RESUMO: O presente trabalho visa estudar a imunidade conferida pela Constituição às entidades de educação e assistência social. Traz-se aqui a jurisprudência recente da Suprema Corte quanto às ampliações dessa imunidade e quanto aos requisitos necessários para que a imunidade seja conferida às referidas entidades.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário, Imunidade, Imunidade das Instituições de Educação e Assistência Social.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Imunidades tributárias. 3. As imunidades genéricas previstas no art. 150 da Constituição Federal. 4. A imunidade das instituições de educação e assistência social em relação aos impostos. 5. Imunidade das entidades de beneficentes de assistência social quanto às contribuições para a seguridade social. 6. Requisitos para a concessão da imunidade às entidades de educação e assistência social. 7. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), em seu art. 150 define as limitações do poder de tributar. Segundo alguns autores, este artigo define direitos e garantias fundamentais ao contribuinte, positivando princípios essenciais às liberdades individuais e coletivas.
Não deixa de ocorrer o mesmo com o inciso VI do mesmo artigo, que define diversas imunidades previstas no texto constitucional e dentre elas a imunidade das instituições de educação e assistência social no tocante aos impostos.
O objetivo do presente trabalho é descrever como a Suprema Corte tem aplicado as imunidades supramencionadas, de maneira ampliativa, bem como descrever os requisitos para a concessão dessas imunidades, segundo a jurisprudência recente.
2. IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
As imunidades tributárias são importantes institutos de proteção a direitos e garantias fundamentais. Paulsen (2017, p. 108) afirma essa característica das imunidades, ressaltando a sua importância como cláusulas pétreas e distinguindo-a da regra constitucional da desoneração tributária das exportações:
Também podem ser percebidas e consideradas como garantias fundamentais quando estabelecidas com o escopo de proteger direitos fundamentais como o da liberdade de crença (imunidade dos templos) ou da manifestação do pensamento (imunidade dos livros). Tais imunidades compõem o estatuto jurídico-constitucional de tais garantias fundamentais, de modo que as integram.
A importância de tomar uma imunidade como garantia fundamental está em lhe atribuir a condição de cláusula pétrea inerente aos direitos e garantias fundamentais, nos termos do art. 60, § 4o, da Constituição Federal.
Note-se que há uma enorme diferença axiológica entre a imunidade dos livros a impostos, prevista no art. 150, VI, d, da Constituição, e a imunidade das receitas de exportação a contribuições sociais e interventivas, prevista no art. 149, § 2o, I, da Constituição. A primeira assegura a liberdade de manifestação do pensamento, preservando a democracia, o pluralismo, o acesso à informação, de modo que configura cláusula pétrea, não podendo ser revogada nem restringida pelo poder constituinte derivado. A segunda constitui simples elevação, em nível constitucional, da política de desoneração das exportações, podendo ser revogada ou alterada pelo constituinte derivado.
De acordo com Abraham (2018), as imunidades tributárias, muitas vezes consideradas modalidades de princípios tributários, constituem limitações constitucionais ao poder de tributar do Estado que desoneram certas pessoas e situações do pagamento de tributos, buscando evitar restrições de natureza fiscal a valores relevantes reconhecidos pelo ordenamento constitucional.
Assim, as imunidades, conforme grande parte da doutrina, podem ser definidas como limitação constitucional à competência do ente federativo para instituir tributo. Recorre-se à doutrina de Machado (2010):
Imunidade e o obstáculo decorrente de regra da Constituição á incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação da competência tributária.
Há parte da doutrina que entende que a imunidade não pode ser uma limitação ao poder de tributar, porquanto estabelecida anteriormente ao exercício desse poder (Machado, 2010, p. 300). É certo que a imunidade é uma regra que participa da demarcação da competência tributária, sendo parte desta. Assim, de acordo com Paulsen, (2017, p. 108).
As imunidades são normas negativas de competência tributária. Tem suporte constitucional, ainda, considerá-las como limitações ao poder de tributar, sendo certo que a Constituição arrola as imunidades genéricas justamente na seção que cuida das limitações ao poder de tributar.
