RESUMO: A Administração Tributária é competente para regulamentar os mecanismos de exercício de direitos por parte dos contribuintes, entre eles os relativos à compensação tributária. Para oferecer formas acessíveis e práticas, sem se descuidar do zelo à coisa pública que deve pautar a atuação do fisco, o ordenamento jurídico brasileiro previu a imposição de sanções administrativas aos contribuintes que exerçam o direito de compensação de tributos federais sem a observância das vedações legais, tentando extinguir créditos tributários de forma indevida. O presente trabalho discorre a respeito de penalidade incidente sobre a declaração de compensação tributária não homologada, a partir da análise de normas, doutrina e jurisprudência relativas à matéria, ponderando o equilíbrio entre a necessidade da proteção dos recursos públicos e o respeito a garantias e direitos constitucionais.
Palavras-chave: Compensação tributária. Sanções administrativas. Não homologação. Tributos federais.
SUMÁRIO: Introdução. 1. O Direito Tributário Penal. 1.1 Direito Penal Tributário e Direito Tributário Penal. 1.2 A sanção tributária. 2. A defesa administrativa no âmbito federal. 3. A defesa judicial em âmbito federal. 4. A vedação à discussão concomitante nas instâncias administrativa e judicial. 5. A Compensação Tributária. 6. A declaração de compensação. 7. A multa pela não homologação da declaração de compensação de tributos federais. 8. As contestações judiciais. 9. Da sanção política. 10. Do efeito confiscatório. 11. Do ferimento ao princípio da proporcionalidade. 12. Do abuso ao direito de petição. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A compensação tributária, meio de extinção do crédito tributário, é prática corriqueira na atividade tributária, principalmente por parte das pessoas jurídicas.
Apresentada a declaração de compensação, considera-se extinto o crédito tributário, sob condição resolutória, já que o fisco deverá realizar a homologação da compensação declarada, nos termos da legislação correspondente, ou simplesmente permitir que ocorra a homologação tácita ao fim do prazo de cinco anos.
A norma prevê situações nas quais o contribuinte não poderá utilizar determinados tipos de créditos em uma compensação declarada.
No caso da tentativa de utilização de alguns destes ou na apresentação de declaração com indicação de crédito inexistente, o fisco não homologará a compensação, cobrará os débitos confessados e ainda lançará multa isolada no montante de 50% (cinquenta por cento) ou 150% (cento e cinquenta por cento) do valor dos débitos que o contribuinte pretendia compensar.
Tal previsão, constante da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, visa a punir a ação do contribuinte que, a despeito das expressas vedações legais, utiliza crédito não permitido para extinguir débitos tributários de competência do fisco federal.
Esta exigência tem sido objeto de inúmeras contestações judiciais que classificam a aplicação das penalidades como obstáculo ao exercício do direito constitucional de petição.
O presente estudo, apoiado basicamente em pesquisa bibliográfica, normativa e jurisprudencial, tem o condão de analisar os institutos da compensação tributária e da penalidade decorrente da sua não homologação, debatendo a validade da alegação de que a aplicação da referida penalidade importaria em afronta ao direito constitucional de petição, bem como à garantia da ampla defesa e ao contraditório.
Avaliamos ao longo do estudo a natureza e a aplicabilidade da sanção discutida e apresentamos os principais argumentos levados ao judiciário pelos contribuintes com o fito de impedir a sua exigibilidade, trazendo considerações acerca da sustentabilidade de cada um deles.
Para tal, o trabalho foi desenvolvido de forma a trazer uma abordagem inicial sobre o Direito Tributário Penal, suas características e implicações.
Em seguida, tratamos especificamente da compensação como mecanismo de extinção do débito tributário para, ao fim, trazermos as teses advogadas pelos contribuintes contrários à possibilidade de aplicação de sanções advindas do procedimento de compensação, demonstrando finalmente a constitucionalidade da exigência.
Para evoluirmos ao tratamento do tema central deste estudo é salutar a realização de uma apresentação do conceito de Direito Tributário Penal, tarefa que se inicia com o paralelo a ser desenhado entre este e o Direito Penal Tributário, o que passamos a fazer.
1.1 Direito Penal Tributário e Direito Tributário Penal
Para o Direito Penal Tributário, inserido no âmbito do Direito Penal, a conduta tipificada deverá ser definida como crime, conforme critérios legais, compreendendo os crimes contra a ordem e administração tributárias, atualmente definidos pela Lei nº 8.137 de 27 de dezembro de 1990.
As sanções nesta seara exigem a intervenção do Poder Judiciário, único competente para a fixação e imposição de penas desta natureza.
Para o Direito Tributário Penal, classificado como um ramo do Direito Tributário, importa a ocorrência de uma infração administrativa tributária, caracterizada pelo descumprimento de uma norma tributária, seja principal ou acessória (MACHADO, 2008).
Neste caso não se está a falar de crime, mas de infração ao mandamento atinente ao conteúdo normativo tributário, sendo a pessoa jurídica de direito público competente para instituir tributos também responsável por prever sanções para o caso de descumprimento das obrigações acessórias que criar, ao passo que em matéria penal tributária somente caberá à União legislar, por força do art. 22, I da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB).
É de se anotar que a infração no Direito Tributário Penal pode ou não envolver a exigibilidade de recolhimento de tributo, haja vista que neste campo insere-se o descumprimento de deveres instrumentais, as obrigações acessórias, conforme indicado no art. 113 do Código Tributário Nacional (CTN):
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.
Tanto os ilícitos penais quanto as infrações administrativas constituem condutas não admitidas pelo ordenamento jurídico e sujeitos à aplicação de sanções.
A distinção entre as duas categorias, portanto, se dá a partir do critério de política criminal no qual se pauta o poder legislativo na concepção do ordenamento penal, com base no desvalor das condutas constantes dos tipos incriminadores.
Do mesmo modo, podem prosseguir tanto no curso de processo tributário penal quanto no de um processo penal tributário a apuração de consequências ligadas a um mesmo fato, caso este venha a ser tipificado em ambas as esferas, não havendo o que se falar em bis in idem, dada a independência de instâncias administrativa e penal, conforme explica Schoueri (2012, p. 1043):
Não há que falar, no caso de incidência de penalidades previstas em ambas as esferas, em bis in idem, como tampouco seria o caso de se cogitar de semelhante ocorrência quando se sujeitasse o ladrão a uma pena privativa de liberdade, além de obriga-lo a devolver a coisa roubada. Se o administrador da companhia falsifica um documento e subtrai recursos daquela, estará sujeito a penalidade societária (destituição do cargo), além da possível pena pelo crime cometido.
É o caso, por exemplo, da autuação lavrada contra o contribuinte que, nos termos do art. 44, § 1o da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, contempla multa de ofício qualificada[1] nos casos em que constatado dolo, fraude ou conluio para a prática de sonegação, independentemente de “outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis”, ensejando a elaboração de uma representação fiscal para fins penais, nos termos do art. 83 da mesma norma.
A representação fiscal para fins penais será destinada ao Ministério Público, mas somente depois de proferida decisão administrativa definitiva confirmando a higidez do crédito tributário lançado, ao qual caberá tomar as providências acerca de uma possível ação penal.
As distinções que ora são apontadas, contudo, não impedem a observância de princípios comuns aos dois ramos estudados.
O princípio do in dubio pro reo, inserido no art. 112 do CTN, determina que o Direito Tributário Penal deve favorecer o acusado, exigindo-se, exclusivamente no que se refere às penalidades, a interpretação mais benéfica, desde que verificada alguma das circunstâncias ali previstas[2].
A retroatividade benigna está presente no art. 106 do CTN que, assim como previsto no art. 107, III do Código Penal (CP), permite a aplicação retroativa da lei que deixe de tratar o fato então punível como ilícito, desde que, na seara tributária, o ato não esteja definitivamente julgado.
Uma vez constituído o crédito tributário, com o lançamento definitivamente julgado[3], a penalidade passa a compor o débito, não existindo mais possibilidade de reaver o seu montante com base na retroação benigna, residindo aqui um ponto de distinção na aplicação do princípio em relação ao Direito Penal, posto que a lei posterior favorável ao agente deve extinguir os efeitos da pena ainda que decidida por sentença condenatória transitada em julgado, nos termos do art. 2o parágrafo único do CP.
A garantia do devido processo legal, corolário do Estado Democrático de Direito, esculpido no art. 5o, LV da CRFB, compreende a sua aplicação tanto aos litigantes em processo judicial quanto em processo administrativo, abrangendo os acusados em geral, sendo certa a sua aplicabilidade ao Direito Tributário Penal.
Além disso, merece menção o instituto do arrependimento posterior, definido no art. 16 do CP cujo equivalente na esfera tributária é a denúncia espontânea nos termos do art. 138 do CTN, que mitiga os efeitos da mora resolvida pelo contribuinte antes do início de procedimento administrativo.
Por fim, mas sem esgotar as possibilidades de indicação de semelhanças principiológicas, apontamos o princípio da insignificância (ou bagatela), nascido na teoria da política criminal, conforme traduz NUCCI (2014 p. 307):
Com relação à insignificância (crime de bagatela), sustenta-se que o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema punitivo, não se deve ocupar de bagatelas. Há várias decisões de tribunais pátrios, absolvendo réus por considerar que ínfimos prejuízos a bens jurídicos não devem ser objeto de tutela penal. (...) Há três regras, que devem ser seguidas, para a aplicação do princípio da insignificância: 1) consideração do valor do bem jurídico em termos concretos. 2) consideração da lesão ao bem jurídico em visão global. 3) consideração particular aos bens jurídicos imateriais de expressivo valor social.
