KARINE ALVES GONÇALVES MOTA
(Orientadora)[1]
RESUMO: No ordenamento jurídico pátrio os direitos fundamentais à privacidade, à honra e à intimidade foram garantidos de forma expressa no artigo 5º, inciso X, da Constituição da República de 1988, em sentido amplo os indivíduos possuem direito público subjetivo de evitar que sua vida privada seja exposta. Neste sentido o presente artigo trata do direito ao esquecimento, analisando o tema à luz do Estado Democrático de Direito, do princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade de informação, discorrendo sobre o conflito entre a liberdade de expressão e o direito à intimidade da pessoa pública. Para se alcançar os objetivos propostos foi utilizada a pesquisa bibliográfica, desenvolvida com base em materiais já publicados sobre o assunto em livros, revistas, jornais, internet, e legislações pertinentes.
PALAVRAS CHAVE: Direito ao esquecimento, Liberdade de informação, direito a intimidade, conflito de normas.
ABSTRACT: In the legal order of the country, the fundamental rights to privacy, honor and intimacy were expressly guaranteed in article 5, item X, of the Constitution of the Republic of 1988, in the broad sense individuals have a subjective public right to prevent their private life from being exposed. In this sense, this article deals with the right to forgetfulness, analyzing the subject in the light of the Democratic State of Law, the principle of the dignity of the human person and freedom of information, discussing the conflict between freedom of expression and the right to privacy public person In order to reach the proposed objectives, a bibliographic research was developed, based on material already published on the subject in books, magazines, newspapers, internet, legislation relevant to the subject.
KEY-WORD: Right to forgetfulness, Freedom of information, right to privacy, conflict of laws.
Sumário: 1. Introdução – 2. Evolução do direito ao esquecimento: 3. O direito da personalidade e o direito a informação analisados a luz da constituição de 1988: 4. Direito ao esquecimento no ordenamento juridico brasileiro: 5. Liberdade de expressão versus a inviolabilidade da vida privada, a colisão entre direitos fundamentais: 6. O direito ao esquecimento na jurisprudência brasileira: 6.1 Caso Candelária: 6.2 Caso Aída Curi: 7. A aplicação do direito ao esquecimento á pessoa pública: 8. Considerações finais. 9. Referências.
Esta pesquisa aborda um tema bastante discutido atualmente no mundo jurídico que é a “Direito ao esquecimento” neste caso, com enfoque no conflito entre a liberdade de expressão e o direito à intimidade da pessoa pública. A sociedade está eternamente em evolução, às transformações no direito tendem particularmente a acompanhar este cenário de mudanças. Essas modificações são determinadas por uma revolução tecnológica, onde nos últimos anos trouxe novas ferramentas de comunicação, e que as informações aceleram a notícia, mais do que os outros tipos de meios já existentes, está em questão, à internet.
É neste sentido que a sociedade começa a repensar e discutir uma nova sistemática jurídica que acompanhe as necessidades de harmonização de alguns eventuais conflitos, que terão bastante pertinência na discussão deste trabalho, que se insere como objeto de estudo, a problemática da liberdade de expressão em detrimento da inviolabilidade da vida privada na questão do direito ao esquecimento.
Com o estudo, percebe-se que a discussão começou a ter bastante enfoque após aprovação do enunciado nº 531 do Conselho Nacional de Justiça que incluiu o direito ao esquecimento na tutela de dignidade da pessoa humana, assim como das decisões dos ministros do Superior Tribunal de Justiça em relação ao direito à vida privada, a liberdade de expressão e à dignidade da pessoa humana.
Com os objetivos de apresentar a evolução histórica do direito ao esquecimento; determinar a aplicabilidade do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro; demonstrar os fundamentos dos julgados do tema em questão; discutir o direito ao esquecimento e o conflito entre a liberdade de expressão e a inviolabilidade da vida privada, bem como, analisar o direito da personalidade e o direito à informação. O estudo em questão justifica-se pela necessidade de se promover uma melhor compreensão, visto que, foi reconhecida a possibilidade da proteção do direito ao esquecimento no nosso ordenamento jurídico pelo enunciado nº 531 na VI Jornada de Direito Civil “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”, mesmo que não tenha força cogente, ela traz uma grande relevância para discussões, sendo que se trata de uma orientação doutrinária.