Assim, quer consideremos as imunidades como direitos e garantias fundamentais ou normas negativas de competência tributária, é certo que protegem o contribuinte e impedem o ente federativo de criar tributos sobre a dada situação descrita expressa ou implicitamente na Constituição.
Insta-se frisar que a CRFB não utiliza o termo “imunidade”. A Carta Magna utiliza os termos ‘isenção”, “não incidência”, “são gratuitos”, etc., para se referir às imunidade tributárias. O próprio STF já reconheceu a natureza de imunidade a essas regras constitucionais de “não incidência” e de “isenção”. É o caso do RE 212.637, e da ADI 2028 (Paulsen, 2017, p. 107).
3. AS IMUNIDADES GENÉRICAS PREVISTAS NO ART. 150 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O art. 150 da CRFB, em seu artigo 150, VI, prevê uma série de imunidades genéricas, ora subjetivas, isto é, referentes a pessoas, ora objetivas, ou seja, referente a coisas. Pode ser visto na sua redação, abaixo, que as imunidades constantes das alíneas “a”, “b”, e “c” são subjetivas e das alíneas “d” e “e” são objetivas.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)
§ 2º A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
§ 3º As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.
§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.
Sobre as imunidades genéricas constantes do art. 150, VI da CRFB é necessário tecer algumas considerações. Primeiramente, essas imunidades se referem apenas a impostos. Abraham (2018) especifica e ressalva o referido dispositivo:
O STF possui jurisprudência consolidada interpretando literalmente o previsto no art. 150, VI da Constituição (“é vedado [...] instituir impostos”), de modo que, nos termos desse dispositivo, somente impostos estariam abrangidos pela imunidade aí concedida, mas não as demais espécies tributárias (taxas, contribuições e empréstimos compulsórios). Há, na doutrina, críticas a este entendimento literal do STF quanto ao art. 150, VI.
Em segundo lugar, esclarece-se que o dispositivo em tela prevê quatro imunidades incondicionadas, aquelas que o sujeito ou objeto da regra imunizante não precisa obedecer a qualquer condição imposta pelo regramento infraconstitucional e uma imunidade condicionada, a que para ser concedida é necessária que seus requisitos estejam especificados em lei. Este assunto, referente às imunidades das entidades de educação e assistência social será revisto.
Por fim, insta registrar que a imunidade tributária atinge apenas a obrigação tributária principal, aquela referente ao dever de pagar tributo, não tendo o condão de alcançar as chamadas obrigações tributárias acessórias, ou seja, os deveres instrumentais ou formais do contribuinte, que permanecem em pleno vigor (Sabbag, 2016). Assim, o contribuinte imune continua sendo obrigado a entregar declarações, prestar informações, manter sua escrituração contábil de acordo com a legislação. É assente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF): “A imunidade tributária não autoriza a exoneração de cumprimento das obrigações acessórias” (STF, RE 627051, rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, nov. 2014).
4. A IMUNIDADE DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL EM RELAÇÃO AOS IMPOSTOS
Trazendo à luz o art. 150, VI, c, tem-se que a imunidade das instituições de educação e assistência social tem fundamento na liberdade necessária para a existência e sobrevivência de instituições – sem fins lucrativos – que substituem o Estado na prestação de serviços essenciais aos cidadãos, atendendo aos menos afortunados, na realização de atividades fundamentais (Abraham, 2018).
Sobre a imunidade conferida à Educação, assevera Paulsen (2017, p. 117):
A Constituição atribui imunidade, ainda, genericamente, às instituições de educação. Alcança, pois, tanto o ensino fundamental, o ensino médio, o ensino técnico e o ensino universitário, como as pré-escolas, as escolas de idiomas, de esportes e outras quaisquer voltadas à educação. Além disso, o fato de as instituições de ensino cobrar mensalidades e obterem renda elevada não descaracteriza a imunidade. As atividades relacionadas às suas finalidades essenciais são preservadas da cobrança de impostos. Caso desenvolvam atividades voltadas a outras finalidades, que não se configurem como auxiliares ou complementares do ensino, restarão tais atividades tributadas, conforme se infere do § 4o do mesmo art. 150.
