ANDRÉ DE PAULA VIANA
(Orientador)
RESUMO: No Brasil, é facultativo ao sujeito optar em ser ou não doador de órgãos, podendo este, em vida, demonstrar seu interesse. Contudo, após o óbito, a escolha fica a critério de seus familiares, que, por vezes, tomados pelo calor da tristeza e sem condições psicológicas para dispor de qualquer coisa relacionada ao de cujus, não lembram, ao menos, da possibilidade de referida doação, o que, consequentemente, leva a mais mortes, haja vista o fato da proporcionalidade entre doação e vida, e a contrário senso, quanto menor o número de doações, menor o número de vidas dignas. Assim sendo, seria mais impactante e relevante individual e coletivamente a necessidade de manifestação em vida sobre o interesse em ser ou não doador de órgãos para que sejam satisfeitos, de modo dogmático os princípios constitucionais, principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, somado à relevância cultural da implementação da mudança. No país, o costume, sem dúvida é fonte normativa, mas, por vezes, o confronto aos costumes podem mostrar-se mais humanitários, humanização normativa esta, que é objetivo da CF/88, que tem por escopo alcançar o bem coletivo de modo integral. Ora, a não doação de órgãos aponta prejuízos, como mortes e afins, enquanto sua doação apenas apresenta benefícios, como a vida digna e saudável, em analogia, poderia se pensar em uma determinada roupa que não serve mais em alguém, não há razões para jogá-la fora sendo que esta pode ser o que uma outra pessoa mais necessita. A mudança que tanto se busca no lado governamental, administrativo, econômico e social do país começa pelo povo, como muito se sabe o bem feito por cada um, reflete em toda a nação.
Palavras-chave: Direito. Doação. Fundamental. Mudança. Órgãos.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DESENVOLVIMENTO. 2.1. BASE DOUTRINÁRIA. 2.1.1. DA INDISPONIBILIDADE DO DIREITO. 2.2. DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE QUANTO A DOAÇÃO. 2.2.1. CONSEQUÊNCIAS DA NÃO MANIFESTAÇÃO. 2.2.2. QUESTÃO HUMANITÁRIA. 2.3. CAUSA DA MORTE MAL DEFINIDA OU PESSOA NÃO IDENTIFICADA. 2.4. DA NECESSIDADE DE MUDANÇA. 2.4.1. DADOS QUE COMPROVAM A NECESSIDADE DE MUDANÇA. 2.4.2. COMPARAÇÃO COM OUTROS PAÍSES. 2.5. DA SOBREPOSIÇÃO DO DIREITO À VIDA. 2.6. DA DESCRENÇA QUE DEVE TER FIM. 2.6.1. PRINCIPAIS MOTIVOS DA NÃO DOAÇÃO. 2.6.2. DOS BENEFÍCIOS DA DOAÇÃO. 2.6.3. RELATOS DOS RECEPTORES DE ÓRGÃOS E TECIDOS. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4. REFERÊNCIAS.
A Lei número 9434/97 dispõe de maneira expressa acerca da doação de órgãos e tecidos, manifestando-se no sentido de que, a rigor da palavra doação, que tem seu conceito no próprio direito civil material, só pode ser feita a título gratuito, sendo vedada qualquer forma de onerosidade ou contrato de compra e venda. No mesmo sentido, determina que as doações supra podem ser efetuadas em vida ou após o óbito.
Para os termos da lei, sangue, esperma e óvulo não são tidos por tecido.
No tocante aos lugares em que pode ser feita a doação, o artigo segundo da lei dispõe que pode ser efetuada em estabelecimento público ou privado, desde que com prévia autorização do SUS.
O transplante deve ser precedido de triagem para constatação de alguma suposta infecção, procedimento este que, caso seja maculado, o estabelecimento, bem como os profissionais liberais integrantes deste, podem responder pelos danos ocasionados ao receptor.
Faz-se necessário ainda que, a constatação da morte encefálica seja detectada por 02(dois) médicos não particulares e não participantes da equipe de remoção dos órgãos ou tecidos, mas sempre facultado a família trazer algum profissional de sua confiança para acompanhar a regularidade material e formal do procedimento.