A atividade de administração tributária é caracterizada pelo caráter vinculado da atuação do agente público, nos termos do art. 142 do CTN. Ainda assim, da leitura do seu art. 108, § 2o, a contrario sensu, há quem entenda a aplicabilidade do princípio da insignificância para o caso de exigência de penalidades, já que a vedação à dispensa de cobrança por equidade apenas se refere a tributo, não explicitando a impossibilidade da sua incidência quanto a multas, interpretação defendida por Schoueri (2012, p. 1048).
1.2 A sanção tributária
Na definição de Machado (2008, p. 481) sanção é o meio de que se vale a ordem jurídica para desestimular o comportamento ilícito, tido este conceito, de forma geral, como mais abrangente do que o do comportamento ilegal, posto que não adstrito à reserva de veiculação em lei, em que pese, particularmente em matéria tributária, prevaleça o mandamento da reserva legal.
A sanção pode dirigir-se no sentido de compelir o responsável pela inobservância da norma ao cumprimento do seu dever ou pode consistir em uma punição a este cominada.
Já foi mencionado que as infrações definidas nas esferas tributária penal e penal tributária não possuem distinções estruturais, senão o fato de resultarem de escolhas do legislador. O mesmo pode ser dito em relação às sanções: não há diferença ontológica entre uma sanção administrativa, civil ou penal.
A distinção a ser considerada existe eminentemente no campo valorativo, uma vez que a sanção penal conduz ao entendimento de que o fato punível traz carga de gravidade superior, tendo em vista a importância do bem jurídico tutelado e a ofensa à segurança e aos interesses sociais.
Tal percepção faz com que se adotem punições mais severas na área penal do que na área cível e administrativa, o que justificaria, por sua vez, a exclusividade do Poder Judiciário para a sua imposição.
O Código Tributário Nacional no seu art. 136 define como regra a natureza objetiva da responsabilidade pela infração tributária.
É dizer que para a apuração e cominação de penalidades não importa, à luz do fato gerador enquadrado, que seja comprovada a existência de culpa ou dolo por parte do agente em questão.
A regra, porém, encontra exceção quanto à aplicação de sanções pessoais descritas na forma do art. 137 do CTN, ao listar situações em que a responsabilidade é pessoal do agente e o qual ora transcreve-se para melhor esclarecimento do seu teor:
Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:
I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;
II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;
III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.
Ao exigir dolo para a caracterização da responsabilidade o dispositivo não produz outra coisa senão a criação de hipóteses em que a responsabilidade pelas infrações tributárias será subjetiva, ou seja, dependente da vontade manifesta do agente que as cometer.
O ilícito administrativo tributário é reconhecido como de conteúdo patrimonial quando implica o não pagamento, seja total ou parcial, do tributo devido.
Pode haver hipótese, porém, em que o ilícito consiste simplesmente na inobservância do cumprimento de uma simples obrigação acessória, como a de apresentar declarações, por exemplo, conforme previsto no parágrafo 3o do art. 113 do CTN: “a obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.
Neste ramo, as sanções são eminentemente pecuniárias[4] podendo assumir a forma de um valor fixo, também denominada de multa isolada ou pelo descumprimento de um dever formal, ou proporcional ao valor do tributo não pago, ocorrendo, nesses casos, a cobrança concomitante do tributo e da multa correspondente.
O Supremo Tribunal Federal (STF) não admite a aplicação das chamadas sanções políticas[5], consistentes em diversas formas de restrições a direitos do contribuinte como forma indireta de compeli-lo a realizar o pagamento de débitos tributários, verdadeiras violações ao princípio da livre iniciativa e do livre exercício profissional.
Conforme exemplifica Machado (2008, p. 493), as sanções políticas podem ser materializadas na forma de apreensão de mercadorias em face de pequenas irregularidades formais, a recusa de emissão de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte ou ainda a suspensão de atividades em razão exclusivamente da existência de dívidas tributárias.
O mesmo pode ser dito em relação às penalidades com efeito confiscatório, em relação as quais o Supremo Tribunal Federal também se pronunciou com entendimento originariamente orientado à instituição de tributos, no sentido de impedir a aplicação de penalidades que firam o princípio da capacidade contributiva, bem como viole a vedação ao confisco contido no art. 150, IV da CRFB.
Este é o teor da decisão exarada na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.075, que versou acerca de multa à ordem de 300% (trezentos por cento) sobre o valor do bem ou serviço, no caso em comento em razão da não comprovação (ou não emissão) da nota fiscal, cuja ementa transcrevemos na parte relativa ao tema:
A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição da República. Hipótese que versa o exame de diploma legislativo (Lei 8.846/94, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa fiscal de 300% (trezentos por cento) . - A proibição constitucional do confisco em matéria tributária - ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias - nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. - O Poder Público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do "quantum" pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. (...) (STF - ADI-MC: 1075 DF , Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 17/06/1998, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 24-11-2006 PP-00059 EMENT VOL-02257-01 PP-00156 RDDT n. 139, 2007, p. 199-211 RDDT n. 137, 2007, p. 236-237)
Restringindo ainda mais o entendimento acerca dos limites a partir dos quais estará caracterizado o efeito confiscatório da aplicação da penalidade, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 833.106, concluiu que a aplicação de penalidade à ordem de 120% (cento e vinte por cento) fere a proteção constitucional contra o efeito confiscatório dando provimento ao recurso apresentado para assentar a inconstitucionalidade da cobrança de multa tributária em percentual superior a 100% (cem por cento), qual seja, impedindo que o valor da multa seja superior ao valor principal do tributo ao qual se refere.
2 A defesa administrativa no âmbito federal
O Processo Administrativo Fiscal federal é regulado pelo Decreto nº 70.235/72, estatuído a partir do Decreto-Lei nº 822/69, que delegou competência ao Poder Executivo para legislar sobre processo fiscal. Subsidiariamente ao que está determinado pela norma geral do Processo Administrativo aplica-se também a Lei nº 9.784/99.
O Decreto nº 70.235/72 surge assim, com a finalidade de regular o processo administrativo relativo à determinação e à exigência de créditos tributários federais, de empréstimos compulsórios e de consulta, incluindo, genericamente, matérias relativas à aplicação de sanções administrativas pela Receita Federal do Brasil.
Em decorrência da mencionada delegação de competência, atualmente a jurisprudência brasileira tem conferido a este decreto o status de lei.
Um dos seus grandes méritos foi o de unificar a legislação processual tributária, uma vez que cada tributo trazia regras processuais específicas para sua cobrança, o que dificultava o sistema de administração tributária, com variedade de formas, prazos e procedimentos específicos, gerando uma série de legislações processuais específicas de complicada assimilação.
Ainda assim, deixou vários procedimentos típicos da atividade tributária à margem da regulação, como os procedimentos relativos especificamente à penalidade, repetição de indébito, perdimento de mercadoria, entre outros, restando, para muitos, insuficiente para atingir o fim a que se propunha.
Não obstante as carências destacadas, o diploma reservou atenção a respeito do contraditório e da ampla defesa, ao estabelecer os caminhos postos à disposição do contribuinte para o exercício das citadas garantias constitucionais.
Constituído o crédito tributário ou aperfeiçoado o ato administrativo que produz efeitos jurídicos, pode o contribuinte comportar-se de uma entre as três formas possíveis: não concordar com a autuação e impugnar o ato - ou apresentar manifestação de inconformidade, de acordo com a decisão reclamada, conformar-se e efetuar a extinção da exigência através de uma das formas previstas no Código Tributário Nacional (CTN) ou se omitir, o que caracteriza a revelia, quando não há nem a extinção e nem a realização de qualquer ato que importe na suspensão da exigibilidade do crédito.
No caso da lavratura de sanções tributárias o contribuinte exerce o seu direito ao contraditório e a ampla defesa com a apresentação de impugnação.
A propósito, é entendimento pacífico que, tais garantias só podem ser invocadas neste momento, ou seja, no momento em que se configura a instauração do contencioso, com a apresentação da impugnação tempestiva.
Antes de aperfeiçoado o lançamento, verifica-se a ocorrência da etapa inquisitiva, na qual o fisco levanta as informações necessárias para a imputação de uma obrigação tributária inadimplida, ou a constituição de uma multa diante da constatação da prática de uma infração tributária.
Ao contribuinte não é garantido o direito de, neste momento, efetivar qualquer medida no intuito de impedir a ação fiscalizatória ou seu resultado, haja vista o disposto pelo art. 14 do Decreto nº 70.235/72, determinando que a “impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento”.
Em relação ao tema, traz-se ementa produzida a partir de decisão administrativa exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ) de Campo Grande/MS, com grifo nosso, onde se discutia a necessidade de intimação ao contribuinte para prestação de esclarecimentos, no decurso do procedimento de fiscalização e antes do seu desfecho.