É da lavra do mesmo autor a digressão sobre a imunidade conferida às entidades de assistência social:
As instituições de assistência social, também beneficiárias da imunidade, são aquelas que desenvolvem uma das atividades descritas no art. 203 da CF. Não se exige filantropia, ou seja, não se exige que atuem exclusivamente com pessoas carentes, de modo gratuito e universal e que dependam exclusivamente de donativos. Podem exercer atividade econômica rentável, desde que sem finalidade de lucro, ou seja, desde que revertam seus resultados para a atividade assistencial. Há impedimento à distribuição de lucros, esta sim descaracterizadora da finalidade assistencial e do caráter não lucrativo. Não se deve confundir, ainda, a ausência de caráter lucrativo com a obtenção de superávit, este desejável inclusive para as entidades sem fins lucrativos, de modo que viabilize a ampliação das suas atividades assistenciais.
A imunidade conferida às entidades de educação e assistência social apresentam a característica que somente o patrimônio, renda e serviços afetados às suas finalidades essenciais são imunes, bem como as rendas revertidas para suas atividades essenciais. Contudo, o STF tem conferido interpretação ampla a esse dispositivo.
Dessa feita, em vários julgados, o STF decidiu que a finalidade essencial não sofre desvio em diversas situações em que se poderia pensar o contrário. É o caso da utilização do imóvel para atividade de lazer e recreação, conforme o RE 236174/SP, de 2008:
EMENTA Imunidade tributária. IPTU. Finalidade do bem. 1. A utilização do imóvel para atividade de lazer e recreação não configura desvio de finalidade com relação aos objetivos da Fundação caracterizada como entidade de assistência social. 2. A decisão que afasta o desvio de finalidade para o fim de assegurar a imunidade tributária com base no reconhecimento de que a atividade de recreação e lazer está no alcance dos objetivos da Fundação não agride o art. 150, § 4º, inciso VI, da Constituição Federal. 3. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido. (STF, RE 236174/SP, rel. Min. Menezes Direito, Primeira Turma, 2008)
É também a manutenção de livraria e cinema pelas entidades, atividade esta que não descaracteriza a imunidade:
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR. IMUNIDADE. ENTIDADE BENEFICENTE. IPTU. O Tribunal a quo seguiu corretamente a orientação desta Suprema Corte, ao assentar que o fato de uma entidade beneficente manter uma livraria em imóvel de sua propriedade não afasta a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, "c" da Constituição, desde que as rendas auferidas sejam destinadas a suas atividades institucionais, o que impede a cobrança do IPTU pelo município. Recurso extraordinário não conhecido. (STF RE 345830/MG rel. Min.Ellen Gracie, Primeira Turma, 2002)
EMENTA: IMUNIDADE TRIBUTARIA. CF, ART. 150, VI, C. SERVIÇO SOCIAL DO COMERCIO - SESC. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE DIVERSÃO PÚBLICA. A renda obtida pelo SESC na prestação de serviços de diversão pública, mediante a venda de ingressos de cinema ao público em geral, e aproveitada em suas finalidades assistenciais, estando abrangida na imunidade tributaria prevista no art. 150, VI, c, da Carta Republica. Precedente da Corte: RE 116.188-4 Agravo regimental improvido. (STF AI 155822 AgR/SP rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, 1994)
Também decidiu a Suprema Corte que a imunidade das entidades de educação e assistência social se estende aos rendimentos em aplicações financeiras:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE ENTIDADES ASSISTENCIAIS SEM FINS LUCRATIVOS. RENDIMENTOS DECORRENTES DE APLICAÇÕES FINANCEIRAS. Incide, no caso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que reconhece que a imunidade das entidades de assistência social, sem fins lucrativos (art. 150, VI, c, da CF), alcança os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF AI 673463 AgR/SP rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, 2013)
Ademais, é imune ao IPTU o imóvel de entidade de assistência social utilizado para estacionamento, e de IR e de ISSQN a renda obtida com a locação de espaço para estacionamento.
