RESUMO: A Constituição Federal de 1988 garante o direito de reparação civil plena de danos causados injustamente aos indivíduos. Diante de tal perspectiva, a Responsabilidade Civil no Direito brasileiro vem ampliando o estudo acerca das espécies de danos considerados indenizáveis. Dentre os novos tipos de danos analisados pelos estudiosos da Responsabilidade Civil encontra-se o dano decorrente da perda de uma chance, originalmente concebido pela doutrina alienígena. A denominada teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance vem sendo amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência pátrias, todavia, verifica-se que em tal âmbito está ocorrendo grande divergência em relação à aplicação e classificação da responsabilização por perda de uma chance. Desta forma, através do presente artigo, tendo por base uma pesquisa da doutrina e jurisprudência pátrias, será tecido uma análise de tais pontos.
Palavras-chave: Direito Civil. Responsabilidade Civil. Perda de uma chance. Histórico. Natureza jurídica.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento histórico. 3. A responsabilidade civil por perda de uma chance no direito brasileiro. 4. A perda de uma chance como dano certo e determinado. 5. A natureza jurídica do dano decorrente da perda de uma chance. 6 Conclusão. 7. Referências.
1. Introdução
Conforme entendimento consolidado na doutrina especializada, o instituto da responsabilidade civil é composto por quatro pressupostos indispensáveis, sem os quais inexiste o dever de indenizar: conduta, culpa, dano e nexo causal.
Todavia, existem situações onde a análise dos pressupostos da responsabilidade civil encontra certa dificuldade. Casos em que se verifica um determinado prejuízo para a vítima, entretanto, não se consegue vislumbrar, a partir de uma análise sumária, o dano certo e determinado, o que, por si só, inviabilizaria qualquer tipo de ressarcimento.
Diante de danos certos, porém não acolhidos pela concepção clássica da responsabilidade civil, a doutrina e jurisprudência evoluíram no sentido de expandir as espécies de danos considerados indenizáveis. Nesse sentido (VIEGAS et al, 2012, p.28):
De fato, novas espécies de dano vêm sendo tuteladas pela doutrina e jurisprudência em razão da aparição de novos interesses. Atualmente já se consideram outras formas de danos ressarcíveis, desatrelando-se do pensamento da configuração do dano na perda patrimonial diretamente perceptível, para se reconhecer outras formas de dano, como, por exemplo, o dano decorrente da perda de uma chance.
Nesse cenário, com o desiderato de solucionar tal problemática, a jurisprudência e a doutrina começaram a repensar os elementos da responsabilidade civil, criando a teoria da perda de uma chance (perte d'une chance), por meio da qual se traz para o campo do ilícito, segundo Daniela Pinto de Carvalho (2011, p. 307), as condutas que minam as chances, sérias e reais, de evitar um dano ou gerar um benefício, as quais as vítimas faziam jus.
No presente artigo, tratar-se-á de responsabilidade civil pela perda de uma chance, especificamente a respeito de sua evolução histórica, aplicação no direito pátrio, natureza jurídica e pressupostos de aplicação, utilizando-se como base tanto a percepção da doutrina comparada, como da doutrina pátria.
2. Desenvolvimento histórico
Consoante Sérgio Savi (2012, p. 2), durante muito tempo, o dano decorrente da perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo foi ignorado pelo Direito, pois não era possível afirmar com clareza que, sem o ato do ofensor, a vantagem seria obtida. Ignorava-se, assim, a existência de um dano diverso da perda da vantagem esperada, qual seja, o dano da perda da oportunidade (chance) de obter a vantagem esperada.
Expondo o cenário anterior à aceitação da teoria da perda de uma chance (VIEGAS et al, 2012, p. 31):
Por muito tempo o Direito ignorou a possibilidade de se responsabilizar o autor do dano que gerou a perda de uma oportunidade ou de evitar um prejuízo a outrem argumentando que aquilo que não aconteceu não pode nunca ser objeto de certeza, a ponto de propiciar uma reparação, igualmente à postura da doutrina, os Tribunais costumavam exigir, por parte da vítima que alegasse a perda de uma chance, prova inequívoca de que, se não fosse o evento danoso, a vítima teria conseguido o resultado que se diz interrompido.
Todavia, a partir de estudos desenvolvidos na França, conforme indica Sérgio Savi (2012, p. 3), em vez de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final esperado, nascendo, desta maneira, o desenvolvimento de uma teoria específica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da oportunidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem que não pôde se realizar.
Dessa forma, para solucionar a inicial incompatibilidade da reparação da chance com os pressupostos da responsabilidade civil, na teoria da perda de uma chance, criou-se o entendimento de que o dano será a chance perdida e não o resultado final. O resultado final não poderá ser imputado ao agente causador do dano, pois este depende de um processo aleatório onde outros fatores poderão determinar sua ocorrência ou não (GONDIM, 2005, p. 23). Assim, o que se imputa ao agente é a perda da chance, da oportunidade de obtenção do resultado favorável ou de se evitar um prejuízo.