A doação de órgãos e tecidos é viste pela sociedade, em geral, como um ato de solidariedade e amor dos familiares. No entanto, ela exige a tomada de decisão num momento de extrema dor e angústia motivada pelo impacto da notícia da morte, pelo sentimento de perda e pela interrupção inesperada de uma trajetória de vida (ALENCAR, 2006).
Como exposto brilhantemente por Alencar, a família não tem condições de efetuar a escolha e a questão da doação não costuma ser debatidas em conversas informais, motivo pelo qual as pessoas deixam de manifestar sua vontade enquanto vivos, então com o acolhimento do presente projeto, teríamos a visão de um doador não a partir de um sujeito sob cuidados em unidade de saúde, já visto praticamente como morto, mas sim como uma pessoa saudável, que trabalha e não tem termo previsto para seu óbito.
No atual sistema, diante de um potencial doador, ou seja, diante da morte quase certa de um sujeito, os médicos da UTI (normalmente) devem, sob pena de responsabilidades, comunicar à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos – CNCDO. Trata-se, portanto, de situação desagradável do ponto de vista ético, de modo que com o implemento das ideias aqui sustentadas, não haveria sequer de se falar em potencial doador, pois não haveria dúvidas sobre a doação ou não, assim sendo, ao verificar os documentos, já haveria como dogmática a questão em tela. Não obstante, segundo texto publicado por GERMOSGESCHI, metade das mortes encefálicas não são comunicadas à Central e a culpa de tal sequela pode se atribuir ao fato de não se poder provar a intenção do sujeito ou da família no tocante à doação, já que na maioria dos casos, não é lavrado instrumento nesse sentido, o que também teria fim, uma vez que, os médicos que não efetuassem a comunicação seriam efetivamente punidos, pois haveria como se provar que agiram de forma contrária a que deveriam, levando então a maior comprometimento e crença no sistema de saúde.
2.1.1. DA INDISPONIBILIDADE DO DIREITO
É evidente que o direito à vida e a saúde são indisponíveis, então subentende-se que também é indisponível o direito ao corpo morto e seus órgãos e tecidos. Desse modo, não há razoabilidade em se verificar outra pessoa, que não o sujeito, dispondo sobre seus órgãos, após a morte, poderia, a estrito sendo, se falar em maculação à sua dignidade.
O testamento ou o inventário com subsequente partilha refletem mais o desejo do de cujus? A responde é óbvia, qual seja o testamento, de modo que reforça ainda mais a ideia de que a manifestação em vida, seja qual for o assunto tratado, representa melhor o interesse de cada um. Todavia, quanto à herança, não há problema em discussão posterior e então decidida de acordo com a lei, pois o direito é disponível, o que não se passa com a doação de órgãos, que sob o ponto de vista proporcional é direito intransmissível, personalíssimo e indisponível.
A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, é precedida imprescindivelmente de autorização expressa de seu cônjuge ou, na falta deste, de parente capaz, civil e penalmente, até o segundo grau em linha reta ou colateral, firmada em documento assinado por duas testemunhas presentes no momento da verificação do óbito.
Quando se tratar de incapaz, a retirada de seus órgãos, tecidos ou parte do corpo, depende de autorização expressa de seus genitores ou de seus responsáveis legais, quando houver falecido. Agora para a realização em vida, só é possível no tocante ao transplante de medula óssea, desde que haja o consentimento de ambos os seus genitores, bem como autorização judicial nesse sentido.
A pessoa capaz pode dispor de seu corpo normalmente, desde que nos termos da lei, e sem prejuízo à sua integridade psíquica e física, entretanto, se referida doação for direcionada a seu cônjuge ou parente até quarto grau, não há necessidade de prévia autorização, todavia, sendo este receptor outra pessoa, ai então, torna-se necessária a autorização, salvo tratando-se de doação de medula óssea.
