constituinte, que procedeu aos trabalhos.
Complementando essa linha de raciocínio, o conceito de Poder Constituinte convive com o de legitimidade do poder.
Novamente, Paulo Bonavides com seu conhecimento, assim se expressa:
“A teoria do poder constituinte é basicamente uma teoria da legitimidade do poder. Surge quando uma nova forma de poder, contida nos conceitos de soberania nacional e soberania popular, faz sua aparição histórica e revolucionária em fins do século XVIII.
Esse poder novo, oposto ao poder decadente e absoluto das monarquias de direito divino, invoca a razão humana ao mesmo passo que substitui Deus pela Nação como titular da soberania. Nasce assim a teoria do poder constituinte, legitimando uma nova titularidade do poder soberano e conferindo expressão jurídica aos conceitos de soberania nacional e soberania popular.”[5]
O conceito de Poder Constituinte está envolto, pois, à noção de criação de um novo Estado, exercício de um poder material, personificado em um órgão ou ente moral (concepção formal), sendo legitimado pela vontade popular, que já se traduziu em vontade da nação e vontade do povo.
Quanto à questão da titularidade do poder (vontade do povo x vontade da nação), segue análise mais detida.
Há vários debates acerca de quem é o titular do poder constituinte originário. Muito já se falou da nação. Contemporaneamente advoga-se ser o povo o titular do poder constituinte originário.
“A teoria da soberania popular, isto é, de que o poder constituinte é titularizado pelo povo, tornou-se historicamente vitoriosa. Foi esse o fundamento invocado desde a primeira hora pelo constitucionalismo americano. Com efeito, a tarefa de elaborar o texto constitucional foi outorgada a uma convenção, mas o produto do seu trabalho foi a seguir submetido à ratificação popular. O princípio da soberania popular é a locução inicial do preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos - “we are the people” -, estando inscrito, igualmente no preâmbulo da Constituição alemã, de 1949, e na francesa, de 1958, em meio a inúmeras outras. Na Constituição brasileira de 1988, além da referência expressa na abertura do preâmbulo - “Nós, representantes do povo brasileiro” -, o princípio é reiterado como norma positiva no parágrafo único do art. 1º, onde se enuncia: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.[6]”
O fenômeno constitucional está diretamente ligado ao surgimento da Constituição. Várias são as formas que exsurge uma Constituição, pela manifestação popular, não havendo regra para tanto. O professor Luís Roberto Barroso assim leciona:
“Do exame dos eventos históricos referidos, é possível determinar e sistematizar os cenários políticos em que mais comumente se dá a manifestação do poder constituinte, com a elaboração de novas constituições. São eles: a) uma revolução; b) a criação de um novo Estado (normalmente pela emancipação de uma colônia ou pela libertação de algum tipo de dominação); c) a derrota na guerra; d) uma transição política pacífica. O poder constituinte se diz fundacional[7] ou pós-fundacional, conforme resulte na formação originária de um Estado ou apenas na reordenação de um Estado preexistente. Contemporaneamente, o mundo assiste ao processo de criação de uma Constituição pela via do tratado internacional, como se passa na União Europeia. Trata-se, todavia, de fenômeno ainda inacabado e que enfrenta momentos de incerteza.”[8]
Num apanhado histórico o eminente Paulo Bonavides assim destaca:
“A concepção política da Idade Média e da Reforma girava, segundo Schimitt, preponderantemente ao redor do poder constituinte de Deus, conforme o princípio omnis potestas a Deo. Com as monarquias absolutas a titularidade veio a recair no monarca, que a justificava mediante a invocação de um suposto direito. Durante a Revolução Francesa, o mesmo poder coube nominalmente à Nação ou ao Povo, mas de modo efetivo, no seu exercício, uma Classe – a burguesia – ou seja, aquela parte do Povo que toma “consciência política autônoma” e entra a decidir acerca da forma de existência estatal, exercendo, por conequência, o poder constituinte.
Durante a Restauração (1815-1830), o poder constituinte volveu na França às mãos de um príncipe de linhagem hereditária e assim prossegue a manifestar-se depois noutros países em distintos corpos ou entidades, numa casuística de titularidade que tem levado alguns a concordar com Sanches Viamonte quando assevera que “o titular do poder constituinte é produto das circunstâncias históricas e aparece sempre condicionado po elas”.
[...]
Analisada ainda debaixo dessa consideração meramente fática de sua titularidade, o poder constituinte não se concentra nem se absorve num único titular, visível ou definido. Há um poder constituinte de titularidade indeterminada, fugaz, indecisa, cuja rara e difícil identificação no seio de uma ordem jurídica já estabelecida não deve eximir-nos da obrigação de examinar-lhes os efeitos, sempre patentes em mudanças de aparência imperceptível numa época, mas que com o tempo avultam a consideráveis proporções.”[9]
A par da ênfase histórica dada pelo último autor, vê-se, pois, que o titular do poder constituinte é o povo, conforme concepção hoje predominante. Ademais, este poder se manifesta de diversos modos que variam da guerra ou revolução até uma negociação visando uma transição política, como foi o caso de 1988, no Brasil.
Com maestria, Luís Roberto Barroso assim desfecha o assunto acerca da titularidade do Poder Constituinte:
“A teoria democrática se fixou na concepção de que a soberania é do povo. A Constituição, como regra, é elaborada por um órgão cujos membros são eleitos especificamente para esse fim. Em alguns países, a assembleia age diretamente em nome do povo e a Constituição será o produto de sua deliberação, como é a tradição brasileira. Em outros, após aprovado o texto pela assembleia ou convenção, deve ser submetido à ratificação popular, modelo iniciado com a Constituição Americana. Uma vez concluída sua obra, o poder constituinte retorna ao seu estado de latência, cedendo lugar à norma por ele criada. A Constituição passa a ser a lei suprema e os poderes do Estado passam a ser poder constituído. Por esse mecanismo, a soberania popular se converte em supremacia da Constituição.”[10]
O Poder Constituinte Originário possui as seguintes características: é inicial, autônomo, ilimitado e incondicionado.
Analisar-se-á brevemente cada uma delas.
O constituinte originário inicia uma nova ordem, por isso dizer-se inicial. Juridicamente, inicia-se um novo mundo jurídico.
Pode-se dizer, portanto, que numa nação já foram construídos tantos Estados quantos são os números das Constituições que já vigeram, pois cada uma dela é inicial em relação a uma ordem jurídica.
Alexandre de Morais assim sintetiza: “O poder Constituinte é inicial, pois sua obra – a Constituição – é a base da ordem jurídica.”[11]
O constituinte originário não possui regras específicas para se manifestar, podendo escolher os próprios caminhos a ser trilhados (Regimento Interno, meios violentos … ).
Historicamente temos os seguintes exemplos: Revolução; Consenso (convocação de Assembleias constituintes para escrever nova Carta Constitucional); surgimento de novo Estado; derrota numa guerra.
Entretanto, nada impede que de formas novas surjam novos Estados. O Poder Constituinte Originário, por ser autônomo, por vezes, pode se demonstrar imprevisível.
Não há limitações jurídicas a ser observadas pelo Originário. Pode-se, em tese, estabelecer regime monárquico de governo, num país dantes republicano; pode-se estabelecer a pena de morte, onde dantes não havia. Juridicamente não há limites, nem de cunho formal, nem de cunho material.
Sintetizando as características dos itens 1.3.2 e 1.3.3, Alexandre de Morais assim leciona:
“O Poder Constituinte é ilimitado e autônomo, pois não está de modo algum limitado pelo direito anterior, não tendo que respeitar os limites postos pelo direito positivo antecessor.” [12]
Não há necessidade de ser observado o ordenamento jurídico anterior. Não há condições externas para que o originário se manifeste.
Alexandre de Morais precisamente escreve:
“O Poder Constituinte também é incondicionado, pois não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade; não tem ela que seguir qualquer procedimento determinado para realizar sua obra de constitucionalização.”[13]
Há, atualmente, forte tendência a defender limitações ao Poder Constituinte Originário.
Parece ser contraditório linhas acima dizer que uma das características do Poder Constituinte é ser ilimitado e abaixo afirmar que há limites.
Para entender o raciocínio é preciso entender que a abrangência da ilimitação do constituinte originário se dá no âmbito jurídico e não no âmbito político, filosófico, social e natural.
Com esse raciocínio percebemos ser impossível, com uma nova Constituição, tolher do homem o convívio social, qualidade inerente e direito natural do animal-homem; igualmente impossível tolher o direito à vida, o direito ao pensamento, o direito a ter um governo (se há Constituição há governo, logo, ilógico falar em Constituinte anárquica). Portanto, é possível localizar limites ao poder constituinte, já que não há poder absoluto.
Pode-se defender que a doutrina elenca algumas limitações ao Poder Constituinte Originário. Um esforço exegético permite relacionar as seguintes limitações:
1 – as limitações Transcendentes, são aquelas impostas ao poder constituinte originário e advindas do direito natural; de valores éticos universalmente partilhados, como a importância do ser humano em si mesmo, seja qual for a finalidade de uma vida terrena; consciência jurídica coletiva (princípio da vedação do retrocesso), sendo este o limite que ocorre em situações nas quais o Originário se manifesta de forma transacionada, acordada, não sendo possível falar nesta limitação em havendo um pós-guerra ou mesmo uma revolução já que são fenômenos histórico-sociais imprevisíveis. Contudo, via de regra, numa transição constitucional negociada, a exemplo de 1986/88, vigora a máxima de que os direitos fundamentais conquistados pela sociedade e que sejam objeto de um consenso mui amplo e embasado socialmente não podem sofrer um retrocesso.
2 – os limites Imanentes, os impostos ao poder constituinte formal. Estão ligados à configuração do Estado à luz do poder constituinte originário material ou da própria identidade da Nação. Não se pode esquecer que o Poder Constituinte é uma força social, cuja morada é a própria sociedade. Por exemplo: inviável é uma Assembleia Constituinte nos seus trabalhos visar impor uma sociedade de castas hindus no Brasil, pois não há respaldo no poder constituinte originário material.
3 – os limites Heterônomos, que são os limites que advêm de outros ordenamentos jurídicos, principalmente do direito internacional. Não se pode esquecer que os países, (in)formalmente, se controlam reciprocamente, no palco das relações internacionais. Num mundo globalizado, cuja premissa é a divisão de mesmos valores, que baseiam uma mesma civilização, permitindo com isso a troca de bens simbólicos e/ou materiais, abandonar esses valores seria o mesmo que resilir esse contrato social internacional velado. Se for um “player” (para utilizar expressão das Relações Internacionais) de peso, haverá um sistema de controle a impedir que tal Nação abandone os preceitos vigentes no ocidente.
Luis Roberto Barroso também defende que há limites ao poder constituinte originário. Ele os qualificou como condicionamentos pré-constituintes e pós-constituintes.
Interessante é notar a doutrina se esforçando em impor limites a um poder cujo atributo é ser ilimitado. Parece um contrassenso, mas não é, conforme supra afirmado. Isso, pois os limites suso referidos, referem-se a questões externas ao Poder Constituinte e não ao seu conceito jurídico, este sim ilimitado e incondicionado, no sentido de não obedecer a elementos do ordenamento jurídico anterior.
O Direito Constitucional Contemporâneo lida com a racionalização do poder e sua legitimação. Não se trata de poder pelo poder, mas sim de autoridade e legitimação do poder. Constituição e Democracia firmam seus passos lado a lado, no nosso entendimento, logo, inconcebível pensar que ‘ilimitado’ é poder total de tudo dispor. A Constituição não é um Deus, é sim um documento jurídico-político; logo, há condicionantes quando de sua manifestação originária.
Entendamos o atributo “ilimitado” em seu termo técnico, que significa não estar subordinado à ordem jurídica pré-existente. Se por um lado não se deve reverência a ela, há por outro lado verificarem-se os fatores reais de poder, o ethos social, estes sim condicionantes de um Poder com pretensão de inicial. O melhor entendimento ao Poder Constituinte é quando se o contrapõe ao conceito de poderes constituídos, daí as ideias fluem melhor.
Com essas premissas, assim conclui o eminente Ministro Luís Roberto Barroso:
“[...]O poder constituinte da nação – consistente na capacidade de instituir, a qualquer tempo, uma nova ordem – encontra-se fora e acima do poder constituído, vale dizer, do sistema jurídico positivo, das instituições e poderes existentes. Qualifica-se, assim, como inalienável, permanente e incondicionado, não se subordinando ao Direito preexistente.
…
É fora de dúvida que o poder constituinte é um fato político, uma força material e social, que não está subordinado ao Direito Positivo preexistente. Não se trata, porém, de um poder ilimitado ou incondicionado. Pelo contrário, seu exercício e sua obra são pautados tanto pela realidade fática como pelo Direito, âmbito no qual a dogmática pós-positivista situa os valores civilizatórios, os direitos humanos e a justiça.Contemporaneamente, é a observância de critérios básicos de justiça que diferencia o direito do “não direito”. A força bruta não se legitima apenas pela circunstância de se travestir da forma constitucional. Deve-se enfatizar, ademais, que a separação radical entre fato e norma, entre faticidade e normatividade, já não encontra abrigo confortável na teoria jurídica contemporânea. O direito passa a ser visto como o produto final de uma interação entre ambos.
[...]
Os condicionamentos jurídicos estarão presentes desde o primeiro momento, envolvendo aspectos como o ato convocatório, o processo de escolha dos integrantes da assembleia ou convenção e, por vezes, até mesmo o procedimento de deliberação a ser adotado.
[…]
No Brasil, a convocação da assembleia que elaborou a Constituição de 1988 se deu por via de emenda constitucional à Carta de 1967-69. Com efeito, a Emenda Constitucional n.26, de 27 de novembro de 1985, previu como seriam escolhidos os constituintes, quem instalaria a assembleia constituinte e em que data, chegando a dispor, até mesmo, acerca da forma e do quórum de deliberação a ser adotado.
Com efeito, além de ditar as regras de instalação da assembleia constituinte, não é incomum que o poder que a convocou procure influenciar os próprios trabalhos de elaboração constitucional, pela imposição de formas e, por vezes, até conteúdos.
A verdade, contudo, é que não se deve, em rigor, falar de um ato constituinte, mas sim em um processo constituinte, composto de vários atos que se encadeiam no propósito de superação do status quo vigente.
[...]