Destarte, através do pioneirismo francês durante o término do século XIX e início do século XX, fez-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. Nessa linha, a Corte de Cassação, na França, começou a conceder indenizações em casos de perda de uma chance, sendo o primeiro caso datado de 17 de julho de 1889, quando, conforme afirma Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 10-11), a citada corte “aceitara conferir indenização a um demandante pela atuação culposa de um oficial ministerial que extinguiu todas as possibilidades de a demanda lograr e?xito, mediante o seu normal procedimento”.
Apesar de tal decisão ser apontada como a primeira a aplicar a teoria da perda de uma chance pelo mencionado autor, Flávio da Costa Higa (2012, p. 17) afirma que tal entendimento está equivocado, pois a decisão de 17 de julho de 1889 foi proferida pela Chambre de Requêtes, antiga divisão da Corte de Cassação Francesa que não tinha competência para a concessão de indenizações. Desta maneira, o mencionado autor atribui a primogenitura da jurisprudência francesa a julgado prolatado pela Corte de Cassação em 1932 (HIGA, 2012, p. 22):
[...] Tratava-se do caso de um notário, Sr. Grimaldi, provocou um duplo prejuízo a seus então clientes, o casal Marnier, em consequência de suas falhas e de sua conduta dolosa, que fez com que eles perdessem a chance de adquirir o imóvel que desejavam e, ainda por cima, tivessem de arcar com o pagamento de despesas de diversos atos notariais completamente inúteis.
No sistema da Common Law, o primeiro caso de aplicação (leading case) da teoria deu-se na Inglaterra em 1911, com o caso Chaplin v. Hicks. Em tal caso, conforme aduz Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 11), a autora era uma das 50 finalistas de um concurso de beleza conduzido pelo re?u, o qual impediu a autora de participar da fase final do concurso que consistia em uma apresentac?a?o perante um júri, onde concorreria a doze pre?mios distintos.
O nome da autora, Sra. Chaplin apareceu em primeiro lugar no seu distrito, recebendo consequentemente uma carta para comparecer à fase final do concurso, que se realizaria no Aldwich Theatre, em Londres, às dezesseis horas do dia 6 de janeiro de 1909. Todavia, conforme Flávio da Costa Higa (2012, p. 31) a carta foi remetida para o endereço errado e posteriormente encaminhada à Dundee, onde a autora residia, tendo esta recebido a correspondência apenas no dia da fase final, retirando-lhe todas as chances de participar do concurso e concorrer a um dos doze prêmios. Um dos jui?zes de apelac?a?o argumentou que, diante da “doutrina das probabilidades” (loss of a chance doctrine), a autora teria vinte e cinco por cento de chances de ganhar um dos pre?mios (SILVA, 2009, p. 11), concedendo, pois, indenização no valor de cem libras.
Retornando à análise da responsabilidade civil por perda de uma chance nos países que adotam o sistema da Civil Law, a partir do crescente avanço da doutrina e jurisprudências francesas acerca do tema, a análise da chance perdida expandiu-se por toda a Europa, com destaque para a Itália, sendo importante destacar, inicialmente, a doutrina desenvolvida por Adriano De Cupis.
De Cupis é apontado por Sérgio Savi (2012, p. 10) como o responsável pelo início da correta aplicação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance pelo Direito Italiano, pregando a existência de um dano independente do resultado final e enquadrando a chance perdida no conceito de dano emergente e não como lucro cessante.
Nessa linha, Sérgio Savi (2012, p. 11) reconhece que o grande prestígio de De Cupis está no fato de ter enquadrado a chance perdida como uma espécie de dano emergente, o que afastaria possíveis objeções acerca da incerteza do dano. Desta forma, é a lição de Adriano De Cupis (apud SAVI, 2012, p. 11):
A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.
O suscitado autor italiano ainda foi responsável pela ideia de que apenas as chances sérias e reais podem ser indenizáveis, excluindo-se as chances pouco prováveis, que se traduziam em mera expectativa e, além disso, difundiu o entendimento de que a chance perdida terá sempre valor menor que a vitória futura (SAVI, 2012, p. 11).
Após a fundamental contribuição de De Cupis, Maurizio Bocchiola, professor da Università di Milano, em 1976, publicou o artigo intitulado: “Perdita di uma chance e certezza del danno.”. Sérgio Savi (2012, p. 18-19) argumenta que o citado autor foi responsável por estabelecer premissas de fundamental importância para a teoria da perda de uma chance, atribuindo a esta um valor econômico, definindo que o dano oriundo da chance perdida é certo, uma vez que “a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente”; e classificou a chance perdida como um dano presente, pois “a chance, quase sempre, é perdida no mesmo momento em que se verifica o fato danoso”. Ademais, Bocchiola, adotando entendimento de Piero Calamandrei, trouxe a ideia de estatística para a responsabilidade civil por perda de uma chance conforme ensina Sérgio Savi (2012, p. 22).
Assim, a doutrina italiana firmou entendimento de que o dano decorrente da chance perdida é uma espécie de dano emergente, uma vez que a chance está incluída no patrimônio da vítima no momento da conduta danosa e esta chance possui um valor financeiro.