A gestante, independentemente de qualquer outra circunstância casuística, somente poderá efetuar a doação de medula, desde que o ato não ofereça o mínimo risco à sua saúde ou a saúde do feto.
Toda regra, caso seja descumprida, acarreta penalidade, de modo que, nos termos do escopo do projeto, deve ser obrigatória a manifestação em vida sobre o interesse em ser ou não doador de órgãos, de modo que deve também ser apresentada uma consequência para a sua não observância de má-fé.
Entre os pilares interpretativo da Constituição Federal e do Código Civil está a boa-fé objetiva, assim sendo, não se poderia punir o sujeito que, por ignorância ou simplicidade deixou de manifestar seu interesse em vida e cita-se como exemplo um senhor de 80 anos que resida aos fundos de um sítio no interior do Acre, circunstância em que, para esses casos, não haveria consequências e portanto, com seu óbito, a norma a ser aplicada seria a vigente hoje, de modo que se substrai que ocorreria apenas sua revogação parcial.
Já para o sujeito que, ciente de suas obrigações enquanto sujeito de direitos dotado de personalidade jurídica não cumpra suas obrigações por mero capricho, má-fé ou descaso, deveria, com seu óbito, deixar para o espólio multa no valor de meio salário mínimo, a ser pago com preferência a todos os débitos, salvo os que decorram de natureza alimentar. O valor da multa seria revertido para a aquisição de veículos automotores e aeronaves destinadas ao transplante de órgãos, já que, atualmente, apenas São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraná e Minas Gerais possuem aeronaves destinadas a esse fim, dado colhido junto ao texto publicado por GERMOSGESCHI.
2.2.2. QUESTÃO HUMANITÁRIA
Tendo em vista a consequência positiva da doação de órgãos, qual seja a manutenção da vida digna, a satisfação emocional para os familiares, tanto do doador, como do receptor é algo indescritível e imensurável, o que gera menor número de conflitos sociais, mais pacificação entre diversas classes e culturas, bem como respeita-se, dessa forma a vida, saúde, paz, segurança, harmonia, igualdade e liberdade social e individual, resultando na majoração de empregos, menor índice de criminalidade, entre outras inúmeras vantagens, destacando-se principalmente a mitigação razoável do número de tráfico de órgãos. Trata-se de questão que embasa a dignidade da pessoa humana. Plácido e Silva consigna que a dignidade é a palavra derivada do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa serve de base ao próprio respeito em que é tida.
Quando se trata de causa da morte mal definida, a retirada de órgãos, tecidos ou parte do corpo somente pode ser efetuada, desde que haja prévia autorização patológica, para que o procedimento não ofereça riscos ao receptor.
Tratando-se de pessoa não identificada, a doação é vedada, o que faz com que cada dia mais pessoas faleçam esperando por uma doação, sendo que, por vezes, milhares de pessoas no Brasil são enterradas diariamente, com o corpo digno, íntegro e em plena saúde, e a doação não pode ser concretizada simplesmente pelo fato da não identificação da pessoa.
Ora, faz-se necessária a alteração na legislação no tocante a duas circunstâncias, a primeira dela é sobre a necessidade de se impor, de maneira clara e objetiva o dever legal intransponível de cada cidadão capaz, ao completar a maioridade civil e penal, em manifestar-se, perante qualquer órgão ou documento público sobre o interesse em ser ou não doador, manifestação de vontade esta que será imperativa e de obrigatória observância quando do seu óbito, podendo ser revogada ou alterada a qualquer momento. Em relação à doação em vida, o procedimento utilizado atualmente é eficaz.
Além disso, trata-se de uma aberração moral humana e legislativa o fato de a pessoa não identificada não poder ser doadora de órgãos. O fundamento para a disposição supra seria os riscos que eventualmente se teria em passar alguma doença patológica ou hereditária ao receptor, bem como o direito ao corpo digno que o de cujus possui. Entretanto, referidos argumentos não são perspicazes, uma vez que, em relação à dignidade do corpo morto, o artigo oitavo da lei supra é expresso ao determinar que, após a realização do procedimento médico de retirada de órgãos, tecidos ou partes do corpo humano, este é devidamente preparado para que haja um sepultamento e enterro dignos, o que não seria diferente em relação às pessoas não identificadas, tendo em vista a igualdade já defendida pelo iluminismo e que fora recepcionada integralmente pelo ordenamento pátrio, tratando-se de direito fundamental inerente ao sujeito de direitos.