O mais decisivo condicionamento pós-constituinte advém da necessidade de ratificação do texto aprovado pela assembleia ou convenção, circunstância que, por si só, já impõe aos delegados a preocupação de maior sintonia com o colégio eleitoral que será encarregado da deliberação final. O fato de a ratificação se dar, por exemplo, pelos Estados membros da Federação ou pelo conjunto da população, pode ter impacto importante nas decisões a serem tomadas pelos constituintes.
[...]
Se a teoria democrática do poder constituinte se assenta na sua legitimidade, não há como imaginá-lo como um poder ilimitado. O poder constituinte estará sempre condicionado pelos valores sociais e políticos que levaram à sua deflagração e pela ideia de Direito que traz em si. Não se trata de um poder exercido em um vácuo histórico, nem existe norma constitucional autônoma em relação à realidade. O poder constituinte, portanto, é também um poder de Direito. Ele está fora e acima do Direito posto preexistente, mas é limitado pela cosmovisão da sociedade – suas concepções sobre ética, dignidade humana, justiça, igualdade, liberdade – e pelas instituições jurídicas necessárias à sua positivação. Fora daí pode haver dominação e outorga, mas não constitucionalismo democrático.
Uma última limitação que a doutrina passou a reconhecer de maneira praticamente unânime nos últimos tempos decorre dos princípios do direito internacional e, especialmente, dos direitos humanos. Após a Segunda Guerra Mundial, notadamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, passou-se a reconhecer aqueles direitos como um patamar mínimo a ser observado por todos os Estados na organização do poder e nas suas relações com seus cidadãos. A face virtuosa da globalização é a difusão desses valores comuns, e o desenvolvimento de uma ética universal. Uma das questões cruciais do Direito, na atualidade, é equacionar, de maneira equilibrada, a tensão entre o universalismo … e o multiculturalismo, que procura resguardar a diversidade dos povos e impedir a hegemonia das culturas que se tornaram mais poderosas em determinada quadra histórica.
[...] A conclusão a que se chega é a de que o poder constituinte é um fato essencialmente político, mas condicionado por circunstâncias históricas, políticas e jurídicas. […] O reconhecimento de uma ordem de valores – internos e internacionais – que estabeleça a subordinação do poder soberano a um direito suprapositivo remete a questão para fronteiras do direito natural. … De fato, embora a vinculação a normas fundamentais anteriores ao Direito escrito já tenha sido admitida, em tese, por importante corte constitucional (alemã), o conhecimento convencional é no sentido de que a obra do poder constituinte originário não comporta controle judicial. Na prática, portanto, a concretização desses limites normalmente precisará ser afirmada no plano da legitimidade não no da legalidade.[14]”
Para entender o que se diz sobre condicionamento pós constituinte e pré constituinte, é mister ver o Poder Constituinte como um processo e não com um ato único, que se exaure num bradar de intenções. A Constituinte que nos legou a Carta de 1988, trabalhou 2 anos, praticamente, mas o processo começou, podemos dizer, com as Diretas Já, em 1984, isso no seio social. Esses condicionamentos têm como parâmetro o ato de convocação do Poder Constituinte, até que a obra seja concluída. Quando se fala em ‘pós’, diz-se após o poder ser instaurado e durante os trabalhos de construção da nova ordem, e não após a vigência da Carta.
Verifica-se, portanto, que o Direito não é mais visto como uma instituição social isolada nela mesma, mas em constante interrelação com outras forças sociais, daí nascer vívida doutrina acerca das limitações de um Poder que até então era considerado ilimitado.
Frise-se apenas que as limitações construídas referem-se a fatores extrajurídicos, mas de suma importância para a real compreensão do Poder Constituinte, que não se limita ao campo estritamente jurídico, conforma acima exposto.
1.5 Poder Constituinte e Legitimidade Democrática
Com o desenvolvimento das Democracias Ocidentais e da teorização sobre a democracia, as Ciências Políticas e o Direito passaram a se preocupar cada vez mais com a legitimação do Poder.
O Poder pelo Poder pode gerar efeitos fático-sociais catastróficos. Quadra recente da nossa história bem denota isso (Alemanha de Hitler, a Rússia de Stalin, os maiores exemplos do que se diz, segundo Hannah Arendt[15]).
Assim a preocupação doutrinária (e por que não dizer prática) com a legitimidade do exercício do Poder é cada vez mais o centro das preocupações contemporâneas.
Ensina Luís Roberto Barroso, acerca da legitimidade democrática do Poder Constituinte:
“Duas teses desenvolvidas nas últimas décadas procuram fornecer legitimação para a superioridade jurídica do poder constituinte. A primeira delas está na ideia de pré-compromisso ou autovinculação. O povo, ao elaborar a Constituição impõe a si mesmo e ao seu poder soberano limitações que resguardem o processo político democrático dos perigos e tentações que possam abalá-lo no futuro.
[…]
Outra tese de amplo curso é a da democracia dualista, que divide a atividade política em duas: a política constitucional – que se pratica em momentos cívicos específicos de ampla mobilização do povo – e a política ordinária, que fica a cargo da classe política e dos organismos do poder constituído. A vontade manifestada naqueles momentos especiais prevalece sobre a dos momentos rotineiros.”[16]
Resta clara a diferença entre o Poder Extraordinário, que é o Constituinte Originário, e o Poder Político Ordinário, que é o legiferante, ou mesmo, o de reforma constitucional.
Interessante se afigura a ideia de autovinculação à uma ordem pretérita. A mitologia nos ensina que por vezes pode ser a salvação daqueles que navegam as mesmas águas numa mesma nau.
A ideia de autovinculação ligada à manutenção de um bem comum, resta expressa na passagem de Ulisses e as sereias, que bem serve de ilustração para a questão da legitimidade constituinte.
Thomas Bulfinch narra com maestria essa passagem:
“Circe ajudou nos preparativos para a partida e ensinou aos marinheiros o que deveriam fazer para passar sãos e salvos pela costa da Ilha das Sereias. As sereias eram ninfas marinhas que tinham o poder de enfeitiçar com o seu canto todos quantos o ouvissem, de modo que os infortunados marinheiros sentiam-se irresistivelmente impelidos a se atirar ao mar onde encontravam a morte. Circe aconselhou Ulisses a tampar com cera os ouvidos de seus marinheiros, de modo eu eles não pudessem ouvir o canto, e a amarrar-se a si mesmo no mastro dando instruções a seus homens para não o libertar, fosse o que fosse que ele dissesse ou fizesse, até terem passado pela Ilha das Sereias. Ulisses seguiu as instruções. Tampou com cera os ouvidos de seus homens e fez com que estes o amarrassem solidamente ao mastro. Aos se aproximarem da Ilha das Sereias, o mar estava calmo e sobre as águas vinham as notas de música tão belas e sedutoras que Ulisses lutou para se libertar e implorou aos seus homens, por gritos e sinais, que o desamarrassem. Eles, porém, obedecendo às ordens anteriores, trataram de apertar os laços ainda mais.”[17]
Em linguagem metafórica há aqui a mesma relação entre a Constituição, que reflete a norma hipotética fundamental, no seu aspecto jurídico-positivo, e as leis (sentido amplo, abrangendo as reformas constitucionais). Há, pois, uma hierarquia, que há de ser respeitada, apesar de eventuais furores de maiorias eventuais. Tudo isso, a fim de que se preserve a ordem posta.
Firme-se que não há ordem social que não possa ser mudada, contudo, dentro da ordem jurídica existente, há certas mudanças que não se pode operar, por questão de lógica do sistema. Há certas ordens (normas) que não podem ser alteradas, ou melhor, reformadas de modo restritivo, sob pena de se contrariar as ordens inicialmente dadas pelo constituinte originário.
Assim, as seguintes perguntas:
O que legitima o poder constituinte? Por que devemos segui-lo e não seguir as leis do momento, mas maiorias eventualmente formadas?
Podem ser assim respondidas:
A legitimação se dá no conceito de soberania popular, constante do preâmbulo da Constituição. Em determinado momento, nós do povo, por meio de nossos representantes, escrevemos um conjunto de normas que nominamos Constituição, para reger nossas vidas sob o prisma individual, político, social e econômico. O fizemos por descontentes com a ordem pretérita, o fizemos por crença em construir um futuro melhor para a presente geração e para as futuras. Com todas as críticas que possa haver sobre o nobre texto, eis o consenso a que se chegou. Se há conflitos a serem resolvidos por meio da hermenêutica, eis reflexo de uma sociedade plural, como é a brasileira.
A norma hipotética fundamental, que nosso caso está refletido na Constituição, conforme supra transcrito, como a primeira norma posta é, juridicamente falando, argumento suficiente para cumprirmos a Carta que nos foi legada, não faz tanto tempo assim. Isso nos faz lembrar de passagem de textos gregos, como o mito da Odisseia e a famosa passagem de Odisseu e as sereias.
O Poder Constituinte Originário é, portanto, um poder de fato, ínsito ao seio social, que quando exercido traduz o poder político (as paixões das ideologias) em poder jurídico (a segurança das instituições).
Várias foram as teorias que visaram explicar a sua titularidade. A historicamente predominante, ao menos até início do Século XXI, é a de que o povo é o titular da vontade soberana do Estado.
O povo exerce esse poder (constituinte material), em regra, por meio de representantes (constituinte formal). Ocorre que por imprevisível que é, não se pode a priori falar que o Constituinte Originário é exercido em número específico de modalidades. Historicamente ele decorre de guerra, revolução, negociação política ou apenas evolução sociopolítica. Entretanto esses não são os meios únicos.
Suas características, sob o prisma jurídico, denotam que o referido Poder é inicial, pois inaugura nova ordem, incondicionado, pois nada conforma sua atuação ação não ser ele mesmo, ilimitado, pois não deve obediência à ordem jurídica que suplante, e autônomo, pois se faz por si só, com suas regras, com seus fins.
A par dessa visão tradicional construiu-se uma doutrina que vincula o Poder Constituinte a condicionantes pré e pós o seu exercício. O Direito Natural, Os Direitos Humanos, O Direito Internacional, são eles elementos de limitação exógena deste Poder. Os fatores reais de poder e o próprio ethos da sociedade em que é exercido também condicionam o devier deste Poder.
Destarte, o referido Poder é aquele que inaugura uma nova ordem política, sendo que todos dos demais poderes naquele extraem o fundamento de suas validades.
Dentre os Poderes Constituídos está presente o Poder Constituinte Derivado, objeto de estudo no próximo tomo.
2 – O PODER CONSTITUINTE DERIVADO
Pela costumeira síntese, transcreve-se trecho da obra de Alexandre de Moraes:
“O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.”[18]
Há críticas quanto à correição do termo: Poder Constituinte Derivado. Como se pode haver algo que é ao mesmo tempo constituinte e derivado?
Bem as ressalta o Ministro Luís Roberto Barroso:
“A referência a poder constituinte, nessa segunda hipótese, justifica-se pela possibilidade efetiva de se alterar a Constituição pelo exercício de tal competência. Mas, no fundo, a terminologia empregada pode ser enganosa. É que, na verdade, o denominado poder constituinte derivado situa-se no âmbito do poder constituído ou instituído, estando juridicamente subordinado a diversas prescrições impostas no texto constitucional pelo constituinte originário. Embora seja consagrada pela doutrina e pela prática, tal designação é tecnicamente problemática. Por essa razão, diversos autores se opõem ao uso da locução “poder constituinte derivado”, ou instituído, quando se tratar do poder de reforma da Constituição.”[19]
Apesar de ser interessante a questão, não é o foco deste trabalho investigar as nuances das nomenclaturas.
Ademais disso, adota-se o conceito de Constituinte Derivado como o que é dependente do Originário, somente existindo se houver previsão deste. A doutrina distingue os conceitos de poder constituinte e poderes constituídos, que bem expressam a dicotomia Constituinte Originário e Constituinte Derivado.
O poder constituinte tem sua expressão no Originário, todos os demais são constituídos, inclusive o Poder Constituinte Derivado e suas modalidades.
Leciona o Professor Paulo Bonavides:
“Costuma-se distinguir o poder constituinte originário do poder constituinte constiuído ou derivado.
O primeiro faz a Constituição e não se prende a limites formais: é essencialmente político ou, se quiserem, extrajurídico.
O segundo se insere na Constituição, é órgão constitucional, conhece limitações tácitas e expressas, e se define como poder primacialmente jurídico, que tem por objeto a reforma do texto constitucional. Deriva da necessidade de conciliar o sistema representativo com as manifestações diretas de uma vontade soberana, competente para alterar os fundamentos institucionais de ordem estabelecida.”[20]
Na mesma linha de raciocínio leciona o eminente Luís Roberto Barroso:
“[...] Poder constituinte originário é o poder constituinte propriamente dito, [...]. Nele se concentra a energia inicial pela que se cria ou se reconstrói um Estado, com a instituição de uma nova ordem jurídica, superadora de uma ideia de Direito preexistente. O poder constituinte derivado, por sua vez, expressa o poder, normalmente atribuído ao Parlamento, de reformar o texto constitucional. Trata-se de uma competência regulada pela Constituição.”[21]
São expressões do Poder Constituinte derivado a Reforma Constitucional, a Revisão Constitucional e o poder de os Entes Federativos (Estados e Distrito Federal) editarem suas próprias constituições.
O principal foco neste trabalho é a análise do poder de reforma entendido como gênero, que possui como espécies a reforma propriamente dita ou emenda e a revisão. Mais adiante adentraremos aos detalhes.
Por enquanto apenas é hora de guardar os conceitos suso exposto de Constituinte Derivado e atentar para a necessidade de um sistema jurídico, fundamentado numa Constituição se atualizar.
É consenso na Doutrina que as Constituições não podem ser imutáveis. Isso, pois, se assim o fossem, logo se tornariam obsoletas, caindo no risco de se tornar a “mera folha de papel” de que falava Lassalle.
“As Constituições não podem ser imutáveis. Os documentos constitucionais precisam ser dotados de capacidade de se adaptarem à evolução histórica, às mudanças da realidade e às novas demandas sociais. Quando não seja possível proceder a essa atualização pelos mecanismos informais descritos acima, será imperativa a modificação do texto constitucional. Se perder a sintonia com seu tempo, a Constituição já não poderá cumprir a sua função normativa e, fatalmente, cederá caminho para os fatores reais do poder. Estará condenada a ser uma Constituição meramente nominal, quando não semântica.”