A tese vencedora, convencida pelo citado art. 14 do Decreto nº 70.235/72, foi a de que não é garantido ao contribuinte o exercício do contraditório e da ampla defesa antes de instaurado o litígio e que tais garantias foram respeitadas a partir da oportunidade de apresentação e apreciação da impugnação interposta, junto a qual o contribuinte pôde ofertar as provas que considerasse necessárias:
Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - IRPF OMISSÃO DE RENDIMENTOS. DEPENDENTES. Os rendimentos tributáveis recebidos pelos dependentes devem ser somados aos rendimentos do contribuinte para efeitos de tributação na declaração. PROCEDIMENTO FISCAL. PARTICIPAÇÃO DO AUTUADO. O procedimento fiscal possui natureza inquisitiva, sendo prescindível a participação do autuado nessa fase, mormente quando a autoridade fiscal já dispõe de informações necessárias para a caracterização da infração tributária. DIRPF. RETIFICAÇÃO. ESPONTANEIDADE. PROCEDIMENTO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. Após o início do procedimento fiscal, o autuado perde a espontaneidade para retificar a declaração de ajuste anual.
As Delegacias da Receita Federal de Julgamento, a propósito, constituem-se na primeira instância do contencioso administrativo federal, atualmente regidas pela Portaria MF 341, de 12 de julho de 2011, formadas por Turmas Ordinárias e Especiais de julgamento, cada uma delas integrada por 5 (cinco) julgadores, podendo funcionar com até 7 (sete) julgadores, titulares ou pro tempore.
Todos necessariamente ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e designados para mandatos com duração de até 36 (trinta e seis) meses, admitidas reconduções.
As unidades das Delegacias da Receita Federal de Julgamento são compostas por turmas e a cada uma confere-se competências especificas de julgamento, conforme ato do Ministro da Fazenda.
Apresentada a impugnação ou a manifestação de inconformidade pelo contribuinte interessado em discutir um direito, cabe a estas o julgamento em primeira instância da peça de contestação.
Esta impugnação não poderá resultar em um agravamento da exigência original, ou seja, há vedação ao reformatio in pejus, ressalvada a possibilidade de o fisco efetuar um lançamento suplementar, dentro do prazo decadencial, se constatado ao longo do julgamento administrativo a insuficiência do lançamento original, resguardado ao contribuinte o direito de impugnar a exigência, como se inicial fosse.
O julgador, tanto o de primeira quanto o de segunda instância, em respeito ao princípio da oficialidade, tem o poder de comando do processo, podendo determinar de ofício a realização de diligências ou perícias, quando as entender necessárias (art. 18 do Decreto nº 70.235/1972) à formação de sua convicção.
A determinação para realização de diligência ou perícia deve estar devidamente motivada (inciso VII, do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/99), descrevendo a razão do pedido para que o resultado seja eficaz.
O art. 16 do Decreto 70.235/72 apresenta os itens que não podem deixar de constar na peça contestatória, para que o contribuinte exerça o seu direito de defesa, como as provas que possua e comprovem o que afirma, bem como prevê a requisição de diligências e perícias com a finalidade de produzi-las.
Há previsão, inclusive, que tais provas sejam apresentadas em momento posterior à apresentação da impugnação, desde que tenham caráter superveniente.
Findo o julgamento em primeira instância, o órgão dá ciência ao interessado do acórdão proferido. Caso o lançamento tenha sido mantido total ou parcialmente, o contribuinte poderá apresentar, no prazo de trinta dias da ciência, recurso voluntário total ou parcial, que será submetido à segunda instância administrativa (artigo 33 do Decreto n.º 70.235/72).
O julgamento em segunda instância é feito pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão colegiado e paritário, composto por conselheiros representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes.
Recentemente modificado e aprovado pela Portaria MF nº 343, de 9 de junho de 2015, o Regimento Interno do CARF (RICARF) estabelece a sua estrutura compreendendo três Seções, cada uma comportando quatro câmaras de julgamento, além da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), composta por três turmas.
As Seções são especializadas por matéria e constituídas por quatro Câmaras; e tais Câmaras poderão ser divididas em Turmas, nas quais são realizados os julgamentos em segunda instância.
Mesmo se o recurso voluntário for apresentado após o prazo legal, compete ao CARF o seu exame. Portanto este recurso, mesmo protocolado intempestivamente, será encaminhado ao órgão de segunda instância, que julgará a perempção (artigo 35 do Decreto nº 70.235/72).
Compete aos presidentes de câmara negar, de oficio ou por proposta do relator, seguimento ao recurso apresentado intempestivamente, quando não houver prequestionamento em relação à regularidade de sua interposição.
O recurso voluntário tem efeito suspensivo e, em conseqüência, a eficácia do acórdão de primeira instância fica sobrestada até que se decida a causa, ou seja, durante o transcurso destas etapas permanece suspensa a exigibilidade do crédito tributário discutido, nos termos do art. 151, III do Código Tributário Nacional.
Contra os acórdãos proferidos pelos colegiados do CARF é cabível o recurso especial contra decisão divergente, cujas normas estão reguladas no Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Anexo II da Portaria MF no 343/2015, arts. 67 a 71), contra as decisões que tenham empregado à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, turma de Câmara, turma especial ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais. Terá legitimidade para sua interposição tanto o sujeito passivo contra o Procurador da Fazenda Nacional com atuação junto ao órgão.
Admitido o recurso, o processo será encaminhado à outra parte, que terá prazo de quinze dias para apresentação de suas contrarrazões.
O despacho que rejeitar, total ou parcialmente, a admissibilidade do recurso especial será submetido à apreciação do Presidente da CSRF, que poderá designar conselheiro da CSRF para se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso especial interposto.
Na hipótese de o Presidente da CSRF entender presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso especial irá retomar seu curso, sendo então encaminhado à outra parte, que terá prazo de quinze dias para apresentação de suas contrarrazões. Será definitivo o despacho do Presidente da CSRF que negar ou der seguimento ao recurso especial.
Em resumo: o contribuinte inconformado com ato da administração poderá interpor impugnação ao colegiado de primeira instância (DRJ), recorrer voluntariamente das decisões desta em segunda instância (CARF) e, atendidos os requisitos de admissibilidade, contra as decisões deste, interpor recurso especial à Câmara Superior de Recursos Fiscais.
O ingresso na via administrativa é gratuito, dispensa a intervenção de advogado e suspende de imediato a exigibilidade do crédito tributário, conforme o CTN, art. 151, III, ao passo que a reclamação no âmbito judicial somente tem este condão nos casos em que haja decisão liminar (CTN, art. 151, IV).
Matéria que recorrentemente é tema de debates e questionamentos acerca de possíveis limitações ao exercício do contraditório e da ampla defesa refere-se à possibilidade da discussão administrativa da inconstitucionalidade de normas aplicadas ao direito tributário.
Contudo é vedado aos membros das turmas de julgamento tanto do CARF quanto da DRJ afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.
Existem exceções, conforme se apreende da leitura do art. 26-A do Decreto 70.235/72, transcrito a seguir:
Decreto 70.235/72, Art. 26-A. No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.
§ 6o O disposto no caput deste artigo não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo: (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
II – que fundamente crédito tributário objeto de:
a) dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, na forma dos arts. 18 e 19 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
b) súmula da Advocacia-Geral da União, na forma do art. 43 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993; ou (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
c) pareceres do Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República, na forma do art. 40 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).
Ainda assim, pode-se observar que tais exceções pressupõem uma determinação anterior emanada por outros órgãos concernentes ao tema.
Sobre o assunto, manifestam-se Marcos Vinicius Neder e Maria Tereza Martinez Lopez (2010, p. 417):
Observamos ser a questão que envolve interpretações sobre a ilegalidade ou inconstitucionalidade de determinado ato, pelos órgãos administrativos, um dos temas centrais das discussões doutrinárias e jurisprudenciais, sendo disputa travada tanto nas instâncias administrativas quanto nas judiciárias. O acúmulo de processos que versam sobre matéria tributária no Supremo Tribunal Federal tem gerado reflexões, pois se relacionam a questão de massa. Na verdade, as questões tributárias, somadas às previdenciárias, representam a maioria dos casos a serem resolvidos pela Corte Constitucional. O Ministro Gilmar Ferreira Mendes defendeu em diversas oportunidades a importância da criação de mecanismos de prevenção que antecipem a solução dos litígios de massa e evitem a chegada dessas questões a Suprema Corte. Isso tornaria a prestação da tutela do Estado mais célere e eficaz.
Apesar das discussões, o momento atual ainda é de limitação à possibilidade de afastamento da incidência de normas sob argumento de inconstitucionalidade, conforme sumulado pelo CARF:
Súmula CARF nº 2: O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.
A titulo de ilustração, menciona-se decisão proferida no julgamento do processo administrativo fiscal federal de número 18192.000193/2007-39, no qual o contribuinte protestou contra o valor, a seu ver, exacerbado da multa moratória imposta no lançamento discutido, a qual contrariava os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, questionamento que teve como resposta a compreensão de que não caberia ao CARF manifestar-se sobre o tema, conforme informa a ementa transcrita:
Assunto: Processo Administrativo Fiscal Período de apuração: 01/07/2005 a 31/12/2005 INCLUSÃO DOS DÉBITOS EM PARCELAMENTO - DISCUSSÃO JUDICIAL. - JUROS E MULTA - RENÚNCIA A INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA - NÃO CONHECIMENTO. Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo. O recorrente na ação declaratória questiona a possibilidade de parcelar, inclusive juros e multa. INCONSTITUCIONALIDADE - ILEGALIDADE DE LEI E CONTRIBUIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA A verificação de inconstitucionalidade de ato normativo é inerente ao Poder Judiciário, não podendo ser apreciada pelo órgão do Poder Executivo. O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária. Recurso Voluntário Negado.