O argumento relacionado à possibilidade de riscos ao receptor também não merece vigorar, já que uma simples e profunda análise por profissionais que atestaram o óbito em relação a condição física do morto, já autorizaria ou não a realização do procedimento.
Um dos principais fatores que limita a doação de órgãos é a baixa taxa de autorização da família do doador. Atualmente, aproximadamente metade das famílias entrevistadas não concorda que sejam retirados os órgãos e tecidos do ente falecido para doação.
Em 2014 mais de 27 mil pacientes estavam em lista por um transplante de órgão e quase 11 mil aguardando por um transplante de córnea. No ano morreram, em hospitais do país, mais de 36 mil pessoas com traumatismo craniano ou AVC, sendo que em muitos desses casos a pessoa poderia ter sido um potencial doador.
Segundo dados da própria Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), 2.333 pessoas morreram à espera de um transplante de órgão no Brasil em 2015, destacando-se entre elas, 64 crianças.
Porém, este não é o principal fator, uma vez que, na maioria dos casos, a família, gravemente abalada emocionalmente não tem condições psíquicas para manifestar interesse ou não e em outras vezes, não é questionada sobre tal possibilidade e, sendo, por não saber qual era o desejo do falecido, acaba optando pela não doação. Em consequência disso, ainda que as pesquisas (Santos e Massarollo, 2005; Rodrigues e Sato, 2002) apontem que a maioria das pessoas concorda quanto à importância atribuída ao ato de doar, isso não se concretiza no número efetivo de doadores, resultando num grande número de pessoas à espera da doação e num número reduzido de doadores. Isso pode nos indicar que as diversas campanhas para captar doadores de órgãos podem não estar alcançando os resultados esperados (Cooper et al., 2004; Steiner, 2004).
Na Alemanha, assim como na Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Grã-Bretanha, Grécia e Holanda, vale a terceira variante: caso o paciente não tenha o cartão, decide a família. E, mesmo que 80% dos alemães sejam, em princípio, a favor da doação de órgãos, apenas cerca de 12% possuem um 'cartão de doador'. O mesmo ocorre no Brasil, a maioria absoluta da população vê a doação de órgãos como algo nobre, belo, digno e necessário, contudo, pela não manifestação de vontade em vida, seus desejos acabam não sendo respeitados e o que é pior, outras pessoas morrem aguardando um ato benevolente.
Beatriz Mahillo Duran, médica da Organização Nacional de Transplantes (ONT) da Espanha, responsável, além de outras atividades pelo Observatório e Registro Mundial de Doação e Transplantes, destaca em um artigo publicado pelo site Extra, o modelo espanhol como sendo referência mundial e isso pode se atribuir não somente à organização interna, mas a relevância e incentivo que se dá a tais práticas no país.
A vida digna, nos termos da Constituição Federal de 1988 é direito fundamental que, sobrepõe-se a qualquer outro, assim de modo que toda e qualquer lei ordinária deve respeitá-la, assim sendo, ainda que de forma legal e indireta, a LEI 9434/97 está sendo contrária a isso quando coloca acima do direito à vida, o direito à liberdade de escolha de parentes do falecido sobre a ideologia de ser ou não doador de órgãos.
De acordo com Moraes (2000), o direito à vida é um dos principais dentre todos os direitos, já que é um pré-requisito à existência e aplicação de todos os outros, além da Constituição proteger a vida de forma geral, incluindo a uterina.
Ora, no projeto em tela, não haveria de se falar em maculação à liberdade de escolha, haja vista o fato de a obrigatoriedade ser em manifestar-se, em vida, sobre ser ou não doador de órgãos quando vier a óbito e não sobre a obrigatoriedade de ser doador. Além disso, o disposto somente seria direcionado à pessoas maiores e capazes absolutamente, o que não prosperaria em relação a menores e incapazes, relativa ou totalmente.