“É célebre a classificação feita por Karl Loewestein, em sua Teoría de La Constituición, 1986, p. 217-222. Tendo em conta a concordância entre as normas constitucionais e realidade do processo político, classificou ele as Constituições em normativas, nominais e semânticas. A constituição normativa é a que domina efetivamente o processo político, conformando-o a seus comandos. Nesse caso, a “Constituição é como uma roupa que se veste realmente e que assenta bem”. A Constituição nominal é aquela que tem existência válida e legítima, mas a dinâmica de processo político não se submete às suas normas, fazendo com que ela careça de realidade existencial. Nesse caso, a Constituição é como uma “roupa que fica guardada no armário e será vestida quando o corpo nacional tenha crescido”. Por fim, a Constituição semântica não é senão a formalização do poder de fato, que se exerce em benefício exclusivo de seus detentores. “A roupa não é em absoluto uma roupa, mas um disfarce”.” [22]
A Constituição Norte-Americana é paradigmática, com a fórmula de mudança formal do texto constitucional, por meio de um processo legislativo mais elaborado que o de leis ordinárias. A solução foi defendia por James Madison no Federalista n. 43, com os seguintes termos:
“Ela se guarda igualmente contra uma facilidade exagerada que tornaria a Constituição por demais mutável, e contra a dificuldade, também exagerada, que poderia perpetuar as falhas descobertas. Além disso, o governo-geral e os Estados ficam igualmente credenciados para terem a iniciativa de apresentar emendas visando a corrigir os erros que a experiência de qualquer deles tiver revelado.[23]”
Nesses termos, funda-se na teoria e na prática da história das Constituições modernas a possibilidade de se modificar o texto expresso da Constituição, por meio de mecanismo político-legislativo, constituído pelo Originário. Trata-se de proceder mais elaborado que o ordinário confeccionar de leis. Eis o nascedouro da rigidez constitucional. Expressão máxima da supremacia constitucional face às demais normas jurídicas.
Nessa altura podem surgir no leitor as seguintes dúvidas:
Por que reformar uma Constituição e não editar outra?
Mas o que levaria uma geração a aceitar as diretrizes de outra, na lide política cotidiana, décadas, ou mesmo séculos após aquele fôlego constitucional originário?
Há duas razões fundadas no dogma da Supremacia Constitucional que respondem a essas indagações.
Do ponto de vista subjetivo a Constituição é obra do povo, que num determinado momento de forte mobilização popular (quando democrática) e exercício da cidadania, diretamente ou indiretamente, a produz visando construir bases para um futuro melhor.
Vindo desse berço legitimador as Constituições tendem a perenizar-se, sendo menos passíveis de golpes ou revoluções, quando de sua vigência. Essa forte mobilização popular, que supera o status quo anterior, produzindo o seu diploma de liberdade e legitimando uma nova era político-jurídica, justifica o respeito e os esforços a fim de que se proteja e se faça cumprir a Constituição, como o declara o Presidente da República na cerimônia de posse e compromisso para com a nação.
Talvez isso explique por que as Constituições advindas de períodos não democráticos, ao menos nos países ocidentais, tendem a ter existência mais efêmera.
Na experiência brasileira, a Constituição Imperial, é exceção ao que foi dito, já que sua vida fora longa, embora outorgada (1824 a 1889). As bases históricas ajudam a entender o porquê de tal longevidade.
No mais, tudo indica que em nosso momento atual, no Brasil, estamos a solidificar a democracia com uma Constituição promulgada, que apesar de seus vícios já supera a sua antecessora, oriunda de regime não democrático.
Do ponto de vista objetivo a superioridade da Constituição se deve ao seu conteúdo jurídico.
Em seu bojo há normas acerca de limitação do poder, valores fundamentais da sociedade, direitos e garantias fundamentais do ser humano, institutos de atuação democrática e participação popular no poder político, consagrando a soberania popular.
Nestes moldes, há um pré-compromisso uma autolimitação, que a sociedade se impõe, retirando do alcance de futuras maiorias políticas eventuais o poder de eventualmente usurparem os valores e os pilares sobre os quais se fundou uma nova era. Trata-se de proteção necessária contra as paixões políticas e partidárias do processo político ordinário.
Democracia não se resume a governo da maioria; logo, os consensos sobre os quais fundamos o nosso viver, e que tutelam a existência das minorias, igualmente dignas e necessárias no seio social, hão de ser resguardados de paixões e “jogadas” políticas. Isto sem excluir a possibilidade de se ajustar às mudanças sociais.
Verifica-se, pois, que o Poder Derivado encontra seu fundamento no Poder Originário, mas conforme se verá, revela-se de suma importância para a manutenção da obra daquela, para a manutenção e perpetuação da Constituição.
O Poder Constituinte Derivado possui atributos diametralmente opostos aos do Constituinte Originário.
No escólio de Alexandre de Moraes:
“Apresenta as características de derivado, subordinado e condicionado. É derivado porque retira sua força do Poder Constituinte originário; subordinado porque se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais não poderá contrariar, sobe pena de inconstitucionalidade; e, por fim, condicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Federal.”[24]
Não poderia ser diferente, porque tudo o que é derivado não guarda a autonomia daquilo que é originário.
2.3 As ramificações do Poder Constituinte Derivado
O Poder Constituinte Derivado se desdobra no poder de reformar a Constituição e no poder de editar Constituições e Leis Orgânicas, competências essas exercidas pelos estados e Distrito Federal.[25]
Alexandre de Moraes bem discrimina as espécies:
“O Poder Constituinte derivado reformador, denominado por parte da doutrina de competência reformadora, consiste na possibilidade de alterar-se o texto constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria Constituição Federal e será exercitado por determinados órgãos com caráter representativo. No Brasil, pelo Congresso Nacional. Logicamente, só estará presente nas Constituições rígidas [...].
O Poder Constituinte derivado decorrente, por sua vez, consiste na possibilidade que os Estados-membros têm, em virtude de sua autonomia político-administrativa, de se auto-organizarem por meio de suas respectivas constituições estaduais, sempre respeitando as regras limitativas estabelecidas pela Constituição Federal. [...]”[26]
Ressalte-se, mais uma vez, que o poder de Reforma da Constituição é o gênero de que são espécimes as Emendas Constitucionais e as Revisões Constitucionais.
A par dessas há o chamado Poder Constituinte Decorrente, que se traduz no poder que possuem os Entes Federativos (Estados e Distrito Federal) de editarem suas próprias normas maiores (Constituições Estaduais e Lei Orgânica Distrital).
Cada uma dessas figuras será tratada em isolado, por questões didáticas.
2.3.1 Poder Derivado Revisional
Conforme acima exposto a Reforma Constitucional possui duas espécies, a revisão e a emenda.
A revisão se diferencia da emenda pela amplitude. Ao menos é isso que ocorreu no modelo brasileiro.
Eis o escólio de Luís Roberto Barroso:
“Ainda no plano terminológico, a doutrina e as Constituição de diferentes Estados empregam, sem grande uniformidade, os vocábulos “reforma”, “revisão”, e “emenda”. Diante da proximidade semântica desses termos e de seu uso indiscriminado nos variados sistemas, resta a solução de estabelecer, por convenção, o sentido em que serão utilizados, levando em conta a tradição dominante entre nós. Reforma, assim, identifica o gênero alterações no texto constitucional, compreendendo tanto as mudanças pontuais como as mudanças abrangentes. Emenda, no direito constitucional brasileiro, designa modificações, supressões ou acréscimos feitos ao texto constitucional, mediante o procedimento específico disciplinado na Constituição. E revisão é a designação de reformas extensas ou profundas da Constituição. Vale dizer: pode ter dimensão quantitativa ou qualitativa. Ilustra o conceito a revisão que foi prevista – mas não efetivamente concretizada – no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aprovado junto com a Constituição de 1988.”[27]
A determinação da revisão Constitucional na atual Constituição Federal resta expressa no artigo 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.[28]
Trata-se de norma constitucional de eficácia exaurida, da qual se originaram as seis emendas revisionais, todas elas de 1994, que não procederam à profunda reforma do texto constitucional, conforme se esperava e de acordo com a definição doutrinária que a diferencia de uma simples emenda constitucional.
Diante do quadro de hoje, não há mais o Poder Revisional na Carta de 1988, sendo que em se tratando de reforma constitucional somente é correto se falar em Emenda Constitucional.
2.3.2 Poder Derivado Decorrente
A Constituição Federal de 1988 confere aos entes estatais autonomia política[29].
Frise-se que autonomia não se confunde com independência, atributo este da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 4º, da Constituição Federal, bem como atributo dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, nos termos do art. 2º, que expressa o referido termo em contexto semântico outro que o ora estudado.
A autonomia Federativa no Brasil, se desdobra em três pilares, a autonomia administrativa, a autonomia legislativa e a auto-organização.
No presente trabalho apenas esta última nos interessa.
A Auto-Organização é a prerrogativa de criar um próprio sub-ordenamento autônomo, respeitados os limites impostos pelo ordenamento originário, a Constituição Federal, eis um dos primados do pacto federativo.
O artigo 11[30] do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias assim previu que Cada estado, por meio de suas Assembleias Legislativas, com poderes constituintes, teriam o prazo de um ano para que promulgassem suas Constituições, observados os princípios da Constituição da República.
No que tange aos Estados o fundamento do Poder Derivado Decorrente resta expresso no texto permanente da Constituição, no artigo 25.[31]
Em relação ao Distrito Federal, a previsão constitucional do Poder Derivado Decorrente está expressa no artigo 32[32].
Por fim vale a leitura do quanto ensina Luís Roberto Barroso, acerca dessa manifestação do Poder Derivado, o decorrente:
“Cabe, por fim, uma menção ao “poder constituinte decorrente”, expressão que na terminologia do direito constitucional brasileiro designa a competência dos Estados membros da Federação para elaborarem sua própria Constituição. No regime da Constituição de 1988, competência semelhante é desempenhada pelo Distrito Federal e Municípios ao editarem suas leis orgânicas. Essa capacidade de auto-organização é fruto da autonomia política das entidades federadas, que desfrutam de autodeterminação dentro dos limites prefixados pela Constituição Federal. Trata-se, como intuitivo, de uma competência constitucionalmente limitada, por se tratar, tal como o poder de reforma, de um poder constituinte derivado. Por essa razão, as Constituições estaduais – assim como as leis e atos normativos estaduais em geral – sujeitam-se a controle de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Aliás, vale o registro, é em relação às normas constitucionais e infraconstitucionais estaduais que a Corte exerce com maior frequência sua atividade de fiscalização abstrata de constitucionalidade.”[33]
2.3.3 Poder Derivado Reformador
O Poder Constituinte Derivado Reformador refere-se à possibilidade de se alterar formalmente o texto da Constituição.
É como já expresso linhas acima a possibilidade de se alterar formalmente o texto constitucional a fim de que se conforme às novas demandas sociais.
As palavras de Paulo Bonavides são emblemáticas:
“A imutabilidade constitucional, tese absurda, colide com a vida, que é mudança, movimento, renovação, progresso, rotatividade. Adotá-la equivaleria a cerrar todos os caminhos à reforma pacífica do sistema político, entregando à revolução e ao golpe de Estado a solução das crises. A força e a violência, tomadas assim por árbitro das refregas constitucionais, fariam cedo o descrédito da lei fundamental.
[...]
Quem abre caminho pois para a legitimação do conceito jurídico de reforma constitucional – aquele que comete a revisão a uma autoridade ou órgão (poder constituinte derivado designado pela Constituição mesma) – é indubitavelmente Rousseau.
Impetrando nas Considerações sobre o Governo da Polônia uma Constituição sólida, e leis fundamentais “tanto quanto possível” irrevogáveis, o pensador de Genebra descia das alturas metafísicas e abstratas do “Contrato Social” para a planície do bom senso e das realidades evidentes e razoáveis ao declarar que é “contra a natureza do corpo social impor leis que ele não possa revogar”. Completou esse conceito acrescentando logo não ser “contra a natureza nem contra a razão” a possibilidade de revogar tais leis, desde que os façamos com a mesma solenidade empregada no estabelecê-las.
O princípio formulado por Rousseau entra na Constituição francesa de 1791, que solenemente reconhece à Nação o direito imprescritível de mudar a Constituição e fazer a reforma daqueles artigos cujos inconvenientes a experiência houvesse demonstrado. Empregar-se-iam para esse fim os meios previstos pela Constituição mesma. Estava assim assentado o princípio jurídico da reforma constitucional por obra do chamado poder constituinte derivado.”[34]
O Poder Derivado Reformador pode se entendido, portanto, como aquele cuja atribuição é reformar a Constituição.
Sua previsão é expressa no texto da Constituição, fruto do Constituinte Originário, que delimitara as balizas do exercício deste poder, os quais analisaremos mais detidamente no próximo tomo.
Antes disso, contudo, é preciso explorar o conceito de mutação constitucional, a fim de se ter uma visão global dos processos de mudança do texto constitucional.
Este será o tema que agora se explorará.
A Constituição possui normas jurídicas cuja plasticidade permite que a cada geração haja uma releitura destas. Não que isso ocorra com data marcada, pois no dia a dia é possível dizer que a Carta modifica-se de modo lento e gradual e por vezes imperceptível, até que chegada a hora se revele em outra face.
Foulanges possui texto clássico (A Cidade Antiga)[35] que trabalha com a diferença entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos. Percebamos que há duas concepções de liberdade, mas há uma só palavra. Eis o poder, mudar de sentido sem mudar de forma. Cada palavra tem um dom genético de mimetismo, adaptando-se ao contexto em que é interpretada. Por contexto, entendemo-lo em sua acepção lata, abarcando o histórico, o social, o político, até mesmo o utente da linguagem.
Nos quatro primeiros artigos da Carta há inúmeros termos que possuem tal poder mimético: soberania popular, democracia, dignidade da pessoa humana, desenvolvimento nacional, soberania nacional … Não só esses mas inúmeros outros termos deste jaez animam todo o texto constitucional. Daí fica fácil perceber que pode a Constituição mudar de sentido, sem que as palavras sejam alteradas. Eis o fenômeno que passaremos a estudar e que se nomina de Mutação Constitucional.
Por mutação constitucional entende-se a mudança informal da Carta, opondo-se à sua mudança formal, que estudamos como Poder Constituinte Derivado Reformador, de que exsurgem as emendas e revisões.
É também conhecido na doutrina como Poder Constituinte Difuso. Entretanto, com base na diferença entre poder constituinte de poderes constituídos, este poder difuso só pode ser enquadrado no universo dos poderes constituídos. Isso, porque depende de um texto expresso, sobre o qual exercerá seu devir ao longo do tempo. Portanto, pressupõe um poder que lhe antecede que é o Constituinte Originário.