Nesta pesquisa pretende-se dar resposta à seguinte questão: é possível haver uma prevalência entre a liberdade de expressão em detrimento da inviolabilidade da vida privada?
No que se refere aos procedimentos metodológicos, o artigo apresentado baseia-se num estudo com abordagem qualitativa, uma vez que se incentivou o encontro entre as informações e evidências coletadas sobre o assunto, além dos conhecimentos teóricos acumulados a respeito dos mesmos.
Segundo MINAYO (1996), a pesquisa qualitativa responde questões particulares, pois ela se preocupa com ciências sociais, que com um nível de realidade não pode ser quantificado, ou seja, trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes.
Quanto aos meios, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, segundo CERVO (2007) a pesquisa bibliográfica busca explicar um problema a partir de referências teóricas já publicadas em artigos, livros, dissertações e teses. Pode ser independente ou parte da pesquisa descritiva.
Por meio do levantamento bibliográfico obteve-se um referencial teórico mais amplo, tornando possível a análise e interpretação das questões abordadas nesta pesquisa.
Para que seja possível melhor compreensão, será analisada a questão histórica deste direito e suas peculiaridades, como ele é abordado no ordenamento jurídico e a forma como a Constituição Federal estabelece a questão da liberdade de expressão e sua atuação e bem como também a dignidade da pessoa humana. Sendo analisado também na forma doutrinária o conflito aparente entre a liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana, considerados ambos direitos fundamentais, bem como também aplicabilidade desse direito a pessoa pública segundo a jurisprudência.
Nas considerações finais, longe de esgotar as discussões sobre a temática em questão, faz-se uma condensação do tema à luz do Estado Democrático de Direito, do princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade de informação, discorrendo sobre a necessidade de ponderação entre a liberdade de expressão/informação e a privacidade, a honra e a intimidade.
A forma como as informações são adquiridas facilmente através de uma simples pesquisa em uma ferramenta de busca tem trazido grandes debates pela grande exposição midiática e cibernética, é neste sentido que o Direito ao Esquecimento que tem como fundamento a preservação da honra, intimidade e da vida privada, dentre outros direitos da personalidade, vem se estabelecendo no ordenamento jurídico brasileiro.
Deste modo, a sociedade contemporânea adquiriu a titulação de sociedade digital, levando isso em conta à socialização das pessoas no cotidiano tem evoluído no passar dos anos e a tecnologia tem proporcionado maior comunicação entre a população, facilitando a conversação no ambiente digital com pessoas do mundo inteiro, é nesse interim que está havendo uma rápida disseminação de informações através da internet, pois a cada dia o ambiente virtual tem cativado cada vez mais os utilizadores desta ferramenta, é neste sentido que expõe Rodrigues (2010): “A sociedade deixou, portanto, de ser aquele conjunto físico de indivíduos no momento em que se associou a ela o termo “digital”, ainda que este não seja concretamente definível no tempo nem no espaço”.
É evidente dizer que a internet trouxe inúmeras vantagens e conquistas na área da informação, no entanto por outro lado ela vem também ocasionando excessiva exposição a seus usuários, possibilitando que situações pretéritas consolidadas no “mundo real” possam ser rememoradas, assim atingindo por consequência os personagens envolvidos nos episódios. Em que pese os avanços quanto à velocidade, armazenamento e acesso da informação, a segurança e proteção individual desta não receberam a devida atenção até o presente momento. Por meio da Internet é possível que se encontrem dados de caráter pessoal de qualquer usuário, inexistindo qualquer espécie de controle satisfatório (MARTINEZ, 2014).
Deste modo uma informação que antes demorava muito para ser adquirida, nos dias de hoje com a internet é em questão de segundos, facilmente e por qualquer usuário. A excessiva possibilidade de difusão de informações pretéritas, somada à capacidade ilimitada de armazenamento de dados na rede, deu origem a um novo campo de proteção jurídica, qual seja, a memória individual. Aspecto integrante da dignidade humana, que não pode ser fragmentada do indivíduo, a proteção da memória individual se consubstancia no denominado direito ao esquecimento (MARTINEZ, 2014).