É dizer que ao contribuinte punido pela acusação de prática de infração tributária é ofertada a possibilidade da discussão administrativa, nos termos ora explicados.
Importa observar que o contribuinte pode buscar a satisfação da sua pretensão defensiva junto ao judiciário desde logo ou concluída a discussão administrativa que lhe for desfavorável.
3 A defesa judicial em âmbito federal
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu art. 5o, XXXV, consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição que, em síntese, eleva o direito de ação ao patamar de um direito subjetivo do cidadão ao passo que estabelece o modelo de jurisdição unificada, que entrega ao judiciário a decisão final sobre as causas submetidas ao seu crivo.
O processo judicial tributário é regido pelo Código de Processo Civil, salvo no tocante à execução fiscal e à medida cautelar fiscal[6].
A iniciativa do processo de conhecimento, em geral, é do contribuinte, uma vez que as decisões relativas aos temas que se convertem em objeto de discussão judicial quase sempre são do próprio fisco.
Não há razão, diante disto, para que ocorra a provocação de controle judicial, dada a presunção de legitimidade e veracidade que caracteriza os atos administrativos, bem como de certeza e liquidez dos créditos tributários inscritos em dívida ativa (CTN, art. 204) que poderão submeter-se a uma ação de execução, mas não de conhecimento. Conforme ensina Machado (2008, p. 458):
Se o fisco decide, administrativamente, pela existência de um crédito tributário, a cobrança deste se faz mediante a propositura da execução fiscal, posto que o fisco constitui, unilateralmente, o título executivo a seu favor. Por isto é que o fisco não tem necessidade de ir a Juízo para pleitear uma decisão sobre o seu direito de crédito.
Em se tratando de tributos federais, a competência para julgamento das demandas será da Justiça Federal, conforme previsto no art. 109, I da CRFB, tendo em vista a condição de ré colocada à União.
As ações de iniciativa do contribuinte para defender-se contra a imputação de uma infração tributária, e a conseqüente cobrança da multa correspondente, basicamente incidirá na proposição de algum dos seguintes tipos de ação, em lista apontada por Machado (2008, p. 469):
- Ação anulatória de lançamento tributário;
- Ação declaratória;
- Ação de repetição do indébito;
- Mandado de Segurança;
- Ação rescisória;
A ação anulatória é a que visa ao cancelamento do procedimento administrativo de lançamento que culminou com a formulação da exigência fiscal relativa à infração apurada. Por seguir o rito ordinário, este tipo de ação também recebe o nome de ação ordinária.
Na ação declaratória, também conhecida como uma ação ordinária em razão do rito ao qual se submete, o contribuinte pretende obter a declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica, no caso uma relação tributária que o define como sujeito passivo da obrigação referente à penalidade.
A ação de repetição de indébito demanda que o fisco seja condenado a devolver quantia já paga, indevidamente ou a maior, nos termos do art. 165 do Código Tributário Nacional.
Será manuseada quando o contribuinte já tiver recolhido a penalidade exigida e pretender, judicialmente, que seja devolvida a quantia paga a partir de fundamentos levados à apreciação judicial que eliminem a higidez da cobrança efetuada.
O mandado de segurança é garantido constitucionalmente para proteção de direito líquido e certo lesado ou ameaçado por ato de autoridade estatal, conforme previsão do art. 5o, LXIX, da CRFB.
É medida cabível, por exemplo, quando da adoção de uma sanção política, modalidade de sanção rejeitada pelos tribunais superiores, como já mencionado.
Em matéria tributária, a Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, que disciplina o instituto do mandado de segurança, prevê que não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários ou a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior (art. 7o, § 2o), ao passo que, conforme sumulado[7] pelo Supremo Tribunal Federal, o “mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”.
Por fim, na hipótese de trânsito em julgado de sentença favorável à Fazenda Nacional em qualquer outra ação em que discutida a aplicação da infração tributária, poderá o contribuinte promover ação rescisória diante de uma das hipóteses de cabimento contidas no art. 966 do Código de Processo Civil de 2015.
É o caso, por exemplo, em que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal se tenha posicionado a favor da tese do contribuinte que não conseguiu que a sua ação chegasse até aquelas instâncias de julgamento.
Pode ser o caso de uma ação em que determinada penalidade foi aplicada ao contribuinte que apresentou demanda judicial na qual restou vencido, mas que posteriormente foi definida como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Dentro do prazo processual de dois anos após o trânsito em julgado da ação em que ficou vencido, pode o contribuinte ajuizar ação rescisória para rediscutir o assunto a luz do posicionamento demonstrado pelo Supremo Tribunal Federal.
4 A vedação à discussão concomitante nas instâncias administrativa e judicial
A prevalência das decisões judiciais, dado o caráter uno da jurisdição brasileira, determina que o ingresso em contencioso judicial importe, necessariamente em renúncia às instâncias administrativas.
Tal entendimento está expresso no Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011, que determina em seu art. 87 que:
Art.87.A existência ou propositura, pelo sujeito passivo, de ação judicial com o mesmo objeto do lançamento importa em renúncia ou em desistência ao litígio nas instâncias administrativas (Lei no 6.830, de 1980, art. 38, parágrafo único).
Antes da edição da norma citada, no entanto, já existia a súmula nº 1 publicada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) no tocante ao tema:
Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial.
A vedação não pode ser considerada cerceamento de defesa, posto que renúncia somente refere-se aos objetos e argumentos absolutamente idênticos quando em ambas as esferas. Havendo disparidade de objeto ou de argumento, a renúncia poderá ser parcial ou, inclusive, não se configurar.
Esta compreensão decorre, como dito, do fato de prevalecer em definitivo o entendimento exarado pelo judiciário, não fazendo sentido permitir que progrida uma discussão administrativa que poderá ser contrariada eventualmente por decisão que a ela prevalecerá.
Importando observar que o esgotamento da lide administrativa não impede o contribuinte de pleitear seu direito na esfera judicial.
5 A compensação tributária
Os meios de extinção do crédito tributário encontram-se previstos no art. 156 do Código Tributário Nacional:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.
Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149. (grifo nosso)
O instituto da compensação tem origem no Direito Civil, nos ensina Schoueri (2012, p. 844), conforme tratado nos arts. 368 e 369 do Código Civil (CC).
Neste, a compensação acontece independentemente da manifestação das partes, uma vez que a existência de créditos de mesma natureza, relativos a coisas fungíveis, vencidos e líquidos, fará possível a extinção de ambas as obrigações.
Enquanto no âmbito do Direito Civil a compensação é determinada legalmente, independentemente da vontade dos credores e devedores recíprocos, em matéria fiscal não ocorre o mesmo.
Os arts. 170 a 174 do CTN trazem tópicos gerais sobre o instituto, prevendo, entre outras coisas, que a autoridade administrativa poderá estipular condições e garantias para a concretização de uma operação de compensação tributária, a ser realizada com créditos vencidos ou vincendos[8].
A compensação tributária só poderá se dar quando a lei autorizar, podendo esta impor limites à sua materialização. Nem o Código Tributário Nacional e nem a Constituição da República Federativa do Brasil oferecem garantia absoluta de que os contribuintes terão o direito de efetuar a compensação, mas somente autorizam e remetem a leis próprias a possibilidade de implementação e regulamentação do mecanismo, com necessidade de observância à competência tributária de cada ente federativo.
O mesmo não pode ser dito, evidentemente, a respeito do direito de repetição do indébito tributário, este um direito relacionado à garantia geral ao direito de propriedade e vedação ao enriquecimento ilícito.
A eventual impossibilidade de realização de compensação não prejudica o direito de o contribuinte reaver o que pagou a maior ou indevidamente, via pedido de restituição.
É que a compensação tributária é meio de extinção de crédito tributário, não se confundindo com a possibilidade de se pedir restituição do que foi pago sem ser devido.
Sob a égide da Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 a primeira previsão normativa da possibilidade de compensação tributária foi o art. 66 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pela Lei nº 9.069, de 28 de junho de 1995, trazendo a disciplina para aplicação do procedimento extintivo do crédito tributário já previsto no CTN.
A Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, tratando do assunto, estabeleceu que a compensação somente poderia ser efetuada com o recolhimento de importância correspondente a imposto, taxa, contribuição federal ou receitas patrimoniais da mesma espécie e destinação constitucional.
Enfim, a Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, derrogou o art. 66 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, através dos arts. 73 a 74, que passaram a regular a matéria de forma mais flexível, uma vez que possibilitou a compensação de créditos decorrentes de restituição ou ressarcimento com quaisquer tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB).
O art. 96 do CTN define que a expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
O art. 100 do mesmo diploma explica que as normas complementares mencionadas no art. 96 se referem aos atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas, as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa a que a lei atribua eficácia normativa, as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Considerando que os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas fazem parte da legislação tributária e com o objetivo de regulamentar os arts. 73 e 74 Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, a Receita Federal do Brasil[9] editou a Instrução Normativa SRF nº 21, de 20 de março de 1997 que previu a apresentação do Pedido de Compensação (art. 12, parágrafo 3o).
Tal Pedido de Compensação poderia ser apresentado após o Pedido de Restituição, caso o contribuinte pretendesse optar por esta via.
O art. 15 da Instrução Normativa SRF nº 21, de 20 de março de 1997, no entendimento que depois se mostrou dominante, violou o princípio da legalidade ao permitir a compensação de crédito de um contribuinte com débito de outro, já que esta autorização não era prevista no CTN e nem nas demais leis em sentido estrito que tratavam do instituto, conforme relata Gomes (2013, p. 97).