Se pela reforma formal atrelamos o conceito de Poder Derivado, à reforma informal anexamos a noção de Poder Constituinte Difuso (Georges Burdeau). Tal conceito advém da ideia de que o Poder Constituinte, de que é titular o povo, continua presente no cotidiano das práticas institucionais e sociais, ainda que despercebido; há tão somente um estado de latência, que não significa anestesia ou sono. Eis o fundamento de validade da mutação. Ressalte-se que o fato de muitas vezes a mutação advir de instâncias do poder não macula tal fundamento, pois em virtude do art. 1º, p.u., da Constituição Federal, adotamos um modelo de democracia representativa, que muitos classificam de semi-direta, por termos as figuras do plebiscito, referendo e iniciativa popular.
“A conclusão a que se chega é a de que além do poder constituinte originário e do poder de reforma constitucional existe uma terceira modalidade de poder constituinte: o que se exerce em caráter permanente, por mecanismos informais, não expressamente previstos na Constituição, mas indubitavelmente por ela admitidos, como são a interpretação de suas normas e o desenvolvimento de costumes constitucionais. Essa terceira via já foi denominada por célebre publicista francês “poder constituinte difuso”, cuja titularidade remanesce no povo, mas que acaba sendo exercido por via representativa pelos órgãos do poder constituído, em sintonia com as demandas e sentimentos sociais, assim como em casos de necessidade de afirmação de certos direitos fundamentais.[36]”
“Georges Burdeau, Traité de science politique, 1969, v.4.p. 246-247: [...]Há um exercício quotidiano do poder constituinte que, embora não esteja previsto pelos mecanismos constitucionais ou pelos sismógrafos das revoluções, nem por isso é menos real. (…) Parece-me, de todo modo, que a ciência política deva mencionar a existência desse poder constituinte difuso, que não é consagrado em nenhum procedimento, mas sem o qual, no entanto, a constituição oficial e visível não teria outro sabor que o dos registro de arquivo.[...]” [37]
Defendemos, com base em boa doutrina (Konrad Hesse)[38], que Realidade e Normatividade se intermedeiam de tal modo que há uma recíproca influência de uma sobre a outra. Daí a atenção para o fato de os textos não estarem descolados da realidade, prometendo o impossível; daí a necessidade de acreditar na força que possui a norma de influenciar a realidade, a mudança social, operando no microcosmo da mudança dos comportamentos. A mutação constitucional passeia nessa tensão entre realidade e normatividade.
“[…] o Direito influencia a realidade e sofre influência desta. A norma tem a pretensão de conformar os fatos ao seu mandamento, mas não é imune às resistências que eles podem oferecer, nem aos fatores reais de poder. No caso das mutações constitucionais, é o conteúdo da norma que sofre o efeito da passagem do tempo e das alterações da realidade de fato.[...]”[39] (BARROSO, 2010:127)
A mutação opera-se seja pela via dos órgãos oficiais, cujo expoente mor é o STF, seja pelas práticas políticas e sociais que passam a ser aceitas, produzindo-se consenso sobre elas, ainda que implícito. Eis as mudanças de paradigmas.
Contudo, não é ilimitado o poder constituinte difuso. Isso, pois sua legitimidade e sua operabilidade firmam-se sobre dois pilares do constitucionalismo contemporâneo: a rigidez constitucional e a plasticidade de suas normas.
A abertura semântica de muitos dos conceitos desenhados na Constituição já por nós foi tratada. Tratam-se daqueles termos de estrutura aberta ao pensamento em diferentes tempos e espaços, tal como a liberdade. Pela rigidez constitucional, há limites a essa abertura semântica, fincada na estabilidade na ordem constitucional, pautada pela segurança jurídica. A legitimidade deste poder difuso reside em respeitar a identidade constitucional e preservar a democracia (mola propulsora de nossa Carta).
Além dos fundamentos de legitimidade, há de se analisar limites ao poder constituinte difuso, pautados em dois outros pilares: a) as possibilidades semânticas do relato da norma; e b) a preservação dos princípios fundamentais.
Toda estrutura linguística possui seu encadeamento lógico, de tal sorte que negar algo sempre será a negativa de alguma coisa, jamais a permissão. Aqui residem as normas proibitivas. Estas, por impossibilidade lógico-semântica, não podem ser interpretadas em sentido inverso do inicialmente pretendido, transformando o negativo em positivo. É legítimo limitar o alcance, mas muitas vezes o sentido não pode ser modificável, por questões de lógica. Exemplo: dizer que aos militares é vedado o sindicalismo e a greve (art. 142, §3º, IV), não comporta dizer que podem eles, se quiserem, criar sindicatos militares e fazer greves parciais; fere a lógica, dado que o sentido da norma é a vedação. Contudo, entendemos que nada impede que normas preceptivas, em alguns casos possam ser interpretadas como normas permissivas, dado que o sentido é o mesmo (um fazer), mudando-se somente a clave da obrigatoriedade para a faculdade, abrindo-se uma exceção à regra. Mutações não podem ferir as possibilidades semânticas do texto, caso se queira inverter os sinais normativos, é mister convocar o Poder Reformador.
Os princípios fundamentais são a pedra fundamental do Direito, pois estes têm a eficácia irradiante aos demais setores da Constituição e do andar normativo infraconstitucional. Estes dão a identidade da Carta, logo, devem ser preservados, sendo os limites que se baseiam na legitimidade do poder constituinte difuso, de que acima tratávamos, ao tecer sobre identidade constitucional. Esta há de ser preservada. Se se a quiser mudar, há se tirar o Constituinte Originário de sua latência. Isso, pode o povo fazer quando lhe aprouver e juntar forças suficientes para o proceder.
O Direito é meio de mudança social; contudo, não é por ele que se operam as revoluções, por isso os limites às reformas formais e informais. Não se pode interpretar que as cláusulas pétreas deixaram de ser pétreas, pois a palavra abolir, do art. 60, §4º, da Constituição Federal, pode ser interpretada no sentido de não alcançar a noção de suprimir; de modo que suprimir as cláusulas pétreas, tudo bem, ao passo que aboli-las, daí não. Isso é escatológico e inviável. Há limites para este poder informal, assim como os há para o formal. Todos fincados nos seus parâmetros de legitimidade, quais sejam: a identidade constitucional e a preservação da democracia.
2.4.3 A Interpretação e a Mutação
Tradicionalmente define-se que interpretar é determinar ou extrair o sentido e alcance de uma norma. De modo mais arrojado, alguns autores entendem que interpretar é construir a norma, daí porque diferencia-se enunciado normativo de norma. A fórmula seria mais ou menos esta: enunciado (texto) + interpretação = norma [e+i=n].
Hans kelsen[40] de há muito já o vira. Para este autor o texto da norma era a moldura possível que comportaria diversas pinturas em seu interior. Luís Roberto Barroso nos traduz a ideia dizendo que o enunciado normativo nos fornece parâmetros, mas o sentido, as valorações as escolhas dentre os elementos possíveis de interpretação, quem o faz é o intérprete.[41]
Apesar de haver instâncias oficiais de interpretação constitucional, havendo um órgão guardião, somos do entendimento de que a Constituição pode ser e é interpretada por toda a sociedade. É um texto aberto à participação democrática de diversas comunidades, possibilitando, pois, a sua modificação de modo paulatino, não somente pelas instituições oficiais de poder. A antropologia política defende ser possível a política existir sem o Estado, nós aqui pegando este gancho, pensamos que a interpretação da Carta independe do Estado ou mesmo de juristas. Eis umas das faces da democracia pluralista brasileira.
Tendo em conta isso, vemos que a mutação constitucional atua mediante o interpretar de suas normas. Interpretar é de fato construir as possibilidades normativas. A Constituição Federação de 1988, após promulgada, passou a sofrer correntes de interpretação das mais variadas, em que a doutrina qualifica como interpretação construtiva e interpretação evolutiva.
Vejamos o que diz Luis Roberto Barroso sobre o tema:
“A interpretação construtiva consiste na ampliação do sentido ou extensão do alcance da Constituição – seus valores, seus princípios – para o fim de criara uma nova figura ou uma nova hipótese de incidência não prevista originariamente, ao menos não de maneira expressa. Já a interpretação evolutiva se traduz na aplicação da Constituição a situações que não fora contempladas quando de sua elaboração e promulgação, por não existirem nem terem sido antecipada à época, mas que se enquadram claramente no espírito e nas possibilidades semânticas do texto constitutional. A diferença essencial entre uma e outra é está em que na interpretação construtiva a norma alcançará situação que poderia ter sido prevista, mas não foi; ao passo que na interpretação evolutiva, a situação em exame não poderia ter sido prevista, mas, se pudesse, deveria ter recebido o mesmo tratamento.
A mutação constitucional por via da interpretação, por sua vez, consiste na mudança de sentido da norma, em contraste com entendimento preexistente. Como só existe norma interpretada, a mutação constitucional ocorrerá quando se estiver diante da alteração de uma interpretação previamente dada. No caso da interpretação judicial, haverá mutação constitucional, quando, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal vier a atribuir a determinada norma constitucional sentido diverso do que fixara anteriormente, seja pela mudança da realidade social ou por uma nova percepção do Direito.[...]” [42]
O renomado autor entende que a mutação pode operar mudança de sentido da norma.
Há ressalvas a fazer com as bases a seguir expostas. Não se discute aqui o entendimento do douto jurista, apenas se visa, com a humildade e retidão possível, complementar o raciocínio do autor.
Cita-se a mutação pela qual se operou o foro por prerrogativa de função, art. 102, I, b, da Constituição Federal de 1988, mais a súmula 394 do Supremo Tribunal Federal, esta superada em face da mudança de interpretação constitucional.
Trata-se aqui de uma regra que estabelece que membros de poder, tais quais os parlamentares, serão julgado pelo Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns, v.g.. Dantes imaginava-se que uma vez banhado por tal prerrogativa, sempre se estaria, de modo que cessado o mandato, não se cessava a tal garantia. Eis o alcance da súmula 394 do Supremo, ora cancelada.
Repare que falamos alcance e não sentido, uma vez que este (sentido) é claro: dotar alguns membros de poder de certas prerrogativas ratione muneris. O que o Supremo Tribunal Federal fez, foi estabelecer o alcance da norma: somente os titulares de cargo de poder ou também os ex-membros? eis foi a questão. Optou-se por restringir o alcance da norma, mantendo-se o sentido, pois, como dissemos acima, há limites lógico-semânticos para se operar a mutação, de modo que um sentido positivo, estabelecido numa regra, não poderá inverter de polo.
Em palavras mais simples, o proibido, sempre deve ser lido como proibido, ainda que se abra uma exceção ou outra. Todavia, o número excessivo de ressalvas pode tornar o proibido a exceção, de modo que o intérprete deve se atentar a esse fato e ser deferente ao sentido da norma. O vedado é vedado (como regra geral) e ponto.
Também convém lembrar que no plano da interpretação administrativa o Conselho Nacional de Justiça editou Resolução (nº.7), vedando o nepotismo no judiciário e na administração pública em geral, com base no princípio da moralidade (art. 37, da Constituição Federal).
A resolução foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, Ação Declaratória de Constitucionalidade - Medida Cautelar 12, e gerou a súmula vinculante de nº13.
A exegese é a de que nomear para cargos em comissão parentes até o 3º grau civil é inconstitucional, pois viola a moralidade administrativa, além de violar a igualdade e impessoalidade. Tal vedação abarca a troca de favores, o chamado nepotismo cruzado, em que um titular de gabinete nomeia parente de outro, a fim de que este faça o mesmo. Isso fortalece nossa incipiente democracia, estabelecendo diferenças entre o público e o privado, entre o local de trabalho e nossas casas. O que dantes era tolerado passou a ser vedado, mudando-se a direção, o sentido com que antes se interpretava a norma do artigo 37 da Constituição Federal.
Mister frisar que a moralidade é princípio e não regra. Os princípios, possuem, em sua estrutura maior plasticidade, sendo construído com conteúdos abertos. Eles indicam fins, sem, contudo, indicarem os meios; opostamente às regras. Por isso é possível falar que nos princípios há mudança de sentido operada pela mutação constitucional. Foi o caso em tela. Veda-se hoje o que dantes era tolerado ou mesmo permitido, com a seguinte fala, por exemplo: “mas meu sobrinho é qualificado estudou no estrangeiro!”. Independentemente da qualificação do sobrinho, o fato é que este não pode trabalhar no gabinete de seu titio, ocupando cargos comissionados ou de confiança. Eis uma mudança de sinal, do polo positivo (tolerado), a exegese caminhou para o negativo (vedado).
No plano dos princípios isso é plenamente possível, pois as regras deles derivam. Antes se havia regra decorrente da moralidade no sentido de se permitir o que hoje é considerado nepostismo, hoje não mais está aberta essa possibilidade. A regra é outra, decorrente da exegese que se dá ao mesmo príncípio.
Percebe-se que no plano da mutação é mister fazer duas distinções: a que ocorre sobre as regras e a, sobre princípios. Sobre as regras a mutação é mais restrita, dado que estas, por sua natureza estrutural, estabelecem os meios que são norteados pelos princípios informadores de seu escopo. Em relação aos princípios, como não há caminhos predeterminados na norma, havendo somente a indicação do fim, é possível chegar-se ao mesmo resultado por caminhos diferentes. Em linguagem jocosa dizemos: ao Japão é possível chegar, partindo-se do Brasil, seja cruzando o Atlântico, seja cruzando o Pacífico.
Desta feita, as noções sobre interpretação evolutiva e construtiva, entendemos ser aplicadas às regras, pois elas atingem o alcance da norma, não sua direção, seu sentido. Aos princípios, por sua natureza propositadamente aberta, não há se falar em tais categorias, tal como se fala para com as regras, pois a cada interpretação destes pode-se dizer que se os constrói e se os evolui, sendo esta a sua natureza. Isso, pois há neles um núcleo intangível, que a todos nós desfrutantes do mesmo ethos social, é perceptível. Nós sabemos que torturar uma criança para ensiná-la é repugnante e fere o princípio da dignidade da pessoa humana e o da proporcionalidade. Contudo, se se falar que torturar um preso de guerra para falar do paradeiro do inimigo, em tempo de guerra, fere estes princípios, é possível encontrar vozes opostas. Eis um dissenso moral razoável, pois pessoas bem intencionadas e cultas podem produzir diferentes sentidos à norma da dignidade e da proporcionalidade para casos como esse. Há nos princípios um núcleo tangível e uma zona de penumbra em constante instabilidade, que se nos amostra nos casos extremos.