Destaca Dalvaney Araújo (2010, p. 263) que a doutrina desenvolvida nos países da Common Law desenvolveram sua doutrina no sentido de classificar o dano advindo da perda da chance como um dano autônomo, independente das espécies clássicas de dano. A mencionada autora afirma ainda que parcela da doutrina estadunidense coloca a perda de uma chance, em casos da seara médica, na perspectiva da causalidade parcial, devendo a conduta do agente lesador ser considerada tão somente causa parcial para a perda da vantagem esperada pela vítima.
A formação doutrinária alienígena não é totalmente convergente, o que também será verificado ao se analisar a aplicação da teoria no Direito Brasileiro.
3. A responsabilidade civil por perda de uma chance no direito brasileiro
Assim como visto até o presente momento, a teoria da perda de uma chance, influenciada no âmbito da Civil Law pela doutrina francesa e italiana, configura-se, em linhas gerais, na possibilidade de se obter indenização em decorrência da perda da oportunidade de se alcançar determinado resultado favorável ou de se evitar determinado prejuízo. Todavia, conforme apontado, a chance deve ser séria, viável e considerável para que seja considerada como indenizável.
No Brasil, a adoção da responsabilidade civil baseada na perda de uma chance é relativamente nova e, tendo em vista que o Código Civil de 2002 nada prevê acerca da chance perdida, seu estudo ficou a cargo da doutrina e jurisprudência (VIEGAS et al, 2012, p.34). Entretanto, apesar da lei civil vigente ser omissa acerca da reparação das chances perdidas, traz, por outro lado, conforme salienta Glenda Gonçalves Gondim (2005, p. 25), um dos princípios fundamentais da responsabilidade civil, qual seja, o neminem laedere, referindo-se à necessidade de indenização às lesões sofridas por qualquer indivíduo.
Nesse cenário, diante do recente estudo da mencionada teoria em âmbito nacional, há divergência em sua aplicação: parcela da doutrina classifica a chance perdida como lucro cessante; outra como dano emergente; outra como dano exclusivamente moral; e outra como uma espécie autônoma de dano.
Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 324), ao enfrentar a teoria da perda de uma chance aponta que o fenômeno não se amolda aos danos emergentes nem aos lucros cessantes, devendo, pois, a perda de uma chance ser classificada como uma terceira espécie de indenização.
Maria Helena Diniz, por sua vez, classifica a perda de uma chance como lucros cessantes, afirmando que (DINIZ, 2012, p. 86):
Trata-se não só de um eventual benefício perdido, como também da perda da chance, de oportunidade ou de expectativa [...]. Logo, ao se admitir indenização por lucros cessantes, procurar-se-á, em razão de juízo de probabilidade, averiguar a perda de uma chance ou de oportunidade, de acordo com o normal desenrolar dos fatos.
Tal posicionamento deve ser desde já rechaçado, pois não se pode confundir a perda de uma chance com lucros cessantes, uma vez que neste caso será indenizado a totalidade dos lucros razoavelmente esperados, enquanto que no caso de chance perdida, indeniza-se a chance em si considerada, valor este que sempre será menor do que o valor total do benefício final. Ademais, Gilberto Andressa Júnior (apud CARVALHO, 2011, p. 308):
A chance perdida, diga-se de passagem, jamais poderá ser confundida com os lucros cessantes, haja vista que estes somente se concretizam no momento dos fatos, enquanto a chance preexiste.
Sérgio Savi (2012, p. 60), ao seguir a orientação da doutrina italiana, diz que, em regra, a perda de uma chance gera um dano material, enquadrado como espécie de dano emergente, todavia, poderá também ser classificado como um agregador do dano moral. O que não pode ocorrer, segundo o mencionado autor, é o dano causado pela perda de uma chance ser entendido como um dano de ordem exclusivamente moral. Nessa linha, são as palavras do citado autor:
Em conclusão, haverá casos em que a perda da chance, além de causar um dano material poderá, também, ser considerada um “agregador” do dano moral. Por outro lado, haverá casos em que apesar de não ser possível indenizar o dano material, decorrente da perda da chance, em razão da falta dos requisitos necessários, será possível conceder uma indenização por danos morais em razão da frustrada expectativa. Frise-se mais uma vez: o que não se pode admitir é considerar o dano da perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral, já que, presentes os requisitos descritos neste livro, a perda de uma chance pode dar origem a um dano material, nesta hipótese como dano emergente.
Para Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 106-107), analisando a doutrina francesa e estadunidense, afirma que a responsabilidade civil por perda de uma chance encontra-se dividida em duas partes: ora é utilizada como uma categoria de dano específico, independentemente do dano final; ora é utilizada como recurso à causalidade parcial, hipótese em que se verifica a perda da vantagem esperada. A segunda espécie aplica-se, na maioria das vezes, à seara médica, da seguinte maneira (SILVA, 2009, p. 107):
Pore?m, quando o processo aleato?rio chegou ate? o final, como costuma acontecer na seara me?dica, a noc?a?o de causalidade parcial e? chamada a depor. Neste u?ltimo caso, a conduta do agente apenas retira algumas chances de a vi?tima auferir a vantagem esperada, fazendo com que esta ainda possa ser alcanc?ada.