Historicamente esse direito teve seu início no âmbito das condenações criminais, tendo como exemplo um julgamento de grande repercussão na década de 70, o caso Lebach, originário da jurisprudência alemã, foi uma reclamação decidida pelo Tribunal Constitucional desse país em 5 de junho de 1973, onde se discutia o conflito entre liberdade de imprensa e afronta aos direitos da personalidade, que proibiu a exibição de um documentário sobre um latrocínio ocorrido na cidade de Lebach, no caso em questão foi concedida tutela inibitória para impedir a transmissão de programa de televisão que tratava de pessoa que estava às vésperas de ser libertado, pois, os julgadores entenderam haver violação ao direito de desenvolvimento da personalidade do condenado (MARTINEZ, 2014).
Apesar de não ser a única decisão que possa ser invocada, o ‘Caso Lebach’, é um dos mais relevantes, ao se falar do contexto histórico, uma vez que conserva estreita relação com os julgados mais recentes do Superior Tribunal de Justiça brasileiro sobre o tema do direito ao esquecimento.
Desta forma, o tema em questão teve seu prelúdio na área criminal, tendo conexões com diversas áreas, como a neurociência (memória) e filosofia (tempo) e se vinculando com o direito civil (responsabilidade civil) e direito constitucional (colisão entre princípios). Casos célebres ocorridos em outras partes do mundo dão conta de que a temática é discutida há décadas (SOUZA, 2014).
O artigo 5º da Constituição Federal institui os direitos e garantias para proteção do desenvolvimento da pessoa com fundamento na ética da dignidade da pessoa humana. O inciso X deste artigo prevê a proteção ao direito à intimidade como um dos mais fundamentais ao ser humano, o intimo pessoal é essencial para proporcionar a cada indivíduo uma vida digna perante a sociedade.
A dignidade da pessoa humana é um dos essenciais princípios fundamentais da atual Constituição da Brasileira, previsto em seu artigo 1°, III, defende e garante os direitos iniciais da própria pessoa.
Maria Helena Diniz define os direitos da personalidade como direitos:
Subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) a sua integridade moral (honra, recato ou intimidade, segredo pessoal, doméstico e profissional, imagem, identidade pessoal, familiar e social).
Dos direitos decorrentes da personalidade, os que se mostram relacionadas intimamente ao tema direito ao esquecimento são o direito a intimidade e o direito à vida privada, sendo que as esferas são diversas, mas que compreendem em um conceito mais amplo: a inviolabilidade da vida privada, em outras palavras, o direito à privacidade.
Uma das consequências da consagração da dignidade da pessoa humana no texto constitucional é o reconhecimento de que a pessoa não é simplesmente um reflexo da ordem jurídica, mas, ao contrário, constitui o seu principal objetivo, devendo sempre haver, na relação entre o indivíduo e o Estado, uma presunção a favor do ser humano e de sua personalidade, entende NOVELINO (2007).
Desse reconhecimento jurídico, pode-se afirmar que decorre a tutela dos denominados direitos constitucionais da personalidade, os quais configuram um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada ser humano, relacionados à sua vida, saúde e integridade física, honra, liberdades física e psicológica, imagem, nome e reserva sobre a intimidade de sua vida privada.
Nos artigos 5º (incisos IV e IX) da Constituição Federal é assegurado e melhor compreendido o direito a liberdade de expressão, bem como de informação e pensamento, estabelecendo a garantia de igualdade a todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aos brasileiros e estrangeiros, a inviolabilidade do direito á liberdade, igualdade, segurança e a propriedade, sendo livre a manifestação do pensamento, apenas vedado o anonimato; onde ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política; e também é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
A manifestação do pensamento que está elencada no art. 220 da Constituição Federal, traz que a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veiculo não sofrerão qualquer restrição, assim sendo vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
O direito à informação passou a ser assegurada pela Constituição Federal, no rol dos direitos fundamentais, como os direitos, à intimidade, dignidade da pessoa humana, a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, a livre expressão de atividades intelectuais, entre outros. Dessa forma garantindo de forma clara o direito de informar e ser informado.