A Instrução Normativa SRF nº 41, de 7 de abril de 2000, revogando o art. 15 da IN SRF nº 21/97, passou a vedar a utilização de créditos de terceiros para compensação de débitos de impostos e contribuições administrados pela RFB.
A Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001 acrescentou o art. 170-A ao Código Tributário Nacional, vedando a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.
6 A Declaração de Compensação
A Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002, convertida na Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, deu nova redação ao art. 74 da Lei nº 9.430/96, tendo como principal aspecto a criação da Declaração de Compensação (Dcomp), documento a ser preenchido e apresentado pelo próprio contribuinte, com o condão de promover a extinção do crédito tributário sob condição resolutória de sua ulterior homologação pela autoridade administrativa competente.
Dotada da natureza de confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a cobrança de débitos indevidamente compensados via ajuizamento direto da execução fiscal[10], a Declaração de Compensação transmitida pelo sujeito passivo deve conter a discriminação dos débitos e créditos que se pretende compensar.
A Receita Federal do Brasil deve, caso não seja reconhecido o direito creditório pleiteado pelo contribuinte a ser utilizado na extinção dos débitos descritos, aplicar a regra prevista nos parágrafos 7o a 11 do art. 74 da Lei nº 9.430/96, e comunicar o contribuinte da não homologação da compensação, intimando-o a efetuar o pagamento do débito no prazo de 30 (trinta) dias ou apresentar defesa junto ao contencioso administrativo.
Nova modificação foi realizada no regramento relativo à Declaração de Compensação através da Lei nº 11.051, de 29 de dezembro de 2004, que listou as situações em que a Declaração de Compensação deveria ser considerada não declarada, nos termos da redação dos parágrafos 12 e 13 da Lei nº 9.430/96.
A decisão que considera não declarada uma compensação, diante da ocorrência de uma das hipóteses legais, não produz qualquer efeito sobre os débitos apresentados pelo contribuinte, e nem é passível de apresentação de manifestação de inconformidade[11], por falta de previsão legal, já que o parágrafo 18 do art. 74 da Lei nº 9.430/96 o prevê somente quando da decisão que conclua pela não homologação da compensação, situação distinta da que leva a conclusão pela não declaração, aplicável especificamente em relação às circunstâncias previstas no parágrafo 12 do art. 74 da mesma norma.
Atualmente, a Declaração de Compensação de créditos e débitos federais, disciplinada pela Instrução Normativa RFB nº 1.300, de 20 de novembro de 2012, deve ser efetuada pelo sujeito passivo mediante sua apresentação à Receita Federal do Brasil e gerada a partir do programa Pedido de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP), disponibilizado pelo órgão no seu endereço eletrônico.
O documento, assim, em regra deve ser transmitido eletronicamente, mas, nos casos de impossibilidade técnica, poderá ser utilizado formulário em papel, desde que o contribuinte apresente prova do seu direito creditório juntamente com a demonstração de que não foi possível utilizar o programa gerador de declarações[12].
O fisco analisará as informações transmitidas e, caso não ocorra a homologação tácita, poderá reconhecer o direito creditório e a extinção dos débitos, considerar o documento não declarado ou ainda tê-lo como não homologado, cada uma dessas decisões produzindo efeitos específicos, conforme previsto nas normas atinentes à matéria.
A Declaração de Compensação não será homologada, ou o será parcialmente, no caso da inexistência ou insuficiência do crédito tributário apresentado pelo contribuinte, em confronto com os débitos indicados.
É dizer que o contribuinte pretendeu extinguir débitos sem que fosse credor do fisco em montante suficiente para tal. Trata-se, portanto, de motivo de ordem material.
De outro modo, a Declaração de Compensação será considerada não declarada quando o contribuinte não observar a forma de transmissão determinada pelo ordenamento, ou seja, por um aspecto formal, ou quando utilizar determinados tipos de créditos listados taxativamente, cuja compensação é vedada pela lei, qual seja, motivo de ordem material[13].
Quanto aos tributos federais, a compensação, em regra, deve ser declarada com a utilização de um programa eletrônico de transmissão de PER/DCOMP, conforme informado anteriormente.
Apresentados os conceitos trazidos até o momento, passamos a análise da penalidade imponível ao contribuinte que transmitir Declaração de Compensação posteriormente não homologada pela autoridade fiscal.
A Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010 deu nova redação aos parágrafos 15 e 17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 para instituir multa isolada no montante de 50% (cinquenta por cento) do valor do crédito objeto de Declaração de Compensação não homologada.
Posteriormente, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, fruto da conversão em lei da Medida Provisória nº 656, de 7 de outubro de 2014, alterou novamente os parágrafos 15 e 17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, desta feita para revogar o primeiro e alterar este último no sentido de expressar a incidência da multa isolada de 50% (cinquenta por cento) não sobre o valor do crédito objeto da Declaração de Compensação, mas sim sobre os débitos informados no dito documento, os quais pretendia o contribuinte extinguir por esta via.
A introdução da referida sanção no sistema jurídico brasileiro se deu por iniciativa da Administração Tributária, com o intuito de coibir a prática de atividades lesivas ao erário quando da utilização indevida do mecanismo de compensação implementado nos moldes explicados em tópico anterior.
Há atualmente uma tendência experimentada não apenas pela ordem jurídica pátria, mas também pelos sistemas adotados em outros países de atribuir algumas atividades da arrecadação tributária aos contribuintes, reservando à máquina administrativa do Estado, em geral, tarefas de fiscalização e controle a posteriori.
É o que se verifica no lançamento por homologação do art. 150 do Código Tributário Nacional, por exemplo, o qual prevê a existência de “tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa”, a quem cabe, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologar, evento que se opera tacitamente com o decurso do interregno de 5 (cinco) anos.
O mesmo ocorre em relação à compensação tributária, uma tendência mundial explicada, sobretudo, pela constatação de que se vive em uma complexa sociedade de massa, na qual o número de atividades potencialmente sujeitas à tributação cresce exponencialmente, exigindo das administrações a implantação de sistemas ágeis e automatizados que permitam a necessária fluidez das operações comerciais, trocas e regularização de situação fiscal por parte dos contribuintes.
São iniciativas cuja adoção constitui exigência da sociedade moderna, pois traduzem o conceito de “praticabilidade da tributação”, assim como o faz o instituto da substituição para frente[14], com a proteção aos valores básicos de se evitar a evasão fiscal e a necessidade de assegurar recursos com alto grau de previsão e praticabilidade (certeza fiscal), conforme pontua Ribeiro (1997, p. 105/110).
Por outro lado, tal cenário, ao delegar ao contribuinte a realização de determinadas atividades em outros tempos imbuídas exclusivamente à autoridade fiscal, ao passo que dá agilidade ao sistema, também possibilita a ocorrência de fraudes ou utilização inadequada das ferramentas postas à disposição, trazendo a possibilidade de enormes danos à coletividade.
Visando a desestimular este tipo de conduta, foi criada a penalidade prevista na Lei nº 9.430/96 no seu art. 74, no montante de 50% (cinquenta por cento) dos débitos objeto de Declaração de Compensação não homologada.
A conduta de efetuar compensações indevidas representa grave risco ao equilíbrio fiscal, uma vez que, como dito anteriormente, declarada a compensação, esta “extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação”, nos termos do art. 74, § 2º, Lei nº 9.430/96.
O objetivo, portanto, é o de punir o contribuinte que, se valendo dos benefícios advindos da apresentação da Declaração de Compensação, o faça em ofensa aos ditames normativos que regulamentam o procedimento.
A partir da implementação da sanção incidente sobre as compensações não homologadas os contribuintes passaram a levar ao judiciário questionamentos quanto a sua validade constitucional, tanto em controle difuso ou incidental, na apreciação dos casos concretos, quanto em controle concentrado ou abstrato, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), autora da ADI nº 4905, noticiada nos seguintes termos no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal:
CNI contesta constitucionalidade de multa imposta pela Receita Federal em caso de pedido de crédito indevido[15]
Em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4905) ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) pede a suspensão, em caráter liminar, da eficácia de dispositivos da Lei nº 9.430/1996, sobre a legislação tributária federal, com a redação introduzida pela Lei nº 12.249/2010 e regulamentação pela Instrução Normativa 1.300/2012, da Receita Federal.
O artigo 74 da Lei 9.430 dispõe que “o sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele órgão”.
Entretanto, em seus parágrafos 15 e 17, introduzidos pela Lei 12.249/2010, o mesmo artigo prevê aplicação de multa isolada de 50% sobre o valor do crédito objeto do pedido de ressarcimento que for indeferido ou indevido, ou no caso de crédito cuja compensação não for homologada pela Receita, “salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo”. Isso porque, no caso de ressarcimento obtido com falsidade (parágrafo 16, não questionado nesta ADI), o valor da multa se eleva para 100%.
A CNI alega que esses dispositivos contêm normas punitivas contra o contribuinte que age de boa-fé. Trata-se de ”multa pela simples conduta lícita do contribuinte, dentro dos limites do regular exercício do seu direito, quando o seu pedido de ressarcimento ou de compensação vier a ser indeferido administrativamente”. A imposição da multa violaria, assim, o direito fundamental de petição aos poderes públicos (artigo 5º, inciso XXXIV, letra a, da Constituição Federal – CF); o direito ao contraditório e à ampla defesa (artigo 5º, inciso LV da CF); a vedação da utilização de tributos com efeito de confisco (artigo 150, inciso IV, da CF); e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, “resultando em verdadeira sanção política que o STF há tempos proíbe por inconstitucional”.