Entendendo que a imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos (CF/88, art. 150, VI, c) abrange inclusive os serviços que não se enquadrem em suas finalidades essenciais, a Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que reconhecera à instituição de assistência social mantenedora de orfanato a imunidade relativamente ao pagamento do IPTU cobrado de imóvel utilizado para estacionamento de veículos. (STF RE 257700/MG, rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, 2000 - Informativo 193 STF - 12 a 16/06/2000).
EMENTA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CONSTITUIÇÃO. INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. EXIGÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE SERVIÇO CALCULADO SOBRE O PREÇO COBRADO EM ESTACIONAMENTO DE VEÍCULOS NO PÁTIO INTERNO DA ENTIDADE. Ilegitimidade. Eventual renda obtida pela instituição de assistência social mediante cobrança de estacionamento de veículos em área interna da entidade, destinada ao custeio das atividades desta, está abrangida pela imunidade prevista no dispositivo sob destaque. Precedente da Corte: RE 116.188-4. Recurso conhecido e provido. (STF RE 144900/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, 1997)
Em relação ao IPTU, é importante se frisar a Súmula Vinculante n.º 52, do STF: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, ‘c’, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas”.
Por derradeiro em relação ao IPTU, tem-se que o imóvel usado para escritório da entidade ou para moradia dos dirigentes da entidade também permanece imune. É o que diz o STF:
IMUNIDADE - INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS - IMÓVEIS - ESCRITÓRIO E RESIDÊNCIA DE MEMBROS. O fato de os imóveis estarem sendo utilizados como escritório e residência de membros da entidade não afasta a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea "c", § 4º da Constituição Federal. (STF RE 221395/SP, rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, 2000)
Abraham (2018), contudo, traz interessante discussão sobre a possibilidade de imunidade ao ICMS, que não se caracteriza como imposto sobre patrimônio, renda ou serviço, mas que afeta sobremaneira a receita das entidades que comercializam mercadorias.
O Pleno do STF, ao julgar a imunidade de entidades de assistência social, afirmou que são imunes quanto ao ICMS incidente sobre a comercialização de bens por ela produzidos. Tal decisão, contudo, deve ser tomada com uma certa reserva: por óbvio, o ICMS, sendo um dos principais impostos que entra na composição do preço de um produto, tem o potencial de afetar diretamente a livre concorrência. Assim, se a entidade de assistência social realizar a comercialização em larga escala, competindo com outros produtos fornecidos no mercado, haveria uma concorrência desleal que desnaturaria a função da imunidade. A situação deve ser apreciada casuisticamente para evitar o conflito entre a imunidade aqui prevista e a livre concorrência.
Ainda, em relação ao ICMS, tem-se que a Suprema Corte rejeita a distinção entre bens e patrimônio, a fim de se verificar a incidência (ou não) do refereido imposto quanto às entidades de educação e assistência social.
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. C.F., art. 150, VI, "c". I. - Não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II. - Precedentes do STF. III. - R.E. não conhecido. (STF RE 203755/ES, rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, 1996)
Ao comercializarem o bens por elas produzidos, as entidades de educação e assistência social permanecem imunes.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 210.251 - EDv/SP, fixou entendimento segundo o qual as entidades de assistência social são imunes em relação ao ICMS incidente sobre a comercialização de bens por elas produzidos, nos termos do art. 150, VI, "c" da Constituição. Embargos de divergência conhecidos, mas improvidos. (STF RE 186175 ED-EDv, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, 2006)
Por último, ressalta-se que vem decidindo o STF que existe presunção relativa em favor da imunidade, isto é, presume-se que o patrimônio, renda ou serviço da entidade imune estejam afetados a destinação compatível com seus objetivos e finalidades institucionais, sendo ônus do Fisco desconstituir tal presunção por prova em sentido contrário.