É evidente que tanto a liberdade de informação, como a de expressão, e bem assim a liberdade de imprensa, não são direitos absolutos, encontrando limites no próprio texto constitucional. A Constituição Federal admite restrição à liberdade de comunicação, consoante se verifica em seu art. 220, § 1º, onde se verifica que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
Nas palavras de José Afonso da Silva (2005), a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio e sem dependência de censura, assim o direito à informação é um direito individual consagrado na Constituição Federal, que também resguarda o direito ao sigilo da fonte.
Contudo, perante inúmeros meios de comunicação, que geram muitas vezes um total descontrole da informação, deve-se tentar evitar possíveis conflitos com os intitulados direitos e garantias fundamentais. Muito embora a liberdade de imprensa tenha que ser resguardada, ela não pode ultrapassar determinados limites a ponto de ferir a dignidade da pessoa humana.
Com o intuito de regular a vida em sociedade, objetivando a proteção dos bens jurídicos, a pacificação e a viabilidade social, o direito se vale de regras e princípios, nos quais, grande maioria foi concebida para a caracterização da natureza humana e a estruturação do Estado. São direitos fundamentais e inerentes à natureza da pessoa humana, sem os quais esta não se realiza; direitos que concernem à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança, à propriedade; que viabilizam uma convivência digna, livre e igual dentro da sociedade (SILVA, 2005).
No ordenamento jurídico pátrio, os direitos são concebidos pela doutrina em diversas expressões para designá-los, tais como “direitos públicos subjetivos”, “direitos do homem”, “liberdade públicas”, “direitos humanos (SILVA, 2005), estando estes positivados, de forma não exaustiva, ao longo do texto da Constituição Federal, concentrados, em sua maioria, no rol do artigo 5º.
No que se refere à discussão da aplicabilidade do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico pátrio, de um lado temos o Direito à Informação atrelada ao princípio da liberdade de expressão, e do outro lado, temos o Direito ao Esquecimento, consubstanciado pelos Direitos da Personalidade, quais sejam, o direito à imagem, à honra, à intimidade e à vida privada, estes vinculados diretamente à realização do mandamento jurídico da Dignidade da Pessoa Humana. Em síntese, trata-se do conflito entre a Informação versus a vida privada, na frágil divisão que separa o público do privado.
Segundo o Conselho da Justiça Federal, o direito de ser esquecido teria nascido no âmbito das condenações criminais, sendo mais que certo que aquele cidadão que cumpriu uma pena em face de um ilícito cometido não pode ser eternamente punido, até porque isso contrária, ao menos nacionalmente, a Constituição da República Federativa do Brasil, a qual veda a aplicação de penas perpétuas (art. 5º, XLVII, b), de modo que os registros da condenação não devem se perpetrar além do tempo da punição. Seria essa uma importante parcela do direito à ressocialização do ex-detento, por exemplo, (CJF, 1988).
Na conjuntura atual do novo paradigma sócio técnico, a temática do direito ao esquecimento está em pauta tanto na doutrina e jurisprudência pátria quanto na estrangeira, vem ganhando força na doutrina jurídica. Nesse sentido, em março de 2013, em um campo de discussão doutrinária, foi aprovado o enunciado n. 531 da VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federa (CJE/CJF) cujo teor e justificativa ora se transcrevem:
ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
Os enunciados constituem uma grande força doutrinária, caracterizando uma relevante referência em decisões sobre o tema em questão, uma vez que a jornada de direito civil conta com a presença de juízes, defensores, membros do Ministério Público, advogados, juristas, os mais importantes professores de direito civil e autores de livros e trabalhos doutrinários do Brasil e do exterior.
O vetor máximo do processo interpretativo do ordenamento jurídico é a dignidade da pessoa humana, sendo valor fundamental da estrutura constitucional. Dessa forma norteia as decisões que incidem sobre direitos fundamentais, servindo tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo.
Nessa perspectiva, salienta o ilustre Ministro Luis Felipe Salomão: “a explícita contenção constitucional à liberdade de informação, fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da família, prevista no art. 220, § 1º, art. 221 e no § 3º do art. 222 da Carta de 88, parece sinalizar que, no conflito aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva sempre observar as particularidades do caso concreto (BRASIL, 2015).”.