Restituição/compensação
A CNI recorda que, de acordo com o artigo 165 do Código Tributário Nacional (CTN), podem ser restituídas pela Receita Federal ou compensadas pelo sujeito passivo (artigo 170 do CTN) as quantias recolhidas ao Tesouro Nacional a título de tributo ou de contribuição, em algumas hipóteses legais, especialmente: a) cobrança ou pagamento espontâneo, indevido ou maior que o devido; b) erro na identificação do contribuinte, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento.
A restituição ou compensação é prevista, também, pelo artigo 170 do CTN, para os casos de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória e, ainda, de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) resultantes do exercício da atividade econômica. O relator da ADI 4905 é o ministro Gilmar Mendes. (grifo nosso)
Observe que a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta ataca dois dispositivos da Lei nº 9.430/96, com a redação conferida pela Lei nº 12.249/2010, quais sejam, os parágrafos 15 e 17 do seu art. 74:
§ 15. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010).
(...)
§ 17. Aplica-se a multa prevista no § 15, também, sobre o valor do crédito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010).
Ocorre que, como informado acima, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015 trouxe nova redação ao parágrafo 17 e revogou o parágrafo 15 do art. 74 da Lei nº 9.430/96:
§ 15. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010) (Revogado pela Medida Provisória nº 656, de 2014) (Vide Lei nº 13.097, de 2015) (Revogado pela Medida Provisória nº 668, de 2015) (Revogado pela Lei nº 13.137, de 2015)
(...)
§ 17. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo. (Redação dada pela Lei nº 13.097, de 2015)
De plano, já cumpre observar que quanto ao parágrafo 15, assunto que não é tema central desse estudo, deu-se a perda de objeto da matéria levada ao Supremo Tribunal Federal via ADI 4905 em virtude da revogação do texto legal cuja constitucionalidade foi atacada, sendo este o entendimento do Supremo Tribunal Federal, em relação ao qual trazemos as seguintes ementas de julgados concernentes ao tema:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. OBJETO DA AÇÃO. REVOGAÇÃO SUPERVENIENTE DA LEI ARGUIDA DE INCONSTITUCIONAL. PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO. CONTROVÉRSIA. OBJETO DA AÇÃO DIRETA prevista no art. 102, I, a e 103 da Constituição Federal, e a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese, logo o interesse de agir só existe se a lei estiver em vigor. REVOGAÇÃO DA LEI ARGUIDA DE INCONSTITUCIONAL. Prejudicialidade da ação por perda do objeto. A revogação ulterior da lei questionada realiza, em si, a função jurídica constitucional reservada à ação direta de expungir do sistema jurídico a norma inquinada de inconstitucionalidade. EFEITOS concretos da lei revogada, durante sua vigência. Matéria que, por não constituir objeto da ação direta, deve ser remetida as vias ordinárias. A declaração em tese de lei que não mais existe transformaria a ação direta em instrumento processual de proteção de situações jurídicas pessoais e concretas. Ação direta que, tendo por objeto a Lei 9.048/89 do Estado do Paraná, revogada no curso da ação, se julga prejudicada” (ADI 709-PR).
Ação direta de inconstitucionalidade. - Tendo sido abrogada a Lei 751, de 07.04.95, do Estado do Tocantins, na qual se encontravam os dispositivos tidos como inconstitucionais, pela Lei 769, de 05.07.95, do mesmo Estado, que também restabeleceu todas as normas por aquela desconstituídas, está prejudicada a presente ação direta, tendo em vista a orientação desta Corte que, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 708, decidiu que a revogação do ato normativo ocorrida posteriormente ao ajuizamento da ação direta, mas anteriormente ao seu julgamento, a torna prejudicada, independentemente da verificação dos efeitos concretos que o ato haja produzido, pois eles têm relevância no plano das relações jurídicas individuais, não, porém, no controle abstrato das normas. Ação direta não conhecida, por estar prejudicada pela perda de seu objeto. (ADI 1280/TO).
Assim, em relação ao parágrafo 15 entendemos que deverá ser reconhecida a perda de objeto, já quanto ao parágrafo 17 do art. 74 da Lei nº 9.430/96, tem-se que a modificação realizada não excluiu a incidência da sanção, mas alterou a sua forma de cálculo, ao substituir o parâmetro do valor do crédito apresentado para o valor do débito que se pretendeu compensar.
O Supremo Tribunal Federal entende que a alteração operada na norma previamente atacada via controle abstrato de constitucionalidade deverá ser substancial para que seja declarada a perda de objeto da ação, conforme se extrai do excerto a seguir:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº55/2007 QUE MODIFICOU O ART. 20-A DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RONDONIA. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO DISPOSITIVO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2010. PERDA DE OBJETO. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a revogação do ato impugnado ou a sua alteração substancial leva à prejudicialidade da ação direta por perda superveniente de objeto. Precedentes. 2. Pedido prejudicado. (ADI 99036) (grifo nosso)
Nessas circunstâncias, tendo em vista que não houve alteração substancial da norma atacada, continuam hígidos os motivos que ensejaram o controle de constitucionalidade, tendo em conta que o cerne da questão sob apreciação do STF não recai sobre o método de cálculo, mas sobre a implementação da sanção em si.
Tendo sido a Lei nº 13.097/2015 fruto da conversão da Medida Provisória nº 656, de 7 de outubro de 2014, trazemos, para fins de aprofundamento, trecho da exposição de motivos que acompanhou o seu envio ao congresso referente a mencionada alteração no texto que originalmente instituiu a sanção:
Com a revogação proposta para os §§ 15 e 16, e visando manter a aplicação da multa isolada de 50% apenas nos casos de não homologação de compensação, faz-se necessária nova redação para o § 17 do art. 74 da Lei 9.430, de 1996, trazendo para o referido parágrafo o percentual da multa antes previsto no § 15, e para substituir o termo 'crédito' por 'débito", que é efetivamente o valor indevidamente compensado e que deverá ser a base de cálculo da multa isolada.
A nova redação proposta para o § 17 deixa claro que o instituto da Declaração de Compensação não deve ser utilizado para extinção de débitos sem a existência de créditos correspondentes, em estrita observância do que dispõe o art. 170 do CTN.
Assim, é aplicável a multa isolada no caso em que o débito é extinto sob condição resolutória, mas cujo crédito indicado para compensação é insuficiente, no todo ou em parte, para extinguir o tributo devido.
E a ressalva contida no §17 de que essa multa não se aplica no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo é porque para esta hipótese existe previsão específica de aplicação de multa isolada nos termos do art. 18 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2013. (grifo nosso)
Trazemos abaixo, em síntese, as alegações contrárias à validade da sanção em debate, submetidas pelos contribuintes à apreciação judicial:
· A penalidade tem a natureza de sanção política, dado o constrangimento imposto, impedindo o contribuinte ou o inibindo na sua faculdade de realizar atividade permitida pela norma;
· Há caráter confiscatório da penalidade imposta, em flagrante afronta à vedação contida no art. 150, IV da Constituição Federal;
· A multa viola o princípio da proporcionalidade, posto que a sanção deve inibir condutas indevidas dos contribuintes, o que não é o caso da apresentação de uma Declaração de Compensação posteriormente não homologada;
· Há óbice ao exercício do direito constitucional de petição, garantia constitucional prevista no art. 5o, XXXIV, “a” da Constituição Federal;
Nos próximos tópicos passaremos a analisar cada um dos argumentos listados acima, com o intuito de verificar sua subsistência frente ao ordenamento jurídico tributário.
9 Da sanção política
As sanções políticas, já apresentadas anteriormente, caracterizam-se, nas palavras de Schoueri (2012, p. 1091), por “restrições não razoáveis ou desproporcionais ao exercício de atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de coação ou indução ao pagamento de tributos”.
As sanções indiretas ou políticas, diferentemente das que são utilizadas como meio de punir a desobediência às normas de prática cogente representam maneiras reflexas de cobrança de tributos.
São imposições do Estado sobre aqueles que estão em situação de mora para com os compromissos tributários, de maneira que impossibilite a atividade profissional ou empresarial dos contribuintes, neste sentido trazemos excertos de julgados oriundos do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4a região, para fins de ilustração:
TRIBUTÁRIO. IPI. DECRETO Nº 4.544, DE 2002, ART. 234. SELOS DE CONTROLE DE IPI. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL. OFENSA À LEGALIDADE. SANÇÃO POLÍTICA. A exigência de comprovação da regularidade fiscal para fornecimento de selos de controle de IPI, nos termos do Decreto nº 4.544, de 2002, art. 234, constitui ofensa ao princípio da legalidade (CF, artigos 5º, inciso II; e 150, inciso I), e implica sanção política, ao obstar o livre exercício de atividade econômica lícita (CF, artigo 170, parágrafo único). (TRF-4 - APELREEX: 2329 RS 2008.71.07.002329-6, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 23/09/2009, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 06/10/2009)
TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE TRIBUTOS E MULTA. IMPOSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE DO TRANSPORTADOR. INTERESSE PROCESSUAL. TEORIA DA CAUSA MADURA. 1. A empresa transportadora é parte legítima para impetrar mandado de segurança objetivando a liberação de carga apreendida em procedimento aduaneiro e cuja liberação foi condicionada ao pagamento de tributos e multa, uma vez que o transportador é responsável pela carga até a entrega ao destinatário. 2. A concessão da medida liminar consiste em ato judicial provisório, o qual, ainda quando satisfativo, exige a devida ratificação judicial, não havendo falar em ausência de interesse processual decorrente da perda do objeto. 3. Teoria da Causa Madura. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento (art. 515, § 3/, do CPC). 4. Não subsiste a negativa de liberação das mercadorias apreendidas pelo simples fatos de o transportador ter contra si lançado crédito tributário, uma vez que a União tem meios próprios (execução fiscal) para obter a satisfação da dívida, não lhe sendo permitido impedir o contribuinte de exercer a sua atividade econômica sob pena de sanção política, já rechaçada pelo STF em diversas ocasiões. Súmulas 323 e 547 do STF. (TRF-4 - AC: 8185 PR 2006.70.02.008185-0, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 02/06/2010, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 08/06/2010)
A multa em tela não impõe esta circunstância ao contribuinte, posto que não há vedação, direta ou indireta, ao exercício de sua atividade econômica ou profissional.