EMENTA Embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento. IPTU. Imunidade. Condicionante da vinculação às finalidades essenciais. Presunção. Ônus da prova. Integração do julgado. 1. A vedação à instituição de impostos sobre o patrimônio e a renda das entidades reconhecidamente de assistência social que estejam vinculados às suas finalidades essenciais é uma garantia constitucional. Por seu turno, existe a presunção de que o imóvel da entidade assistencial esteja afetado a destinação compatível com seus objetivos e finalidades institucionais. 2. O afastamento da imunidade só pode ocorrer mediante a constituição de prova em contrário produzida pela administração tributária. 3. Embargos de declaração acolhidos para integrar o julgado, sem efeitos modificativos. (STFAI 746263 AgR-ED/MG, rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, 2013)
5. IMUNIDADE DAS ENTIDADES DE BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL QUANTO ÀS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL
Essa imunidade, exclusiva para tais instituições encontra-se prevista no art. 195, §7º da CRFB:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
Cuida-se de imunidade às contribuições para a seguridade social (PIS, COFINS, CSLL, etc.) não aplicável às entidades de educação, apenas as de assistências social e que sejam beneficentes. Neste caso, necessários dois requisitos para que a instituição possa gozar da referida imunidade: 1) a entidade deverá ser uma pessoa jurídica beneficente, prestadora de serviços de assistência social; e 2) deverá atender os requisitos previstos em lei.
Até o ano de 2017 havia significativa controvérsia sobre qual espécie legislativa seria necessária para especificar os requisitos previstos para a entidade beneficente de assistência social, se era uma lei ordinária ou complementar. O STF, no RE 566622, em sede de Repercussão Geral fixou a seguinte tese: “Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar.”, dirimindo de uma vez por todas a controvérsia em torno da questão.
6. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA IMUNIDADE ÀS ENTIDADES DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL
Conforme visto anteriormente, a imunidade das entidades de educação e assistência social é condicionada. De acordo com o art. 150 da CRFB, as referidas entidades deverão ser sem fins lucrativos, e ter atendidos os requisitos da lei. Também residia controvérsia sobre qual espécie legislativa deveria ser utilizada para regular os requisitos para a concessão da imunidade a impostos das entidades de educação e assistência social. Este dispositivo é semelhante ao preceito constante do art. 195, §7º da CRFB, que segundo visto anteriormente, necessita de lei complementar para regulá-lo.
A necessidade de lei complementar está fundamentada no art. 146, II da CRFB, o qual preceitua que cabe à lei complementar regular as limitações ao poder de tributar. Assim, segundo a Suprema Corte, no RE 56622, os arts. 146, II e 195, §7º devem ser interpretados conjuntamente e sistematicamente. Portanto, a Constituição exigiu sim lei complementar, mas não diretamente no § 7º do art. 195 e sim na previsão geral do art. 146, II.
Quanto ao art. 150, VI, “c”, o STF dispôs pela necessidade de Lei Complementar, na medida cautelar deferida na ADI 1802/DF:
EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: Confederação Nacional de Saúde: qualificação reconhecida, uma vez adaptados os seus estatutos ao molde legal das confederações sindicais; pertinência temática concorrente no caso, uma vez que a categoria econômica representada pela autora abrange entidades de fins não lucrativos, pois sua característica não é a ausência de atividade econômica, mas o fato de não destinarem os seus resultados positivos à distribuição de lucros. II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c, e 146, II): "instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei": delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida. 1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar. 2. À luz desse critério distintivo, parece ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal arguida os arts. 12 e §§ 2º (salvo a alínea f) e 3º, assim como o parág. único do art. 13; ao contrário, é densa a plausibilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, § 2º, f; 13, caput, e 14 e, finalmente, se afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal mas também material do § 1º do art. 12, da lei questionada. 3. Reserva à decisão definitiva de controvérsias acerca do conceito da entidade de assistência social, para o fim da declaração da imunidade discutida - como as relativas à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações de previdência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requerente, dizem com a validade do art. 12, caput, da L. 9.532/97 e, por isso, devem ser consideradas na decisão definitiva, mas cuja delibação não é necessária à decisão cautelar da ação direta. (STF, ADI 1802/DF, rel. Min. Sepulveda Pertence, Tribunal Pleno, 1998)
O julgamento do Recurso Extraordinário supramencionado apenas confirmou ser a tese dominante na Suprema Corte a necessidade de lei complementar para regular o dispositivo constante do art. 150, VI, “c”.