Assim, por expressa disposição constitucional, os indivíduos possuem direito público subjetivo de evitar que sua vida privada seja exposta. Em síntese, no Brasil todos os indivíduos têm assegurado constitucionalmente os direitos à privacidade, à honra e à intimidade, sendo, pois, vedada aos demais a prática de qualquer conduta ofensiva a tais direitos, inclusive a divulgação de informações.
A discussão quanto ao direito ao esquecimento envolve um conflito aparente entre a liberdade de informação e expressão, assim como à liberdade de imprensa, de um lado, e os atributos da personalidade humana, tais como a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem, sem mencionar o princípio da dignidade da pessoa humana.
Destarte no conflito de interesses entre o direito à informação e o direito à privacidade, escorado, este último, pelo chamado direito ao esquecimento – o princípio da proporcionalidade revela-se como ferramenta essencial para o seu justo desate. Neste mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald destacam que:
Em casos tais (colisão de direitos da personalidade e liberdade de imprensa), é certa e incontroversa a inexistência de qualquer hierarquia, merecendo, ambas as figuras, uma proteção constitucional, como direito fundamental. Impõe-se, então, o uso da técnica de ponderação dos interesses, buscando averiguar, no caso concreto qual o interesse que sobrepuja, na proteção da dignidade humana. Impõe-se investigar qual o direito que possui maior amplitude casuisticamente. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 160).
Ao se tratar de conflitos entre princípios, a entendimento de Edilson Pereira de Farias (1996, p. 96):
A “colisão de princípios”, ao revés de conflito de regras, tem lugar na dimensão da validez, acontece dentro do ordenamento jurídico [...], vale dizer: não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em favor do outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou a importância relativa de cada princípio, a fim de se escolher qual deles, no caso concreto, prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro.
Nesse delinear, devido ao fato do direito ao esquecimento poder ser aplicado penalmente e civilmente, poderá esbarrar a múltiplas personalidades como é o caso de personalidades públicas, anônimos, políticos, dentre outros, sendo fundamental a análise também mediante a ponderação de valores e circunstâncias do caso concreto.
Ao se tratar do conflito entre os dois direitos fundamentais, é possível dizer que estes não têm caráter absoluto, o Ministro Luis Felipe Salomão afirmou, certa vez, sobre a liberdade de informação que:
O novo cenário jurídico subjacente à atividade de imprensa apoia-se no fato deque a Constituição Federal, ao proclamar a liberdade de informação e manifestação do pensamento, assim o faz trançando as diretrizes principiológicas de acordo com as quais essa liberdade será exercida, reafirmando, assim como a doutrina sempre afirmou, que os direitos e garantias protegidos pela Constituição, em regra, não são absolutos. STJ. REsp nº 1.334.097. Op., cit. p. 20
O grande ponto Importante é avaliar até que ponto a liberdade de imprensa pode adentrar na vida privada de alguém, em especial no que se refere a acontecimentos passados. Portanto, no sentido de utilizar a dignidade da pessoa humana como limitador às liberdades de informação, de expressão e de imprensa, Paulo Gustavo Gonet Branco (2012, p. 346) expõe:
Respeita-se a dignidade da pessoa quando o indivíduo é tratado como sujeito com valor intrínseco, posto acima de todas as coisas criadas e em patamar de igualdade de direitos com os seus semelhantes. Há o desrespeito ao princípio, quando a pessoa é reduzida à singela condição de objeto, apenas como meio de satisfação de algum interesse imediato. O ser humano não pode ser exposto – máxime contra a sua vontade – como simples coisa motivadora da curiosidade de terceiros, como algo limitado à única função de satisfazer institutos primários de outrem, nem pode ser reificado como mero instrumento de divertimento, com vista a preencher o tempo de ócio de certo público. Em casos assim, não haverá exercício legítimo da liberdade de expressão, mas afronta à dignidade da pessoa humana.
Nesse cenário pode-se dizer, em suma, que são direitos da personalidade os a ela inerentes, como um atributo essencial à sua constituição, como, por exemplo, o direito de ser livre, de ter livre iniciativa, na forma da lei, isto é, de conformidade com o estabelecido para todos os indivíduos que compõem a sociedade.
O debate sobre o tema nos tribunais brasileiros tem ganhado grande força após o julgamento de dois recursos do superior tribunal de justiça, onde foi aplicada pela primeira vez no campo prático a questão do direito ao esquecimento, são os julgamentos dos Recursos Especiais n. 1334.097/RJ e n. 1335.153/RJ, ambos de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão.