Por estas razões defendemos que a mutação opera-se de modo diferente para as regras e princípios. Naquelas não se pode mudar o sentido lógico-semântico da norma (tornar o proibido em permitido ou preceptivo). O que se muda é o alcance dantes dado a certa norma, como no caso da prerrogativa ratione muneris. Nada impede quem uma reforma formal mude o seu sentido, com respaldo no organismo constitucional.
Quanto aos princípios, por não possuírem caminhos pré-determinados, é mister documentar que os sentidos podem mudar pela mutação constitucional, dado que sua estrutura normativa permite isso.
Em suma: a mutação tem como objeto para as regras o alcance, para os princípios o sentido e alcance.
2.4.4 Meios de Mudança da Constituição por Mutação Constitucional
Vimos que a ferramenta da mutação é a interpretação. Esta pode operar-se via administrativa, v.g., a resolução nº.7 do Conselho Nacional de Justiça, pode operar-se via jurisdicional, sobretudo pelo Supremo Tribunal Federal, v.g, a superação da súmula 394 do Supremo Tribunal Federal, e pode operar-se via legislativa.
Nesta há comentários a fazer.
Ao legislador conferiu o constituinte o poder de desenvolver e concretizar a Carta, regulamentando suas normas. Uma norma pode abarcar mais de uma leitura válida possível e o legislador pode escolher dentre uma delas. Tal escolha é constitucional, embasada pelo art. 2º da Constituição Federal.
É possível que o Legislativo opte por regulamentar determinada norma constitucional em sentido ou com alcance diverso da que foi dada por uma interpretação judicial, ainda que do Supremo Tribunal Federal. Isso, pois cabe o legislador realizar as escolhas políticas. Cabe ao judiciário um exercício de autocontenção e respeito à atividade do legislador.
O tema é controverso, tanto que na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2797, o eminente Sepúlveda Pertence já lavrou ideia oposta, dizendo que a lei ordinária não pode opor-se o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao interpretar a Constituição Federal. A questão de fundo era a prerrogativa de foro por função. Declarou-se a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02, no ponto em que se restabelecia a prerrogativa de função nos termos da súmula 394 do Supremo, que fora superada.
Luís Roberto Barroso critica a posição do Supremo Tribunal Federal, pois ao seu ver houve certo desrespeito às atribuições constitucionais do Legislador[43]. Não houve a chamada autocontenção do judiciário. Eis os problemas que enfrenta o juiz no seu mister constitucional, eis a dificuldade contramajoritária[44].
Há argumentos fortes para os dois lados (a favor e contrário) para se defender o foro por prerrogativa de função, tanto que já fora sumulado. O fato de o legislador ter optado por uma opção possível, ainda que polêmica, merece ser respeitada. Isso, pois não se trata de inconstitucionalidade flagrante. Em casos como este há o judiciário se contentar com o seu papel institucional, contendo-se. Não queremos uma república de juízes.
Outro meio pelo qual se opera a mutação é a dos costumes. Há três modalidades de costume. O praeter legem (preenche lacunas), o contra legem (é oposto ao sentido lógico-semântico do texto) e o secundum legem (de acordo o sentido lógico-semântico do texto).
Entendemos que os costumes contra legem não podem ser tolerados, pois ferem a força normativa da constituição. Isso, pois a mutação, sobretudo em relação às regras, possui seus limites, residentes nas possibilidades lógico-semânticas do texto.
Ademais, os outros são comuns, dado que textos não podem prever tudo.
Alguns exemplos: Pode o Chefe do executivo negar aplicação de lei que considere inconstitucional (isso não está escrito em lugar nenhum). Outro caso é o voto de liderança no Parlamento, sem submissão da matéria ao plenário, tal prática tem por escopo acelerar o processo legislativo, podendo ser enquadrado como praeter legem.
A mudança da percepção do direito, decorrente de alterações fáticas também é um elemento a ser considerado na mutação constitucional.
A realidade e o direito estão sempre em tensão. Logo, mudanças fáticas podem fazer operar mudanças informais do texto constitucional.
Um grupo determinado pode precisar hoje de ações afirmativas, mas no amanhã, não mais. Tal mudança pode mudar o sentido de se interpretar o princípio da igualdade para esses grupos.
“ … o Supremo Tribunal Federal reconhece a influência da realidade na determinação da compatibilidade de uma norma infraconstitucional com a Constituição. E, a contrario sensu, admitiu que a mudança da situação de fato pode conduzir à inconstitucionalidade de norma anteriormente válida. Citam-se a seguir dois precedentes. A corte entendeu que a regra legal que assegura aos defensores públicos a contagem em dobro dos prazo processuais deve ser considerada constitucional até que as Defensorias Públicas dos Estados venham a alcanças o nível de organização do Ministério Público. Em outra hipótese, o STF considerou que o art. 68 do Código de Processo Penal ainda era constitucional, admitindo que o Ministério Público advogasse em favor da parte necessitada para pleitear reparação civil por danos decorrentes de ato criminoso, até que a Defensoria Pública viesse a ser regularmente instalada em cada Estado.[45]”
A mutação e suas nuances nos ensina que o processo de mudança da Constituição vias informais é tão importante quando o das vias formais. Isso, pois areja o sistema e permite sua continuidade.
Entretanto, somente a mutação não consegue responder aos anseios de uma sociedade regida por uma extensa constituição, mormente em sendo considerados os limites, sobretudo semânticos, referentes ao exercício da mutação constitucional.
Portanto, a par dela, é imprescindível que figure mecanismo formal de alteração do texto constitucional.
O Poder Constituinte Derivado possui três subespécies, o Revisional, o Decorrente e o Reformador.
Restou consignado que a Revisão Constitucional, de acordo com a tradicional doutrina brasileira, é entendida como uma reforma mais profunda. Entretanto, na atual Carta, as seis emendas revisionais não alteram profundamente a Constituição de 1988. Houve reformas mais drásticas a esta em emendas constitucionais “normais”, a exemplo das Reforma Previdenciária e Reforma do Judiciário. Por fim, mister frisar que esta modalidade de Poder Derivado resta exaurida, dado que sua previsão já fora praticada, não havendo mais a possibilidade de nova revisão.
Também se investigou que os Estados e o Distrito Federal (alguns incluem os Municípios) também exercem o Poder Constituinte Derivado, na subespécie Decorrente. Este traduz-se no poder de elaborar suas Constituições e Lei Orgânica, corolários estes do princípio da auto-organização, basilar no Federalismo Nacional.
Argumentou-se que a reforma constitucional é imprescindível para a continuidade da Constituição. Uma sociedade deve ter o poder de reformar suas leis, nas palavras de Rousseau. Bonavides bem destaca o que se diz. Uma Constituição imutável é caminho aberto a revoluções, que via de regra deixam rastros de sangue, dado que convulsões políticas sempre envolvem paixões humanas. O Direito existe justamente para evitar essas convulsões e os derramamentos de sangue. Logo, deve prever mecanismos de toda ordem, a fim de evitá-los, uma deles é a reforma à Constituição, que visa justamente atualizá-la, evitando a banalização do exercício do Poder Constituinte Originário que acabaria por gerar desordem e insegurança.
Ademais, abordou-se o Poder Constituinte Difuso, que não deixa de ser um poder constituído, pois é dependente de manifestação prévia de poder.
Entendemos neste trabalho que a mutação é uma das vias da reforma constitucional, uma via informal, a par da via formal, resultante das emendas constitucionais.
Ambas se complementam e permitem maiores influxos de mudanças constitucionais necessárias à manutenção do status quo.
Nas linhas que seguirão a análise recairá nas limitações à reforma da constituição, reforma esta formal, dado que já foram exploradas as limitações da reforma informal, a mutação.
3. LIMITES AO PODER DE REFORMA
A reforma formal da Constituição de 1988 está prevista no artigo 60 do texto permanente[46].
Por ser Derivado de um Poder maior que lhe antecede, neste encontra limites.
Nas precisas lições de Luís Roberto Barroso, assim resta expresso:
“Como já registrado em diversas passagens, o poder constituinte originário é, na sua essência, um fato político que se impõe historicamente, não sofrendo qualquer limitação da ordem jurídica preexistente. Mesmo quando não tenha natureza revolucionária, ele envolverá sempre uma ruptura com o passado. Diversa é a situação do poder de reforma constitucional, que configura um poder de direito, regido pela Constituição e sujeito a limitações de naturezas diversas. Sua função é a de permitir a adaptação do texto constitucional a novos ambiente políticos e sociais, preservando-lhe a força normativa e impedindo que seja derrotado pela realidade. Ao fazê-lo, no entanto, deverá assegurar a continuidade e a identidade da Constituição.
Encontrando fundamento na Constituição e sendo por ela disciplinado, o poder reformador é, na verdade, uma competência juridicamente vinculada. Como consequência, afigura-se natural e lógico que esteja sujeito aos diferentes mecanismos de controle de constitucionalidade. No direito brasileiro, tal possibilidade é mais do que puramente teórica: O Supremo Tribunal Federal já admitiu inúmeras ações diretas de inconstitucionalidade contra emendas constitucionais, tendo acolhido diversas delas. [...]
Em síntese: o poder reformador, frequentemente referido como poder constituinte derivado, é um poder de direito, e não um poder soberano. Por via de consequência, somente poderá rever a obra materializada na Constituição Originária observando as formas e parâmetros nela estabelecidos. Essa é a prova, aliás, de que o poder constituinte originário, mesmo na sua latência, continua a se fazer presente. Os limites impostos ao poder de emenda ou de revisão da Constituição costuma ser sistematizados pela doutrina em temporais, circunstanciais, formais e materiais.”[47]
Na mesma linha de raciocínio, Paulo Bonavides, com síntese que lhe é peculiar, escreve:
“O poder de reforma constitucional exercitado pelo poder constituinte derivado é por sua natureza jurídica mesma um poder limitado, contido num quadro de limitações explícitas e implícitas, decorrentes da Constituição, a cujos princípios se sujeita, em seu exercício, o órgão revisor.”[48]
Com base nas premissas desses eminentes juristas seguimos à análise de cada uma das limitações ao poder de reforma.
Tais limitações tratam do procedimento formal que deve seguir o reformador. No Brasil, somente pode-se emendar a Constituição mediante 3/5 dos votos de cada casa do Parlamento, em dois turnos, cada votação. Acaso não se observem os ritos, pode-se falar emenda constitucional inconstitucional por vício de forma.
“Da rigidez constitucional resulta a existência de um procedimento específico para a reforma do texto constitucional, que há de ser mais complexo do que o adotado, para a aprovação da legislação ordinária. Esse procedimento envolverá, normalmente, regras diferenciadas em relação à iniciativa, ao quórum de votação das propostas de emenda e às instâncias de deliberação. …
No Brasil, a Carta Imperial de 1824, de caráter semirrígido, previa que a reforma de dispositivo constitucional seria mediada por uma eleição, cabendo à legislatura seguinte a ratificação da mudança ou adição.”[49]
São os seguintes requisitos formais para a alteração de norma constitucional, conforme sistematiza Barroso[50]:
1 – iniciativa – a reforma do texto constitucional depende dos seguintes legitimados: 1/3 (no mínimo) dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do Presidente da República; ou de mais da metade das Assembleias Legislativas dos Estados;
2 – quórum de aprovação – 3/5 dos votos dos membros de cada Casa do Congresso;
3 – procedimento: votação em cada Casa, em dois turnos.
Se aprovada, a promulgação será pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Não estando sujeito à aprovação do Presidente da República, cuja participação ocorre como o único detentor da iniciativa individual.
“ … O Supremo Tribunal Federal já exerceu controle de constitucionalidade sobre a correção formal do procedimento de aprovação de emenda à Constituição. Primeiramente, assentou a Corte que a tramitação do projeto de emenda não envolve questão meramente regimental – interna corporis -, sendo tema de clara estatura constitucional. Em outras decisões, pronunciou-se no sentido de que o início da tramitação da proposta de emenda pode dar-se tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, tendo em vista que a Constituição confere poder de iniciativa aos membros de ambas as Casas. A propósito da necessidade de aprovação da proposta de emenda por ambas as Casas, a regra é a de que, havendo modificação do texto em uma delas, a proposta deve retornar à outra. Nada obstante, a Corte firmou entendimento no sentido de que o retorno à Casa de origem somente é imperativo quando a alteração seja substancial, e não na hipótese de mudanças redacionais, sem modificação de conteúdo.” (Adin. 2666/DF e Adin 2031/DF).[51]
Portanto, as limitações formais subdividem-se em iniciativa, quórum de aprovação e promulgação.
Tratam-se dos elementos do devido processo legislativo de reforma constitucional.
3.3 Limitações Circunstanciais
A constituição somente pode ser reformada em tempos de estabilidade institucional, para evitar casuísmos que provoquem nefastos efeitos na ordem jurídica e, por consequência, na vida das pessoas. Por isso não se reforma o ordenamento constitucional em tempos de intervenção federal, estado de sítio e estado de defesa. (artigo 60, §1º, da Constituição Federal).
“Os limites circunstanciais impedem a reforma da Constituição em momentos de anormalidade institucional, decorrentes de situações atípicas ou de crise.”[52]
No mesmo sentido, Bonavides ensina:
“Uma segunda modalidade de limitação expressa é aquela que se prende a determinadas circunstâncias históricas e excepcionais na vida de um país. Ordinariamente configuram um estado de crise que torna ilegítimo nessas ocasiões empreender qualquer reforma constitucional.”[53]
Pensando o Estado Nação como nossa casa, nosso lar, podemos construir a seguinte alegoria: não se reforma as estruturas do Estado em tempos instáveis, que são representados pelo Estado de Defesa, Estado de Sítio e Intervenção Federal, todas essas hipóteses extraordinárias numa democracia federativa.
Como a atual Carta Política não possui essa referida limitação, sua análise é feita apenas para fins didáticos, de cultura jurídica.
Apenas se ressalva que tais limitações não se podem confundir com as adrede expostas. Limitação temporal, conforme se verá, em nada se confunde com limitação circunstancial.