Atualmente, segundo a jurisprudência, os requisitos para o gozo das imunidades previstas nos arts. 150, VI, “c” e 195, § 7º estão previstas no art. 14 do Código Tributário Nacional (CTN), ou Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966. Assim, para gozarem da imunidade, as entidades devem obedecer às seguintes condições (Cavalcante, 2017):
a) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
b) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
c) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
Por fim, é importante mencionar que, segundo a doutrina majoritária e vasta jurisprudência do STF, o CTN é uma lei que foi editada como lei ordinária e recepcionada pela CRFB como complementar, em vista das matérias que ele trata.
7. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, verifica-se que a imunidade concedida às entidades de educação e assistência social vem sendo interpretadas de maneira bastante ampliativa pelo STF. Assim, ainda que não previstas expressamente na Constituição e guardando alguma correlação com as finalidades essenciais das instituições supramencionadas, as imunidades são conferidas.
Mostrou-se no presente trabalho diversos julgados nos quais o STF considerou que não havia desvio de finalidade a exploração de algumas atividades. Dentre elas, destacou-se: a utilização do imóvel para atividade de lazer e recreação; a instalação de livraria ou cinema em imóvel da entidade mantém a imunidade quanto ao IPTU; a imunidade se estende a rendimentos em aplicações financeiras; é imune de IPTU o imóvel de entidade de assistência social utilizado para estacionamento, bem como imune de IR a renda obtida com a locação de espaço para estacionamento e, ainda, imune de ISS quanto ao preço cobrado pela exploração de estacionamento; são imunes de IPTU os imóveis locados a terceiros, sempre que a renda dos aluguéis seja aplicada em suas finalidades institucionais (Súmula Vinculante nº 52), bem como aqueles utilizados como escritório e residência de membros da entidade. (Abraham, 1028; Paulsen 2017, p. 118); o Pleno do STF afirmou que são imunes quanto ao ICMS incidente sobre a comercialização de bens por ela produzidos, mas que essa imunidade deveria ser observada de maneira casuística.
No que concerne às imunidades, por último mostrou-se o julgado no qual o STF afirma que a presunção de afetação às atividades essenciais da entidade é relativa, devendo quem deseje elidir a imunidade, apresentar a prova em contrário.
Por derradeiro, o presente trabalho apresentou o recente julgado do STF, m sede de repercussão geral, que fixou a tese de que é necessária lei complementar para regular os requisitos para o gozo das imunidades por parte das entidades de educação e assistência social.
A interpretação ampliativa dada pelo Supremo é consonante com a visão de imunidade como direito e garantia fundamental, verdadeira cláusula pétrea, para proteger o terceiro setor, importante concretizado de programas e políticas públicas fundamentais à sociedade.
REFERÊNCIAS
Abraham, Marcus. Curso de Direito Tributário Brasileiro. E-book. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
Cavalcante, Marcio André Lopes. Os requisitos para o gozo de imunidade devem estar previstos em lei complementar. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br/2017/03/os-requisitos-para-o-gozo-de-imunidade.html
Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2010
Paulsen, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
Sabbag, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Brasília: Senado, 1966
Pós Graduada em Direito Tributário e Direito Administrativo. Exerce o cargo público efetivo de Especialista em Regulação na Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel e é membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da OAB/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KUNERT, Maria Luiza de Moraes. Imunidade das instituições de educação e assistência social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 abr 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51519/imunidade-das-instituicoes-de-educacao-e-assistencia-social. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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