A chacina da candelária ocorrida em 23 de julho de 1993, deixou 8 crianças e adolescentes mortos e diversos outros feridos, um dos acusados de ter participado deste crime, Jurandir Gomes de França foi levado a júri popular e foi absolvido pela tese de negativa de autoria.
Acontece que no ano de 2006, a TV GLOBO em seu programa de televisão Linha Direta, retratou em um de seus episódios o caso da Chacina da Candelária, apontando Jurandir como partícipe do crime, sem ao menos mencionar que o mesmo fora absolvido pelo Poder Judiciário.
Jurandir, propôs ação de indenização por danos morais em desfavor a Rede Globo, baseando se nos fatos de haver sofrido grave violação à sua dignidade e à sua tranquilidade, tendo sofrido ameaças, perseguição e estigmatização social. Em primeiro grau seu pedido foi julgado improcedente, sendo reformado em grau de apelação. A rede Globo inconformado com a decisão interpôs o recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Contudo, o seu pedido teve provimento negado por unanimidade pela 4ª Turma, o direito de ser esquecido. Assim, “com maior razão aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, devendo ser a eles assegurado o direito de serem esquecidos” (MARTINEZ, 2014, p. 158).
Deste modo como mostra na ementa da decisão:
RECURSO ESPECIAL. DIREITOCIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSAVS.DIREITOSDA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIADOSUPERIORTRIBUNALDE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIOEXIBIDOEM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOSQUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO.
[...].
2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, que reabriu antigas feridas já superadas pelo autor e reacendeu a desconfiança da sociedade quanto à sua índole. O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado.
[...]
7. Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os valores.
[...].
11. É evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da resposta estatal ao fenômeno criminal. Não obstante é imperioso também ressaltar que o interesse público - além de ser conceito de significação fluida - não coincide com o interesse do público, que é guiado, no mais das vezes, por sentimento de execração pública, praceamento da pessoa humana, condenação sumária e vingança continuada.
[...].
17. Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos -historicidade essa que deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo, desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável.
18. No caso concreto, a despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado -com muita razão - um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao conflito.
[...]
21. Recurso especial não provido.
A decisão deste caso foi considerada um marco inicial ao direito de ser esquecido, a ser utilizado no ordenamento jurídico brasileiro, teve seu apoio principal no enunciado 531 do CJF, bem como no princípio da dignidade humana expresso na Constituição Federal.
Aída Curi foi uma vítima de um assassinato no ano de 1958, então com 18 anos de idade, após ser abusada sexualmente, foi jogada da cobertura do prédio da Avenida Atlântica, em Copacabana, Rio de Janeiro. Acontece que 50 anos após sua morte a TV Globo, em seu programa “Linha Direta – Justiça” efetuou a reconstituição do crime tratando da vida, da morte e do pós-morte dos personagens envolvidos no cometimento do delito.
Neste caso os irmãos da vítima, Nelson Curi, Roberto Curi, Waldir Cury e Maurício Curi, ajuizaram ação de reparação de danos materiais e morais, alegando que o fato fora esquecido no tempo, sendo que a divulgação do programa fizera com que antigas feridas fossem reabertas, expondo indevidamente a vítima e familiares, com objetivo comercial e econômico. Em primeira instância o pedido foi julgado improcedente, sendo mantida a decisão pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Interposto Recurso Especial, analisado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a maioria dos integrantes acompanhou o voto do relator, negando provimento ao recurso, inclusive com relação à indenização por dano moral no que tange ao uso indevido da imagem da vítima (MARTINEZ, 2014).
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que deveria prevalecer a liberdade de expressão, sendo que a “matéria narrava fatos verídicos e a noticia histórica revelava repercussão nacional” (MARTINEZ, 2014).
Assim como é visto na ementa do julgado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA.
[...].
2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas feridas já superadas quanto à morte de sua irmã, Aida Curi, no distante ano de 1958. Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da morte de Aida Curi, assim também pela publicidade conferida ao caso décadas passadas.
[...].
4. Não obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e já penalizado - deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima - por torpeza do destino - frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido.
5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi.