A multa apenas visa a punir infração administrativa prevista em lei, e contra a qual são admitidos ao contribuinte todos os recursos referentes ao devido processo administrativo e judicial.
A inobservância de requisitos previstos em lei para a utilização do mecanismo de compensação para extinção de créditos constituídos origina uma obrigação tributária, qual seja, a multa pecuniária, da qual o sujeito passivo passa a ser devedor, não implicando tal condição circunstância em que ficará impedido de realizar suas atividades.
10 Do efeito confiscatório
Um outro argumento a ser analisado é o de que a multa produziria o efeito confiscatório vedado constitucionalmente. Paulsen (2008, p. 228) assim se manifesta quanto ao princípio em comento:
Confisco é a tomada compulsória da propriedade privada pelo Estado, sem indenização. O inciso comentado refere-se à forma velada, indireta, de confisco, que pode ocorrer por tributação excessiva. Não importa a finalidade, mas o efeito da tributação no plano dos fatos. Não é admissível que a alíquota de um imposto seja tão elevada a ponto de se tornar insuportável, ensejando atentado ao próprio direito de propriedade. Realmente, se tornar inviável a manutenção da propriedade, o tributo será confiscatório.
Não existe um critério objetivo que determine em que nível de exigência do crédito tributário este se afigurará confiscatório, embora tenhamos exemplos no julgamento dos casos concretos, como o decidido na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.075, no bojo da qual concluiu-se confiscatório o efeito de multa incidente à alíquota de 300% (trezentos por cento).
Merece destaque o fato de que haverá cobrança de multa ao montante de 75% (setenta e cinco por cento) sobre tributos federais constituídos a partir de lançamentos de ofício, incidindo sobre a “totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata”.
Em manifestação recente, no julgamento do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 727.872/RS[16], o Supremo Tribunal Federal, reafirmou entendimento de que as multas punitivas não poderão ser superiores ao montante de 100% (cem por cento) do valor da obrigação principal a qual se referir. Trazemos excerto a seguir:
Considerando as peculiaridades do sistema constitucional brasileiro e o delicado embate que se processa entre o poder de tributar e as garantias constitucionais, entendo que o caráter pedagógico da multa é fundamental para incutir no contribuinte o sentimento de que não vale a pena articular uma burla contra a Administração fazendária. E nesse particular, parece-me adequado que um bom parâmetro seja o valor devido a título de obrigação principal. Com base em tais razões, entendo pertinente adotar como limites os montantes de 20% para multa moratória e 100% para multas punitivas.
Como já destacado, a multa incidente sobre a compensação não homologada tem clara função de inibir um comportamento indevido, revestindo-se de natureza punitiva, com nítida diferenciação em relação às multas moratórias, que visam a penalização exclusivamente do atraso no recolhimento.
Não se pode falar, portanto, em caráter confiscatório da multa em tela, tendo em vista situar-se em patamar bem abaixo do que entendem os tribunais pátrios.
11 Do ferimento ao princípio da proporcionalidade
Para analisar a alegação de que a penalidade afronta o princípio da proporcionalidade, trazemos a apresentação que Di Pietro (2008, p. 75/76) faz quanto ao princípio invocado:
Trata-se de princípio aplicado ao Direito Administrativo como mais uma das tentativas de impor-se limitações à discricionariedade administrativa, ampliando-se o âmbito de apreciação do ato administrativo pelo Poder Judiciário. Tal pode ocorrer quando o ato editado pelo poder público não dê os fundamentos de fato ou de direito nos quais se sustenta, não leve em conta os fatos constantes do expediente (ou públicos ou notórios), ou não guarde proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, se trate de medida desproporcionada, excessiva em relação ao que se deseja alcançar.
Para Mendes (1994, p. 469) o juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida deverá resultar de rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador, com luz sobre os pressupostos de adequação, necessidade e proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito.
Para abordar o ato sob o aspecto da proporcionalidade, portanto, devemos enxergá-lo com vistas a estes três critérios: adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Como visto, a implementação da multa em comento surgiu como uma medida contra a utilização abusiva da compensação tributária através da transmissão de Declaração de Compensação sem a existência de fundamentação legal ou mesmo sem que houvesse crédito a aproveitar.
Diante desta circunstância, havia necessidade da adoção de mecanismos que inibissem a prática de ilícitos administrativos, sem, contudo, penalizar os contribuintes que atuassem corretamente.
A implantação de mecanismos mais rigorosos para transmissão e admissão da Declaração de Compensação, a priori, acabaria afetando a todos indiscriminadamente, como já ocorre tradicionalmente com os controles da burocracia clássica.
Por outro lado, entendendo-se necessária a implementação de uma medida que evite ou iniba a ocorrência de práticas lesivas, há de adotar aquela que se mostre adequada, dentro do sistema a qual pertence.
Assim, a adoção de uma multa pecuniária, em detrimento da imposição de sanções políticas ou obstáculos ao exercício do direito de declarar a compensação pretendida, afigura-se como meio adequado de punição aos que atuarem em confronto às normas relativas ao instituto.
Esta análise nos conduz, portanto, a admitir que a medida atendeu aos requisitos de necessidade e adequação.
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito exige uma leitura quanto às vantagens da medida em confronto com as desvantagens.
A previsão de multa de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito apresentado em Declaração de Compensação não homologada é proporcional ao fim colimado, qual seja, evitar condutas que, conforme alegado, afetam a Fazenda Pública, a administração fiscal e, ao fim e ao cabo, toda a coletividade.
Um percentual menor não alcançaria o objetivo de coibir práticas ilícitas, já que o contribuinte se disporia a correr o risco de pagar a multa pretendida para ter o seu crédito suspenso por prazo razoável de tempo, gozando das benesses de uma certidão positiva de débitos com efeito de negativa, ou até sendo beneficiado pela homologação tácita e a impossibilidade de análise pelo fisco de uma compensação que não era hígida.
12 Do abuso ao direito de petição
Um outro argumento apresentado contra a imposição da multa ora estudada aduz que esta significa verdadeira ofensa ao direito constitucional de petição, cujo nascimento histórico se deu com a Magna Carta de 1215[17], e previsto no art. 5o, XXXIV da CRFB, segundo o qual é assegurado a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
É de se observar que, ao pleitear o ressarcimento ou declarar a compensação, o contribuinte não está peticionando contra ato ilegal ou abusivo da Administração, mas unicamente informando a esta a existência de crédito a seu favor em virtude de recolhimento de tributo indevido ou a maior do que o devido e, por conseguinte, solicitando o seu ressarcimento ou a sua compensação com débitos seus, declaração, no caso da compensação, que já basta para a produção dos efeitos pretendidos, quais sejam, a extinção do crédito tributário que se pretende pagar, ainda que em condição resolutória.
Não deve prosperar, assim, o argumento de afronta ao direito de petição, posto que não há vedação ao gozo de tal garantia.
A imposição da multa não viola o direito de o contribuinte declarar a compensação pretendida, mas sim prevê a punição da utilização indevida do mecanismo.
O que se pune é o excesso danoso, o abuso, e não o exercício regular do direito. Fazendo um paralelo, por exemplo, com as infrações de trânsito, poder-se-ia argumentar que a imposição de limites de velocidade e a lavratura de multas a quem o desrespeitasse ofenderia o direito de ir e vir, numa verdadeira deturpação do instituto, uma vez que, repise-se, o que se pune não é o exercício regular do direito, mas sim a sua extrapolação.
Uma vez que os regulamentos atinentes à apresentação da Declaração de Compensação informam detalhadamente as vedações e os critérios informadores das análises, cabe ao sujeito passivo exercer o seu direito em conformidade com as prescrições normativas.
Aprofundando o argumento, os contribuintes alegam que o malferimento ao direito de petição residiria também no fato de que a legislação tributária, complexa e extensa, eivada de minúcias, induziria os mesmos a erro, no qual incorreria sem que este fosse o intuito.
Em relação a isso, conforme já tratado em capítulo anterior, o Código Tributário Nacional no seu art. 136 define como regra a natureza objetiva da responsabilidade pela infração tributária.
É dizer que para a apuração e cominação de penalidades não importam, à luz do fato gerador enquadrado, que seja comprovada a existência de culpa ou dolo por parte do agente em questão. Verificada a infração à norma tributária, não caberá à autoridade tributária outra alternativa, senão a imposição da infração prevista.