Sérgio Novais Dias (apud SAVI, 2012, p. 43), em sua clássica obra sobre a responsabilidade civil do advogado, entende, diferentemente dos posicionamentos até agora expostos, que a chance perdida teria apenas valor extrapatrimonial.
Por fim, existe posicionamento de Flávio da Costa Higa (2012, p. 81) que, após criticar os mais diversos posicionamentos adotados pela doutrina pátria, afirma que a perda de uma chance possui, em verdade, característica de “situação lesiva”, que pode gerar todas as espécies de reparação por responsabilidade civil previstas no ordenamento.
Acerca da formação jurisprudencial dos tribunais nacionais, segundo estudo de Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 194), é inegável a primazia do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na aplicação consciente da teoria ora analisada, através de acórdãos prolatados pelo então desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Tal pioneirismo, ainda de acordo com o suscitado autor, deu-se em virtude de palestra proferida pelo professor François Chabas, em 23 de maio de 1990, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, intitulada “La perte d’une chance em droit français”.
O protagonismo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ocorreu logo no início da década de 1990 e foi expresso por duas decisões, a primeira datada de 12 de junho de 1990, em que foram expostos os pressupostos da teoria, para, com isso, afastar sua aplicação no caso concreto e, a segunda, por decisão datada de 29 de agosto do mesmo ano, onde foi acolhida a teoria e concedida indenização com base nela.
A segunda decisão, onde primeiramente fora aplicado de fato a teoria em tribunal nacional, ocorreu, segundo Flávio da Costa Higa (2012, p. 48-50), no caso Juchem contra Noé (Apelação Cível nº 591064837), onde o primeiro, antigo advogado da segunda, havia ajuizado, em 14 de agosto de 1975, ação em face do antigo INPS (hoje INSS), visando obter pensão por falecimento do seu cônjuge. Não obstante esta ação tivesse sido efetivamente proposta, não fora recebida por nenhuma das Varas Cíveis da Comarca, uma vez que os autos foram extraviados, sem culpa identificada, porém com a subsequente inércia do advogado, que nem sequer informou sua cliente acerca do ocorrido.
Flávio da Costa Higa (2012, p. 49-50), ao analisar o mencionado julgado, destaca o seguinte trecho do voto do relator:
Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão da informação do extravio e a não restauração dos autos causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Prof. François Chabas: “Portanto, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado esperado), mas da chance de tentar alcançá-la” (“La perte d’une chance em droit français”, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS, 23.5.90). Por isso, não impressiona o argumento longamente expendido nas razões de recurso sobre a impossibilidade jurídica de a autora ver reconhecido seu direito à pensão previdenciária pela morte do marido, uma vez que este não era segurado do Instituto. O argumento tem dois defeitos: em primeiro, mostra que o réu está agindo contra os próprios atos, isto é, tendo proposto ação fundada na alegação de um certo direito, não pode justificar sua omissão de informar e de diligenciar, lembrando a inexistência desse mesmo direito. A ninguém é dado “venire contra factum proprium”; em segundo, porque a álea integra a responsabilidade pela perda de uma chance. Se fosse certo o resultado, não haveria a aposta e não caberia invocar este princípio específico da perda da chance, dentro do instituto da responsabilidade civil.
Após as duas decisões pioneiras do tribunal gaúcho, lento foi o acolhimento da doutrina pelos demais tribunais nacionais. Atualmente, conforme constatado por Sérgio Savi (2012, p. 47), nos tribunais brasileiros existem dezenas de decisões a respeito do assunto em praticamente todos os Tribunais de Justiça do país, como por exemplo:
Mandato. Responsabilidade civil. Falhas na prestação de serviços advocatícios. Perda de uma chance. Indenização. Dano moral. Se em virtude de falhas na prestação dos serviços advocatícios ocorreu a prescrição da pretensão de ex-cliente, responde o advogado pela frustração decorrente da perda de uma chance. Recurso parcialmente provido. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível nº 0036977-42.2009.8.26.0562 SP, Relator Desembargador Cesar Lacerda, 28ª Câmara de Direito Privado, julgado em 31/07/2012, DJE 01/08/2012).
APELAÇÃO CIVIL. ENSINO PARTICULAR. DEMORA NA ENTREGA DE DOCUMENTOS PARA PROVIDENCIAR A TRANSFGERENCIA DA PARTE AUTORA. PERDA DE CHANCE DE TRANSFERENCIA DE UNIVERSIDADE. DESIDIA DA UNIVERSIDADE. DANOS MORAIS DEVIDOS. A hipótese dos autos configura evidente caso de perda de uma chance, pois a negligência e o descaso da demandada ocasionaram a perda da possibilidade de transferência do curso frequentado pela autora para a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Agora, para um novo ingresso, a demandante terá que se submeter a vestibular, cuja aprovação é incerta. [...]. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70046823233 RS, Relator Desembargador Romeu Marques Ribeiro Filho, Quinta Câmara Cível, julgado em 29/02/2012, DJE 06/03/2012).