“Limitações temporais têm por objeto conferir estabilidade ao texto constitucional por um período mínimo ou resguardar determinada situação jurídica por um prazo prefixado. Eles se destinam, normalmente, a conter reações imediatistas à nova configuração institucional e a permitir que a nova Carta possa ser testada na prática por um tempo razoável. …
… No Brasil, a Constituição Imperial, de 1824, continha limitação temporal expressa em relação à sua reforma, que somente poderia ser feita depois de ‘passados quatro anos’. Nas inúmeras Constituições brasileiras subsequentes não foi incluída disposição contendo restrição temporal dessa natureza. A maioria das Constituições do mundo pode ser reformada a qualquer tempo, sem previsão de limites temporais.”[54]
Trata-se, pois, de um lapso de tempo (quarentena) na qual a Constituição não poderá ser reformada.
O fundamento é evitar que paixões ainda evidentes no período imediato e pós constituinte tentem reformar indevidamente a Carta aprovada.
Trata-se de instituir um período de teste.
Dentro das limitações materiais, que se referem ao conteúdo da norma, a doutrina divide as limitações que restam expressas do texto constitucional e aquelas implícitas.
As limitações materiais expressas, como as cláusulas pétreas: voto direto, secreto, universal e periódico; forma federativa do Estado; separação e harmonia entre os poderes constitucionais; direitos e garantias individuais.
“ […] para que haja sentido na sua preservação, uma Constituição deverá conservar a essência de sua identidade original, o núcleo de decisões políticas e de valores fundamentais que justificaram sua criação. Essa identidade, também referida como o espírito da constituição [...]
“[...] São as denominadas cláusulas de intangibilidade ou cláusulas pétreas, nas quais são inscritas as matérias que ficam fora do alcance do constituinte derivado.”[55]
Dentre as denominas cláusulas pétreas a que proíbe a abolição do voto, direto, secreto, universal e periódico é a única cláusula que não é principiológica, não apresentando grandes problemas em sua interpretação.
Em relação às demais cláusulas de intangibilidade, não há uníssono na doutrina.
A separação e harmonia dos Poderes é problema em aberto desde Aristóteles.
A forma federativa de Estado envolve a repartição de competências, a autonomia de cada ente e a participação deles na formação da vontade do ente global, a União. Tais pilares são tão fluidos quando a separação dos poderes, variando em sua interpretação de acordo com o espaço e com o tempo.
Já nos direitos individuais, há os que sustentem abarcarem os direitos fundamentais em suas quatro gerações (liberdades individuais e políticas, direitos sociais, direitos difusos e coletivos e direito à democracia e ao desenvolvimento). Parte da doutrina menciona que tal norma apenas abarca os chamados direitos individuais (os de primeira geração). Há polêmica, que é contornada pelo reconhecimento de limitações implícitas, conforme adiante veremos.
Cabe frisar que as cláusulas pétreas hão de ser interpretadas com a devida cautela, dando os espaços às devidas reformas constitucionais. Se do contrário fosse, interpretação extremamente rígida dessas normas, impedir-se-iam as reformas necessárias a manter a normatividade da Constituição. Ao mesmo tempo que funcionam como protetoras do espírito da Constituição, podem ser a causa de seu descompasso com a realidade, tornando-a o que Loewenstein denomina de constituições semânticas, que seriam o equivalente à “mera folha de papel” de Lassalle. As divergências sobre tão delicado ponto na Carta Maior não estão próximas de ser resolvidas, e de nevrálgicas que são é natural que não o sejam.
Após a 2ª grande guerra que se começou a adotar nas Constituições escritas limitações expressas ao poder de reforma constitucional, isso como uma resposta aos modelos totalitaristas que assolaram a Europa, a exemplo do nazismo.
Essas cláusulas de intangibilidade repousam em dois pilares que as legitimam: a identidade constitucional e o Estado Democrático de Direito.
A Constituição que inaugura nova era político-jurídica tem suas bases identificadoras, características do tempo que superou e do futuro que espera construir. Se se pudesse alterar essa estrutura, o seu espírito estaria a modificar-se, não se podendo falar mais que seja a mesma Carta, mas sim, poder-se-á falar em mesma Carta apenas formalmente, pois em espírito é outra.
Esse constitucionalismo é justamente o que se visou superar após 1945, pois permite que atrocidades sejam cometidas no bojo da legalidade, ainda que por total, seja deslegitimado. Logo, as bases de uma identidade constitucional ligam-se ao que na teoria chamamos de rigidez constitucional. Mesmo reformada, uma constituição rígida mantém seus alicerces, permanecendo o mesmo edifício político-jurídico.
A relação entre limites materiais expressos e a Democracia é bem sintetizada por Barroso, nas seguintes palavras:
“Relembre-se que o constitucionalismo se funda na limitação do poder e na preservação de valores e direitos fundamentais. A democracia, por sua vez, é um conceito construído a partir da soberania popular, em cujo âmbito se situa a regra majoritária. Assim sendo, sempre que se impede a prevalência da vontade da maioria produz-se, automaticamente, uma tensão com o princípio democrático.
Essa tensão pode se superada, no entanto, pela percepção de que a democracia não se esgota na afirmação simplista da vontade majoritária, mas tem outros aspectos substantivos e procedimentais de observância obrigatória. Os limites materiais têm por finalidade, precisamente, retirar do poder de disposição das maiorias parlamentares elementos tidos como pressupostos ou condições indispensáveis ao funcionamento do Estado Constitucional Democrático. As cláusulas pétreas ou de intangibilidade são a expressão mais radical de auto-vinculação ou pré-compromisso, por via da qual a soberania popular limita o seu poder no futuro para proteger a democracia contra o efeito destrutivo das paixões, dos interesses e das tentações. Funcionam, assim, como a reserva moral mínima de um sistema constitucional.”[56]
Convém ressaltar que as cláusulas pétreas não são normas hierarquicamente superiores dentro da própria Constituição em relação as demais normas. Isso feriria o princípio da unidade da Constituição.
O que envolve a intangibilidade dessas normas, situa-se no plano de sua justificação: identidade constitucional e Estado Democrático de Direito.
Esses dois elementos que sustentam a inalterabilidade de determinadas normas legitimam a Constituição como expressão máxima de um povo, num momento de especial mobilização civil. Logo, a querela entre reformas constitucionais (democracia majoritária) e cláusulas pétreas se resolve no plano da validade e não no plano da hierarquia. É um dogma necessário ao sistema, a fim de diferenciar o constituinte do constituído; o movimento cívico político-jurídico extraordinário da política ordinária das legislaturas.
“Pelo princípio da unidade da Constituição, inexiste hierarquia entre normas constitucionais originárias, que jamais poderão ser declaradas inconstitucionais umas em face das outras. A proteção especial dada às normas amparadas por cláusulas pétreas sobrelevam seu status político ou sua carga valorativa, com importantes repercussões hermenêuticas, mas não lhes atribui superioridade jurídica. No direito brasileiro, há jurisprudência específica sobre o ponto.” [57]
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº815, colhe-se o seguinte ensinamento:
“Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para a sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se imponha ao próprio Poder Constituinte originário com relação às outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas.” (Moreira Alves)
Portanto, o núcleo intangível da Constituição liga-se à necessidade de sua preservação, sobretudo, da preservação de sua identidade, que é a continuidade material que a nova ordem visou inaugurar.
Convém ressaltar que a finalidade de se prever um núcleo intangível é a mesma de ser prever a reforma constitucional, qual seja, a preservação do status quo.
Ademais, a intangibilidade mencionada refere-se à impossibilidade de se suprimir os elementos considerados como cláusulas pétreas. Nada impede que no rol destes sejam acrescidos direitos que confiram maior proteção àqueles que convivem numa mesma ordem. Exemplo disso foi a Emenda Constitucional nº 45, que adicionou no rol dos direitos individuais a garantia da razoável duração do processo. Ora, majorou a proteção já gozada pelos indivíduos, sendo esse tipo de reforma viável e sempre bem vinda.
O escopo das cláusulas pétreas é evitar a supressão de direitos e garantias que descaracterizem o espírito a identidade da Carta Política.
Há, ainda, as chamadas limitações materiais implícitas, que decorrem dos próprios fundamentos da Constituição. A doutrina e jurisprudência não são unânimes quanto aos pontos fundamentais implícitos da Carta Maior.
Podemos ressaltar, com base nos ensinamentos de Luís Roberto Barroso, os seguintes limites implícitos[58]:
1 – os direitos e garantias fundamentais;
2 – o titular do poder constituinte originário, o povo;
3 – o titular do poder reformador; e
4 – o procedimento que disciplina o poder de reforma, porque este, como um poder delegado pelo constituinte originário, não pode alterar as condições da própria delegação.
Também é possível extrair da doutrina nacional que:
1 - os princípios constitucionais sensíveis;
2 – o regime democrático;
3 – a forma republicana, pois já passou a época de se repensar nossa forma de governo (art. 2º do ACT);
O pioneiro em reconhecer essas limitações implícitas ao poder de reforma constitucional, no Brasil, foi o ilustre Nelson de Souza Sampaio, no famoso texto: O poder de reforma constitucional. Neste o autor expõe seu entendimento sobre o que chama de limitações materiais inerentes ou naturais. Sua pesquisa é fio condutor dos posteriores estudos sobre o tema e reconhecida expressamente pelos autores que investigam o assunto.
O Supremo Tribunal Federal já entendeu que invocando a seguinte norma; “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime por ela adotados” (artigo 5º,§2º, da Constituição Federal), que há direitos fundamentais protegidos, fora do rol do artigo 5º, tendo por fulcro interpretação extensiva do artigo 60, §4º. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939/DF – Assunto: princípio da anterioridade tributária é garantia fundamental do indivíduo).
Paulo Bonavides debruçando-se sobre o tema, assim já escreveu:
“Essas limitações tácitas são basicamente aquelas que se referem à extensão da reforma, à modificação do processo mesmo de revisão e a uma eventual substituição do poder constituinte derivado pelo poder constituinte originário.
Quanto à extensão da reforma, considera-se, no silêncio do texto constitucional, excluída a possibilidade de revisão total, porquanto admiti-la seria reconhecer ao poder revisor capacidade soberana para ab-rogar a Constituição que o criou, ou seja, para destruir o fundamento de sua competência ou autoridade mesma. Há também reformas parciais que, removendo um simples artigo da Constituição, podem revogar princípios básicos e abalar os alicerces de todo o sistema constitucional, provocando, na sua inocente aparência de simples modificação de fragmentos do texto, o quebramento de todo o espírito que anima a ordem constitucional.
Trata-se em verdade de reformas totais, feitas por meio de reformas parciais. [...]”[59]
Novamente enfatiza-se que se deve proteger a identidade da Constituição em face da manifestação do Poder Reformador. Este jamais poderá ter maiores poderes que o Originário, sob pena de inverter a ordem natural do sistema, convertendo-se em verdadeiro poder constituinte originário.
Vê-se, pois, que as limitações materiais guardam duas ordens, aquelas que o próprio texto constitucional determina, as chamadas cláusulas pétreas; e aqueloutras que ressaem da construção doutrinária e análise mais detida dos fundamentos e alicerces da nova ordem instituída pela Carta de 1988.
A tese da dupla revisão consiste em, teoricamente, permitir que sejam reformadas as cláusulas intangíveis de uma Constituição, para posteriormente se proceder à reforma dantes vedada.
Tal teoria não é aceita pela doutrina predominante do Brasil.
Nas sábias palavras de Luís Roberto Barroso:
“[...] Na medida em que as cláusulas pétreas representem o núcleo de identidade e a reserva moral de uma dada ordem constitucional, devem elas ser imunes à possibilidade de reforma. Se o poder constituinte derivado puder alterar as regras acerca do seu próprio exercício, ele se torna onipotente, convertendo-se indevidamente em originário.[...][60]”
Na mesma linha de raciocínio, Paulo Bonavides comenta:
“[...] levanta-se a questão de saber se o poder revisor é competente para modificar o próprio sistema de revisão. Colhe-se a esse respeito uma resposta negativa da maioria dos publicistas, uma vez que consentir na possibilidade dessa alteração seria conferir ao poder constituinte derivado características que ele não possui de poder constituinte originário. Dotado de competência ilimitada e soberana, esse último poder é o único com a faculdade legítima de alterar o procedimento reformista.”[61]
Portanto, a tese da dupla revisão não é aceita pela doutrina majoritária no Brasil, sendo um desdobramento dos limites materiais implícitos ao Poder de Reforma.
Não poderia ser diferente. Para preservar a identidade constitucional, mister proteger o núcleo rígido da Carta, a fim de manter o espírito constituinte. Afinal, conforme se analisa neste trabalho, o escopo de se prever o Poder de Reforma é promover a manutenção do status quo, e não o suplantar a pretexto de proceder à (pseudo) reforma parcial.
3.7 Reforma Constitucional e Direito Adquirido
Em nosso ordenamento tutelamos constitucionalmente o chamado direito adquirido[62].
Eis cláusula que denomina o princípio da segurança jurídica, esta necessária à liberdade. O ponto é envolto de polêmica, mas possui um ponto de consenso: os eventos que já ocorreram e se consumaram não são atingidos por lei posterior.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº493/DF, o Ministro Moreira Alves, assim leciona:
“A retroatividade pode assumir três formas: máxima, média e mínima, todas inválidas. O STF bem sistematizou a matéria da Revista Trimestral de Jurisprudência, 143:744-5, 1993, Adin 493/DF, Rel. Min. Moreira Alves, onde assentou o relator: ‘Quanto à graduação por intensidade das espécies de retroatividade são três: a máxima, a média e a mínima. Matos Peixoto, em notável artigo – Limite Temporal da Lei – publicado na Revista jurídica da antiga Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (vol. IX, págs. 9 a 47), assim as caracteriza: ‘Dá-se a retroatividade máxima (também chamada restitutória, porque em geral restitui as partes ao status quo ante), quando a lei nova ataca a coisa julgada e os fatos consumados (transação, pagamento, prescrição). Tal é a decretal de Alexandre III que, em ódio à usura, mandou os credores restituírem os juros recebidos. À mesma categoria pertence a célebre lei francesa de 2 de novembro de 1793 (12 de brumário ano II), na parte em que anulou e mandou refazer as partilhas já julgadas, para os filhos naturais serem admitidos à herança dos pais, desde 14 de julho de 1789. A carta de 10 de novembro de 1937, art. 95, parágrafo único, previa a aplicação da retroatividade máxima, porquanto dava ao parlamento a atribuição de rever decisões judiciais, sem executar as passadas em julgado, que declarassem inconstitucional uma lei.
A retroatividade é média, quando a lei nova atinge os efeitos pendentes do ato jurídico verificado antes dela, exemplo: uma lei que limitasse a taxa de juros e não se aplicasse aos vencidos e não pagos.