2.6. DA DESCRENÇA QUE DEVE TER FIM
No Brasil, muitas pessoas deixam de ser doadoras por medo de, em eventual futuro em hospitais, os médicos e responsáveis pela saúde praticarem eutanásia para viabilizar a transferência de seus órgãos para outras pessoas, o que de fato, é visto como crime. Desse modo, seria possível que, com apenas um ato, a crença social no Estado retornasse, principalmente num momento de crise de valores, atribuindo-se plena relevância às novas possibilidades, haja vista o fato de que, com a implementação de tal sistema, mais vidas seriam salvas e consequentemente haveria maior esperança no todo social.
Não se pode cometer um “erro” sob a escusa de outro, ou seja, deve-se acreditar que caso ocorra, como citado, a eutanásia, o sujeito ativo responderá perante o Tribunal do Júri pelo crime de homicídio doloso, previsto no artigo 121 do Código Penal. Poderia se citar, como preâmbulo ao narrado algo simples, mas que retrata a realidade: não se pode deixar de pescar em rios doces por medo de pegar tubarão, já que deve se acreditar que ele não estará lá, já que todo o sistema não permite que ele esteja, ou seja, em analogia, destaca-se que, com o implemento do crime (homicídio) haverá julgamento e deve-se acreditar no Poder Judiciário.
Não obstante, com tal questão sendo alterada, a questão da doação de órgãos deixaria de ser vista como algo fúnebre para passar a ser vista como algo normal, plausível e discutível em rodas de amigos, no trabalho e demais ocasiões, pois deixaria de ser algo tratado apenas com o óbito de um ente querido.
2.6.1. PRINCIPAIS MOTIVOS DA NÃO DOAÇÃO
Segundo estudos desenvolvidos por Moraes e Massarollo (1995), os principais motivos da recusa quanto à doação são: a crença religiosa, à espera de um milagre, a não compreensão do diagnóstico da morte encefálica e a crença na reversão do quadro, a não aceitação da manipulação do corpo, o medo da reação dos demais familiares, a inadequação da informação e a ausência de confirmação da morte encefálica, a desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos, a inadequação do processo de doação, o desejo do paciente falecido, manifestado enquanto vivo e o receio da perda do familiar. Vale ressaltar que 25% das famílias recusam e outros fatores contribuem para que a recusa, no Brasil, gire em torno de 70%.
Se depreende do estudo supra, que, com a compulsória manifestação em vida, quase todas as escusas seriam derrubadas, haja vista o fato de que, em todas as hipóteses acima, o que se ressalta é, principalmente a liberdade de escolha do parente, enquanto o correto seria a liberdade do então morto. Como exemplo, verifica-se como uma das principais, senão a principal causa da negativa a crença religiosa, ora, a Constituição Federal é expressa ao dizer que o estado é laico e que cada um tem o direito de seguir a religião que se identificar, ou se for o caso, não seguir religião alguma. Assim sendo, haveria de se falar em liberdade e respeito individual com o sujeito escolhendo o que entende por correto, não havendo, desse modo qualquer respeito a liberdade religiosa de um ateu que teve a doação de seus órgãos negada por sua genitora ser evangélica, por exemplo.
2.6.2. DOS BENEFÍCIOS DA DOAÇÃO
Segundo texto publicado por GERMOSGESCHI, um único órgão pode salvar ou melhorar a vida de mais de 25 pessoas, se todos os órgãos e tecidos forem aproveitados corretamente. Ainda como disse Divaldo Franco “Não pode haver maior dádiva do que oferecer algo que não nos é mais útil e que vai salvar uma vida”.