Todavia, a formação jurisprudencial dos tribunais nacionais, provavelmente influenciada pela divergente formação doutrinária, acabou por externar julgados com as mais diferentes formas de abordagem da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, consoante destacado por Sérgio Savi (2012, p. 47):
Alguns julgados entendem que a perda da chance deva ser considerada uma modalidade de dano moral ou, em outras palavras, que seria capaz apenas de gerar um dano de natureza extrapatrimonial. Por outro lado, há farta jurisprudência reconhecendo a possibilidade da perda de uma chance gerar danos de natureza patrimonial. Nestes casos, os tribunais, na maioria das vezes, entendem que estaríamos diante de hipóteses de lucro cessante. Raramente encontramos julgados entendendo que a perda de chance, quando gera dano material, deva ser tratada como modalidade de dano emergente.
A partir da análise da situação da doutrina e jurisprudência nacionais acerca da teoria da perda de uma chance, verifica-se que sua aceitação já é majoritária. Todavia, doutrina e jurisprudência mostram-se bastante divergentes em relação à forma de classificação da perda de uma chance.
4. A perda de uma chance como dano certo e determinado
Consoante já destacado, durante muito tempo o dano decorrente da perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, de acordo com palavras de Sérgio Savi (2012, p. 2), foi ignorado pelo Direito, pois não era possível afirmar com clareza que, sem o ato do ofensor, a vantagem seria obtida.
Para os adeptos de tal corrente, como inexiste possibilidade de se determinar qual seria o resultado final, não se cogita a existência de dano pela perda da chance, pois esta recai na seara do dano hipotético, eventual. Ignorava-se, pois, a existência de um dano diverso da perda da vantagem esperada, qual seja, o dano advindo da perda da oportunidade (chance) de obter aquela vantagem. Em outras palavras, a teoria não poderia ser aceita, pois esta violaria o requisito da certeza do dano, gerando a inaceitável indenização de danos meramente hipotéticos, não revestidos da indispensável característica da certeza.
Atualmente ainda existe posicionamento na doutrina nacional que refuta a aplicação da teoria da perda de uma chance sob a justificativa de se tratar de dano incerto, meramente hipotético e, portanto, não indenizável. Trata-se do posicionamento de Rui Stoco (2007, p. 512), segundo o qual a aplicação da teoria da perda de uma chance, em casos de responsabilidade civil de advogado, é inaceitável, pois, para o mencionado autor, “admitir a possibilidade de o cliente obter reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir que essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão favorável a ele”.
De fato, a problemática da certeza é essencial para o correto entendimento da teoria da perda de uma chance, pois o processo aleatório em que a vítima se encontrava foi interrompido antes de chegar ao seu fim, tendo o ofensor fulminado todas as chances da vítima. Nessa linha (VIEGAS et al, 2012, p. 38):
Não há como se saber se, tendo o advogado recorrido, a decisão seria favorável; ou se, tendo o participante concorrido, sairia vitorioso do certame. O que se tem presente é somente a probabilidade de ocorrência do resultado esperado, baseando-se em uma “suposição legítima do futuro”.
Destarte, diante de tal situação, é evidente que, ao se analisar a teoria da perda de uma chance como a perda do resultado final, chega-se a uma conclusão de que o dano é incerto, pois impossível seria prever a ocorrência ou não do resultado final, sendo, portanto, indemonstrável.
O que realmente existe, conforme trecho supracitado, é a chance, a probabilidade de ocorrência do resultado final. Com isso, as teorias que afastavam a aplicação da teoria da perda de uma chance restaram superadas na medida em que se trocou o elemento analisado. Assim analisa Flávio da Costa Higa (2012, p. 58):
Os argumentos que vergastavam o acolhimento da perda de uma chance restaram superados, na medida em que continham equívocos na premissa e no elemento cronológico a ser examinado. Isso porque, quando eles investigaram a propalada “certeza” do prejuízo na perda de uma chance, lançaram seus olhares para um futuro hipotético (v.g.: o êxito no recurso cuja interposição foi negligenciada, a vitória do jóquei no páreo que não pode ocorrer etc.), quando deveriam ter operado um deslocamento temporal em suas análises, para mirar um passado certo, no qual constava um chance que já compunha a esfera de bens – patrimoniais ou extrapatrimoniais – da “vítima” e que poderia ser valorada, sendo, portanto, passível de indenização, ainda que de cunho exclusivamente moral, como se verá mais adiante.
Essa constatação não é nova, pois Maurizio Bocchiola, em obra publicada em 1976, já havia averiguado em suas pesquisas que o problema da certeza do dano é superado a partir do momento em que se passa a analisar a existência da chance perdida (SAVI, 2012, p. 18-19):
Para defender a indenização das chances perdidas no direito italiano, Bocchiola analisa alguns julgados de outros países que a admitem e chega às seguintes conclusões: (i) nestes casos, não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem, isto é, faz-se distinção entre resultado perdido e a chance de consegui-lo; (ii) segundo esta perspectiva, com o termo chance não se indica uma vantagem possível e, consequentemente, um dano eventual, mas a possibilidade ou a probabilidade de um resultado favorável; e (iii), ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente; perdida a chance, o dano é, portanto, certo.