Enfim a retroatividade é mínima[63] (também chamada temperada ou mitigada), quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos atos anteriores produzidos após a data em que ela entre em vigor. Tal é, no direito romano, a lei de Justiniano (C.4, 32, de usuris, 26 2 e 27 pr.), que corroborando disposições legislativas anteriores, reduziu a taxa de juros vencidos após a data da sua obrigatoriedade. Outro exemplo: o Decreto-lei n. 22.626, de 7 de abril de 1933, que reduziu a taxa de juros e se aplicou, ‘a partir da sua data, aos contratos existentes, inclusive aos ajuizados (Art.3º)’ (págs. 22/23).”
O Supremo Tribunal Federal adota, o princípio do tempus regit actum, que determina que os atos realizados sob os auspícios de uma lei, há de por ela continuar a ser regido. O italiano Gabba possui a mesma ótica, os efeitos futuros de atos pretéritos devem continuar a ser regidos pela lei que disciplinou a sua causa. Essa posição é oposta à do Francês Paul Roubier, que é adepto do retroatividade mínima, ou seja, eficácia imediata da lei, como preferia chamar.
Para entender o tema mister se faz diferenciar a expectativa de direito do direito adquirido.
A expectativa de direito identifica a situação e que o ciclo de eventos previstos para a aquisição não se completou, embora já iniciado. Sobrevindo nova norma jurídica, não se produz o efeito previsto na norma anterior, pois seu fato gerador não se aperfeiçoou. É o exemplo do direito a aposentadoria. Começado o período de labor oficial e com as devidas contribuições sociais quitadas, inicia-se o processo de adquirir-se o direito à aposentadoria. Contudo enquanto os requisitos constitucionais não se tiverem implementado: tempo de serviço e tempo de contribuição, não se há falar em direito a aposentadoria, mas sim a mera expectativa desta.
O direito adquirido é a situação em que o fato aquisitivo do direito já aconteceu por inteiro, mas por alguma razão os seus efeitos não se operaram. Nessa hipótese a Constituição assegura a regular produção de seus efeitos, tal como previsto na norma que regeu a gênese da situação jurídica subjetiva, já integrada ao patrimônio do indivíduo. A exemplo da aposentadoria: em que o cidadão complementa a idade e o tempo de contribuição e continua na ativa, lei posterior não lhe poderá desconstituir o seu já incorporado direito de se aposentar quando lhe aprouver.
O direito consumado é uma etapa posterior em relação ao direito adquirido, é aquele que já produziu os seus efeitos, exaurindo-se. Exemplo é do cidadão que se aposentou, após preenchidos os requisitos constitucionais.
As alterações legislativas não alteram o direito consumado e o direito adquirido, somente refletindo nas chamadas expectativas de direito.
O exemplo da aposentadoria é bom, pois foi o que ocorreu quando da implementação da Emenda Constitucional nº 20 de 1998, que alterou os requisitos de aposentadoria para os servidores públicos civis. Antes desta emenda bastava que se somasse o tempo de contribuição, a fim de lograr a aposentadoria. Após, a idade passou a ser um segundo critério para cômputo da aposentadoria. Porém tal requisito somente afetou aos que tinham a mera expectativa de direito de se aposentar somente pelo tempo de contribuição, aos que já tinham adquirido o direito à aposentadoria, ainda que não a usufruindo, não tiveram suas situações jurídica modificadas, pela tutela constitucional do direito adquirido, corolário da segurança jurídica.
Convém que não é uníssono na doutrina a proteção dos direitos adquiridos em face de reformas constitucionais, já que o art. 5º, XXXVI fala em ‘lei’, dando-se, pois, ao termo ‘lei’ interpretação restrita. Essa corrente doutrinária é minoritária, embora conte com nomes de peso com Daniel Sarmento, Celso Ribeiro de Bastos, Ives Gandra Martins.
A corrente majoritária entende pela inclusão das emendas constitucionais quando da interpretação da palavra ‘lei’, da referida norma. Cabe, contudo, documentar que contemporaneamente tem havido abrandamentos na interpretação do princípio da segurança jurídica, carreado na norma fundamental. Eis dois excertos de peso em nossa doutrina e jurisprudência.
“Parte da doutrina tem procurado lidar com algumas dificuldades trazidas pelas questões afetas ao direito adquirido sustentando que ele não se encontra protegido contra a ação do poder constituinte reformador. Como consequência, a lei não poderia prejudicar o direito adquirido, mas a emenda constitucional, sim. Tal ponto de vista serve-se da literalidade do dispositivo para enfrentar o conhecimento convencional na matéria. Tradicionalmente minoritária na doutrina, e identificada com uma visão mais conservadora ou menos garantista, essa linha de entendimento recebeu algumas adesões significativas em período mais recente. Nosso ponto de vista, no entanto, é o de que tal posição é ideologicamente sedutora, mas dogmaticamente problemática. Daí nossa preferência pela alternativa da interpretação tecnicamente adequada da cláusula do direito adquirido, de modo a proteger o seu núcleo essencial, mas não toda e qualquer manutenção do status quo.”[64]
No mesmo sentido o Supremo já fundamentou:
“Uma interpretação sistemática da Constituição, a partir dos ‘objetivos fundamentais da República’ (CF, art. 3º), não lhes pode antepor toda a sorte de direitos subjetivos advindos da aplicação de normas infraconstitucionais superadas por emendas constitucionais, que busquem realizá-los. Intuo, porém, que um tratamento mais obsequioso há de ser reservado, em linha de princípio, ao direito fundamental imediatamente derivado do texto originário da Constituição, quando posto em confronto com emendas constitucionais supervenientes: nesta hipótese, a vedação a reformas tendentes a aboli-lo – baseada no art. 60, §4º, IV da Lei Fundamental – já não se fundará apenas na visão extremada –e, ao cabo, conservadora – do seu art. 5º, XXXVI, mas também na intangibilidade do núcleo essencial do preceito constitucional substantivo, que o consagrar.”[65]
Convém ainda firmar o conceito de regime jurídico na problemática ora estudada. É muito comum nas relações entre servidores e a Administração Pública. Vejamos os comentários do mestre Barroso (2010:186/187):
“Cumpre fazer uma nota final sobre o que se convencionou denominar regime jurídico. Nessa locução se traduz a ideia de que não há direito adquirido à permanência indefinida de uma mesma disciplina legal sobre determinada matéria. Por exemplo: ninguém poderá defender-se em uma ação de divórcio alegando que se casou em uma época em que o casamento era indissolúvel, pretendendo ter direito adquirido à permanência daquele regime jurídico. No direito constitucional e administrativo, o exemplo mais típico é o da relação entre servidor e a entidade estatal à qual se vincula. O fato de haver ingressado no serviço público sob a vigência de determinadas regras não assegura ao servidor o direito à sua imutabilidade. Embora a jurisprudência seja casuístia na matéria, é corrente a afirmação de eu há regime jurídico – e consequentemente, não há direito adquirido – quando determinada relação decorre de lei, e não de ato de vontade das partes, a exemplo de um contrato.”[66]
Conclui-se que as Emendas Constitucionais, em regra, não podem afetar o direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada, pois violaria a segurança jurídica, nos termos da doutrina predominante.
A par disso, as meras expectativas de direito e os regimes jurídicos são sim influenciados pelo Poder de Reforma. A questão de haver uma regra de transição é faculdade sempre bem vinda, para ser modulada de acordo com o nível das expectativas já geradas, tal como ocorreu com as Emendas Constitucionais da Reforma da Previdência Pública.
Se se advogar que não há direito adquirido em face de emenda constitucional, macular-se-á de tal sorte a segurança jurídica, que o Poder de Reforma produziria efeito transverso ao seu fim, a estabilidade da Constituição Vigente.
Pode-se entender que a tutela do direito adquirido é mais um dos limites materiais dispostos na Constituição ao Poder de Reforma.
3.8 A Reforma Constitucional como meio de perpetuação do sistema jurídico-constitucional
Das linhas acima é possível notar que o Poder de Reforma Constitucional é deveras importante para a manutenção do sistema jurídico instituído pela Constituição.
Dois são os motivos que permitem essa conclusão.
Primeiro, pois os mecanismos de reforma põem em prática as alterações por que anseia a sociedade. Exemplo prático bem emblemático foi a reforma introduzida pela Emenda Constitucional nº45, que visou modernizar o Judiciário. Foi fruto do chamado Primeiro Pacto Republicano, consequência dos esforços dos três Poderes, para fins de modernizar o Estado, conferindo maior credibilidade às instituições.
Vejamos como é noticiado esse pacto no sítio do Supremo Tribunal Federal:
“A primeira edição do Pacto Republicano, celebrada após a promulgação da Emenda Constitucional 45, teve como objetivo principal a viabilização de um Judiciário mais rápido e mais sensível às demandas da cidadania, principalmente por meio da rapidez na aprovação de projetos de lei que aprimorassem a Justiça do país. Os resultados foram animadores, pois o Pacto foi decisivo para a efetivação de mecanismos que aumentaram a agilidade da Justiça, como a regulamentação dos institutos da Súmula Vinculante e da Repercussão Geral por meio das Leis 11.417 e 11.418, respectivamente, ambas de dezembro de 2006.”[67]
O segundo motivo de sua importância é evitar que a rigidez extremada da Carta, denote que os grupos de poder (comum nas democracias[68]) não encontrarão no próprio texto da Constituição respostas aos problemas institucionais.
Variados exemplos podem ilustrar. A Emenda Constitucional nº 76 acabou com o voto secreto para a derrubada do veto presidencial e para a votação acerca da cassação de mandato parlamentar. Isso visou dar maior transparência aos embates referentes ao jogo de poder, evitando-se traições políticas (fato propícios em votações secretas), e ao mesmo tempo moralizando a cena política. Era um anseio social e dos governantes. Se a Constituição não pudesse ser reformada para dar essas respostas aos problemas institucionais, dificilmente seria longeva, pois de suas normas não se encontrariam respostas aos problemas mais importantes ou/e novos.
Por essas razões, considera-se que o Poder de Reforma, tal como tratado pela doutrina, é essencial à continuidade das instituições, à segurança jurídica e à manutenção da Constituição.
Assim, apesar de poder constituído, é deveras importante, para manter a obra oriunda dos trabalhos do Poder Constituinte Originário.
Vimos que o Poder de Reforma é um dos elementos a permitir a manutenção do status quo instituído pela Constituição.
Se tudo o que é velho em demasia, torna-se obsoleto, a reforma constitucional permite a renovação, na medida do possível, de uma Carta Constitucional elaborada por gerações pretéritas.
Mantido o ethos social vigente à época da Constituição, nada justifica a modificação da Carta. Se for patente a necessidade de renovação, quer dizer que a Constituição já não responde aos anseios sociais.
Movimentos revolucionários, golpes de Estado e outras rupturas bruscas, podem ocorrer, mas são eventos extraordinários, cujas raízes não estão no nosso objetivo de investigação. Apenas se adota a posição doutrinária de que a Constituição deve prever mecanismos de renovação, a fim de evitar rupturas abruptas.
Entretanto, mister frisar que as reformas contêm limites traçados pelo constituinte originário. Esse limites estão presentes na atual Carta, e são: os formais, atinente ao procedimento, iniciativa e quórum de aprovação; os circunstanciais, referentes aos períodos de legalidade extraordinária; os materiais expressos e implícitos, atinentes ao conteúdo das normas.
A atual Carta não prevê a limitação temporal, embora no Brasil, restou expressa na Constituição Imperial (1824).
A teoria da dupla revisão e a proteção ao direito adquirido são temas que aparecem ao estudioso dos limites do poder reformador.
Saliente-se que a tese da dupla revisão, apesar de bem construída, não é aceita pela maioria dos juristas brasileiros, apesar de respeitosas opiniões contrárias. Assim deve ser, dado que se oposto fosse, abrir-se-ia uma porta a reformas com conteúdo de golpes. Lembremo-nos de que a Constituição e seus institutos são construídos para ser perenes e não efêmeros. O fim mesmo de um instrumento de poder (como o é a Constituição) é a permanência neste.
No que tange ao direito adquirido nada mais justo e seguro tutelá-los, pois são situações já cristalizadas. Se o futuro nos perturba, pois é incerto, que mantenhamos o passado, a fim de segurarmo-nos em algo. Esse é o espírito que embasa a tutela do direito adquirido.
Não se pode confundir este instituto com a expectativa de direito ou com a incidência de um regime jurídico (regras que se protraem no tempo, regulando situações jurídicas perenes). Esses institutos não restam a salvo da reforma constitucional, sendo prudente, no entanto, o Poder Reformador prever regras de transição, a fim de não frustrar de todo expectativas legítimas que falecerão ou não serão no todo atendidas.
Apesar de ser apenas um poder constituído, o Poder Reformador guarda bastante importância no sistema jurídico ao permitir a renovação do sistema constitucional e a manutenção da ordem jurídica.
Ao longo deste trabalho foi feita uma incursão na doutrina constitucional acerca da manifestação do Poder Constituinte Originário.
Sua importância é eminente na medida em que institui a ordem jurídica. É a intersecção das forças políticas e jurídicas que animam a sociedade. É a síntese dos trabalhos e dos anseios que diferentes grupos de poder que vivem na sociedade.
Ao menos a Constituição de 1988 foi assim construída.
Não é demais relembrar que ela foi edificada pela sociedade que visava a um governo democrático. Este veio transacionado. Dois anos (1986-1988) passaram-se para que os trabalhos ficassem prontos. Tensões políticas, participação da sociedade, debates jurídicos, tudo isso é encontrado no texto originário.
Como obra que é do Poder Constituinte Originário - nós, o povo - a Carta tem pretensões de permanecer, enquanto nós pudermos nela confiar. De suas construções normativas devem advir respostas aos problemas sociais mais tormentosos, mais atuais.
Se o texto original não pôde prever todos os embates e problemas futuros, coisa normal, dado que o trabalho humano não evoluiu ao nível de desvendar o futuro, os mecanismos de reforma constitucional permitiram a atualização do texto originário, que se diga, há muito não é mais o mesmo.
Dois são os principais mecanismos de atualização/reforma da Constituição, a mutação e a reforma via emenda constitucional ou revisão.
A mutação é a mudança atribuída à exegese do texto normativo. Este permanece o mesmo, embora o sentido e alcance não.
Vimos que princípios e regras se comportam de modo diferente diante do fenômeno da mutação.