2.6.3. RELATOS DOS RECEPTORES DE ÓRGÃOS E TECIDOS
Wilson de Moura, o qual recebeu um rim relatou: “Antes do transplante, a vida era muito difícil, eu não tinha disposição nenhuma pra sair de casa, até comer era complicado, além disso, três vezes por semana eu precisava vir até Santa Maria para fazer hemodiálise. O problema é que onde eu moro não tem ambulância, por isso vinha de ônibus. Eram três horas de viagem até o hospital, às vezes fazia diálise só por duas horas (o ideal seriam quatro) porque precisava voltar pra rodoviária. Agora tenho uma vida normal, posso sair e sou muito mais disposto pra tudo. Queria conhecer as famílias que me ajudaram, mas é muito difícil. Gostaria que eles soubessem que graças a Deus e a esse ato de superação, hoje eu estou bem”.
João C. Cechela, receptor de um coração, disse: “Hoje, depois de 16 anos de transplante, cada dia que passa eu considero uma vitória. O que eu gostaria de dizer pras pessoas é que essa nova vida só me foi possibilitada pela família do doador, um metalúrgico de Canoas, que naquele momento extremo de dor, de agonia, de sofrimento, teve a coragem de fazer a doação, e eu sou eternamente grato a essa família, embora não a conheça. Pra mim foi muito difícil porque eu tive que mudar os meus hábitos, passei a ter muitas limitações, principalmente, profissionais, já que eu trabalhava com esportes. Em 1988, eu tive a primeira parada cardíaca, a partir daí a doença evoluiu e tive que ir pra Porto Alegre, mas ainda não estava na fila de espera pelo coração porque os médicos queriam tentar alguns poucos procedimentos que talvez pudessem salvar a minha vida. Porém, a doença continuou evoluindo até que eu tive a segunda parada cardíaca e fui obrigado a entrar na fila e esperar por um coração. Isso aconteceu em maio de 1989 e como eu era um paciente de risco, em quinze dias recebi o órgão. Hoje estou com 52 e dois anos e voltei a desenvolver minhas atividades normalmente”.
Os relatos foram colhidos do site: https://fortissima.com.br/2013/12/18/5-depoimentos-de-pessoas-que-receberam-um-orgao-doado-35481/, os quais foram publicados em 2013.
Em suma, como já dizia Martinho Lutero “Deve-se doar com a alma livre, simples, apenas por amor, espontaneamente”, de modo que conclui-se que uma doação apenas pode atingir seu escopo social e material se a decisão advier do próprio doador, que deve externar seu anseio enquanto vivo e consciente, o que gerará mais doações, mais vidas salvas, mais paz social e maior credibilidade no tocante à liberdade, igualdade e fraternidade, que são, respectivamente os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração, provenientes de grandes marcos sociais, como o Iluminismo e a Revolução Francesa. No que diz respeito à liberdade e igualdade, já há previsão expressa na Constituição, todavia, em relação ao último (século XX) ainda não há. Percebe-se que a implementação de eventos como os aqui defendidos seria de suma importância para a concretização da fraternidade. Portanto, a manifestação quanto ao interesse em ser ou não doador de órgãos deve ser obrigatória em vida para que se alcance os fins constitucionais.
DURÁN, B. M. Modelo espanhol é referência no mundo. Disponível em: . Acesso em: (data de acesso).
GERMOSGESCHI, P. Doação de órgãos. Disponível em: . Acesso em: (data de acesso).
MORAES, A. de. Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2000, p. 61.
SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. Vol. II; São Paulo: Forense, 1967, p. 526.
Santos, M.J. & Massarollo, M.C.B. (2005). Processo de doação de órgãos: Percepção de familiares de doadores cadáveres. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 13 (3), 382-387.
Steiner, P. (2004). A doação de órgãos: A lei, o mercado e as famílias. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, 16 (2), 101-128.
Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil- Campus Fernandópolis-SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GABRIELA DE CáSSIA SOUZA DUó, . Da obrigatoriedade da manifestação em vida sobre o interesse em ser ou não doador de órgãos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51758/da-obrigatoriedade-da-manifestacao-em-vida-sobre-o-interesse-em-ser-ou-nao-doador-de-orgaos. Acesso em: 22 nov 2024.
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