No dano decorrente da perda de uma chance, é certa a existência da própria chance, entidade passível de valoração econômica e, consequentemente, juridicamente tutelada. A indenização corresponde, desta forma, à chance (certa), e não ao resultado esperado (incerto).
A chance perdida pode ser classificada como um dano certo. Todavia, não será toda e qualquer chance perdida que será indenizável. Nessa esteira, Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 138) defende que as chances devem ser sérias e reais, sendo de suma importância o estabelecimento de limites rigorosos quanto à seriedade das chances, pois, do contrário, indenizar-se-ia a chance perdida ainda que esta representasse uma “simples esperança subjetiva”.
O aspecto da realidade das chances, consoante Flávio da Costa Higa (2012, p. 84), deve ser analisado sob o prisma objetivo: ou existe chance, mesmo que mínima, sendo esta, portanto, real; ou não existe chance alguma, afastando-se assim o aspecto da realidade. Para ilustrar o requisito, o mencionado autor cita o seguinte exemplo (HIGA, 2012, p. 84):
Jacques Boré, em feliz ilustração, exemplificou com a hipótese de um doente terminal, vítima de um câncer incurável, que possui a esperança subjetiva, quiçá por motivos religiosos, em sua cura; entretanto, do ponto de vista médico, ele não dispõe de chance real de debelar a doença. Isso significa que, embora a manutenção de expectativas favoráveis possa desempenhar uma importante função sob o aspecto psicológico, para o jurista, a mera esperança subjetiva é um conceito vazio de utilidade prática.
O aspecto da seriedade da chance perdida, por outro lado, diz respeito a uma probabilidade palpável, devendo ser afastada a chance de possibilidade diminuta, que seja meramente especulativa. Nesse sentido (ARAÚJO, 2010, p. 262):
Portanto, por meio de estatística e cálculos de probabilidade, é possível avaliar se a chance era de fato séria, não se tratando de mera hipótese de perda de uma simples expectativa. Esclarece Venosa (2004) que, se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. Isso porque a “chance” deve ser avaliada quando existe certo grau de probabilidade, como no caso de um cavalo obter vitórias em um determinado torneio ou de um recurso não interposto ser bem-sucedido. O julgador deverá estabelecer se a possibilidade perdida constitui uma probabilidade concreta, já que a oportunidade, como elemento indenizável, implica a perda ou frustração de uma expectativa ou probabilidade (VENOSA, 2004, p. 245).
Nesse ponto, entra em ação o tão celebrado auxílio das estatísticas e probabilidades, que, consoante Sérgio Savi (2012, p. 2), tornou possível determinar, com aproximação mais que tolerável, o valor de um dano que inicialmente parecia entregue à própria sorte, a ponto de poder considerá-lo um valor normal, dotado de autonomia em relação ao resultado final a que as chances correspondiam.
Com isso, de acordo com o grau de probabilidade que determinada chance tinha de se concretizar, esta poderá ser considerada séria ou não. Contudo, surge a seguinte indagação: existe um percentual de probabilidade mínimo para uma chance ser considerada séria e, portanto, indenizável?
Sérgio Savi (2012, p. 65), adotando a doutrina italiana, a partir das lições de Bocchiola, entende que para a chance ser considerada séria deve ter percentual de probabilidade superior a 50% (cinquenta por cento) de vir a se concretizar. Nessa linha são as palavras do suscitado autor:
Não é, portanto, qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultado esperado (o êxito no recurso, por exemplo), é que se poderá falar em reparação da perda da chance como dano material emergente.
O supracitado posicionamento também é adotado por Sergio Cavalieri Filho (2009, p. 75), que afirma que a chance perdida somente será indenizável se “houver a probabilidade de sucesso superior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis”.
Esse posicionamento é severamente criticado por Flávio da Costa Higa (2012, p. 86-87), que afirma que a adoção de tal critério é totalmente sem fundamento, além de ser “infeliz” pela ideia de ter tabelado o conceito de seriedade. De acordo com o autor, o legislador, ao trazer a ideia de seriedade do dano, optou por uma redação a partir de cláusula aberta, não cabendo ao intérprete, desta maneira, “desvirtuá-la, preenchendo, em juízo prévio e abstrato” tal conceito.
Dizendo que não há como assegurar que uma chance com probabilidade de 40% (quarenta por cento), ou até menor, de se concretizar não seja séria, o mencionado autor (HIGA, 2012, p. 90) propõe, utilizando-se da lógica hegeliana, que a ideia de seriedade deve ser analisada, caso a caso: “quando o intérprete alcançar a ‘medida’, o quanto qualitativo, que é o momento, averiguando concretamente, em que a soma de determinada quantidade de chances [...] tem o condão de comutar-se em algo juridicamente tutelável”. Assim, defendendo que a seriedade da chance não pode ter valor fixado, afirma o autor (HIGA, 2012, p. 92):
É nesse requinte que o hermeneuta deve investigar a seriedade da chance: do ponto exato em que uma determinada quantidade deixa de ser algo amorfo e destituído de valor, para, transmudando a sua qualidade, transformar-se em algo sério, merecedor de tutela jurisdicional segundo a teoria das chances perdidas.