Fato é que esta, a mutação, existe e revela-se elementar para apaziguar respostas a anseios sociais.
A questão do casamento homoafetivo é bem ilustrativo. O artigo 226, §3º, reconhece a união estável entre homem e mulher. Formalmente seu texto é o mesmo. Materialmente a exegese que lhe foi dada não. O Supremo Tribunal Federal, em casos notórios de jurisdição abstrata, cristalizou o entendimento, em 2011, de que a união estável entre pessoas do mesmo sexo é tão protegida juridicamente quanto as que possuem orientação heterossexual.
Na doutrina e jurisprudência já se fala em poliamor, como uma das formas reconhecidas de família, instituição essa que segundo o texto originário se resume a homem e mulher.
Vejamos que a mutação constitucional atendeu a um dos grandes anseios sociais, a isonomia jurídica entre pessoas independentemente da orientação sexual, questão atinente tão só à vida íntima e privada dos indivíduos.
O Estado não pode discriminar indivíduos por sua orientação sexual, eis o fundamento, que não resta expresso do texto formal originário, mas que foi construído por mutação constitucional, permitindo com isso uma resposta jurídica a um problema que ganhou força após 1988.
A reforma constitucional é outra importante ferramenta de atualização da Constituição para que responda pelos anseios sociais.
Até o final de 2017 o texto originário já foi emendado mais de 90 vezes, mais as seis vezes decorrentes da revisão constitucional de 1994.
Não é difícil ver que o texto ora vigente não é o mesmo que o de outrora, muito menos, as normas construídas por meio deles, os textos.
Frise-se que o texto da norma não se confunde com a norma em si, fruto da interpretação.
Seguindo a filosofia de Ludiwig Wittgenstein, que nos ensina que o limite de nossos mundos é o limite de nossa linguagem, conclui-se que por meio desta construímos o mundo em que vivemos.
Ora se a norma se extrai da interpretação (construção pela linguagem), o mundo em que vivemos se atualiza conforme vamos interpretando as normas que nos regem.
Isso as dota capacidade suficiente de se perenizarem, até que um dia, dada à evolução social, precisemos de novos textos, com novos possíveis significados, indicado, pois, que a sociedade mudou.
Enquanto não chegada essa hora, continuaremos a construir diferentes mundos com base nos mesmos textos, tamanho o poder da linguagem. Até onde se revelar possível a reforma via emenda, assim se procederá, até que seja a hora de o Originário se manifestar, novamente, saindo de sua latência.
Esses são os fatores principais a explicar o porquê a atual Carta, dentre as edificadas por vias democráticas, se tornou a mais longeva.[69]
A de 1934 durou tempo insuficiente para ser testada, dado que em 1937 foi suplantada pelo Estado Novo.
A Constituição de 1946 perdurou até 1964, ano do golpe militar, portanto menos de 20 anos.
A atual Carta Política de 1988 já atinge os seus quase 30 anos de idade, num período de grandes mudanças sociais.
Pensamos que o segredo de seu aparente sucesso enquanto texto normativo, seja a possibilidade de atualizar o seu texto, via Poder Judiciário, por meio da mutação constitucional, ou via Poderes Legislativo e Executivo detentores do poder reformador (levando-se em consideração a iniciativa da proposta).
Isso sem falar na possibilidade de a sociedade, por meio de seus movimentos sociais, poder interferir no processo de construção das normas (seja pela exegese, seja pela pressão na aprovação de um projeto de emenda em tramitação), revelando-se que a Constituição de 1988, com todas as críticas que sobre ela recaem, tem-se mostrado efetivamente democrática.
Prova disso é que, neste ano, final de 2015, discutiu-se novamente se um Presidente da República deve perder seu cargo. Sendo que em 2016 foi impedido de exercê-lo, assumindo o seu vice. Tal situação só é concebível em um Estado Democrático de Direito, com imprensa livre e instituições minimamente sólidas. Eis a segunda vez que isso ocorre no Brasil, durante a vigência da mesma Constituição, ou seja, não houve um golpe de Estado, mas apenas o uso das regras do jogo[70].
O fato é que, apesar de toda a instabilidade, os grandes problemas institucionais, por enquanto, estão sendo resolvidos com base na atual Carta Política.
Até agora, não se bradou de forma mais voraz a necessidade de uma nova constituinte, apenas se esta a pensar quais os rumos interpretativos e reformadores de que a atual Constituição precisa.
Novamente a Constituição no centro das questões como o elemento capaz de resolver nossos problemas mais graves e atuais.
Essa capacidade e importância, sem dúvida alguma, é decorrente da capacidade que o trabalho do Constituinte de 1988 tem de se atualizar, não fosse isso, talvez já não vigorasse há muito.
Verifica-se, portanto, que o Poder Constituinte Originário ainda se faz presente, por dois motivos, primeiro, pois vivemos sob os mesmos auspícios de 1988 e, apesar de toda a mudança social, as bases por nós divididas, ainda são as mesma, ainda vigora o mesmo ethos social; segundo, pois a Reforma Constitucional formal e informal – respeitados os limites que lhes são inerentes – permitiu que o texto originário não se tornasse obsoleto.
Eis o segredo do sucesso da atual Carta Política, que se mostra cada vez mais importante, na medida em que os problemas institucionais e os problemas sociais encontram nela as respostas buscadas.
Apenas se faz uma ressalva ao até agora sucesso da Constituição. Será que ela tem fôlego para enfrentar mais uma década, mesmo após quase 100 emendas em 30 anos, sem contar as 6 emendas revisionais?
A excessiva quantidade de reformas constitucionais pode estar a revelar que a jovem carta de 1988 talvez esteja a dar sinais de que ou não é tão jovem, ou a sociedade se transformou de modo que ela não consegue mais acompanhar, exceto por remendos. Mister lembrar que muitas reformas foram casuísticas (manutenção dos municípios criados ao arrepio das normas constitucionais, para ficar apenas com um exemplo) e outras estruturais (reforma administrativa e reforma do judiciário).
Logo, vê-se que não é mais a mesma carta de 1988. Nem poderia sê-lo, pois de 1988 até 2017, data em que esse texto é revisitado, muitas mudanças sociais ocorreram. Eric Hobsbawm defende que o século XX começou em 1914 e terminou em 1991, não seguindo com isso seus marcos numéricos (1901-2000). Isso, pois as bases do século XX foram lançadas com o fim da era imperialista, que culminou com a primeira guerra mundial, mas se encerram estruturalmente, dando início à outra era histórica, com a queda da União Soviética, em 1991. Seguindo essa linha de ideia, a Constituição de 1988 está ultrapassada. Sem adentrar nesse tema, que requer uma análise histórica, o que não é objeto deste estudo, o que se pode constatar é que o seu aparente sucesso em vigorar por esses últimos 30 anos, e ser o ponto central de resolução dos problemas latentes da sociedade brasileira, foi o poder de ser interpretada com diversas possibilidades semânticas, bem como o poder de ser formalmente reformada. Saber quantas mais mutações seu texto permite ou quantas reformas aguentará é exercício de futurologia.
Por fim, o sucesso de uma Constituição não pode ser avaliado durante a sua vigência, dado que não é possível analisar com precisão qualquer estrutura apenas com a visão interna. A tarefa de analisar se uma Constituição é ou não bem sucedida é papel da história, ao avaliar o contexto em que foi produzida e se atingiu minimante aquilo que prometeu. Por isso, se encerra a dizer que o aparente sucesso atual carta constitucional vigente, deve-se às diferentes formas pelas quais o Poder Constituinte Derivado pode se manifestar.
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[1] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. COELHO, Inocência Mártires. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional / Alexandre de Moraes. – 23. Ed. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 28.
[3] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. Malheiros. 2010, p. 141.
[4] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional – Teoria do Estado e da Constituição e Direito Constitucional Positivo. Ed. Del Rey. 14ª edição, 2008. p.251.
[5] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. Malheiros. 2010, p. 141.
[6] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. Ed. Saraiva. 2ª edição, p. 109.
[7] Alguns autores classificam do seguinte modo: histórico (primeira Constituição dentro de um Estado); Revolucionário; e Transicional.
[8] BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 99.
[9] BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 158/159.
[10] BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 109.
[11] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional / Alexandre de Moraes. – 23. Ed. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 28.
[12] Idem.
[13] Ibidem.
[14] BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 110 - 117.
[15] ARENDT, HANNAH. Origens do totalitarismo: Hannah Arendt; tradução Roberto Raposo. – São Paulo : Companhia das Letras, 2012.
[16] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. Ed. Saraiva. 2ª edição, p. 121.
[17] BULFINCH, THOMAS, 1796-1867. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis / Thomas Bulfinch; tradução David Jardim. – Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p. 234
[18] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional / Alexandre de Moraes. – 23. Ed. – São Paulo : Atlas, 2008.p. 29.
[19] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. Ed. Saraiva. 2ª edição, p. 145/146.
[20] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. Malheiros. 2010. p. 146.
[21] BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 145.
[22] Ibidem, p.140/141.
[23] Ibidem, p. 142.
[24] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional / Alexandre de Moraes. – 23. Ed. – São Paulo : Atlas, 2008. p. 29.
[25] É polêmica a questão sobre o poder municipal de editarem suas próprias leis orgânicas. Este trabalho não adentrará ao tema, limitando-se a seguir a orientação predominante no sentido de que os Municípios não são titulares de fração do Poder Constituinte Derivado.
[26] Ibidem.
[27] BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 147.
[28] “Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.”
[29] Novamente se faz a ressalva de que não se adentrará no campo da discussão acerca de os Municípios serem (ou não) titulares do Poder Derivado Decorrente.
[30] “Art. 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta.
Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual.”
[31] “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.”
[32] Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger- se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.
[33] BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 147.
[34] BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 196/198.
[35] FUSTEL DE COULANGES, NUMA DENIS, 1830-1889. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma / Fustel de Coulanges; tradução Roberto Leal Ferreira. – São Paulo: Martin Claret, 2009. – (Coleção a obra-prima de cada autor ; 2)
[36] BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 128.
[37] Ibidem.p. 128, nota de rodapé nº 15.
[38] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Sergio Antonio Fabris Editor. 1991.
[39] BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 127.
[40] KELSEN, HANS, 1881-1973. Teoria pura do direito / Hans Kelsen; [tradução João Baptista Machado]. – 6ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 1998. – (Ensino Superior)
[41] BARROSO, Luís Roberto Barroso. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora – 7.ed.rev. – São Paulo: Saraiva, 2009.
[42] BARROSO, Luís Roberto Barroso. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo – 2. ed. – São Paulo: Saraiva. 2010.p.130/131
[43] BARROSO, Luís Roberto Barroso. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo – 2. ed. – São Paulo: Saraiva. 2010.p.123/139.
[44] Pode ser assim sintetizada tal dificuldade: Como explicar que uma minoria anule a decisão de uma maioria? Os fundamentos da resposta positiva residem na defesa da democracia, na preservação dos direitos fundamentais das minorias e preservação da identidade constitucional.
[45] BARROSO, Luís Roberto Barroso. Op. Cit., p.139.
[46] “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”
[47] BARROSO, Luís Roberto Barroso. Op. Cit.,p.147/149.
[48] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. Malheiros. 2010. p.198.
[49] Ibidem a 46 p. 152/155.
[50] Ibidem, p. 158.
[51] Ibidem, p. 159
[52] Ibidem, p. 151.
[53] BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p.200.
[54] BARROSO, Luís Roberto Barroso. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo – 2. ed. – São Paulo: Saraiva. 2010.p.150.
[55] Idem, p.160.
[56] Ibidem, p. 163.
[57] Ibidem, p. 168.
[58] Ibidem, p.166/167.
[59] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. Malheiros. 2010. p.202.
[60] BARROSO, Luís Roberto Barroso. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo – 2. ed. – São Paulo: Saraiva. 2010.p.165.
[61] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. Malheiros. 2010. p.203.
[62] Art. 5º, XXXVI – a lei na prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
[63] A diferença entre a retroatividade média e mínima é a pendência dos efeitos dos atos. Na média, somente se desfaz o que está pendente, dado que o que já em usufruto não é atingido; na mínima, se desfaz os efeitos que se prolongam no tempo, ainda que de atos já perfeitos e eficazes no passado. Se a mínima atinge os efeitos presentes e futuros dos atos pretéritos perfeitos e eficazes; a média atinge somente os efeitos pendentes dos atos perfeitos, mas não eficazes, pendentes, v.g. de uma condição acidental para a sua realização.
[64] BARROSO, Luís Roberto Barroso. Op. Cit., p. 188.
[65] MS 24.875-1, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
[66] BARROSO, Luís Roberto Barroso. Op. Cit., p. 186/187..
[67]http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfDestaque_pt_br&idConteudo=173547 (consulta realizada aos 23/12/2015)
[68] Aqui no Brasil algumas alcunhas são atribuídas a esses grupos, como os “ruralistas”, a “bancada evangélica”, o “grupo da bala”, etc. Cada segmento social acaba por se sentir representado por esses grupos em opiniões e posições políticas, nada mais natural numa Democracia.
[69] Aqui não se considera a Constituição de 1891, como verdadeiramente democrática, a despeito de promulgada, pois na verdade ela instituiu e perpetuou mecanismos de poder (a Política do Café com Leite), que permitiu o exercício do poder político por oligarquias. Inclusive esse jogo entre apenas São Paulo e Minas Gerais (regra) levou à ruptura do sistema, com a revolução ou golpe de Getúlio Vargas, que culminou com a Constituição Polaca, de 1937.
[70] Não se avaliará aqui se foi ou não um golpe político, no sentido de ser um golpe de Estado (inversão da ordem vigente), dado que este não é objeto do texto. Apenas se pontua que numa ditadura, tal debate não ocorreria. Com todos os vícios que podem ter ocorrido, o impeachment da então Presidente da República, foi construído por debate público que só foi possível, pois há aqui no Brasil uma democracia, que apesar de jovem (30 anos, praticamente) parece ter se consolidado. As eleições de 2018 serão um grande teste. Sem futurologia, apenas se afirma, vivemos numa democracia e que assim seja por muito tempo.
Advogado da União. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo; Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Especialista em Direito Constitucional pela Damásio Educacional; Especializando-se em Direito Processual pela PUC-Minas (EAD).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Rafael Tawaraya Gualberto de. Estudos sobre o Poder Constituinte Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51150/estudos-sobre-o-poder-constituinte. Acesso em: 22 nov 2024.
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