6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o julgador reconhecer que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo abuso só porque o primeiro já ocorrera. Porém, no caso em exame, não ficou reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime, inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que podem se sujeitar alguns delitos.
[...].
8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança.
[...].
10. Recurso especial não provido.
O caso Aída Curi, foi ajuizado em Recurso Extraordinário com Agravo perante o Superior Tribunal Federal, na qual foi declarada repercussão geral da matéria. O Ministro Dias Toffoli, Relator do processo em referência, no dia 12 de junho de 2017, convocou expertos, autoridades e especialistas para uma audiência pública para debate deste tema de modo a subsidiar a Corte com o conhecimento especializado necessário para o deslinde da causa em juízo. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2017)
A Procuradoria Geral da República em seu parecer, feita pelo Procurador Rodrigo Janot, entende ser inaplicável esse direito frente à situação fática, pois inexiste qualquer demonstração de violação dos direitos da personalidade, sendo inviável acolher a pretensão indenizatória. (DE BARROS, 2016)
O direito à vida privada e à intimidade, resguardados na Constituição e no Código Civil, são de certa forma suprimidos por ações que estranhamente tornam-se corriqueiras, não só com o advento das redes sociais, Internet e/ou televisão, mas também através das tradicionais revistas empenhadas em publicar a vida privada de pessoas famosas.
Quando o debate envolve pessoas públicas ou de notoriedade pública, tais como políticos, representantes públicos, membros da justiça, jogadores de futebol, artistas, há divergências quanto à limitação do direito à imagem dessas pessoas.
A pessoa pública é aquela que destina à vida pública ou aquela que tem alguma ligação, ou realiza cargo políticos, ou de que a atividade tenha a aprovação da sociedade ou reconhecimento das pessoas ou direcionado a elas, mesmo que para o lazer ou entretenimento (SILVA JUNIOR, 2002).
A ministra Carmem Lúcia em seu voto na ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade 4815/DF sobre as biografias não autorizadas, também explica sobre a pessoa pública:
Não se alegue estar-se diante de circunstâncias que respeitam sempre a quem exerce cargo do povo, pelo que o público deveria dele saber, não se podendo escusar de deixar que a plena luz incida sobre todos os setores da vida. Primeiro, porque há sempre espaço de indevassabilidade e segredo no íntimo da pessoa, de parco ou nenhum conhecimento dos outros. Segundo, porque quem faz a sua vida e profissão na praça pública, com a presença e a confiança do povo, e angaria o prestígio que o qualifica e enaltece, não há de pretender esquivar-se desse mesmo público segundo o seu voluntarismo, como se a praça fosse mecanismo virtual, com botão de liga/desliga ao sabor do capricho daquele que buscou fazer-se notório. A notoriedade tem preço fixado pela extensão da fama, quase sempre buscada. Quando não, mas ainda assim é obtida, a fama cobra pedágio: o bilhete do reconhecimento público, que se traduz em exposição do espaço particular, no qual todos querem adentrar. (STF. ADI nº 4815/DF. Op., cit. p. 86)
É possível ver também no caso da princesa de Mônaco, Caroline Von Hanover, entrou com dois processos que buscou impedir a divulgação sobre eventos publicados sobre seus atos, no primeiro Von Hanover versus Germany, de 2004, foi alegado ofensa à privacidade na Corte Europeia de Direitos Humanos, que está em seu artigo 8º da Convenção Europeia dos direitos humanos, pela divulgação de fotos do seu dia a dia com a família, a corte em decisão concluiu que as fotos se referiam a situações particulares e que nada interferiria ou contribuíam para o interesse público.
Já no segundo caso em 2012 a autora entrou novamente com uma ação na Corte Europeia de Direitos Humanos alegando a transgressão do artigo 8º, pela divulgação de fotos e artigos descrevendo situações da sua vida privada, a corte decidiu neste caso concreto pela improcedência uma vez que a notícia tratava sobre a doença do príncipe Rainier, pai da princesa, considerando as funções das pessoas noticiadas, a natureza das atividades e os fins de elucidação das relações entre as figuras da monarquia monegasca, a Corte concluiu que o público não tinha por que não ter ciência do que se passava e julgou inexistente o direito que se alegava ofendido.