Assim, a doutrina de Flávio da Costa Higa traz a ideia de que fixação do percentual mínimo de probabilidade para que uma chance seja considerada séria acaba por limitar a aplicação da teoria da perda de uma chance, devendo, pois, o aspecto da seriedade ser analisado diante de cada caso concreto.
Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Recurso Especial nº 788.459-59, proferiu decisão que concedeu indenização por perda de uma chance mesmo após concluir que, no caso analisado, a probabilidade do resultado esperado se concretizar era de apenas 25% (vinte e cinco por cento), o que demonstra que o pretório adota entendimento contrário à limitação de 50% (cinquenta por cento) proposta por Sérgio Savi e Sergio Cavalieri Filho.
5. A natureza jurídica do dano decorrente da perda de uma chance
Matéria não pacífica no direito brasileiro diz respeito à natureza jurídica do dano decorrente da perda de uma chance. Alguns doutrinadores o classificam como dano exclusivamente extrapatrimonial, outros o classificam como dano material, dividindo-se, nesta última hipótese, em classificar a perda da chance como sendo dano emergente ou lucro cessante.
Diante da inquestionável divergência, tanto doutrinária, quanto jurisprudencial, acerca da natureza jurídica da perda de uma chance, faz-se necessário tecer uma rápida análise acerca da correta forma de classificação de sua natureza jurídica.
Cabe ser refutada por completo a corrente que classifica a chance perdida como lucro cessante, pois, conforme já destacado alhures, neste caso será indenizado a totalidade dos lucros razoavelmente esperados, por enquanto que no caso de chance perdida, indeniza-se a chance em si considerada, valor este que sempre será menor do que o valor total do benefício final não alcançado:
No caso de lucro cessante, se tem certeza que a vítima teria um ganho futuro, só não se sabe de quanto seria exatamente este ganho. Por outro lado, na perda de uma chanc, não se tem certeza que o indivíduo auferiria o lucro, mas justamente o que se pretende indenizar não é a perda do lucro esperável, e sim a perda da oportunidade de conseguir este lucro. (VIEGAS et al, 2012, p. 35)
Diante da divergência acerca da natureza jurídica da perda de uma chance, faz-se necessário tecer uma rápida análise acerca da mais correta forma de classificação de sua natureza jurídica. Sérgio Savi (2012, 122), foi um dos que melhor sistematizou a natureza jurídica da chance perdida, classificando-a como dano material, enquadrando-se como dano emergente:
Ao inserir a perda de chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial).
Ou seja, não estamos diante de uma hipótese de lucros cessantes em razão da vitória futura que restou frustrada, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que deixou de existir.
O mencionado autor também entende que, em determinados casos, a chance perdida poderá, além de ser dano emergente, caracterizar-se como um “agregador do dano moral”, mas nunca poderá ser um dano exclusivamente moral (SAVI, p. 60):
Em conclusão, haverá casos em que a perda da chance, além de causar um dano material poderá, também, ser considerada um “agregador” do dano moral. Por outro lado, haverá casos em que apesar de não ser possível indenizar o dano material, decorrente da perda da chance, em razão da falta dos requisitos necessários, será possível conceder uma indenização por danos morais em razão da frustrada expectativa. Frise-se mais uma vez: o que não se pode admitir é considerar o dano da perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral, já que, presentes os requisitos descritos neste livro, a perda de uma chance pode dar origem a um dano material, nesta hipótese como dano emergente.
O pensamento de Sérgio Savi, acima exposto, é criticado por Flávio da Costa Higa (2012, p. 80-81), que salienta que o entendimento da perda da chance exclusivamente como desdobramento do dano material causa uma crise sistêmica, uma vez que encontra dificuldade de justificar a perda de uma chance quando o evento danoso acarreta prejuízos exclusivamente na esfera imaterial. Flávio da Costa Higa (2012, p. 123) menciona os seguintes exemplos onde a chance perdida acarreta dano exclusivamente moral:
Imagine-se, e.g., o caso de um trabalhador que deseja anular judicialmente uma advertência escrita aplicada pelo seu empregador, sob alegação de “desídia”, e recebe um sentença desfavorável, porém baseada em fundamentos frágeis, cuja probabilidade de reforma seja grande, mas fique totalmente obstada pela interposição de recurso ordinário intempestivo. Ora, não há conteúdo econômico imediato na pretensão do trabalhador, mas a frustração da expectativa de ver reexaminada a sua causa e, por conseguinte, possibilitado o cancelamento da advertência que lhe fora aplicada gera uma lesão exclusivamente moral.