Está ao alcance dos contribuintes em dúvida o procedimento de consulta sobre dispositivos da legislação tributária aplicáveis a fato determinado ou à classificação de mercadorias, por exemplo, previsto nos arts. 48 a 50 da Lei nº 9.430/1996 e 46 a 53 do Decreto nº 70.235/1972. O processo de consulta, conforme definição de Neder (2010, p. 374):
Diante do emaranhado de leis, medidas provisórias, decretos, instruções normativas, etc., os obrigados à observância da legislação tributária, muitas vezes, encontram-se na situação de não saber como proceder, sendo comum a busca de soluções da Administração Pública mediante o instituto da consulta. A consulta, formulada por escrito, é, portanto, o instrumento que o interessado possui para dirimir dúvidas quanto à aplicação de determinado dispositivo da legislação tributária em uma situação concreta relacionada com sua atividade.
A admissão do processo de consulta produz, entre outros efeitos, o de impedir que o fisco autue o contribuinte com fundamento nos fatos e normas submetidos à análise através deste procedimento.
É dizer que o contribuinte não terá seu direito de petição obstaculizado, visto que, diante de dúvida, poderá apresentar pedido de restituição do crédito que entende lhe ser devido, a fim de proteger o seu direito à pretensão dos efeitos do decurso do tempo[18], enquanto aguarda esclarecimentos atinentes ao instituto da compensação, se for o caso da apresentação de consulta para tal.
Solucionadas as dúvidas, reconhecida a possibilidade de compensação, poderá efetuá-la utilizando o crédito já apresentado previamente em pedido de restituição.
É dizer que não há ferimento ao direito de petição, posto que ao apresentar Declaração de Compensação o contribuinte não requer à administração providências para usufruto dos seus efeitos, que se operam mesmo na inércia estatal.
Não há que se confundir o direito de petição, que depende de uma manifestação do ente público para o seu desfecho, com a possibilidade de a Fazenda Pública realizar verificações a posteriori do ato praticado pelo contribuinte, durante o prazo de cinco anos, entre a formalização da apresentação da Declaração de Compensação e a sua homologação tácita.
Como dito, os efeitos da Declaração de Compensação já ocorrem com a sua simples transmissão, não se submetendo de imediato a qualquer chancela da Fazenda Pública, a não ser as atinentes aos requisitos de admissibilidade do documento.
CONCLUSÃO
A Administração Pública, ao implementar mecanismos de solução das demandas dos contribuintes, não poderia fazê-lo sem adotar as medidas de controle e fiscalização do cumprimento dos regulamentos, inclusive por meio de sanção a incidir sobre práticas ilícitas.
Ao longo do presente estudo, apresentamos as razões que levaram à criação da multa prevista no art. 74, parágrafo 17 da Lei nº 9.430/96, com o intuito de evitar e punir a ocorrência de compensações indevidamente realizadas pelos contribuintes, práticas lesivas aos cofres públicos e em flagrante afronta ao interesse coletivo.
Elencamos os principais argumentos apresentados em contestações judiciais e administrativas, que giram em torno das alegações de que a multa, além de ser desproporcional e confiscatória, também fere o direito de petição, se constituindo em verdadeira sanção política.
Analisamos ponto a ponto para concluir que a presente sanção não deve se vergar a qualquer desses argumentos, posto que criada com o legítimo intuito de combater uma prática danosa, por via adequada e aceita pela jurisprudência, criada por lei, em conformidade com os princípios constitucionais que vedam o confisco, já que aplicada em alíquota condizente com uma carga que inibe os malfeitos, sem exorbitar da razoabilidade.
Entendemos também que o direito de petição não está renegado, tendo em vista que os efeitos da compensação são imediatos e a fórmula adotada não afasta do contribuinte a possibilidade de discutir administrativamente e judicialmente os atos da administração esvaziados de legalidade.
A aplicação de sanção pecuniária, enfim, não se caracteriza como sanção política caso não inviabilize a atividade econômica desempenhada pelo contribuinte infrator, como demonstramos ser o caso.
É fundamental, por fim, que a Administração Pública prossiga implementando medidas de facilitação de acesso aos institutos tributários, como o caso da compensação e da restituição, mas para isso não poderá se descuidar das formas de controle, para que o equilíbrio do sistema não seja comprometido.
Desta forma, alcançaremos um estágio de diminuição dos entraves para o exercício de direitos, sem que isto implique em meio de ampliação de ilícitos.
O desafio, neste sentido, é implementar medidas que, ao passo que cumpram seu papel inibitório, se enquadrem nos limites estabelecidos constitucionalmente, como é o caso da sanção que elegemos como objeto deste estudo.
REFERÊNCIAS
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GOMES, Marcus Lívio. Extinção do Crédito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 159 p.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 543 p.
Magna Carta. In Britannica Escola Online. Enciclopédia Escolar Britannica, 2015. Web, 2015. Disponível em: <http://escola.britannica.com.br/article/481798/Magna-Carta>. Acesso em: 27 de outubro de 2015.
MENDES, Gilmar Ferreira. A Proporcionalidade na Jurisprudência do STF. Repertório IOB de Jurisprudência. 1a quinzena de dezembro de 1994 nº 23/94, p. 469.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. 900 p.
NEDER, Marcos Vinicius. LOPEZ, Maria Tereza Martinez. Processo administrativo fiscal federal comentado. 3a Ed. São Paulo: Dialética, 2010. 542 p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 10 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: ESMAFE, 2008, p. 960.
RIBEIRO, Antônio de Pádua. Substituição Tributária para Frente. Revista do CEJ nº 03, dez/1997.
Sítio Eletrônico do Palácio do Planalto. Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9430.htm>. Acesso em: 10 out. 2015.
__________. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8137.htm>. Acesso em: 10 out. 2015.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência. 2015. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ>. Acesso em: 01 nov. 2015.
Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência. 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 01 nov. 2015.
[1] O art. 44, I da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996 prevê a aplicação de multa no percentual de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata, penalidade que será duplicada nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, que versam sobre sonegação de tributos, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.
[2] O art. 112 do CTN informa que a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades deve ser interpretada da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato, à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos, à autoria, imputabilidade, ou punibilidade e à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.
[3] A expressão "ato não definitivamente julgado" prevista no art. 106 , II , do CTN , abrange também a esfera judicial, por serem tais atos passíveis de revisão pelo Poder Judiciário, inclusive de ofício pelo magistrado. Nesse sentido: STJ, Resp. 295762/RS.
[4] Pecuniárias ou valoráveis, como no caso da pena de perdimento de bens de importação proibida, ocasião em que o valor não é revertido ao ente fiscal já que os bens apreendidos são destruídos, quando não for possível a destinação para utilização ou alienação.
[5] Neste sentido dispõem as súmulas 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal.
[6] A execução fiscal é regulada pela Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 e a Lei nº 8.397, de 6 de janeiro de 1993 trata das medidas cautelares fiscais.
[7] Súmula 213 do Supremo Tribunal Federal.
[8] No que também se diferencia da aplicação deste modo de extinção de obrigações no Direito Civil, que prevê apenas a compensação em relação a créditos vencidos.
[9] Naquela ocasião a hoje denominada Receita Federal do Brasil tinha o nome de Secretaria da Receita Federal (SRF).
[10] Por força do parágrafo 6o do art. 74 da Lei nº 9.430/96 com a redação dada pela Medida Provisória nº 135/2003.
[11] Reservado ao contribuinte o direito de apresentação de recurso nos termos do art. 56 da Lei nº 9784/99.
[12] Conforme art. 41 da IN RFB nº 1.300/2012.
[13] Os créditos que não podem ser objeto de compensação cuja vedação culminará na não declaração do documento de compensação estão listados no art. 41 § 3º, I da Instrução Normativa RFN nº 1.300/2012.
[14] Conforme art. 150, § 7o da Constituição da República: a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
[15] Supremo Tribunal Federal – Notícias. Brasília/DF: 1/2/2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=229737. Acesso em 18/10/2015.
[16] STF - AI 727872 A GR / RS, Relator: Min. Roberto Barroso. Data do julgamento: 28/04/2015. Primeira Turma.
[17] Conforme conceitua a Enciclopédia Britânica, a Magna Carta (expressão em latim que significa “Grande Carta”) foi o primeiro documento a colocar por escrito alguns direitos do povo inglês. Seu nome completo é “Grande carta das liberdades ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do reino inglês”. O rei João sem Terra, da Inglaterra, a assinou em 15 de junho de 1215. A Magna Carta estabeleceu que o rei devia seguir a lei e não podia mais reinar como bem entendesse. Foi um dos primeiros documentos a conceder direitos aos cidadãos. Desse modo, é considerado um tipo de constituição, a primeira que houve no mundo.
[18] O art. 168 do Código Tributário Nacional determina que extingue-se em 5 (cinco) anos o direito de o contribuinte pleitear restituição de crédito pago a maior ou indevidamente. Decorrido este tempo, não poderá o crédito ser restituído ou utilizado em compensação, em razão do que, caso o contribuinte apresente processo de consulta e opte por aguardar o seu resultado para apresentar declaração de compensação, é prudente que elabore pedido de restituição em relação ao crédito pretendido, para evitar que o decurso do prazo de cinco anos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Igor Rosado do. A constitucionalidade da multa pela não homologação da declaração de compensação de tributos federais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jul 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52057/a-constitucionalidade-da-multa-pela-nao-homologacao-da-declaracao-de-compensacao-de-tributos-federais. Acesso em: 22 nov 2024.
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