O Ministro Luis Felipe Salomão na REsp 1.334.097 (caso candelária) também observou que “ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto – cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo”.
Segundo Rodrigues Jr, Otávio Luiz (2013, p.125), aduz sobre as celebridades e os políticos:
As celebridades e os políticos, em suma, ao menos para a jurisprudência brasileira, renunciaram a parcela de sua vida intima e privada. Como se realizar o controle entre a esfera de iluminabilidade e a sua esfera de reserva é o que ainda se precisa se definir com base em critérios uniformes. (RODRIGUES JR, 2013)
Pelos casos apresentados é possível verificar que há uma ponderação em relação a notícia, tendo em conta que é necessário levar em consideração o interesse público e na historicidade, assim devendo haver uma delimitação com base em critérios de controle, necessário ser analisado a luz do caso concreto.
No decorrer deste estudo, foi possível conceituar o direito ao esquecimento, posicionando-o no ordenamento jurídico como decorrente da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade da vida privada e proteção à privacidade da pessoa pública.
A partir da leitura de precedentes internacionais e nacionais que tratam do “direito ao esquecimento” percebe-se que não existe na jurisprudência um consenso sobre o seu reconhecimento. Embora inicialmente os tribunais admitissem a garantia deste direito, com o passar do tempo, a jurisprudência foi alterando seu entendimento para consolidar uma maior proteção das liberdades de comunicação e de expressão e do direito à informação, do que ao direito à privacidade dos indivíduos. Este novo entendimento confirma a valorização dos fundamentos da liberdade de expressão, e por isso promove o exercício da democracia, da autonomia de consciência e do desenvolvimento do intelecto humano.
No âmbito legal, conforme demonstrado neste estudo, o direito ao esquecimento já vem sendo aplicado com relação àqueles que já cumpriram a pena determinada. Contudo, com relação àqueles que foram absolvidos, ainda não há posição sedimentada sobre a matéria. Quanto no campo virtual, à aplicação do direito ao esquecimento encontra diversas barreiras, como as dificuldades técnicas existentes, a velocidade da propagação da informação e o anonimato, entre outros.
Abordando os julgamentos aqui comentados, se tem por instalada no Brasil a reflexão sobre o direito ao esquecimento. Devidamente revisitado o seu antecedente mais consistente no direito comparado, o caso Lebach (1973), vê-se que a aplicação pioneira desse direito de ser olvidado no Brasil, por parte do STJ (2013), dista exatos quarenta anos daquela concretização lavrada pelo TCF alemão.
Por outro lado, constata-se que, pelo interesse científico que a matéria desperta, o direito ao esquecimento trilha para ocupar, num curto espaço de tempo, lugar de destaque nas discussões acadêmicas e legais, mirando a sua moderada aplicação, notadamente em concordância com os amparos constitucionais do direito/dever de informar e de informar-se, vedando da censura.
As discussões de há muito tempo associadas ao conflito entre a liberdade de comunicação social e os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, colisão que está na base da consecução do direito ao esquecimento, caminham na direção de uma máxima complexidade no modelo social atual, caracterizado pela propagação incontrolável da notícia, bem como da "má" notícia.
Nessa realidade, em que mesmo os estudiosos se veem concentrados sem saber como lidar com ela, é compreensível que as instituições, inclusive o Poder Judiciário, ainda estejam a sondar tentando construir novas ferramentas que possam fazer frente aos anseios dos meios de comunicação por liberdade, mas também às expectativas de uma cada vez mais exposta e fragilizada individualidade humana.
Neste sentido, a interpretação sistemática e o juízo de ponderação levam à conclusão de que os indivíduos devem ter assegurado o direito ao esquecimento, como consequência da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais à privacidade, à intimidade e à honra. Devem ser ressalvados, contudo, os fatos genuinamente históricos, cujo interesse público permaneça mesmo com o decorrer do tempo, desde que a narrativa não tenha como ser desvinculada dos envolvidos.
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Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins. Palmas - TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Bryenda Ferreira Araújo. Direito ao esquecimento: conflito entre a liberdade de expressão e o direito á intimidade da pessoa pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51574/direito-ao-esquecimento-conflito-entre-a-liberdade-de-expressao-e-o-direito-a-intimidade-da-pessoa-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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