Geneviève Viney, por sua vez, informa que a Corte de Cassação admite que, em caso de morte, as vítimas de dano por ricochete podem se prevalecer de uma indenização por dano moral resultante da perda de uma chance de sobrevida da vítima direta. Observe-se, neste caso, que, desde que os parentes não dependam economicamente do de cujus, a perda de uma chance, decorrente de erro médico, que provoca o falecimento, não acarreta senão um forte abalo moral, indiscutivelmente indenizável. Aliás, abstraindo eventuais pudores do caso, a morte do pai, por exemplo, pode acarretar, até mesmo, aumento patrimonial imediato do filho, em virtude do recebimento da herança.
Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 215), também analisando a possibilidade da perda da chance acarretar dano de ordem exclusivamente extrapatrimonial, menciona o seguinte exemplo:
Bom exemplo poderia ser encontrado em uma demanda judicial em que a pretensa?o do autor fosse pela recuperac?a?o da guarda de um dos filhos, na qual a decisa?o prolatada em primeiro grau, desfavora?vel ao autor, possui?sse boa chance de ser revertida em insta?ncia superior. Nessas hipo?teses, caso o advogado perdesse o prazo para interpor o recurso de apelac?a?o, a chance perdida pelo autor teria natureza de dano moral, ja? que o bem perseguido pelo autor da demanda na?o possui valor patrimonial
Nessa linha, Glenda Gonçalves Gondim (2010, p. 65) expõe que a natureza jurídica da perda da chance dependerá da natureza do dano final, da vantagem a qual a chance corresponde. Desta maneira, a suscitada autora aduz que: ”o conteúdo econômico da chance será variável de acordo com o resultado final, pois se esse era patrimonial, assim o será a chance e da mesma forma, quando se tratar de dano extrapatrimonial”. Com isso, na hipótese do dano final ser patrimonial, a autora afasta a possibilidade de se considerar a perda da chance como lucro cessante, uma vez que este está relacionado “a um ganho futuro que não será obtido em razão da conduta de um terceiro” (GONDIM, 2010, p. 125), por enquanto que aquela corresponde “verba com caráter de atualidade” (GONDIM, 2010, p. 128), posto que antes da conduta do agente ofensor a probabilidade de se alcançar uma situação futura mais vantajosa já existia. Em outras palavras, quando considerada dano material, será dano emergente.
Assim, a supracitada autora entende que se deve criar uma relação de simetria entre o dano decorrente da chance perdida e o dano final. Desta forma, caso o resultado final for de natureza patrimonial, o dano decorrente da perda da chance terá natureza jurídica de dano material, na qualidade de dano emergente. Mas se, por outro lado, o dano final for de natureza extrapatrimonial, assim o será o decorrente da chance perdida.
6. Conclusão
Por meio do presente trabalho, concluiu-se que o posicionamento mais correto acerca da natureza jurídica da chance perdida é aquele que cria uma relação de simetria entre o dano decorrente da chance perdida e o dano final. Assim, caso o resultado final for de natureza patrimonial, o dano decorrente da perda da chance terá natureza jurídica de dano material, na qualidade de dano emergente. Mas se, por outro lado, o dano final for de natureza extrapatrimonial, assim o será o decorrente da chance perdida.
Ademais, concluiu-se que a chance perdida pode ser classificada como um dano certo e determinado, pois na teoria da perda de uma chance não será analisada a perda do resultado final esperado, mas, por outro lado, a chance, que já fazia parte do patrimônio da vítima antes da prática do ato danoso.
Em suma, o que se deve indenizar não é a perda da vantagem em si, mas a perda da probabilidade de conseguir a vantagem esperada. Como, por exemplo, quando o advogado deixa de recorrer, tirando da esfera jurídica de seu cliente a chance de obter situação jurídica mais favorável, a indenização é devida não pelo fato de o cliente perder a disputa, mas porque nem mesmo teve a oportunidade de disputar através de análise do recurso por uma instância superior.
Além disso, para que a perda da chance seja considerada como dano certo, concluiu-se que as chances perdidas devem ser sérias e reais, não podendo representar possibilidade meramente hipotética, devendo, por outro lado, ser uma chance considerável. Verificou-se, ainda, que não é salutar o estabelecimento de probabilidade mínima para que a chance seja considerada séria, assim como faz a doutrina italiana, pois a ideia de fixação do percentual mínimo de probabilidade acaba por limitar ao extremo a aplicação da teoria da perda de uma chance, devendo, pois, o aspecto da seriedade ser analisado diante de cada caso concreto.
Por fim, com o presente artigo se evidencia a importância da teoria da perda de uma chance no direito brasileiro, fundamental para que seja indenizada toda espécie de dano injusto, pois é inegável que a chance possui um valor relevante. Não aceitar a responsabilização civil por perda de uma chance caracteriza, pois, ofensa ao princípio geral do Direito que diz que a ninguém se deve lesar.
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SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n.º 0036977-42.2009.8.26.0562. 28ª Câmara de Direito Privado. Relator Desembargador Cesar Lacerda. Julgamento: 31 de julho de 2012. Disponível em: Acesso em: 06 dez. 2017.
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Advogado. Graduado pela Universidade de Fortaleza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAFAEL DANTAS CARVALHO DE MENDONçA, . A responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51185/a-responsabilidade-civil-decorrente-da-perda-de-uma-chance. Acesso em: 22 nov 2024.
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